O clientelismo e os cargos comissionados: impacto na eficiência da administração pública

Resumo: A Constituição Federal, em seu o artigo 37, inciso V, adota apenas o critério formal como requisito para a nomeação de pessoas para cargos comissionados, bastando que ele seja criado por lei.  Não existe qualquer preocupação com a formação técnica do seu titular, cuja previsão foi retirada com o advento da Emenda Constitucional nº 19 de 04 de junho de 1998. Por isso mesmo, o presente artigo, além de traçar um panorama sobre o clientelismo no Brasil, tem por objetivo a discussão sobre o impacto que os cargos em comissão têm na eficiência da atuação da Administração Pública e destaca se é possível ter eficiência dentro de um modelo burocrático de governo.

Palavras-Chave: Administração. Eficiência. Clientelismo. Cargos Comissionados.

Abstract: The Federal Constitution, in article 37, item V, adopts only a formal criteria – the creation by law – as a requirement for the nominations of persons to public offices in committee. There is a lack of concern with the technical training of the nominee, which was removed with the advent of 19th Constitutional Amendment of June 4, 1998. Therefore, this article, presents an overview about clientelism in Brazil, and also aims to discuss the impact that publics offices in committee have on the efficiency of the performance of public administration and highlights if it is possible to have efficiency within a bureaucratic model of government.

Keywords: Public Administration. Efficiency. Clientelism. Public Office in Committee.

Sumário: Introdução. 1. O Acesso aos cargos Públicos e o Clientelismo no Brasil. 1.1 A Herança Histórica. 1.2 A Relação entre o Clientelismo e os Cargos Comissionados. 1.2.1 Entendendo o Clientelismo. 1.2.2 O Papel dos Cargos Comissionados. 2. A Questão da Eficiência. 2.1 A Desprofissionalização da Administração Pública e a Discricionariedade dos Dirigentes. 2.2 O Insulamento Burocrático. 3. Existe Solução? 4. Conclusão. 5. Referências Bibliográficas.

Introdução

Os cargos em comissão, previstos no artigo 37 inciso V da Constituição Federal existem como uma exceção à previsão também constitucional acerca dos provimentos de servidores públicos através de concursos públicos.

Tais cargos existem sob o argumento de que existe uma premente necessidade de haver pessoas conhecidas e de confiança para exercerem exclusivamente os cargos de direção, chefia e assessoramento, mantendo a Administração Pública longe do corporativismo dos funcionários públicos, os quais poderão utilizar tais cargos para satisfazer exclusivamente interesses pessoais.

Por outro lado, a prática nos mostra que tais vagas são, muitas vezes, ofertadas através de manobras políticas, visando que futuramente aquele indivíduo empossado possa fazer às vontades daquele que o nomeou. Essa prática de troca de favores é conhecida como clientelismo, cujas raízes remontam o Brasil-Colônia, se estendeu durante a ditadura e ainda permanece nos dias de hoje.

O objetivo do presente trabalho é, através do enfoque dogmático e sem qualquer pretensão de esgotar o tema, entender a prática do clientelismo, debater sua influência nas nomeações para cargos comissionados e ainda, apontar se a falta de previsão constitucional sobre a qualificação técnica do nomeado afeta a eficiência da atuação da Administração Pública.

1. O Acesso aos Cargos Públicos e o Clientelismo no Brasil

A evolução do acesso aos cargos públicos e do clientelismo não se distingue – ao contrário, se entrelaçam de tal forma que se torna impossível analisar um sem citar o outro.

É de salutar importância que se faça uma breve rememoração dos eventos históricos de nosso país para que fique cristalino o quão profundo está intrincada a prática do clientelismo na seara da Administração Pública, como se demonstrará adiante.

1.1 A Herança Histórica

A origem remonta ao Brasil-Colônia, cujo sistema de Capitanias Hereditárias permitiu que os portugueses proprietários de terras, conhecidos como donatários, tivessem poderes – estes conferidos pela Coroa Portuguesa – para nomear pessoas de seu interesse a fim de exercer funções públicas no Brasil.

