Resumo: A presente investigação acadêmica aborda aspectos acerca da indenização acidentária decorrente da responsabilidade civil do seguro social (seguro oficial), gerido pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), notadamente pela abordagem do Plano de Benefícios da Previdência Social, instituído pela Lei n. 8.213, de 24 de junho de 1991, regulamentado pelo Decreto presidencial n. 3.048, de 06 de maio de 1999. Neste contexto, perquire-se a natureza objetiva da responsabilidade da Previdência Social em face de seus beneficiários (segurados e dependentes) no momento em que ocorrem infortúnios laborais, independentemente da responsabilidade civil do empregador ou mantenedor do meio ambiente do trabalho.
Palavras-chave: Acidente do Trabalho. Responsabilidade Civil. Previdência Social.
Abstract: This academic research investigates work accident and the responsibility of Social Security (Insurance Officer), managed by the National Social Security Institute (INSS), notably by studying of Plan Social Security Benefits, established by Law 8.213, of June 24, 1991 and regulated by Presidential Decree. 3048 of 06 May 1999. In this context, investigates the objective nature of responsibility in the face of Social Security beneficiaries (insured and dependents) at the moment of work accident, regardless of the responsability of the employer or maintainer of the work environment.
Keywords: Work Accident. Civil Responsibility. Social Security.
Sumário: 1. Introdução. 2. Aspectos jurídico-históricos da Previdência Social. 3. O Seguro Social acidentário e o Plano de Benefícios. 4. Considerações Finais.
1. INTRODUÇÃO
Inicialmente, a presente investigação perquire aspectos jurídico-históricos do surgimento da Previdência Social no Brasil, notadamente correlacionados à proteção previdenciária ao infortúnio laboral. Neste ponto, a abordagem cinge à responsabilidade civil do Seguro Social, gerido pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), notadamente pela abordagem do Plano de Benefícios da Previdência Social, instituído pela Lei n. 8.213, de 24 de junho de 1991, regulamentado pelo Decreto presidencial n. 3.048, de 06 de maio de 1999.
Neste contexto, analisam-se as contingências sociais acidentárias eleitas pela Lei 8.213/91 mediante pagamento de prestações previdenciárias pelo INSS. Neste ponto, tais prestações são devidas ao conjunto de beneficiários da Previdência Social (segurados e dependentes) de forma objetiva, independentemente das indenizações não-tarifadas de reponsabilidade do empregador ou mantenedor do meio ambiente do trabalho de natureza eminentemente subjetiva (comprovação de dolo ou culpa), nos casos prescritos em lei.
2. ASPECTOS JURÍDICO-HISTÓRICOS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL
Historicamente, ainda como desdobramento da Revolução Industrial e da necessidade de proteção do trabalhador acidentado, destaca-se o pioneirismo da legislação alemã de Bismarck[1], considerada o embrião da previdência social[2], e a avançada legislação previdenciária inglesa à época do fim do século XIX e início do século XX[3].
Do ponto de vista constitucional, também se registra o pioneirismo da Constituição Mexicana de 1917[4], que foi a primeira do mundo a introduzir na Carta Política os direitos fundamentais sociais, no que foi seguida com maior robustez jurídica pela Constituição de Weimar de 1919[5].
No Brasil, nada obstante a existência do Decreto-Legislativo n.º 3.724/1919 que criou o Seguro de Acidentes de Trabalho[6], já abordado nos tópicos anteriores, a doutrina majoritária considera como marco inicial da Previdência Social a publicação do Decreto Legislativo n. 4.682, de 24/01/1923, também conhecida como Lei Eloy Chaves, a qual determinava a criação das caixas de aposentadorias e pensões para os ferroviários nas organizações de estradas de ferro existentes à época [7], organizadas por empresa[8].
Castro e Lazzari asseveram que o modelo coberto pela Lei Eloy Chaves foi de inspiração no de Bismarck de 1883, identificando três características fundamentais:
“(a) a obrigatoriedade de participação dos trabalhadores no sistema, sem a qual não seria atingido o fim para o qual foi criado, pois mantida a facultatividade, seria mera alternativa ao seguro privado; (b) a contribuição para o sistema, devida pelo trabalhador, bem como pelo empregador, ficando o Estado como responsável pela regulamentação e supervisão do sistema; e (c) por fim, um rol de prestações definidas em lei, tendentes a proteger o trabalhador em situações de incapacidade temporária, ou em caso de morte do mesmo, assegurando-lhe a subsistência” [9].
