A democratização da dispensa de licitação através da cotação eletrônica no governo federal

Resumo: O presente estudo vem apresentar as vantagens do uso do Sistema de Cotação Eletrônica no Governo Federal tanto no aspecto econômico quanto na democratização da compra por dispensa de licitação. O artigo apresentará a forma de aquisição direta por dispensa de licitação praticada antes de 2002, o surgimento do Sistema de Cotação Eletrônica, a orientação de uso preferencial e seu potencial de economia. Pretende-se demostrar o seu baixo uso em face de seus grandes benefícios através da análise de compras públicas federais de determinado órgão federal em 2010, 2011 e 2012. Neste artigo também será abordada a transparência dos gastos públicos onde se insere, de pronto, a possibilidade de se deixar transparecer as aquisições por dispensa de licitação.

Palavras-chave: Legalidade. Direito Administrativo. Licitações e contratos. Cotação Eletrônica. Dispensa de Licitação

Abstract: The present study is to present the advantages of using electronic quotation system in the Federal Government both economically and in the democratization of purchase by without bidding. The paper will present the form of direct purchase by without bidding practiced before 2002, the emergence of electronic quotation system, the orientation of the preferred use and potential savings. It is intended to demonstrate its low use in the face of its great benefits through the analysis of a particular Federal procurement federal agency in 2010, 2011 and 2012. This article will also be addressed transparency of public spending where it belongs, at once, the possibility of betraying the acquisitions without bidding.

Keywords: Legality. Administrative Law. Tenders and contracts. Electronic Quotes. Waiver of Bid

Sumário: 1. Introdução. 2. Aquisições por Dispensa de Licitação. 3. Aspectos históricos da cotação eletrônica. 4. Operacionalização da Cotação Eletrônica. 5. Inclusão de Pedido de Cotação Eletrônica. 6. O Efetivo Uso do Sistema de Cotação Eletrônica com Base em dados de Instituto de Pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. 7. Conclusão. Referências.

1. INTRODUÇÃO

Desde a emissão da lei de transparência (Lei nº 12.527, de 18 de novembro 2011, regulamentada pelo decreto nº 7.724, de 16 de maio de 2012) voltaram-se os olhos, mais uma vez, para a transparência dos gastos públicos. Considerando que os gastos de grande monta no serviço público federal são aqueles que advêm da dispensa de licitação, vem o presente artigo demostrar o pouco uso da ferramenta de Cotação Eletrônica que, a princípio, tem o condão de democratizar a compra pública dispensável que, na maioria das vezes, é efetivada com três propostas e sem divulgação, inibindo a competição e evitando a possibilidade de diminuição do preço praticado.

É costume administrativo, não obstante o desejo exagerado de determinados órgãos de assessoramento jurídico, que se recolham, para fins de comprovação de preços praticados, no mínimo, três propostas. Tal expediente enseja, em grande volume e, ainda hoje, o fechamento da aquisição pela proposta de menor valor sem levar o mercado a opinar. A forma comum de aquisição por dispensa de licitação será tratada no item quatro de forma a entendermos a necessidade do uso da Cotação Eletrônica.

O uso preferencial da cotação eletrônica surgiu em 2001 através de portaria do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão sendo reforçado o uso em 2005 através do decreto regulamentar do pregão eletrônico. Esse aspecto histórico, de grande relevância para o presente artigo, será tratado item cinco de forma contextualizar a ferramenta no âmbito das aquisições públicas.

Nos itens seis e sete será demonstrada a operacionalização da Cotação Eletrônica, com apresentação de algumas telas da ferramenta, para exemplificar o assunto objeto deste artigo.

No item oito do presente artigo será efetivado estudo do quantitativo de compras por despensa de licitação nos anos de 2010, 2011 e 2012 de forma a se verificar percentualmente o quanto se utilizou do instrumento proposto e quanto se economizou com esta utilização. Dessa forma se demonstrará numericamente os benefícios de se buscar o mercado a opinar sobre o preço praticado nas dispensas de licitação. Faz-se, também, necessário um estudo de caso concreto onde se elegeu um Instituto de Pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação para análise da economicidade de aquisições públicas.

  Utilizou-se para compor o estudo a análise da legislação vigente assim como os dados do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal no que tange aos gastos públicos. A conclusão da presente obra sedará, ainda, vislumbrando o espírito da legislação de acesso a informação do Governo Federal.

2 – AQUISIÇÕES POR DISPENSA DE LICITAÇÃO

Conceituação doutrinária a parte, licitação é o procedimento que a Administração Pública se utiliza para aquisição de bens e serviços de forma a obter o melhor produto com o menor preço e de maneira transparente. Dessa forma a regra do ordenamento jurídico pátrio é licitar, ou seja, é chamar o mercado a competir e fornecer o melhor produto ou serviço a um preço adequado.

Não é outra a ordem da Constituição da República Federativa do Brasil:

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…)

XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.”

Segue o raciocínio a norma infraconstitucional – Lei 8.666/1993:

“Art. 2º. As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta lei.”

A exceção a regra seria a aquisição de bens e serviços sem licitar, ou seja, de forma direta.

No Brasil temos duas formas de aquisição direta preceituadas na lei que regula as aquisições públicas, Lei 8.666/1993 – Lei de Licitações, a Inexigibilidade e a Dispensa.

Apesar de não ser objeto deste estudo vale, desde já, diferenciar os dois institutos, a saber:

É inexigível a licitação quando houver impossibilidade de competição ou, na maioria das vezes, mas não somente, quando o fornecedor for exclusivo. Dessa forma, não seria viável exigir um procedimento que não pudesse ser levado adiante.

É dispensável a licitação que a lei assim o diz e, no escopo do presente artigo, atentaremos para aquela dispensada por valor:

“Art. 24.  É dispensável a licitação: (…)

II – para outros serviços e compras de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea "a", do inciso II do artigo anterior e para alienações, nos casos previstos nesta Lei, desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto que possa ser realizada de uma só vez;”

O valor dispensado de licitação é, pelo comando do presente inciso, R$8.000,00(oito mil reais), a aquisição de bens ou serviços que custem até esse valor não precisam passar pelo tortuoso e formal procedimento de licitação.

Essa é a essência da dispensa de licitação que, em outras épocas, era feita apenas com a instrução de três propostas de fornecedores distintos, ganhando aquele que ofertasse o menor preço.

3 – ASPECTOS HISTÓRICOS DA COTAÇÃO ELETRÔNICA

Surgido em 13 de dezembro de 2001, através da portaria 306/2001 do Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão – MPOG, o Sistema de Cotação Eletrônica busca trazer maior transparência aos processos de compras de pequenos valores tais como descritos no inciso II do Art. 24 da Lei nº 8.666 de 21 junho de 1993, que se refere as dispensas de licitação. Busca, ainda, o aumento da competitividade nestas de compras, o que, por consequência, reduziria o custo.

Vale ressaltar que a inclusão desse sistema no âmbito federal chamou a atenção de outras esferas de governo que vem, desde então, implantando sistema semelhante.

Em 31 de maio de 2005 foi editado o Decreto nº 5450 que vinha regulamentar o pregão, na forma eletrônica, para aquisição de bens e serviços comuns, mas que acabou, em seu parágrafo segundo do art. 4º, determinando o uso preferencial da Cotação eletrônica nos casos de dispensa de licitação.

“§ 2o  Na hipótese de aquisições por dispensa de licitação, fundamentadas no inciso II do art. 24 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, as unidades gestoras integrantes do SISG deverão adotar, preferencialmente, o sistema de cotação eletrônica, conforme disposto na legislação vigente.”

Em 2011 a Consultoria Jurídica da União, órgão da Advocacia Geral da União, responsável, dentre outras atribuições, pelos pareceres jurídicos a respeito de aquisições no Serviço Público Federal emite a Orientação Normativa Interna CJU/SP nº 14 que dispôs sobre o uso obrigatório da cotação eletrônica para o fornecimento de bens. 

“DISPENSA. COTAÇÃO ELETRÔNICA. FORNECIMENTO DE BENS. OBRIGATORIEDADE. 
Contratação de fornecimento de bem fundada em dispensa de licitação prevista no inciso II do art. 24 da Lei nº 8.666/1993. Realização obrigatória de cotação eletrônica pelos órgãos federais cadastrados no SIASG. Art. 4º, § 2º do Decreto nº 5.450/05, salvo se demonstrada a inviabilidade de sua realização.”

4 – Operacionalização da Cotação Eletrônica

A operacionalização da cotação eletrônica ocorre no Portal de Compras do Governo Federal – Comprasnet. O Portal entrou no ar em 1997 para fins de divulgação, via Internet, dos avisos e editais de licitação assim como dos resumos dos contratos assinados pela Administração Pública Federal. No ano 2000, com a criação do o pregão eletrônico, o site passou a permitir compras em tempo real, o que criou infraestrutura para as operações das cotações eletrônicas em 2001. Em 2011 o Governo Federal através do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão – MPOG implantou o módulo Divulgação de Compras, em plataforma web, visando o cadastramento de processos de compras realizados pela Administração Pública e o consequente envio eletrônico de matérias relativas aos avisos de Licitação, Pedidos de Cotação Eletrônica, Dispensa e Inexigibilidade à Imprensa Oficial permitindo assim transparência dos atos para a sociedade.