Com o insucesso do sistema de Capitanias Hereditárias, dada a dificuldade em convencer alguns donatários a virem e permanecerem no Brasil, surge o Governo-Geral, com o fito de centralizar o poder que antes era exercido em absoluto por cada um dos donatários portugueses, visto que uma capitania não possuía vínculo com outras. Da mesma forma que o sistema anterior, os titulares do poder nomeavam, ao seu livre arbítrio, indivíduos que deveriam exercer funções públicas.

Tais nomeações tomaram força quando da vinda e instalação da Coroa Portuguesa no Brasil – era preciso que se criassem repartições, tribunais, policiamento, bancos, ou seja, era preciso que se criasse a Administração Pública. E tal organização do governo aumentou ainda mais após a Declaração da Independência, visto que, a partir daquele momento, o Brasil se autogovernaria.

Com a proclamação da República, influenciada pela elite agrária que passou a enxergar a monarquia como uma forma de atraso ao desenvolvimento econômico do país, a Constituição Republicana de 1891 continuava prevendo a possibilidade de livre nomeação para cargos públicos, mas agora com duas diferenças: eles deveriam estar previstos em lei e cada Poder nomearia os seus próprios funcionários.

A necessidade de concurso público e as garantias do cargo foram previstas pela primeira vez na Constituição de 1934 e se estenderam até hoje, com exceção do período ditatorial que, apesar de ainda prever a necessidade de concurso público para o acesso aos cargos no governo, extirpou da sociedade todo e qualquer tipo de garantia ou direito fundamental. 

Somente na Constituição de 1946 foi prevista oficialmente a possibilidade de livre nomeação para cargos públicos em razão da confiança, com demissão ad nutum. Tal exceção em relação à regra dos concursos públicos permanece em vigor nos dias atuais, prevista no inciso V do artigo 37 da Constituição Federal de 1988.   

1.2 A Relação entre o Clientelismo e os Cargos Comissionados

1.2.1 Entendendo o Clientelismo

Segundo o autor e doutor em ciência política Edson Nunes, o clientelismo pode ser definido como sendo: “um sistema de controle do fluxo de recursos materiais e de intermediação de interesses no qual não há número fixo ou organizado de unidades constitutivas. As unidades constitutivas do clientelismo são agrupamentos, pirâmides ou redes baseados em relações pessoais que repousam em troca generalizada. As unidades clientelistas disputam frequentemente o controle do fluxo de recursos dentro de um determinado território, a participação em redes clientelistas não esta codificada em nenhum tipo de regulamento formal, os arranjos hierárquicos no interior das redes estão baseados em consentimento individual e não gozam de respaldo jurídico”. (NUNES, 2003, P.40)

Em outras palavras, o clientelismo é a utilização da máquina pública pelo titular do poder, visando satisfazer interesses pessoais através da concessão de benefícios a terceiros que, em razão deles, ficam politicamente vinculados com aquele que lhe prestou o favor, devendo, portanto, retribuir o que lhe foi concedido.

Observa-se, portanto, que no clientelismo existe uma relação de verticalidade entre a pessoa do administrador público, quem confere o favor inicialmente, e àquele que recebe o favor e terá que retribuí-lo. Isso não significa dizer que a relação seja direta entre um e outro – o que existe, na verdade, é uma pirâmide de corrupção que permeia toda a sociedade, cuja ordem sai de seu topo e conta com uma rede de aliciadores que atingirão os locais mais longínquos do país.

Porém, a troca de favores, configurada como uma afronta ao princípio constitucional da moralidade administrativa e caracterizada como sendo um desvio de poder – tendo em vista que não visa o atingimento do interesse público – não é nova em nossa política. Tal prática sempre esteve presente em nossa história, desde os tempos do Império até hoje.

Conforme demonstrado na breve evolução história feita anteriormente, aqueles nomeados para tomar conta das capitanias hereditárias e, mais tarde, para fazerem parte do corpo governamental do Império nada mais eram do que simples marionetes da Coroa Portuguesa que, em troca dos privilégios e status do cargo público, apenas reproduziam a vontade egoística da Corte, não se preocupando com o interesse público.

Com o fim do Imperialismo, surge na República Velha a figura dos “coronéis” caracterizados como sendo os Governadores dos Estados dentro de um regime oligárquico.  A base do coronelismo era a dependência e a coerção: ao mesmo tempo em que o “coronel” protegia àqueles que se submetiam a ele, defendendo seus interesses frente ao poder maior, ele também exigia desses uma fidelidade indiscutível.