Após a Lei Eloy Chaves (referente aos ferroviários), diversas outras categorias de trabalhadores também almejaram proteção previdenciária, destacando-se: os portuários e marítimos (Lei 5.109/1926) e o pessoal das empresas de serviços telegráficos e radiotelegráficos (Lei 5.485/1928).
Logo no início do governo de Getúlio Vargas (pós-1930), no entanto, o sistema previdenciário vigente, ainda incipiente, deixou de ser organizado por empresa, mediante as caixas de aposentadoria e pensão, e os trabalhadores passaram a ser aglutinados, para fins de proteção previdenciária, por categorias profissionais [10], mediante institutos de aposentadoria e pensão (IAP) [11].
O primeiro instituto foi da categoria dos marítimos (IAPM) [12], criado pelo Decreto nº 22.872, de 29/06/1933, seguindo até o ano de 1966 a criação de outros cinco institutos, quais sejam: Bancários (IAPB); Comerciários (IAPC); Industriários (IAPI); Estivadores e transportadores de carga (IAPETC); e dos ferroviários e empregados em serviços públicos (IAPFESP) [13].
No Brasil, o processo de unificação dos institutos de aposentadoria e pensão foi fortemente influenciado por fato histórico acontecido na Inglaterra no ano de 1942, conforme registra Marco Santos:
“[…] Em 1942, um fato histórico verificado na Inglaterra haveria de modificar diversos sistemas de previdência social no mundo ocidental. Nesse ano, Lord Beveridge apresentou no parlamento inglês o seu famoso relatório, no qual propôs uma radical modificação no sistema de previdência daquele país. Entre as suas propostas, sugeriu a unificação da administração da previdência social em torno de uma só entidade. Foi editada, sob influência direta do relatório Beveridge, a Lei n. 7.526 de 1945, prevendo a criação do Instituto dos Serviços Sociais do Brasil e a incorporação das Caixas e Institutos de Aposentadorias e Pensões naquela entidade. Apesar da sua entrada em vigor, as suas normas nunca foram cumpridas. A unificação da previdência social deu-se somente em 1966, quando o Decreto-Lei n. 72 fundiu os Institutos de Aposentadorias e Pensões em torno do Instituto Nacional da Previdência Social” [14].
Neste contexto, somente com o Decreto-Lei nº 72, de 21/11/1966, criou-se o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), que era entidade de natureza autárquica, integrante da Administração Pública indireta da União. Fábio Zambitte Ibrahim registra:
“Ainda que a criação dos institutos, por si só, já tivesse representado uma evolução do sistema, a consolidação total em uma única entidade era justificável. A manutenção de diversos institutos gerava gastos elevados, com diversas redundâncias no funcionamento, já que cada entidade deveria executar as mesmas atividades. Também havia eventuais problemas com trabalhadores que mudavam de categoria, exercendo nova atividade. Nessas situações, frequentemente os trabalhadores deixavam um instituto e filiavam-se a outro, gerando algum desgaste, quando não prejuízos financeiros. […] Em abstrato, a unificação fez-se necessária, pois não era razoável a manutenção de variadas instituições estatais, exercendo exatamente a mesma função, diferenciando-se somente pela clientela protegida. Era algo por demais custoso, especialmente para um país carente de recursos” [15].
Adiante, Eduardo Dias e Leandro Macedo destacam a criação do Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (SINPAS) pela Lei nº 6.439/1977, submetido ao controle do Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), com o fito de reorganização do sistema de previdência no Brasil. A composição do SINPAS, que incluiu a criação do INAMPS e do IAPAS, constituía-se:
“[…] pelo INPS, responsável pela concessão e manutenção dos benefícios; pelo Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), ao qual incumbia prestar assistência médica; o Instituto de Administração Financeira da Previdência Social (IAPAS), responsável pela arrecadação, fiscalização e cobrança de contribuições; pela Legião Brasileira de Assistência (LBA), à qual cabia a assistência social à população carente; pela Fundação Nacional de Bem-Estar do Menor (FUNABEM); pela Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social (DATAPREV) e pela Central de Medicamentos (CEME)” [16].
