Resumo: Nos últimos anos diversos ramos do direito ganharam força por causa de sua relevância social. Uma destas ciências foi o direito previdenciário, que contém previsão na Carta Magna de 1988, bem como em leis ordinárias e leis complementares. Contudo, com a evolução da sociedade foram surgindo algumas outras formas de regulamentação social, como a jurisprudência, que muitas das vezes possui força normativa em casos que não há previsão legal. Um destes casos diz respeito a desaposentação, pois é um instituto que não encontra-se positivado no ordenamento jurídico e que encontra-se respaldo inteiramente nas decisões proferidas dos Tribunais Superiores. O presente estudo tem como objetivo realizar um estudo deste procedimento, abordando sua natureza jurídica e as divergências jurisprudenciais acerca da matéria.
Palavras-chave: desaposentação; Direito Previdenciário; jurisprudência; doutrinadores.
Sumário: 1. Considerações iniciais; 2. Conceito e natureza jurídica da desaposentação; 3. Conflito jurisprudencial sobre a (im)possibilidade de devolução de valores percebidos de benefícios previdenciários durante o exercício das atividades laborativas; 4. Aspectos finais. Referências.
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A legislação previdenciária adota o princípio da legalidade para sua regulamentação, ou seja, a obrigação previdenciária perante os beneficiários somente surge a partir do momento que houver normas de caráter constitucional ou infraconstitucional dispondo acerca daquela situação específica.
Todavia, devido a sua relevância no contexto social, surgiu um instituto formado pela jurisprudência brasileira e que vem ganhando cada vez mais relevância no cenário jurídico, que é a desaposentação, que será objeto de estudo a seguir, momento em que será abordado desde sua discussão pelo fato de não estar expresso em lei, bem como abordando sua natureza jurídica e ainda o debate acerca de uma possível devolução de valores previdenciário percebidos durante o exercício das atividades laborativas.
2 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DA DESAPOSENTAÇÃO
O instituto da desaposentação não possui um conceito firmado na legislação. Todavia a doutrina vem trazendo consigo conceitos que possam ilustrar a positivação desta elementar na sociedade brasileira. Desta forma, relevante expor o conceito firmado por Fábio Zambitte Ibrahim acerca do tema:
“possibilidade do segurado renunciar a aposentadoria com o propósito de obter benefício mais vantajoso no regime geral de previdência social ou em regime próprio de previdência, mediante a utilização de seu de (sic) tempo de contribuição. O instituto é utilizado colimando a melhoria do status financeiro do aposentado”.[1]
Imprescindível destacar ainda o entendimento de Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari:
“a desaposentação é o direito do segurado ao retorno à atividade remunerada. É o ato de desfazimento da aposentadoria por vontade do titular, para fins de aproveitamento do tempo de filiação em contagem para nova aposentadoria, no mesmo ou em outro regime previdenciário. […] Trata-se, em verdade, de uma prerrogativa do jubilado de unificar os seus tempos de serviço/contribuição numa nova aposentadoria”.[2]
Assim como todo o ramo jurídico, a desaposentação também possui expressa a sua natureza jurídica, ou seja, o seu real fundamento de ser amparado pela ciência previdenciária. Este instituto é considerado um ato jurídico administrativo, sendo que a sua extinção pode se dá através de anulação, revogação, cassação, caducidade, decaimento, derrubada, renúncia ou recusa.
Contudo, a legislação previdenciária adotou a renúncia como a natureza jurídica da desaposentação, uma vez que requer o afastamento do benefício da aposentadoria por tempo determinado com a finalidade de perceber futuramente a aposentadoria com um montante superior.