Com a vinda da ditadura, o coronelismo fez exacerbar uma de suas características, quase a transformando em um sistema próprio: o mandorismo. Aqui, existe o domínio arbitrário por parte de uma pessoa em relação a toda coletividade, impedindo o acesso popular à política em razão do desaparecimento dos direitos civis e políticos dos cidadãos. 

Impende ressaltar que, ainda que totalmente repreensível a prática de troca de favores e o desaparecimento dos direitos de cidadania da população, é passível de compreensão que tais atitudes eram tomadas com vistas à manutenção do poderio por parte dos governantes, por tempo indeterminado.  Assim, favores eram dados em troca de votos e fidelidade para que os agentes mantivessem o poder em suas mãos pelo maior período possível. 

No entanto, o que não se aceita é a continuação da prática de troca de favores em uma sociedade democrática, dentro da qual estão garantidas todas as formas de proteção e manifestação de direitos da população, cujo poder de mando é absoluto.

Infelizmente, não é isso que ocorre. Na sociedade atual, o antigo coronelismo e mandorismo evoluíram para a prática já conceituada do clientelismo, o qual, além de funcionar dentro de uma sociedade democrata, exclui a figura do coronel para substituí-la pelos aliciadores presentes dentro dos partidos políticos. 

Como já estudado e, seguindo as lições de Robert Kaufman, a relação clientelista se dá entre o mais forte e o mais fraco do ponto de vista político, visando uma atitude de reciprocidade que, apesar de ter aparência de legalidade, na verdade busca apenas interesses privados.

Por esse motivo podemos compreender porque os cargos comissionados podem ser uma forma de atuação do clientelismo. Para tanto, far-se-ão maiores digressões.

1.2.2 O Papel dos Cargos Comissionados

A nomeação discricionária de indivíduos para cargos públicos era a única forma de preenchê-los até o advento do sistema do concurso público.

Nas palavras de Hely Lopes Meirelles, “o concurso é o meio técnico posto à disposição da Administração Pública para obter-se moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público e, ao mesmo tempo, propiciar igual oportunidade a todos os interessados que atendam aos requisitos da lei, fixados de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, consoante determina o art. 37, II, da CF. Pelo concurso afastam-se, pois, os ineptos e os apaniguados que costumam abarrotar as repartições, num espetáculo degradante de protecionismo e falta de escrúpulos de políticos que se alçam e se mantêm no poder leiloando cargos e empregos públicos”. (MEIRELLES, 2007, P.436)

Da leitura em epígrafe é possível concluir que a necessidade do concurso público para preenchimento de vagas públicas foi instituída com a finalidade de criar um sistema meritório na Administração Pública, através do qual fosse possível escolher, de forma isonômica e imparcial, os melhores indivíduos possíveis para exercer a função.

Isso também significa que o concurso público pode ser considerado uma forma de controle prévio da atuação da Administração Pública, já que, em razão da impessoalidade e do controle de méritos, impede a entrada de quem apenas visa beneficiar-se pessoalmente do cargo, atendendo, inclusive, aos princípios constitucionais da moralidade e eficiência.

No entanto, esse controle prévio não pode ser considerado absoluto, já que plenamente possível que o indivíduo inicialmente bem intencionado, passe a utilizar as garantias de seu cargo para satisfazer interesses pessoais.

Esse foi o exato argumento para a manutenção da previsão da necessidade de cargos em comissão para funções de direção, chefia e assessoramento: os partidários argumentam que, em razão da estabilidade dos concursados, estes poderão se filiar a interesses que não sejam o bem comum e poderão se proteger no manto das garantias constitucionais do cargo. Por isso mesmo que, para a manutenção da estabilidade administrativa, seria necessário que, para os cargos de decisão, fossem nomeadas pessoas de extrema confiança do titular do poder, evitando que meros interesses políticos comandem o exercício do cargo.

Na prática o que se vê é exatamente o oposto – apesar de existir sim um corporativismo entre os funcionários públicos, estes, por terem estabilidade, não se sentem influenciados ou pressionados a filiarem-se a ideais políticos que não visem o bem comum. Ao contrário, os detentores de cargos comissionados vinculam-se àquele que o nomeou, detendo um dever “moral” de retribuir a indicação.