Nada obstante a importante criação da Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS) no ano de 1960 – Lei 3.807 – ainda vigente à época da criação do SINPAS em 1977, convivia-se com diversos outros diplomas legais de cunho previdenciário, o que dificultava sobremaneira a proteção previdenciária e o tratamento legislativo adequado.
Desta maneira, no intuito de solucionar o problema da legislação previdenciária esparsa, Fábio Zambitte destaca a criação aproximada de um Código Previdenciário. Assim, coube ao Poder Executivo Federal reunir todas as leis previdenciárias por meio de decreto, que, apesar de não possuir o condão de inovar na matéria, exerceu papel de importante aglutinador de todas as normas no mesmo corpo normativo. Então, o Decreto nº 77.077, de 24 de janeiro de 1976, foi a primeira CLPS (Consolidação da Legislação Previdenciária), embora não tenha sido alvo das revisões anuais previstas. Posteriormente, nova CLPS foi publicada, por meio do Decreto nº 89.312, de 23 de janeiro de 1984. Esta somente deixou de ser aplicada com o advento da Lei n.º 8.213, no ano de 1991 [17].
Por conseguinte, verifica-se, inequivocamente, que a Constituição Federal de 1988 é o grande marco da seguridade social no País, destacando a noção constitucional do seguro social correspondente à saúde, à assistência social e à previdência social. A consolidação do Estado do Bem-Estar Social, no entanto, criado pelo constituinte, também, ensejou um incremento de despesas para a previdência social, embora tenha dotado, de forma precursora, a seguridade social de orçamento específico e aumentado a diversidade da base de financiamento social [18].
Cumpre-se registrar, no que diz respeito ao possível descompasso receita-despesa da seguridade social desde a promulgação da Constituição de 1988, o pensamento de Milton de Almeida, questionando o suposto défice previdenciário, o que denomina de “apologia do apocalipse”:
“[…] é falsa a premissa de que a Constituição Federal de 1988 efetuou concessões amplas de benefícios que vieram onerar indevidamente as despesas da Previdência Social e que, por isso, esta estaria falida. A reforma e ampliação da Previdência Social, de que resultou o surgimento da seguridade social na Constituição de 1988, é decorrência de um objetivo estabelecido pelo poder que convocou a Assembleia Nacional Constituinte e lhe fixou uma diretriz inicial na Emenda Constitucional nª 26, de 1985. […] A elevação dos gastos orçamentários da seguridade social é uma consequência natural dos processos de democratização, […] O processo de democratização (ou redemocratização, como é o caso brasileiro) implica em resgate da dignidade da cidadania, principalmente daquelas categorias de cidadãos que outrora eram tratadas juridicamente com injustiça ou com marginalização. […] De lá pra cá, só se ouve a pregação oficial de uma suposta falência da Previdência Social, que está estacionada numa cifra imaginária de aproximadamente R$ 40 bilhões, desde 1994, portanto há cerca de 15 anos sem acompanhar a escalada inflacionária. Evidencia-se, portanto, uma apologia do apocalipse, com o Governo alimentando os espíritos atormentados, para pregar a imagem de uma Previdência Social falida, mas com a cautela de não dar alimentos à especulação inflacionária. Por isso o Governo abre mão da reposição das perdas inflacionárias sobre o suposto “rombo do orçamento da Previdência Social”[19].
No mesmo sentido, Fábio Zambitte também defende o superávit do atual sistema previdenciário, destacando ser equivocada a afirmação do suposto défice alargeado por setores do governo e da mídia nacional[20]. Assevera o Autor, contudo, que o superávit atual também não justifica se afirmar que tudo está na melhor medida possível, haja vista que o equilíbrio financeiro não implica necessariamente adequação atuarial[21].
Desta maneira, concorda-se integralmente com a ilação de Zambitte, na medida em que o debate acerca do orçamento da seguridade social (notadamente do subsistema contributivo: previdenciário) deve afastar-se das posições extremadas, pondo o problema de forma absolutamente factual e realista. Acentua o Autor que, analogicamente, o modelo previdenciário brasileiro se mostra como um estável paciente, porém, um paciente ainda doente. Por conta, porém, da condição ainda doente do paciente, tal fato, de per se, não autoriza ao médico afirmar que ele morrerá em semanas, tão somente como instrumento de coerção para o tratamento adequado, por mais severo que o seja. No Estado Democrático de Direito, configura-se ônus dos dirigentes legitimamente escolhidos pelo povo apresentar a situação fático-jurídica de forma realista, a fim de que a própria sociedade de cidadãos possa delinear instrumentos corretos de ajuste e controle. Qualquer procedimento diverso, a priori, apresentar-se-á com uma conotação manipuladora e antidemocrática [22].