5 – Inclusão do Pedido de Cotação Eletrônica

A Cotação Eletrônica é incluída no Comprasnet – Módulo Divulgação de Compras – por servidor público autorizado através da tela de ingresso de Inclusão de Pedido de Cotação Eletrônica.

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O pedido é incluído com informações básicas e legais tais como o número do processo administrativo que gerou a solicitação de aquisição e a identificação do responsável pela compra (Servidor Público ou em Comissão, previamente cadastrado, que funciona como ordenador de despesas da unidade adquirente).

O Objeto da aquisição é então colocado de forma geral para dar total ideia ao fornecedor daquilo que se espera do produto a ser fornecido.

Em seguida são incluídos os itens que farão parte da cotação de forma que uma cotação poderá ter mais de um item.

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Os itens do pedido de cotação são então listados de forma minuciosa para que não restem dúvidas ao licitante. Deve-se lembrar que todo o processo é online não havendo, portanto, contato direto entre o licitante e o servidor público operador do sistema.

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Na figura 3 observa-se que o bem a ser adquirido deve ter cadastro no CATMAT – Catalogo de Materiais do Governo Federal, ter sua descrição detalhada, assim como quantidade e valor estimado para compra. Nesse momento é definido também o prazo e endereço para entrega do item. Dessa forma é permitido que cada item da cotação tenha prazo de entrega e endereço diversos.

O valor estimado para contratação deve ser obtido através de pesquisa ou experiência de mercado que, diferentemente da Dispensa de Licitação Comum, não é cadastrada no sistema.

Essa modalidade de dispensa também não precisa ser divulgada no Diário Oficial ficando sua visibilidade restrita ao Portal Comprasnet. Esse fato gera uma economia a mais na aquisição dos produtos.

A situação final do Pedido de Cotação Eletrônica é o Relatório de Classificação de Fornecedores que indica a melhor proposta obtida no certame.

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6 – O Efetivo Uso do Sistema de Cotação Eletrônica com Base em Instituto de Pesquisa[1] do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação

Em análise aos anos de 2010, 2011 e 2012 do verifica-se, numericamente, o uso efetivo e a economia alcançada com a ferramenta de Cotação Eletrônica para a Dispensa de Licitação baseada no inciso II da lei de licitações. Em relação a dispensa convencional, em 2010, o uso da cotação eletrônica correspondeu apenas a 7,71% do que foi efetivamente dispensado. Esse percentual sobe em 2011 para 9,70% mas volta a cair em 2012 para 5,91%.

O que se apresenta é que com a emissão da Orientação Normativa 14 de 2011 da Consultoria Jurídica da União houve um esforço do Instituto utilizado para amostragem no aumento do uso da cotação eletrônica porém, em 2012, houve acentuada queda.

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Quanto a economia no uso da ferramenta observa-se que, apesar do número de cotações se manter praticamente constante assim como seus valores estimativos, a economia decai ano a ano devido aos itens eleitos para tal operacionalização de compra serem encaminhados a dispensa comum.

Em 2010 houve um número de 24 cotações e em 2011 e 2012 um número de 25. Os valores estimado giraram em torno de R$50.000,00 com fechamento variável mas sempre com queda na economia.

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Em 2010 houve economia de 51,47% havendo queda em 2011 para 27,92% e em 2012 para 16,09%.

Demostram os dados que a estagnação no uso da ferramenta e a má escolha dos produtos a serem cotados faz a economia no processo de compra cair a cada exercício financeiro.

7 – Conclusão

Conclui-se que o uso efetivo da ferramenta de Cotação Eletrônica impõe maior transparência aos processos de dispensa de licitação por valor, haja vista a possibilidade de integral acompanhamento do cidadão quanto ao uso do recurso público. Também é fato que seu uso permite grande economia de aos cofres públicos a medida que chama o mercado a disputar preço para fornecimento a Administração Pública.

O uso da dispensa comum, com apresentação de três propostas, é mecanismo de uso maciço no Governo Federal, mas ineficiente quanto a transparência e a economia nas compras públicas.

 

Referências
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 38ª ed. São Paulo, 2012;
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários a Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 15ª ed. São Paulo, 2012;
PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Comentários à Lei das Licitações e Contratações da Administração Pública. 8ª ed. São Paulo, 2009;

Nota:
[1] Observatório Nacional – Rio de Janeiro


Informações Sobre o Autor

Luciano Alberto Vieira da Silva

Pós Graduado em Direito de Estado e Responsável por aquisições públicas no Governo Federal


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