Os cargos em comissão passaram a ser uma moeda de troca por favores pessoais – os nomeantes e apadrinhados não se mostram devotos aos princípios constitucionais ou ao interesse comum: enquanto um visa angariar votos para satisfazer interesses pessoais, o outro visa o status e a estabilidade do cargo público, enquanto fizer as vontades daquele que o nomeou.

Em avanço, impende citar a autora Rita Andréa Rehem Almeida Tourinho, quando diz que "é no campo da discricionariedade, porém, onde se verifica, com maior frequência, a prática de atos imorais” (TOURINHO, 2009, P.87).

A Constituição Federal, ao prever a possibilidade dos cargos em comissão e apenas exigir a sua criação por lei, concede uma discricionariedade demasiada aos detentores do poder que poderão contratar qualquer pessoa, mesmo que não possua nenhum tipo de qualificação técnica para o cargo. Isso permite uma busca e aliciamento de particulares mal intencionados, que pagarão o preço da reciprocidade para manterem-se no cargo público indicado para eles.

E referida reciprocidade exigida do particular em relação à concessão feita pelo administrador público nada mais é do que o clientelismo em ação.

Claro está, portanto, que a nomeação de servidores para cargos comissionados, como exceção à regra do concurso público é um meio através do qual o clientelismo atua – o detentor do poder concede discricionariamente cargo desnecessário ao particular que, imbuído de intenção contrária ao bem coletivo, faz, por gratidão, exatamente àquilo que o primeiro desejar.

Isso fere os princípios constitucionais norteadores da Administração Pública, inclusive o da eficiência, já que o administrador público acaba por inchar a máquina administrativa de pessoas que, além de tecnicamente despreparadas, jamais visarão perseguir o interesse público.

2. A Questão da Eficiência

O termo “eficiência” foi introduzido como princípio norteador da Administração Pública no caput do artigo 37 da Constituição Federal através da Emenda Constitucional 19 de 04 de junho de 1998.

Tal inserção ocorreu em razão de o setor público ter sido afetado por uma nova dinâmica social advinda das relações privadas como resultado da Revolução Industrial: o enfoque dos serviços prestados passa a ser baseado no controle de resultados e não mais no cumprimento estrito de procedimentos formais, tendo em vista o aumento da demanda social frente ao Estado.  

Segundo a doutrina de Alexandre de Moraes, a eficiência resulta em oito características que devem ser observadas pela Administração: (i) que toda atividade da Administração seja voltada ao bem comum; (ii) a imparcialidade da Administração; (iii) sua neutralidade; (iv) sua transparência; (v) que haja a participação da população na gestão pública; (vi) a eficácia dos atos da Administração; (vii) desburocratização da Administração; (viii) que haja uma busca pela qualidade dos atos e dos resultados. (MORAES, 1999 P. 30)

Nas palavras de Humberto Ávila sobre a eficiência da Administração Pública: “eficiente é a atuação administrativa que promove de forma satisfatória os fins em termos quantitativos, qualitativos e probabilísticos. Para que a administração esteja de acordo com o dever de eficiência, não basta escolher meios adequados para promover seus fins. A eficiência exige muito mais do que mera adequação. Ela exige satisfatoriamente a promoção dos fins atribuídos à administração. Escolher um meio adequado para promover um fim, mas que promove o fim de modo insignificante, com muitos efeitos negativos paralelos ou com pouca certeza, é violar o dever de eficiência administrativa. O dever de eficiência traduz-se, pois, na exigência de promoção satisfatória dos fins atribuídos à Administração Pública, considerando promoção satisfatória, para esse propósito, a promoção minimamente intensa e certa do fim. Essa interpretação remete-nos a dois modos de consideração do custo administrativo: a um modo absoluto, no sentido de que a opção menos custosa deve ser adotada, indiferente se outras alternativas, apesar de mais custosas, apresentam outras vantagens; a um modo relativo, no sentido de que a opção menos custosa deve ser adotada somente se as vantagens proporcionadas por outras opções não superarem o benefício financeiro”. (ÁVILA, 2003 p. 127)

A noção de eficiência relaciona-se tanto ao melhor custo-benefício pretendido pela Administração, isto é, mais trabalho por menos dispêndios, como também diz respeito aos resultados alcançados em maior número possível e em menor tempo.