Despois de inaugurada a Carta Política de 1988, o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (SINPAS) foi extinto em 1990, mesmo ano em que foi criado o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), vinculado ao Ministério da Previdência Social (MPS), por força da Lei n. 8.029, de 12/04/1990, mediante a fusão dos antigos INPS e IAPAS. Desta forma precursora e racional, unificaram-se as duas autarquias previdenciárias, ou seja, reunindo custeio e benefício em uma só entidade (INSS) [23].
Assim, tal situação permaneceu até o ano de 2007, quando se criou a Receita Federal do Brasil por força da Lei 11.457, de 16/03/2007, unificando a arrecadação de todos os tributos federais, inclusive as contribuições previdenciárias. Portanto, atualmente, o INSS é o gestor, basicamente, dos benefícios previdenciários do Regime Geral de Previdência Social (RGPS)[24], de acordo com o Plano de Benefícios da Previdência Social instituído pela Lei 8.213/91.
3. O Seguro Social acidentário e o Plano de Benefícios do RGPS
Nesta esteira, o Seguro Social Acidentário também é gerido pelo INSS, a quem compete a responsabilidade civil pelas contingências sociais decorrentes de acidentes de trabalho, sobretudo a cobertura de eventos de doença, invalidez e morte dos respectivos beneficiários da previdência social, ou seja, dos segurados e dependentes, na forma do artigo 10, da Lei 8.213/91[25].
De acordo com o artigo 11 da Lei 8.213/91, são cinco categorias de segurados obrigatórios do RGPS: 1) empregado (art.11, inciso I)[26]; 2) empregado doméstico (art.11, inciso II)[27]; 3) contribuinte individual (art.11, inciso V)[28]; 4) trabalhador avulso (art.11, inciso VI)[29] e 5) segurado especial (art.11, inciso VII)[30]; além dos segurados facultativos[31], na forma do artigo 13 [32], da Lei 8.213/91.
Somente as categorias dos segurados empregados, trabalhadores avulsos e dos segurados especiais, além dos respectivos dependentes, no entanto, estão amparados pelo custeio do SAT, na forma do art.7º, XXVIII, CF/88 c/c art.22, II [33] e art.25, II [34], da Lei 8.212/91. Já os segurados empregados domésticos[35], contribuintes individuais e os segurados facultativos, além dos respectivos dependentes, apesar de excluídos da cobertura acidentária, fazem jus às prestações decorrentes do estado de incapacidade laborativa ou de morte, incidindo as regras previdenciárias, com valores unificados por conta da Lei 9.032/95, com a única exceção do benefício de auxílio-acidente, na forma do §1º, do artigo 18, da Lei 8.213/91, que somente fazem jus os segurados empregados, trabalhadores avulsos e segurados especiais [36].
Por conseguinte, a responsabilidade civil do INSS perante os referidos beneficiários do Regime Geral da Previdência Social (RGPS) será sempre objetiva, ou seja, a Autarquia Previdenciária Federal deverá adimplir com as respectivas indenizações acidentárias (em regra, são os benefícios acidentários ou serviços), independentemente de dolo ou culpa do empregador e/ou da vítima diante dos eventuais acidentes de trabalho. Neste sentido, Cirlene Zimmermann assinala:
“A responsabilidade objetiva coletiva que caracteriza o SAT visa proteger a vítima do dano e a própria sociedade, em razão da garantia da cobertura das contingências, o que é natural nesse formato de responsabilização civil, comum em matéria ambiental, […]. Assim, é a relação segurador-segurado que está coberta pela responsabilidade objetiva, já que este deve ter a vida facilitada, considerando que, quando busca aquele para obter um benefício, encontra-se em situação de fragilidade”[37].