O doutrinador Elvio Flávio de Freitas Leonardi expôs em seu artigo “Desaposentação” o seguinte conceito para a renúncia:
“A renúncia, por sua vez, consiste na manifestação de vontade que expressa à rejeição de um ato direito subjetivo efetivado, ou seja, quando um particular (o segurado aposentado) afasta da sua esfera jurídica patrimonial o direito de receber os proventos oriundos do benefício de aposentadoria expressamente.”[3]
Analisando o preceito acima exposto, denota-se que, apesar de haver diversos conceitos para a extinção de um ato administrativo, os doutrinadores e os juristas escolheram a renúncia como a natureza jurídica da desaposentação, pois não há de fato a extinção do direito a aposentadoria pelo beneficiário, mas sim a suspensão daquele benefício para que seja alcançada uma aposentadoria com melhores proventos futuramente.
3 CONFLITO JURISPRUDENCIAL SOBRE A (IM)POSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO DE VALORES PERCEBIDOS DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS DURANTE O EXERCÍCIO DAS ATIVIDADES LABORATIVAS
Como já foi mencionado anteriormente, a desaposentação até o presente momento não possui qualquer tipo de previsão legal. Todavia, a jurisprudência possui muita relevância para apreciação desta matéria. Um dos pontos debatidos pela jurisprudência e que se encontra grande embate diz respeito as contribuições previdenciárias que foram destinadas ao aposentado, sendo que este permanece exercendo suas atividades laborativas.
A doutrina majoritária, defendida pelo Superior Tribunal de Justiça e pela maioria dos Tribunais Regionais Federais é de que não deve haver a devolução dos valores previdenciários percebidos durante o exercício das atividades trabalhistas, uma vez que os efeitos da contribuição previdenciária são ex nunc, ou seja, seus efeitos não retroagem até o momento da concessão do benefício.
Outro ponto que é defendido pela posição majoritária diz respeito que o valor do pagamento deste benefício previdenciário possui caráter totalmente alimentício, conforme previsão da própria Constituição Federal de 1988, mais precisamente de seu artigo 100, parágrafo primeiro:
“§ 1º Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado, e serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre aqueles referidos no § 2º deste artigo.”[4]
Imprescindível destacar o posicionamento da jurisprudência da corrente majoritária neste sentido:
“(…) 2. No caso concreto, o provimento atacado foi proferido em sintonia com o entendimento de ambas as Turmas componentes da Terceira Seção, segundo o qual, a renúncia à aposentadoria, para fins de aproveitamento do tempo de contribuição e concessão do novo benefício, seja no mesmo regime ou em regime diverso, não importa em devolução dos valores percebidos, “pois enquanto perdurou a aposentadoria pelo regime geral, os pagamentos, de natureza alimentar, eram indiscutivelmente devidos” (STJ, REsp 692.698/DF, Sexta Turma, Relator o Ministro Nilson Naves, DJU de 05/09/2005). 3. Agravo regimental improvido. (STJ, AgRg no REsp 926.120/RS, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, DJE 08/09/2008)[5] (grifo nosso)
(…) 4. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que o ato de renunciar ao benefício tem efeitos ex nunc e não envolve a obrigação de devolução das parcelas recebidas, pois, enquanto aposentado, o segurado fez jus aos proventos (…) (STJ, REsp 557.231/RS, Rel. Min. Paulo Gallotti, Sexta Turma, DJE 16/06/2008)[6] (grifo nosso)
1. Tratando-se de direito disponível cabível a renúncia a aposentadoria sob regime geral para ingresso a outro estatutário. 2. “O ato de renunciar a aposentadoria tem efeito ex nunc e não gera o dever de devolver valores, pois, enquanto perdurou a aposentadoria pelo regime geral, os pagamentos, de natureza alimentar, eram indiscutivelmente devidos”. (REsp 692.928/DF, Rel. Min. Nilson Naves, DJ de 05/09/2005). 3. Recurso especial improvido (STJ REsp 663.336/MG, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, DJ 07/02/2008)[7] (grifo nosso)