Isso fez com que o setor público abandonasse o antigo modelo burocrático de Administração Pública, para migrar em direção a um novo modelo gerencial, aproximado daquilo que existe no setor privado.

E dentro dessa necessidade de reinventar os moldes da Administração Pública surgem novos argumentos para a manutenção da previsão constitucional para cargos comissionados: seus defensores, que antes apoiavam sua importância para fugir do funcionalismo público, agora dizem que os cargos comissionados são meios eficazes de se alocar pessoas no serviço público, já que a realização de concursos públicos demanda muito tempo e dinheiro, não sendo compatível com o princípio da eficiência.

Na verdade, o que se demonstrará nos tópicos que se seguem, é que os cargos comissionados são uma afronta ao princípio da eficiência, e que apenas diminuem a produtividade da Administração Pública na prestação de seus serviços.

2.1 A Desprofissionalização da Administração Pública e a Discricionariedade dos Dirigentes.

A redação original do inciso V do artigo 37 da Constituição Federal dizia o seguinte: “Art. 37. V – os cargos em comissão e as funções de confiança serão exercidos, preferencialmente, por servidores ocupantes de cargo de carreira técnica ou profissional, nos casos e condições previstos em lei.” (grifo nosso).

Ao se inserir o tempo “preferencialmente”, ainda que não fosse uma previsão imperativa, tentou-se dar um norte às contratações, evitando, exatamente, a utilização exclusiva de critérios subjetivos na nomeação dos indivíduos e a prática clientelista, respeitando tanto o princípio da moralidade quanto da impessoalidade. 

Ironicamente, com o advento da Emenda Constitucional 19/1998, ao mesmo tempo em que se inseria o princípio da eficiência no âmbito da Administração Pública, retirava-se todo e qualquer outra regra para nomeação de cargos comissionados, que não fosse sua previsão em lei, passando a ter o referido inciso V a seguinte redação: “V – as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;” (grifo nosso).

Conforme mencionado, o argumento em voga é que ao prever a possibilidade de nomeação discricionária para os cargos comissionados, atenderia o princípio da eficiência, já que a realização de um concurso público se mostra lenta e dispendiosa. A primeira vista, tal argumento pode parecer correto, mas em longo prazo veremos que tal regra veio a ser um “tiro no pé” daqueles que visavam a eficiência da Administração Pública.

A Constituição Federal, ao não prever nenhum tipo de qualificação técnica ou profissional para o preenchimento dos cargos em comissão incide em dois erros: (i) incentiva a prática clientelista, dado que os cargos são utilizados como moeda de troca para favores dos administradores públicos e (ii) incha a máquina administrativa de pessoas que não possuem nenhuma preparação profissional para a atuação no cargo.

O clientelismo faz com que o titular do poder procure àquele que mais apresentará obediência e fidelidade aos seus ideais egoísticos, e não propriamente àquele que esteja mais bem preparado para a função, indo de encontro com os interesses da sociedade. 

O que se vê hoje são apenas prejuízos causados tanto à população quanto à própria Administração Pública em razão da falta de compromisso com o interesse público dos nomeados, os quais se preocupam apenas em fazer as vontades daquele que o nomeou. 

Aliás, a própria discricionariedade das más escolhas realizadas pelos dirigentes fere o princípio da eficiência. Explica-se. Em relação aos atos discricionários, cabe o administrador público atuar com a finalidade da escolha mais eficiente, excluindo os critérios e oportunidade e conveniência. Dessa forma, a escolha do administrador deve sempre ser a escolha “ótima”, ou seja, aquela que melhor se amoldará aos ditames do interesse público. Essa escolha permeia a ideia de “boa administração” trazida por Celso Antônio Bandeira de Mello. (MELLO, 2000 P. 45)

Portanto, a não escolha do melhor preparado para o exercício do cargo comissionado fere o ideal de boa administração dentro do qual está incluído o princípio da eficiência.

Mais além, a falta de estabilidade para cargos comissionados, com a possibilidade de demissão “ad nutum”, além de incentivar essa absoluta fidelidade com o administrador público, faz com que haja uma alta rotatividade de nomeados já que, a cada troca de dirigente, trocam-se também os nomeados com vistas a expurgar qualquer tipo de vício do antigo detentor do poder, em um ciclo vicioso sem fim. 

E essa alta rotatividade mostra-se extremamente prejudicial à execução de políticas públicas de longo prazo, já que a tendência é paralisar aquilo que estava sendo realizado pelo antigo dirigente (para não lhe dar créditos na implementação de benefícios para sociedade) e implementar algo iniciado do zero pelo novo dirigente.

O sociólogo Max Weber, em uma Teoria da Burocracia, já dizia que o poder de liderança deveria ser baseado em normas estritamente impessoais, de caráter prévio e legal. Além disso, ressaltava a questão da racionalidade, em que os cargos deveriam ser preenchidos da forma mais eficiente a atingir as finalidades desejadas.

Além disso, seguindo com o pensamento do referido autor, é demonstrada a necessidade da profissionalização dos serviços públicos. Segundo Max Weber: “A ocupação de um cargo é uma “profissão”. Isto é óbvio, primeiro, na exigência de um curso de preparação estritamente fixado, o qual reclama a plena capacidade de trabalho durante um longo período, e nas provas específicas que são um requisito prévio para o emprego. Além disso, a posição do funcionário tem natureza de dever (…)”. (WEBER, p. 10)

A profissionalização do pessoal público é exigência mínima para que se tenha uma boa prestação de serviços. Não se pode cogitar a hipótese de que alguém que não tenha qualquer tipo de preparação técnica esteja apto a exercer cargos de tanta importância como são os de direção, chefia e assessoramento.

Depreende-se do entendimento acima que a aprovação meritória através do concurso público é a melhor forma de se admitir pessoal na máquina administrativa, visto que, de forma pessoal e isonômica, serão escolhidos os melhores habilitados para a função que resultará em uma melhor qualidade dos serviços prestados. 

Segundo Idalberto Chiavenato, “qualidade não se faz apenas com tecnologia, mas também com pessoas. Sobretudo com pessoas capacitadas, treinadas, lideradas, motivadas e plenamente conscientes de suas responsabilidades” (CHIAVENATO, 2004, P. 546).

Somente com a profissionalização e estabilidade dos servidores públicos será possível migrar absolutamente para um modelo gerencial de Administração Pública – somente as pessoas habilitadas técnica e profissionalmente e admitidas por mérito no serviço público poderão apresentar os melhores resultados e de forma mais rápida. Apesar do meio de admissão ser mais demorado, com certeza os resultados a longo prazo serão mais proveitosos do que àqueles apresentados pelos detentores de cargos comissionados vítimas do clientelismo.

2.2 O Insulamento Burocrático.

O inciso V do artigo 37 da Constituição Federal, além de não prever qualquer tipo de profissionalização por parte do nomeado, também não impõe limites à quantidade máxima de cargos comissionados na Administração Pública.

 Essa ausência de limitação também abre espaço para distribuição arbitrária e clientelista desses cargos, comprometendo o erário público com criações de vagas desnecessárias, que visam somente politizar a direção da Administração Pública.

 Em reportagem para Folha de São Paulo online, na seção “Dinheiro Público & Cia.”[1], foi demonstrado que nos últimos 10 anos os ocupantes de cargos de livre nomeação no governo federal passaram de 17, 6 mil em 2003 para 22,6 mil ao final de 2014, números que tendem a subir.

A situação não é diferente nos Estados. O IBGE divulgou pesquisa demonstrando que entre 2012 e 2013 houve aumento de 3,6% dos ocupantes de cargos comissionados, o que corresponde a 3.500 pessoas onerando os cofres públicos[2].

Na mesma velocidade que cresce o número de apadrinhados, cai a qualidade do serviço em razão da falta de profissionalização. Em reportagem dada ao jornal Correio Braziliense em 14 de março de 2014, José Matias Pereira, doutor em Ciências Políticas pela Universidade de Madrid e professor de Administração Pública na Universidade de Brasília disse que: "Esse sistema de administração pública baseado na política tem um componente aterrador para o contribuinte brasileiro. As pessoas que vão para esses cargos chegam sem competência. Do ministro ao sistema de assessoria e organização das pastas, que também são ocupadas por políticos. E aí você tem uma administração pública que não responde às demandas da sociedade" [3].

Vê-se, portanto, que o número de cargos comissionados e pessoas apadrinhadas não para de subir. Como resposta a esse inchado da máquina administrativa intensificam-se as características burocráticas da Administração Pública, visando enxugar cada vez mais, as áreas nas quais pessoas sem o mínimo de profissionalização poderão atuar.

Nas palavras de Edson Nunes, “o universalismo de procedimentos e o insulamento burocrático são muitas vezes percebidos como formas apropriadas de contrabalançar o clientelismo, O universalismo de procedimentos, baseada nas normas de impersonalismo, direitos iguais perante a lei, e checks and balances poderia refrear e desafiar os favores pessoais. De outro lado, o insulamento burocrático é percebido como uma estratégia para contornar o clientelismo através da criação de ilhas de racionalidade e de especialização técnica”. (NUNES, 2003 P. 33).

Na tentativa de obtenção de áreas estritamente técnicas e apolíticas, criam-se diversas regras às atividades administrativas, as quais deverão seguir procedimentos padronizados de conduta, obedecer a uma estrutura hierárquica, ter uma divisão de trabalho impessoal e baseada na meritocracia e, consequentemente, ser profissionalizada. 

No entanto, esse insulamento burocrático faz criar o tão repudiado modelo burocrático da Administração Pública, conhecido por sua lentidão em razão de seu formalismo exacerbado, inadequado para a rápida execução de políticas públicas dentro das sociedades modernas.  

Em que pese esse argumento, há doutrina da qual não nos filiamos que defende exatamente o contrário, isto é, que a burocratização, ao invés de limitar a atuação do clientelismo, acaba por incentivá-lo. Nas palavras do autor Luiz Henrique Nunes Bahia, “ao contrário da crença geral, a burocratização da vida moderna aumentou as possibilidades do clientelismo, pois burocracia significa a oportunidade de exercer a discricionariedade, e as pessoas afetáveis pela lei e por decisões oficiais buscam influenciar esta aplicação específica”. (BAHIA, 2009, P. 139).

De uma forma ou de outra, percebe-se a clara a existência de um ciclo vicioso: cargos em comissão e clientelismo que fazem inchar a máquina pública de indivíduos que jamais atenderão ao princípio da eficiência, já que mal intencionadas e despreparadas tecnicamente, o que faz gerar uma burocratização dos serviços públicos que, em razão da necessidade de se respeitar procedimentos padrões, não são céleres o suficiente para atender a alta demanda social, também desrespeitando o princípio constitucional da eficiência.

3. Existe Solução?

Conforme visto ao longo do presente trabalho, a existência dos cargos em comissão e o clientelismo que resulta da falta de delimitações e regras é extremamente prejudicial à eficiência administrativa. Ao mesmo tempo, um modelo estritamente burocrático também não se mostra interessante, já que demasiado lento em razão da quantidade de procedimentos formais.

Primeiramente, ficou demonstrado que o acesso aos cargos públicos através de concursos é a melhor solução para que se obtenha pessoas capacitadas a apresentarem um serviço de qualidade.

Como exemplo desse argumento, traz-se à baila um excerto da reportagem veiculada no site Consultor Jurídico em que o ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio de Mello, em que diz: “Há muito se espera o enxugamento da máquina administrativa e ele deverá ser iniciado justamente pelos cargos em comissão e cargos de confiança. É preciso que se tenha presente que a Constituição Federal é a lei maior do país e precisa ser um pouco mais amada, principalmente pelos homens públicos” [4].

Ousamos dizer que necessária se faz a extinção dos cargos comissionados, pois somente assim poderá haver um freio necessário às práticas clientelistas tão arraigadas em nosso país. Ressalte-se que a generalização não se faz correta – com absoluta certeza existem pessoas extremamente capacitadas e que visam o interesse público na gestão de seus cargos. Porém essa é uma imensa minoria que, em razão de um bem maior, restará prejudicada.

Não significa dizer que se punem os bons para os maus aprenderem. Com certeza as pessoas que ocupam cargos comissionados que dizem respeito à sua área de atuação e especialização poderão sem problemas passar em um concurso público. Ademais, é possível a criação de lei em que de uma certa data em diante, não se permita mais a criação de cargos comissionados.

É verdade que existem soluções menos radicais – há os que defendam apenas a criação de leis que delimitem os contornos da nomeação para cargos em comissão, seja na quantidade, seja na qualidade.

No entanto, isso ainda não se mostra suficiente para eliminar de vez as práticas clientelistas já que, mesmo que haja certa delimitação, o que mudará será apenas o foco dos aliciadores os quais terão sua área de atuação restringida àquelas pessoas que se encaixem nos ditames legais.

Não há qualquer incompatibilidade entre o modelo gerencial de Administração Pública e a necessidade de concursos públicos. Ao contrário. Como demonstrado, o primeiro visa a busca por resultados mais eficientes os quais apenas a admissão através de concurso público poderá proporcionar.

Aliás, não se mostra adequada a busca por um modelo gerencial puro, dado que a Administração Pública rege-se pelo princípio da legalidade, devendo a eficiência ser encontrada dentro dos limites da lei.

A resposta ao argumento de que os funcionários públicos escondem-se atrás das garantias do cargo para serem desidiosos, já existe no texto do inciso III artigo 41 assim como no artigo 247 da Constituição Federal[5], os quais preveem avaliação de desempenho desses servidores.

Por óbvio, essa avaliação de desempenho deverá ser pautada em critérios objetivos, estabelecendo metas atingíveis de acordo com a estrutura material e humana de cada repartição pública. 

Além disso, se mostra necessária a valorização do funcionário público, com salários condizentes com o cargo, melhora no ambiente de trabalho com materiais modernos para realização da função e prêmios que valorizem aqueles que tiveram o melhor desempenho durante um certo período de tempo. 

A eficiência será um resultado natural de tais medidas, que fortalecerão o Estado e ao mesmo tempo a confiança que os administrados têm no setor público.

4. Conclusão

Conclui-se, portanto, que houve uma contradição no texto da Emenda Constitucional 19 de 04 de junho de 1998 que, ao inserir o princípio da eficiência como informador da Administração Pública, ao mesmo tempo excluiu qualquer tipo de requisito para que um indivíduo fosse nomeado para cargos comissionados.

A ausência de requisitos fez incentivar a antiga prática clientelista já conhecida no Brasil de outras épocas, tornando o acesso a cargos públicos sem concurso e sem limitação em termos quantitativos em uma moeda de troca para favores entre os apadrinhados e os dirigentes.

A falta de profissionalização da máquina administrativa é um dos principais aspectos que afetam a eficiência dos serviços públicos, uma vez que, é impossível que profissionais não especializados na área tenham capacidade de apresentar resultados de qualidade.

Portanto, a eficiência somente será atingida a partir do momento em que a prática do clientelismo seja expurgada da Administração Pública através da admissão exclusiva de pessoal concursado, os quais sofrerão controle de eficiência, tanto administrativos quanto populares, garantido o contraditório e a ampla defesa. 

 

Referências
AMARAL, Antônio Carlos Cintra. O Princípio da Eficiência do Direito Administrativo. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado, nº 5 mar/abr/mai. Salvador: 2006.
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos Serviços Públicos. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013.
ÁVILA, Humberto. Moralidade, Razoabilidade e Eficiência na Atividade Administrativa. Belo Horizonte: Revista Brasileira de Direito Público, ano 1, n. 1, abr/jun.2003.
BAHIA. Luiz Henrique Nunes. O poder do clientelismo – Raízes e fundamentos da troca política. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
CHIAVENATO, Idalberto. Administração nos Novos Tempos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2004.
GABARDO, Emerson. O Princípio Constitucional da Eficiência Administrativa. São Paulo: Dialética, 2002.
_________________. Eficiência e Legitimidade do Estado: uma análise das estruturas simbólicas do direito político. Barueri, SP: Manole, 2003.
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Notas
[5] “Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público. § 1º O servidor público estável só perderá o cargo:. I – em virtude de sentença judicial transitada em julgado II – mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa;  III – mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa”.
 “Art. 247. (…)   Parágrafo único. Na hipótese de insuficiência de desempenho, a perda do cargo somente ocorrerá mediante processo administrativo em que lhe sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa.”


Informações Sobre o Autor

Mariana Carnaes Ferreira

Mestranda em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Professora Assistente em Direito Administrativo na Graduação da PUC/SP. Advogada


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