Na mesma direção, Castro e Lazzari também dizem, inequivocamente, da responsabilidade civil objetiva do INSS perante seus beneficiários, nada obstante a possibilidade destes pleitearem em juízo indenizações respectivas junto aos seus empregadores, no caso de dolo ou culpa:
“Já se disse antes que a proteção previdenciária não é plena, pois tarifada pela Lei de Benefícios. Não cobre, por exemplo, lucros cessantes e danos emergentes. Não há imposição de reparação do status quo ante, aliás, de impossibilidade material facilmente constatável, pois o que se encontra em discussão não são bens materiais, mas a vida ou a integridade física e psíquica do indivíduo. Por esta razão, o constituinte de 1988 manteve a responsabilidade civil do empregador, independentemente do seguro de acidentes de trabalho e a consequente proteção pelo regime previdenciário. Havendo culpa do empregador, no campo da responsabilidade civil, o indivíduo pode postular em Juízo uma reparação maior, com pretensão de restitutio in integrum – incluindo então as perdas e danos decorrentes da morte, lesão corporal ou perturbação funcional. Para a proteção previdenciária, inocorre a necessidade de existência de dolo ou culpa do empregador, sendo devida inclusive nos casos de dolo ou culpa da vítima. Impõe-se que haja, sim, nexo causal entre o acidente ou a doença e a lesão ou a morte; caracteriza-se o nexo de causalidade se, abstraído o evento, a incapacidade para o trabalho não se tivesse verificado”[38].
Neste caso, em face da responsabilidade civil objetiva do seguro social gerido pelo INSS, faz-se tão somente necessário que o acidentado comprove a existência do nexo causal entre o evento (acidente ou doença) com o trabalho desenvolvido, a existência do dano (lesão incapacitante ou morte) e a condição de beneficiário junto à previdência social, ou seja, a aquisição/manutenção da qualidade de segurado e/ou de dependente, na forma da lei, no momento do infortúnio laboral[39].
Portanto, na seara administrativa, o acidente de trabalho será caracterizado tecnicamente pela perícia médica do INSS, mediante a identificação do nexo entre o trabalho e o agravo [40] (evento ou doença ocorridos), na forma do artigo 337, caput, do Decreto 3.048/99. Pressupõe-se, contudo, que a empresa tenha comunicado previamente o eventual acidente de trabalho à previdência social até o 1º dia útil seguinte ao da ocorrência [41], e, em caso de morte, de imediato, por meio da emissão da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), tratando-se de um dever patronal [42], sob pena de multa, na forma do artigo 22, caput e §3º, da Lei 8.213/91.
Registra-se, por oportuno, a instituição do chamado nexo técnico epidemiológico pela Lei 11.430, de 25/12/2006, que acrescentou o artigo 21-A à Lei 8.213/91 [43], de grande importância para fins de caracterização da natureza ocupacional do agravo. Gustavo Filipe Barbosa Garcia destaca:
“O referido nexo técnico epidemiológico foi estabelecido levando em conta amplos estudos científicos, bem como mapeamentos e profundas análises de ordem empírica, os quais possibilitaram a demonstração e indicação de quais são as doenças que apresentam elevadas ou significativas incidências estatística nos diferentes ramos de atividade econômica, em que os segurados exercem a atividade laboral. […] Observa-se notável avanço quanto ao tema, tendo em vista a dificuldade de demonstração do nexo causal para caracterização das doenças profissionais e do trabalho. Além disso, é frequente o empregador não emitir a CAT (art.22 da Lei 8.213/91), por não reconhecer a natureza ocupacional da enfermidade sofrida pelo empregado, gerando a chamada ‘subnotificação’ dos agravos à saúde do trabalho’, em manifesto prejuízo ao trabalhador, ao sistema de saúde e à sociedade como um todo. Com a referida Lei 11.430/2006, presente o nexo técnico epidemiológico (entre o trabalho e o agravo), passa a existir a presunção de que a doença tem natureza ocupacional. […] Na realidade, em termos mais precisos, o que passou a existir é uma presunção relativa da natureza ocupacional do agravo, quando constatado o nexo técnico epidemiológico, presunção essa que, justamente por ser relativa, pode ser elidida com a demonstração, pelo empregador, da ausência do caráter ocupacional”[44].
Adiante, abordando aspectos conceituais, Milton de Almeida ressalta que um “regime de previdência” deve ser composto necessariamente por um plano de benefícios dotado de financiamento próprio, gerido por entidade de administração ou órgão gestor. Já por “plano de benefícios”, assevera o Autor que se trata de um feixe articulado de seguros sociais, visando, cada um, à cobertura de um infortúnio (ou risco social) específico, com a respectiva previsão atuarial das fontes de custeio, confiados a uma administração única [45].
Neste diapasão, o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), objeto de estudo desta pesquisa, é composto pelo Plano de Benefícios da Previdência Social, instituído pela Lei 8.213/91, dotado de financiamento [46] e respectivo orçamento próprio [47], administrado e gerido pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), autarquia previdenciária vinculada ao Ministério da Previdência Social (MPS).
Antes de seguir para o estudo do Plano de Benefícios Previdenciários, cumpre se registrar que o custeio dos respectivos benefícios, ou seja, o orçamento especificamente previdenciário, integrante do gênero “orçamento da seguridade social”, possui algumas peculiaridades importantes, quais sejam: 1) composto unicamente pelas contribuições sociais previdenciárias [48], incidentes na forma da Carta Política de 1988 – artigo 195, inciso I, alínea “a” (contribuições sociais “patronais” incidentes sobre folha de salário e demais rendimentos do trabalho pago ou creditados, a qualquer título) e do artigo 195, inciso II (contribuições sociais do trabalhador e dos demais segurados da previdência social) [49]; 2) o Orçamento Fiscal da União, para fins de custeio do RGPS, somente destinará recursos adicionais no caso de défice previdenciário, ou seja, se as despesas com pagamentos dos benefícios previdenciários forem maiores do que o somatório das receitas oriundas das contribuições sociais patronais e das contribuições dos trabalhadores [50]; 3) o artigo 167, inciso XI, introduzido pela Emenda Constitucional n. 20/98, veda a utilização dos recursos provenientes do orçamento especificamente previdenciário (art.195, I, a c/c art.195, II, CF/88) para a realização de despesas distintas do pagamento de benefícios do RGPS de que trata o artigo 201, da CF/88, inclusive a impossibilidade de utilização do mecanismo instituído pela DRU (desvinculação de receita da União) [51] [52]; 4) no caso do Seguro Social Acidentário, conforme analisado no tópico anterior, o custeio dos respectivos benefícios opera-se exclusivamente por meio de contribuição patronal, consoante artigo 7º, inciso XXVIII (primeira parte), regulamentada infraconstitucionalmente pelo artigo 22, inciso II, c/c artigo 25, inciso II, da Lei 8.212/91.
Outrossim, os países que subscreveram a Convenção de nº 102, do ano de 1952, no âmbito da Organização Internacional do Trabalho – OIT, também conhecida como “norma mínima de previdência” [53], comprometeram-se a instituir tratamento mínimo securitário adequado às doenças mórbidas de qualquer origem, à gravidez, à concessão de auxílio-doença, à concessão de benefício familiar (para manutenção dos filhos), à concessão de benefício por invalidez, à concessão de benefício por velhice, à concessão de benefício para dependentes sobreviventes, em decorrência do falecimento do segurado, amparo previdenciário em decorrência de afastamento por acidente de trabalho, dentre outros.
No mesmo sentido, Arnaldo Süssekind exprime que a Convenção n.º 102 consagrou, no plano internacional, o novo e mais amplo conceito de previdência social: a seguridade social, constituindo-se em um marco na ação desenvolvida pela OIT nesse ramo. Ademais, a referida Convenção baseou-se no princípio da universalidade gradual das prestações e do atendimento amplo aos trabalhadores e à população em geral [54].
O Brasil aprovou a respectiva Convenção n.º 102 mediante Decreto Legislativo do Congresso Nacional n.º 269, DOU de 19/09/2008, ratificando-a em 15/06/2009, tornando o 44º país a adotá-la no âmbito do direito interno, ou seja, deve imperar no País o reconhecimento da comunidade internacional de prestações previdenciárias (benefícios e serviços) mínimas a serem concedidas às populações dos países signatários [55].
No contexto atual, as prestações previdenciárias decorrentes do acidente de trabalho no âmbito do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), expressamente elencadas pelo Plano de Benefícios da Previdência Social, instituído pela Lei 8.213/91, são: a) o auxílio-doença acidentário; b) o auxílio-acidente; c) a aposentadoria por invalidez acidentária; d) a pensão por morte; e) os serviços de habilitação, reabilitação profissional e serviço social, constituindo-se em um complexo articulado de benefícios e serviços do Seguro Social acidentário, visando, cada um, à cobertura específica dos riscos sociais decorrentes de acidente do trabalho.
O auxílio-doença, inclusive o acidentário, é previsto nos artigos 59 a 63 da Lei 8.213/91 [56], regulamentado pelos artigos 71 a 80 do Decreto 3.048/99. No caso do auxílio-doença acidentário, além da manutenção da qualidade de segurado no momento da contingência social, tem como único requisito: o afastamento do segurado por incapacidade para o trabalho ou atividade habitual por mais de 15 dias decorrente de acidente do trabalho, na forma da lei (em regra, na forma dos artigos 19 a 21 da Lei 8.213/91). O benefício corresponderá a 91% do salário-de-benefício (art.61 da Lei 8.213/91), ainda que a incapacidade decorra de acidente do trabalho [57].
O auxílio-acidente é previsto no artigo 86 da Lei 8.213/91 [58], regulamentado pelo artigo 104 do Decreto 3.048/99. Atualmente, o benefício é concedido como espécie de indenização paga pelo Seguro Social Acidentário, mensalmente, em face de sequelas redutoras da capacidade laboral do segurado, sendo estas verificadas após a consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza[59]. Administrativamente, considera-se acidente de qualquer natureza na forma do artigo 30, parágrafo único, do Decreto 3.048/99 [60]. A renda mensal atual é de cinquenta por cento do salário-de-benefício, inexistindo diferenciação de percentual em face dos respectivos graus de redução da capacidade laboral, conforme outrora na redação original da lei [61].
A aposentadoria por invalidez, inclusive decorrente de acidente do trabalho, é prevista nos artigos 42 a 47 da Lei 8.2131/91 [62], regulamentados pelos artigos 43 a 50 do Decreto 3.048/99. No caso da invalidez acidentária, além da manutenção da qualidade de segurado no momento da contingência social, têm como requisitos: a) incapacidade total para qualquer atividade que seja apta a garantir a subsistência do segurado e b) incapacidade permanente, considerada aquela com prognóstico negativo quanto à cura ou à reabilitação. Ademais, ambas as incapacidades (total e permanente) devem decorrer de acidente de trabalho, na forma da lei (em regra, na forma dos artigos 19 a 21 da Lei 8.213/91). Atualmente, a renda mensal da aposentadoria por invalidez acidentária corresponde a 100% do salário-de-benefício, desde o advento Lei 9.032/95 (art.44). Rocha e Baltazar ressaltam que, “no caso de acidente do trabalho, a aposentadoria por invalidez precedida de auxílio-doença pode ser simplesmente substituída pela renda mensal deste reajustada, se o valor resultar inferior ao da renda inicial da aposentadoria (art.44, §2º)” [63].
Já a pensão por morte, inclusive a decorrente de acidente de trabalho do segurado, é prevista nos artigos 74 a 79 da Lei 8.213/91 [64], regulamentados pelos artigos 105 a 115 do Decreto 3.048/99. No caso da pensão por morte acidentária, faz-se mister tão somente a comprovação de que o segurado ostentava a qualidade de segurado no momento do óbito, além da comprovação do(s) requerente(s) do respectivo benefício da condição de dependente, na forma do artigo 16, da Lei 8.213/91[65]. Ademais, o evento (morte) do segurado deve decorrer de acidente do trabalho, na forma da lei (em regra, na forma dos artigos 19 a 21 da Lei 8.213/91)[66].
Por fim, os serviços de habilitação, reabilitação profissional e serviço social estão previstos nos artigos 88 a 93 da Lei 8.213/91. Raimundo Simão de Melo destaca:
“Pela habilitação e reabilitação profissional e social […] deverá o órgão previdenciário proporcionar ao beneficiário incapacitado parcial ou totalmente para o trabalho os meios para (re) educação e (re) adaptação profissional e social indicados para que ele possa participar do mercado de trabalho e do contexto em que vive. A reabilitação profissional compreende: a) o fornecimento de aparelho de prótese, órtese e instrumentos de auxílio para locomoção quando a perda ou redução da capacidade funcional puder ser atenuada por seu uso e dos equipamentos necessários à habilitação e reabilitação social e profissional; b) a reparação ou a substituição dos aparelhos mencionados anteriormente, desgastados pelo uso normal ou por ocorrência estranha à vontade do beneficiário; e c) o transporte do acidentado ao trabalho, quando necessário. Concluído o processo de habilitação ou reabilitação social e profissional, a Previdência Social emitirá certificado individual, indicando as atividades que poderão ser exercidas pelo beneficiário, nada impedindo que este exerça outra atividade para a qual se capacitar. A empresa com cem ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% a 5% dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas na seguinte proporção: a) até 200 empregados, 2%; b) de 201 a 500, 3%; c) de 501 a 1.000, 4%; e d) de 1.001 em diante, 5%”[67].
Ressalta-se, ainda, que os respectivos benefícios acidentários e serviços pagos pelo INSS independem do período de carência[68], conforme inteligência do artigo 26, I (pensão por morte acidentária e auxílio-acidente)[69] c/c inciso II (auxílio-doença acidentário e aposentadoria por invalidez acidentária)[70] c/c inciso IV (serviço social) e inciso V (serviço de reabilitação profissional).
Outrossim, o artigo 124, da Lei 8.213/91, proíbe a acumulação simultânea dos seguintes benefícios ora analisados: a) auxílio-doença (inclusive o acidentário) e da aposentadoria (Inciso I), pois ambos os benefícios possuem caráter substitutivo da renda mensal do segurado; b) acumulação de duas aposentadorias (inclusive a aposentadoria por invalidez acidentária) no mesmo Regime Geral da Previdência Social (RGPS) (inciso II)[71]; c) salário-maternidade e auxílio-doença (inclusive o acidentário) (inciso IV)[72]; d) acumulação de mais de um auxílio-acidente (inciso V); e) acumulação de mais de uma pensão deixada por cônjuge ou companheiro (inclusive pensão acidentária), ressalvado o direito de opção pela mais vantajosa (inciso VI)[73]; e f) acumulação do seguro-desemprego com qualquer outro benefício de prestação continuada da previdência social, exceto pensão por morte ou auxílio-acidente (parágrafo único, do art.124, da Lei 8.213/91)[74].
Resumidamente, as contingências sociais acidentárias eleitas pela Lei 8.213/91, mediante o pagamento de prestações previdenciárias pelo INSS, visam à cobertura de eventos do trabalhador-segurado decorrentes: a) de incapacidade laboral total e temporária[75], superior a 15 dias[76] (auxílio-doença acidentário); b) de incapacidade laboral total e permanente[77] (aposentadoria por invalidez acidentária); c) de redução permanente da capacidade laboral, mediante prestação mensal de natureza indenizatória, complementar e não substitutiva da renda mensal do trabalhador[78] (auxílio-acidente); d) de morte, sendo prestação devida ao conjunto de dependentes do segurado falecido, na forma do artigo 16 da Lei 8.213/91 (pensão por morte acidentária); e) da necessidade de (re)educação e/ou (re)adaptação profissional e social para fins do mercado de trabalho e do contexto social em que vive o acidentado, inclusive de seus dependentes (serviço social[79] e serviço de habilitação e reabilitação profissional[80]).
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sob a égide do Estado Democrático de Direito e do princípio fundante da dignidade da pessoa humana, o modelo atual de Constituição econômica ou dirigente rejeita o dogma da autorregulamentação do mercado, necessitando de medidas interventivas do Estado na economia que cumpra com os objetivos de justiça social, de solidariedade e de garantia do mínimo existencial aos indivíduos.
Neste contexto, analisa-se o papel da Seguridade Social no Brasil, principalmente após a Constituição Federal de 1988, a fim de promover o respeito e a proteção dos direitos e garantias e fundamentais, quais sejam, dos direitos sociais de cunho previdenciário em face dos infortúnios ocorridos no meio ambiente do trabalho.
Tem-se a ilação, portanto, que a responsabilidade civil do Seguro Social gerido pelo INSS será sempre objetiva perante seus beneficiários, fazendo-se tão somente necessário que o acidentado comprove a existência do nexo causal entre o evento (acidente ou doença) com o trabalho desenvolvido; a existência do dano (lesão incapacitante ou morte) e a condição de beneficiário (segurado ou dependente) junto à previdência social, na forma legal. Neste ponto, nada obsta que a Previdência Social exercite o seu direito de regresso perante o responsável direto pelo acidente do trabalho ou, ainda, que o próprio acidentado acione o respectivo empregador mediante ação própria na Justiça do Trabalho.
Informações Sobre o Autor
Pedro Miron de Vasconcelos Dias Neto
Procurador Federal da Advocacia-Geral da União (AGU). Mestre em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Especialista em Direito Público com habilitação em Direito Previdenciário pela Universidade de Brasília (UnB).