1. Inexiste vedação a renúncia de benefício previdenciário e conseqüente emissão de contagem do tempo de serviço para fins de averbação desse período junto a órgãos públicos, a fim de obter aposentadoria estatutária, por mais vantajosa, sem que o beneficiário tenha que devolver qualquer parcela obtida em decorrência de outro direito regularmente admitido. Precedentes desta c. Corte e do eg. STJ. 2. Remessa oficial que se nega provimento (TRF1, REOMS 2007.36.00.006639-1/MT, Relator Desembargador Federal Francisco de Assis Betti, Segunda Turma, e-DJF1: 24/11/2008, p. 269)[8] (grifo nosso)
1. Inexistindo vedação constitucional ou legal, revela-se admissível a renúncia à aposentadoria, com o objetivo de se computar o tempo de serviço posterior à obtenção do benefício, para fins de concessão de aposentadoria mais vantajosa. Precedentes: (…) Ressalva do entendimento pessoal do relator. 2. O entendimento firmado na jurisprudência é no sentido de que o ato de renunciar à aposentadoria tem efeitos ex nunc, não gerando para o segurado o dever de restituição dos valores recebidos (…) (TRF1, AC 2002.32.00.003819-7/AM, 1.ª T, Relator Desembargador Federal Carlos Olavo, e-DJF1 07/04/2009, p. 34)[9] (grifo nosso)
1. A renúncia à aposentadoria gera efeito ex nunc, como de natureza desconstitutiva, não havendo previsão legal de necessidade de devolução de valores percebidos, uma vez que as competências de prestação foram pagas de forma devida. 2. Não há agressão ao artigo 96, inciso III, da Lei 8213/91, quando se reconhece o direito à desaposentação, uma vez que, cessada a aposentadoria, tecnicamente não há mais tempo utilizado para concessão da aposentadoria por outro regime. 3. Desfeito o ato de aposentadoria, teoricamente, o impetrante teria, computado ao RGPS, tempo de contribuição desde o momento de sua filiação até 1997. (…) (TRF2, MAS 2007.51.01.808978-5/RJ, Primeira Turma, Relatora Desembargadora Federal Maria Helena Cisne, DJU 07/11/2008, p. 125)”[10] (grifo nosso)
Insta destacar ainda o entendimento de Carlos Alberto Pereira da Rocha e João Batista Lazzari acerca da desnecessidade de devolução dos valores previdenciários:
“É defensável a tese de que não há necessidade da devolução dessas parcelas [recebidas em virtude da aposentadoria], pois, não havendo irregularidades na concessão do benefício recebido, não há o que ser restituído. Como paradigma podemos considerar a reversão, prevista na Lei 8112/90, que não prevê a devolução dos proventos recebidos”.[11]
Por outra via encontra-se o posicionamento da doutrina minoritária, defendida pelos Tribunais Regionais Federais da 3ª e 4ª Regiões, cujo posicionamento dos mesmos é no sentido de que deve ser adimplido todo o débito de natureza previdenciária em atraso. Contudo, reconhecem que muitas das vezes o valor a ser ressarcido é bem elevado e com isso permitem que haja o parcelamento deste montante, conforme se aufere das jurisprudências a seguir:
“(…) Desaposentação. Possibilidade desde que haja prévia devolução dos valores recebidos a título de aposentadoria, acrescidos de juros e correção monetária. (…) (TRF3, AC1297012/SP, Processo 2008.03.99.015452-7, Relator Juiz Convocado Omar Chamon, Décima Turma, j. 21/10/2008, DJF3 19/11/2008)[12] (grifo nosso)
Nos termos do voto proferido no julgamento da Apelação Cível nº. 2000.71.00.007551-0 (TRF4, Sexta Turma, Relator Excelentíssimo Sr. Desembargador Federal João Batista Pinto Silveira, publicado em 06/06/2007): “1. É perfeitamente válida a renúncia a aposentadoria, visto que se trata de um direito patrimonial de caráter disponível, inexistindo qualquer lei que vede o ato praticado pelo titular do direito. 2. A instituição previdenciária não pode se contrapor à renúncia para compelir o segurado a continuar aposentado, visto que carece de interesse. 3. Se o segurado pretende renunciar a aposentadoria por tempo de serviço para postular novo jubilamento, com a contagem do tempo de serviço em que esteve exercendo atividade vinculada ao RGPS e concomitantemente à percepção dos proventos de aposentadoria, os valores recebidos da autarquia previdenciária a título de amparo deverão ser integralmente restituídos. 4. Provimento de conteúdo meramente declaratório. 5. Declaração de inconstitucionalidade do §2º do art. 18 da Lei 8213/91 rejeitada” (TRF4, AC 2001.71.00.000183-9/RS, Relator Juiz Federal Sebastião Ogê Muniz, Sexta Turma, Unânime, j. 18/07/2007, DE 02/08/2007)[13] (grifo nosso)
1. É perfeitamente válida a renúncia a aposentadoria, visto que se trata de um direito patrimonial de caráter disponível, inexistindo qualquer lei que vede o ato praticado pelo titular do direito. A instituição previdenciária não pode se contrapor a renúncia para compelir o segurado a continuar aposentado, visto que carece de interesse. 2. Se o segurado pretende renunciar à aposentadoria por tempo de serviço para postular novo jubilamento, com a contagem do tempo de serviço em que esteve exercendo atividade vinculada ao RGPS e concomitantemente à percepção dos proventos de aposentadoria, os valores da autarquia previdenciária a título de amparo deverão ser integralmente restituídos. 3. Provimento de conteúdo meramente declaratório. (TRF4, AC 2000.71.00.027270-3/RS, Relator Desembargador Federal João Batista Pinto Silveira, Sexta Turma, unânime, j. 11/10/2006, DJU 25/10/2006, P. 1028)[14]
1. A desaposentação, isto é, a desvinculação voluntária da aposentadoria já concedida e usufruída, somente é possível mediante devolução dos proventos já recebidos. 2. Pedido de uniformização apresentado pela parte autora improvido. (TNU, Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei Federal 2008.72.58.002292-9, Relator(a) Juíza Federal Jacqueline Michels Bilhalva, DJ 11/06/2010, Data da decisão 08/04/2010)”[15]
O renomado doutrinador da seara previdenciária Fábio Zambitte Ibrahim também possui o posicionamento de que devem ser restituídos os valores percebidos acerca do benefício de aposentadoria, conforme se vislumbra a seguir:
“Se este regime se mantém mediante sistema de capitalização individual, o desconto é adequado, pois em tal sistemática previdenciária, o benefício é concedido a partir da acumulação de capitais em conta individual, variando o benefício de acordo com o nível contributivo e o tempo de acumulação.”[16]
Desta forma, apesar de não haver qualquer elemento normativo determinando ou não a restituição dos proventos previdenciários para a autarquia, permanece em vigor a desaposentação com a corrente majoritária, liderada pelo STJ e a maioria dos Tribunais Regionais Federais, que dissertam acerca da impossibilidade de restituição dos valores previdenciários, tendo em vista que tais valores têm caráter inteiramente alimentício, mas também existindo a corrente minoritária, defendida pelos Tribunais Regionais Federais da 3ª e 4ª Regiões, que entendem que é necessário a restituição dos valores percebidos de forma indevida do instituto de previdência social.
4 ASPECTOS FINAIS
Analisando com afinco todo o exposto denota-se que a falta de legislação para determinar os institutos da desaposentação acabou gerando diversos embates jurisprudenciais, principalmente no que cerne a possibilidade ou não de restituição dos valores previdenciários percebidos durante a execução de seu trabalho.
Além disso, foi mencionada acerca da natureza jurídica deste procedimento, que é entendido pela doutrina majoritária como a renúncia do direito de aposentadoria a fim de perceber no futuro uma aposentadoria com valor superior ao estimado.
Informações Sobre os Autores
Ricardo Benevenuti Santolini
Pós Graduando em Direito Previdenciário pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo – ES
Tauã Lima Verdan Rangel
Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES