Resumo: Por meio de um método jurídico-teórico busca-se analisar a importância do princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento do ordenamento jurídico pátrio, como vetor ao poder de punir do Estado. Dessa forma, tendo em vista o modelo constitucional de garantias, buscou-se analisar as ações estatais frente ao seu poder punitivo quando da pena privativa de liberdade contemplada sobre a nuance do regime fechado de cumprimento da pena. Hodiernamente o Estado que deveria assegurar a preservação da dignidade da pessoa humana fere de morte a Constituição cidadã, haja vista que, o poder de punir do Estado vem sendo exercido em desconformidade com a vontade do constituinte. As flagrantes ofensas praticadas pelo Estado são analisadas em um enfoque prático, isto é, tendo como objeto o encarcerado, titular de direitos que após o trânsito em julgado da sentença condenatória, cumpre nos diversos centros penitenciários do País a pena imposta pelo judiciário.
Palavras-chave: Princípio da dignidade da pessoa humana. Preservação. Preso. Direitos.
Abstract: Through a legal theoretical method it’s sought to analyze the importance of the principle of human dignity, the foundation of national legal system, as the vector of State power to punish. Thus, in view of the constitutional guarantees model, we sought to analyze State actions against its punitive power when the custodial sentence contemplated on the nuance of the closed system of imprisonment. In our times the State that should ensure the preservation of human dignity hurts to death citizen’s Constitution, given that the power to punish the State has been exercised in violation of the will of the constituent. The flagrant offenses committed by the State are analyzed in a practical approach, that is, having as object the imprisoned, holder of rights after the final judgment of conviction, meets in various prisons in the country the punishment imposed by the court .
Keywords: Principle of human dignity . Preservation. Stuck. Rights.
Sumário: Introdução. 1.Dignidade da Pessoa Humana. 1.1.Etmologia. 1.2.Movimento Histórico. 1.3.Prelúdio da Dignidade da Pessoa Humana. 1.4.Classificação dos Princípios Constitucionais. 1.5.Teoria dos quatro status de Jellinek. 1.6.Principios, Normas e Regras. 1.7.A dignidade da pessoa humana como limite ao poder de punir do Estado. 2.O Direito de Punir do Estado. 2.1. Breves comentários. 2.2. Rudimentos Históricos. 2.2.1.Sociedades Primitivas. 2.2.2. Fase da vingança divina. 2.2.3. Fase da vingança privada. 2.2.4.Fase da vingança pública. 2.2.5.Direito Penal em Roma e na Grécia antiga. 2.3. O Direito Penal na Idade Média. 2.4.O Direito Penal Moderno e os Reformadores. 2.5. Direito Penal no Brasil. 2.6. A pena como meio de consecução do “ius puniendi”. 3.Direitos do Preso no Regime Fechado. 3.1.A privação da liberdade como pena. 3.2.Edificação para cumprimento da pena privativa de liberdade. 3.3.Direitos do Preso. 3.4.Penitenciária Coronel Odenir Guimarães. 3.5. A ofensa dos Direitos: revolta. Conclusão.
O presente trabalho parte de uma proposta jurídico-teórica, em que pretende discutir a importância dos princípios constitucionais no exercício do poder de punir do Estado.
Hodiernamente, doutrina e jurisprudência tem abordado a importância da dignidade da pessoa humana com um dos pilares do sistema jurídico em vigor. O constituinte de 1988 cravou no art. 1º, III, da CF/88, a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito.
Nesse prisma, percebe-se que o princípio da dignidade da pessoa humana foi lançado pelo Constituinte, como manual que precisa ser observado pelo Estado ao praticar suas ações.
Destarte, esse princípio ganhou amplo destaque, funcionando como uma garantia que milita em favor dos cidadãos, funcionando como um limitador às ações do Estado.
Não obstante, apesar da evolução do Direito democrático brasileiro, atualmente percebe-se que o Estado, no que tange ao ensaio em questão, negligencia o princípio em tela ao exercer o direito de punir seus cidadãos desordeiros.
Dessa feita, adentraremos em um dos cenários mais desoladores do moderno estado brasileiro, não sendo outro, senão as mazelas que impregnam o regime de execução da pena.
Assim, faz-se necessário buscar identificar os principais problemas presentes no exercício do poder de punir do Estado, tendo como exemplo o Complexo prisional de Aparecida de Goiânia – GO.
1.1. Etmologia
Inicialmente torna-se importante conhecer a abrangência do vocábulo dignidade, haja vista que aceitar apenas a acepção jurídica da expressão, é tolher a contribuição da sociedade de hoje e de outrora.
Dignidade é um substantivo feminino decorrente do latim dignitate, e segundo o Dicionário Aurélio da língua portuguesa é um adjetivo que, “por si só, designa a própria substância de um ser real ou metafísico, que define ou acentua alguma coisa. Diz o que é importante, essencial, substancial” (FERREIRA, 2010, p. 716).
A seu turno, humana é adjetivo tecendo o significado de natureza pertencente ou relativo ao homem.
Para a antropologia natureza humana é:
“O conjunto das características físicas e orgânicas, mentais, psicológicas, afetivas, etc., que nos seres humanos, são supostamente comuns a toda a espécie e invariáveis, isto é, independentes das influências das sociedades ou culturas específicas em que os indivíduos nascem e se desenvolvem.” (FERREIRA, 2010, p. 1454).
A Filosofia concebeu a natureza humana como o “conjunto das qualidades percebidas como idênticas, imutáveis e comuns a todos os seres humanos, e que seria suficiente para caracterizá-los como tais” (FERREIRA, 2010, p. 1455).
Em sua obra “O Paradigma Perdido: A Natureza Humana”, Edgar Morin, inova ao defender que o movimento antropológico passe a gravitar em torno do fenômeno natureza e não na compreensão do fenômeno humano pautado na razão (2000).
Nessa trilha, afirma:
“A antropologia da primeira metade do nosso século lançou-se exatamente no sentido contrário, repudiando firmemente qualquer ligação com o “naturalismo”. O espírito humano e a sociedade humana, únicos na natureza, devem encontrar a sua inteligibilidade não só em si próprios, mas também como antítese de um universo biológico sem espírito e sem sociedade”. (2000, p. 04).
Por fim, conclui o insigne mestre:
“A questão da origem do homem e da cultura não diz unicamente respeito a uma ignorância que é preciso reduzir, a uma curiosidade a satisfazer. É uma questão com um alcance teórico imenso, múltiplo e geral. É o nó górdio que sustém a soldadura epistemológica entre natureza/cultura, animal/homem. É o local exato onde devemos procurar o fundamento da antropologia”. (2000, p. 28).
Nesse diapasão de ideias, temos que a dignidade humana é um valor inerente ao homem, constructo das transformações sociais ocorridas ao longo do tempo, carecendo ainda, de profundos estudos, reflexões, para então, alcançar compreensão mais justa e adequada à sociedade em cena.
1.2 Movimento histórico
Retornar através da história ao passado é necessário para compreensão do presente, e meio lógico para pensar o futuro. Noutras palavras, descortinar o passado é prever os fatos que hão de seguir-se, permitindo, por isso, adoção de medidas antecipativas com intuito de melhor adequar-se a realidade futura.
Hodiernamente, aquele que se debruça ao estudo da estrutura jurídica nacional, seja como operador do direito, ou ainda como usuário eventual, encontrará no Título I, Dos Princípios Fundamentais, art. 1º, inc. III, da CFR, menção ao princípio da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Nesse sentido:
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III – a dignidade da pessoa humana”;
Deve-se ressaltar que, o citado artigo não é isolado no corpo do texto constitucional, havendo registro expresso no Título VII, Da Ordem Social, Capítulo VII, da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e Idoso, conforme redação dada pela EC Nº 65, de 13/05/10, art. 226, §7º.
A presença do princípio em tela não se esgota nas passagens transcritas, pois há ainda outros casos explícitos, assim como outros implícitos, como quando a Constituição em seu Art. 5º, inc. III, diz que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”.
Logo, poder-se-á concluir fundado nos ensinamentos de Flávia Piovesan que “acentuada é a preocupação da Constituição de 1988 em assegurar a dignidade e o bem estar da pessoa humana, como um imperativo de justiça social” (2009, p. 320).
Uadi Lammêgo Bulos após minudente análise sobre os princípios constitucionais fundamentais ensina que o princípio da dignidade da pessoa humana “é vetor que agrega em torno de si a unanimidade dos direitos e garantias fundamentais do homem, expressos na Constituição de 1988” (2012, p.320).
Prosseguindo em sua brilhante explanação sobre o princípio da dignidade humana, conclui o mestre:
“O princípio da dignidade do homem possui um conteúdo amplo e pujante, envolvendo valores espirituais e materiais. Seu acatamento representa a vitória contra a intolerância, o preconceito, a exclusão social, a ignorância e a opressão”. (2012, p. 320).
Modernamente, percebe-se que o princípio da dignidade da pessoa humana funciona como um limite às atuações dos Estados, principalmente dos ocidentais, como o Brasil, que se intitula Estado Democrático de Direito. De outro lado, o princípio assegura aos cidadãos a expectativa de que seus valores intrínsecos não serão violados por esse ente arquétipo abstrato, Estado.
1.3 Prelúdio da dignidade da pessoa humana
No tópico anterior abordou-se o princípio da dignidade humana em sua acepção moderna. Nas próximas linhas, buscar-se-á alcançar os laços mais distantes que contribuíram para a formação de meritório princípio.
É na Bíblia Sagrada que se encontra um dos primeiros relatos versando sobre o tratamento digno do homem. Quando o homem cedeu aos encantos da serpente, desobedecendo às regras de Deus, viu-se despido, desprotegido. A consequência do erro foi a expulsão do paraíso, mas veja a benevolência do Criador do Universo, conforme narra o livro de Gênesis:
“O Senhor Deus fez roupas de pele e com elas vestiu Adão e sua mulher. Então disse o Senhor Deus: “Agora o homem se tornou com um de nós, conhecendo o bem e o mal. Não se deve, pois, permitir que ele tome também do fruto da árvore da vida e o coma, e viva para sempre”. Por isso o Senhor Deus o mandou embora do jardim do Éden para cultivar o solo do qual fora tirado”. (HITCHCOCK, 2005, p. 14).
Como princípio fundamental que é a dignidade da pessoa humana existe antes mesmo de ser apreciada no bojo constitucional, está ligado ao jus cogens, direitos universais de observância obrigatória por todos os Estados.
José Carlos Gobbis Pagliuca, contribuiu com importante trabalho sobre os antecedentes históricos dos direitos humanos. Para o mestre as fontes históricas são encontradas na:
“Bíblia e outros textos religiosos como o Bhagavad – Gita – Tratados, propriedade, constituição familiar, moradia, responsabilidade do Estado, direito de defesa, etc. Magna Carta (Inglaterra, 1215) – Documento ao tempo do Rei João Sem-Terra, teve por escopo disciplinar a arbitrária cobrança de tributos e julgamentos justos. Petiton of Rights (Inglaterra, 1628) – Aprimoramento da Magna Carta. Habeas Corpus Act (Inglaterra, 1679) – Institui o habeas corpus que evoluiu tal qual o conhecemos hoje. Bill of Rights (Inglaterra, 1628) – Trouxe a lei para a competência parlamentar em prejuízo do rei. Pacto de Mayflower (norte do oceano Atlântico, 1620) – Segundo consta foi celebrado a bordo do navio Mayflower que trazia ingleses que imigravam para a colônia da América (EUA), em face precípua de conflitos religiosos (eram calvinistas e ficaram conhecidos como “puritanos” e “os peregrinos fundadores dos EUA”). Esse Pacto estabelecia, em resumo, que obedeceriam as leis justas e iguais. O pacto “é lembrado pela historiografia norte-americana como um marco fundador da ideia de liberdade, ainda que o documento dedique longos trechos à glória do rei James da Inglaterra”. Declaração de Virgínia (EUA, 1776) – Como diploma legal, sem dúvida, pode ser considerada a primeira carta tecnicamente abrangente de direitos humanos, embora de modo limitado. Mencionava serem os homens livres e independentes e com certos direitos inatos. Declaração de Independência dos EUA (1776) – Criada logo depois da Declaração da Virgínia, promoveu a igualdade, vida, liberdade e propriedade.
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) – Decorrente da Revolução Francesa teve os ideais da Declaração americana e ressalvada a dignidade (liberdade, igualdade e fraternidade). Criação da Organização Internacional do Trabalho (criada em 1919, como parte do Tratado de Versailles) – É considerada como constitutiva dos direitos humanos, pois visava a humanização do trabalho ante condições injustas, difíceis e degradantes de muitos trabalhadores e com isso evitar riscos de conflitos sociais”. (2010, p. 28 e ss.)
O apogeu da proteção aos direitos humanos deu-se com a Declaração dos Direitos Humanos ou do Homem, de 1948.
A Declaração dos Direitos Humanos de 1948 é considerada universal porque alcança vários Estados-partes, uma vez que o documento da ONU e a integralidade do ser humano tem abrangências extramuros (PAGLIUCA, 2010, p.30).
Sebastião José Roque entende que a história do direito “é composta de três fases: 1 – Antes da DDHC, 2 – DDHC, 3 – Depois da DDHC” (2007, p. 114).
A Declaração dos Direitos Humanos e dos Cidadãos, de 1789, é um documento solene, que traz em seu bojo 17 princípios, voltados para a consecução dos direitos naturais sagrados, inalienáveis e imprescritíveis do ser humano.
Ressalte-se que os acontecimentos referenciados não são taxativos, havendo outros diplomas de relevo para os direitos humanos, tais como: Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966, Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966, Declaração dos Direitos Humanos dos indivíduos que não são nacionais nos países em que vivem de 1985.
1.4 Classificação dos princípios constitucionais
Para melhor compreensão da importância do princípio da dignidade da pessoa humana no ordenamento pátrio, faz-se necessário conhecer a sistemática utilizada pelos jurisconsultos, bem como pelo legislador pátrio.
Em síntese esclarecedora, pontifica Walter Claudius Rothenburg, que:
“As classificações orientam-se por um critério de generalidade/positividade, apresentado por primeiro princípios gerais de Direito, em seguida princípios básicos, mas referidos a uma determinada concepção político-social, e finalmente princípios mais específicos dotados de uma maior precisão”. (2003, p. 67).
Ainda de acordo como Rothenburg uma das mais referidas “tipologias” é apresentada por Canotilho, a saber:
“[…] – princípios jurídicos fundamentais: antes mesmo de serem apreciados enquanto princípios específicos do Direito Constitucional, são princípios gerais de Direito, com determinação histórica e “multifuncionalidade”, de que são exemplo os princípios da publicidade dos atos jurídicos, da proibição do excesso (proporcionalidade ou “justa medida”), do acesso ao direito e aos tribunais, da imparcialidade, da administração;
– princípios políticos constitucionalmente conformadores: condensam “as opções políticas nucleares” e refletem “a ideologia inspiradora da constituição” (por isso que são “reconhecidos como limites do poder de revisão”), tais os definidores da forma de Estado (inclusive “da organização económico-social, como, p.ex:, o princípio da subordinação do poder económico ao poder político democrático, o princípio da coexistência dos diversos sectores da propriedade…”), da estrutura do Estado e do regime político (como princípio pluralista), da forma de governo e da organização política em geral (“como o princípio da separação e interdependência de poderes e os seus princípios eleitorais”);
– princípios constitucionais impositivos: os que, “sobretudo no âmbito da constituição dirigente, impõem aos órgãos do Estado, sobretudo ao legislador, a realização de fins e a execução de tarefas”: princípio da independência nacional, da correção das desigualdades…;
– princípios-garantia: cuja maior densidade normativa (e menor grau de vagueza) – de onde uma particular força normativa – os aproxima das regras, permitindo o “estabelecimento directo de garantias para os cidadãos” (princípios em forma de norma jurídica” (Larenz)”), como o de legalidade estrita em matéria criminal, o da inocência, o do juiz natural.” (2003, p. 67 e s.)
Valendo-se, ainda, da eficiente obra do Procurador da República, outra classificação, desta vez, quanto à origem, é dada por Edilsom Pereira de Farias, nesses termos:
“[…] – os princípios explícitos ou positivos, “expressamente previstos na constituição ou em lei”. Quanto aos princípios constitucionais, comportariam a seguinte tipologia: princípios estruturantes ou fundamentais, “aqueles que expressam as decisões políticas fundamentais do constituinte no que pertine a estrutura básica do Estado e as idéias e os valores fundamentais triunfantes na Assembléia Constituinte”, e cuja modificação implica a destruição da constituição…, princípios constitucionais impositivos ou diretivos, que “dizem respeito às tarefas que a constituição incumbe ao Estado geralmente para o atendimento de necessidades coletivas de natureza econômica, social e política”…, e princípios-garantia, “compostos por aquelas normas constitucionais que propõem diretamente uma garantia individual”, sendo diretamente aplicáveis…; – os princípios implícitos ou princípios gerais do Direito, que, embora tendo “respaldo no direito positivo a despeito de não constituírem normas explícitas” – dotados, portanto, de “presencialidade” e “objetividade” normativa… – “não estão consagrados em nenhuma concreta disposição de norma, senão que se encontram implicitamente no interior da ordem jurídica de onde são recolhidos através da arte de interpretar e aplicar as normas jurídicas”…; – os princípios suprapositivos ou extra-sistêmicos, “que reivindicam sua origem fora e acima do direito positivo (não estatuídos por disposições normativas e nem destas extraídos por dedução ou indução)”…, tendo como exemplos – segundo Luis P. Sanchís – o princípio “de precedência da lei em todo o âmbito normativo, entendido como exigência do sistema de legitimidade”, e a “cláusula do sistema de liberdades ‘que concibe la libertadad jurídica como la garantia institucional de la coextensa libertad natural…” (2003, p. 68 e s.).
Deve-se ter em mente, que as classificações apresentadas não são absolutas e que estas não esgotam o estudo do tema. Na verdade, interessante seria a capacidade de aglutinar, formando um consenso entre aqueles que se dispõem a estudar o tema.
A dignidade da pessoa humana é um valor constitucional, escolhido pelo Constituinte como fundamento da República Federativa do Brasil.
Na obra Valores e Princípios Constitucionais, Bizzotto, ao fazer uso da lúcida lição de Moraes, afirma que a dignidade humana é:
“Valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas”. (2003, p. 137).
Partindo da premissa da pessoa como centro da sociedade e a finalidade da existência desta, Bizzotto, conclui que “a norma tem o escopo único de respeitar o próprio ser humano inserido na comunidade, sem o qual, ela (a norma) perde sua legitimidade” (2003, p.137).
Nessa linha de ideias “a rede constitucional, através de suas matizes, visa reforçar a dignidade da pessoa humana como “o valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem” (ROBERTI, 2001, p. 49).
A classificação dos princípios constitucionais como afirmado alhures é extensa, tendo como escopo sistematizar o estudo das regras adotadas pelo legislador na Constituição dos Estados Democráticos, para revelar, então, o alcance dos principais direitos fundamentais, encontrando o princípio da dignidade da pessoa humana valência sobre os demais, haja vista o giro gravitacional em torno de si, pois é o elemento essencial dos Estados modernos, que tem como finalidade assegurar o exercício pleno da cidadania.
1.5 Teoria do quarto status de Jellinek
Georg Jellinek, filósofo do direito alemão, lecionou nas universidades de Basiléia e de Heidelberg, tendo publicado durante sua vida inúmeras obras que contribuem sobremaneira para a compreensão do fenômeno jurídico.
Dentre as teorias que buscam explicar o papel desenvolvido pelos direitos fundamentais, não resta dúvida que a teoria desenvolvida pelo filósofo é das mais valiosas, visto que, mesmo elaborada no final do século XIX, permanece bastante atual, explicando o papel das distintas espécies de direitos fundamentais.
Na concepção de Jellinek o cidadão é colocado face ao Estado em quatro status: 1) status passivo ou subjectionis; 2)status negativo; 3)status positivo ou civitatis; 4)status ativo.
André Puccinelli Júnior, em trabalho maestral sintetiza o trabalho do mestre alemão:
“[…]Status passivo ou subjectionis – aqui a pessoa humana está em posição de subordinação perante o Poder Público, vinculando-se ao Estado por meio de ordens e proibições. Por outras palavras, o indivíduo só detém obrigações e deveres perante o Estado.
Status negativo – enfatiza-se aqui a liberdade individual perante o Estado que dever exercer sua autoridade sobre homens livres.
Status positivo ou status civitatis – nessa etapa, o indivíduo assume o direito de exigir uma atuação positiva do Estado consistente em prestações materiais a seu favor.
Status ativo – finalmente, aqui o indivíduo conquistaria o direito de participar ativamente da formação da vontade do Estado, mediante o voto e o exercício de outros direitos ligados à cidadania política”. (2012, p. 202 e s.)
A sistematização em forma de status apresentada pelo mestre alemão acompanha a evolução histórica, ressaltando, por fim, a participação do cidadão no exercício de tais princípios e a condição a que fica submetido o Estado.
1.6 Princípios, normas e regras
É importante nesse ponto trazer a lume determinados apontamentos, tratados pelos estudiosos do direito, no que se refere ao campo de aplicação dos princípios, normas e regras, verificando-se existe ou não diferença entre eles.
Princípio, do latim principiu, de acordo com a definição encontrada no Dicionário Aurélio da língua portuguesa, significa “momento ou local ou trecho em que algo tem origem, começo, causa primária, elemento predominante na constituição de um corpo orgânico, preceito, regra, lei” (FERREIRA, 2010, p. 1709-1710).
Normas, do latim norma, a seu turno, “aquilo que se estabelece como base ou medida para a realização ou a avaliação de alguma coisa; princípio, preceito, regra, lei; modelo, padrão” (FERREIRA, 2010, p. 1476).
Por fim, regras, derivação do latim regula, quer significar:
“Aquilo que regula, dirige, rege ou governa; fórmula que indica ou prescreve o modo correto de falar, pensar, raciocinar, agir, num caso determinado; aquilo que está determinado pela razão, pela lei ou pelo costume; preceito, princípio, lei, norma; moderação, método, ordem”. (FERREIRA, 2010, p. 1806).
Do exposto, percebe-se que, os vocábulos traduzem diferenças, mas ao mesmo tempo, se completam reforçando uma ideia de conexão.
Na acepção jurídica os termos ganham contornos próprios. Apesar da ciência jurídica não ser exata, ela não está despida de conceitos próprios, exatos.
É por meio das normas que o Direito se irradia, impondo observância de comportamentos a sociedade.
As regras disciplinam uma determinada situação, assim dependendo do caso uma regra pode ou não ter incidência, dependendo do enquadramento da situação ao caso previsto.
Por fim, os princípios são amplos, funcionando como linha reguladora do ordenamento jurídico. Noutras palavras, os princípios funcionam como guia que indica o caminho a ser seguido por aqueles que se dispõem a tratar desse fenômeno social, denominado Direito.
Em clássica lição sobre princípios, manifesta o mestre Celso Antônio:
“Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo”. (2002, p. 807-808).
Percebe-se do exposto que o conceito da expressão não é uníssona em sede doutrinária, mas, em Direito, os conceitos apresentados tende a aceitar a carga significativa de nascente, base, cerne que compõe um sistema jurídico.
1.7 A dignidade da pessoa humana como limite ao poder de punir do Estado
Em linhas antecedentes tentou-se apontar a importância do princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado brasileiro, assim, lançando do estágio presente, pairou sobre o contexto histórico, linguístico e científico desse tão importante princípio.
Destarte, nesse ponto, buscar-se-á assentar as primeiras linhas, alicerce da presente discussão, qual seja, a importância desse princípio como limitador ao poder do Estado punir seus cidadãos que em algum momento infrinja as regras de comportamentos, prevista em lei protetora de determinado bem jurídico, que pela sua importância carece de proteção jurídico-penal.
O Art. 5º, caput, da CFR, estendeu, em sua literalidade, a proteção dos direitos nela previstos aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País. Contudo, essa não é a melhor interpretação, devendo buscar uma interpretação sistemática e teleológica, visando abranger, todas as pessoas, indistintamente, sob o risco de reduzir a vontade do Constituinte originário.
Nessa linha, manifesta com sua clareza habitual Puccinelli Júnior, afirmando:
“[…] o que se propõe é a interpretação sistemática e teleológica (finalística) da norma, estendendo os direitos e garantias fundamentais a todas as pessoas, independentemente de sua nacionalidade ou situação no Brasil”. (2012, p. 193).
As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais tem aplicação imediata, conforme Art. 5º, §1º, da CF/88, no entanto há normas previstas na própria constituição que ficam dependentes de leis futuras para se concretizarem.
Fato é que o princípio da dignidade da pessoa humana perfaz-se como sendo a viga mestra do alicerce constitucional pátrio.
O Estado tem o dever-poder de proteger os bens jurídicos mais importantes de seus cidadãos, e para tanto, lança mão de um ramo específico construído por meio de regras específicas, limitadoras dos direitos dos cidadãos que trilham o caminho da afronta as regras sociais.
Assim, por meio do direito penal o Estado, quando determinados cidadãos afrontam bens jurídicos como a vida, ou o patrimônio, inflige penas que vão desde multas até a privação de liberdade. Esta quando aplicada em regime fechado, tolhe um dos mais importantes bens do homem, qual seja a liberdade de ir, vir e permanecer, ou seja, locomover-se com liberdade.
Desse modo, respeitado o devido processo legal, o Estado pode privar de sua liberdade o cidadão que, por exemplo, praticar ato atentatório contra a vida não abarcado por excludente de ilicitude.
Agora, esse dever-poder não é ilimitado, encontrado na dignidade da pessoa humana seu principal vetor.
O Direito Penal “é o conjunto de princípios e leis destinados a combater o crime e a contravenção penal, mediante a imposição de sanção penal”. (MASSON, 2010, p. 3)
Seguindo o que foi dito alhures o direito é um fenômeno social, não podendo ser contemplado dissociadamente. Nessa linha de intelecção manifesta Masson, afirmando que “[…] o ordenamento jurídico, com efeito, é composto pelo conjunto de normas e princípios em vigor. Sua divisão em blocos se dá estritamente para fins didáticos”. (2010, p. 5)
Destarte, pela lucidez dos argumentos apresentados sob o tema, transcreve-se os ensinamentos pontificados por Cleber Masson:
“As regras e princípios constitucionais são os parâmetros de legitimidade das leis penais e delimitam o âmbito de sua aplicação…Dessa forma, qualquer lei, penal ou não, elaborada ou aplicada em descompasso com o texto constitucional, não goza de validade…O Direito Penal desempenha função complementar das normas constitucionais”. (2010, p. 6-7)
Em síntese, o princípio em voga, forjado nas constantes lutas sociais, travadas ao longo da evolução humana, impregnou a constituição pátria de direitos inerentes ao homem, como à vida, à liberdade, à dignidade, impondo ao Estado o dever de respeitar e efetivar tais direitos, mesmo que determinados cidadãos afrontem as regras de conduta social, praticadas em seu território.
2 O DIREITO DE PUNIR DO ESTADO
2.1 Breves comentários
“É no coração do homem que se encontra os preceitos essências do direito de punir. Ninguém faz graciosamente o sacrifício de uma parte de sua liberdade apenas visando o bem público” (BECCARIA, 2009, p. 18).
Cezar Roberto Bitencourt aduz que, “[…] falar de Direito Penal é falar, de alguma forma, de violência. No entanto, modernamente, sustenta-se que a criminalidade é um fenômeno social normal” (2010, p. 31).
Nessa linha de intelecção, sustenta Mirabete:
“A vida em sociedade exige um complexo de normas disciplinadoras que estabeleça as regras indispensáveis ao convívio entre os indivíduos que a compõem. O conjunto dessas regras, denominado direito positivo, que deve ser obedecido e cumprido por todos os integrantes do grupo social, prevê as consequências e sanções aos que violarem seus preceitos”. (2003, p. 21)
Desta feita, conclui-se que o ius puniendi é uma resposta necessária por meio da qual o Estado, em virtude da necessidade de impor sanções àqueles que descumprem as regras sociais mais importantes, suspende temporariamente direitos, entre os quais se destaca a liberdade.
Nesse diapasão assevera Rogério Greco:
“No que diz respeito especificamente às normas de natureza penal, destaca-se o chamado ius puniendi, que pode ser entendido tanto em sentido objetivo, quando o Estado, através de seu Poder Legislativo, e mediante o sistema de freios e contrapesos, exercido pelo Poder Executivo, cria as normas de natureza penal, proibindo ou impondo determinado comportamento, sob a ameaça de uma sanção, como também em sentido subjetivo, quando esse mesmo Estado, através do seu Poder Judiciário, executa suas decisões contra alguém que descumpriu o comando normativo, praticando uma infração penal, vale dizer, um fato típico, ilícito e culpável”. (2013, p. 19)
O Direito Penal hodierno é uma face do Estado necessária ao controle social, funcionando como um remédio amargo ministrado aos cidadãos que escolhem trilhar caminho diverso, ofendendo as regras de condutas postas em um determinado ordenamento jurídico, atingindo bens de suma importância como a vida, o patrimônio, a dignidade.
2.2 Rudimentos históricos
Justificando a importância de proceder à reflexão histórica, argumenta Bitencourt:
“A importância do conhecimento do conhecimento histórico de qualquer ramo do Direito facilita inclusive a exegese, que necessita ser contextualizada, uma vez que a conotação que o Direito Penal assume, em determinado momento, somente será bem entendida quando tiver como referência seus antecedentes históricos”. (2010, p. 59)
É consenso entre os jurisconsultos que a história do Direito Penal está entrelaçada com a história da própria evolução social da humanidade.
Pode-se afirmar, com segurança, que “a história da pena e, consequentemente, do Direito Penal, embora não sistematizado, se confunde com a história da própria humanidade” (MASSON, 2010, p. 45).
Não há consenso entre os doutrinadores quanto às fases por que passou a evolução da vingança penal. Contudo, “[…] atualmente prospera a teoria da tríplice divisão, a saber: vingança privada, vingança divina e vingança pública” (BITENCOURT, 2010, p. 59).
Insta salientar que tais etapas foram “[…] marcadas por forte sentimento religioso e espiritual. Vale ressaltar ser essa divisão meramente didática, haja vista uma fase se interligar e conviver com outra durante os tempos primitivos” (MASSON, 2010, p. 46).
Não é possível falar em um marco certeiro sobre o nascimento do Direito punitivo, todavia resta cristalizado que o ius puniendi nasceu da relação entre particulares, onde predominava as regras do mais forte, sendo, com o passar do tempo, entregue ao Estado, para que este, substituindo os cidadãos, evitasse a destruição destes.
2.2.1 Sociedades primitivas
Nessa era as punições ao infrator eram implementadas de maneira a desagravar a divindade. Nas sociedades primitivas, “[…]os fenômenos naturais maléficos eram recebidos como manifestações divinas – “totem” – revoltadas com a prática de atos que exigem reparação” (BITENCOURT, 2010, p. 59).
Fazendo coro à afirmação supra, leciona Mirabete:
“Nos grupos sociais dessa era, envoltos em ambiente mágico (vedas) e religioso, a peste, a seca e todos os fenômenos naturais maléficos eram tidos como resultantes das forças divinas (“totem”) encolerizadas pela prática de fatos que exigiam reparação”. (1986, p. 38)
Na manifestação inicial do poder de punir não é possível uma distinção entre o espiritual, sagrado e o humano, pois as punições, denominadas pelos doutos “totêmicas”, encontravam sua legitimação no mundo espiritual, buscando, assim, manter o equilíbrio com a entidade a quem devotavam.
2.2.2 Fase da vingança divina
Fincado no augúrio de que o infrator era punido para desagravar a divindade, manifesta Cleber Masson:
Uma das reações contra o criminoso era a expulsão do grupo (desterro), medida que se destinava, além de eliminar aquele que se tornara um inimigo da comunidade e dos seus deuses e forças mágicas, a evitar que a classe social fosse contagiada pela mácula que impregnava o agente, bem como as reações vingativas dos seres sobrenaturais a que o grupo estava submetido”. (2010, p. 46-47)
Para arrematar conclui o insigne autor que:
“O castigo consistia no sacrifício de sua vida. Castigava-se com rigor, com notória crueldade, eis que o castigo deveria estar em consonância com a grandeza do deus ofendido, a fim de amenizar sua cólera e reconquistar sua benevolência para com o seu povo”. (2010, p. 47)
O castigo ou oferenda por delegação divina, conforme lição de Mirabete era “[…]aplicado pelos sacerdotes, que infligiam penas severas, cruéis e desumanas, visando especialmente à intimidação”. (MIRABETE, 1986, p. 40)
Apesar da forte presença espiritual nesse período não havia a consciência da proporcionalidade, ou ainda a valorização do ser humano como igual, assim, aquele que cometia um erro, crime ou pecado era castigado sem piedade, no mais das vezes, recebendo castigo igual ao mal praticado a seu semelhante.
2.2.3 Fase da vingança privada
Encerrada a fase da vingança divina, inicia-se esta, em decorrência, principalmente do crescimento dos povos e da complexidade social daí resultante (MASSON, 2010, p. 47).
Nessa fase, cometido um crime, “[…] ocorria a reação da vítima, dos parentes e até do grupo social (tribo), que agiam sem proporção à ofensa, atingindo não só o ofensor, como também todo o seu grupo”. (MIRABETE, 1986, p. 39)
Com a evolução social, para evitar a dizimação das tribos, “[…] surge a lei da talião, determinando a reação proporcional ao mal praticado: olho por olho, dente por dente”. (BITENCOURT, 2010, p. 60)
Em afirmação lúcida esclarece Masson que “[…] o talião foi pioneira manifestação do princípio da proporcionalidade, por representar tratamento igualitário entre autor e vítima”. (2010, p. 48)
Como número de infratores só aumentava a aplicação do talião foi trazendo consequências dantescas, ou seja, “[…] as populações iam ficando mutiladas, pela perda de membro, função ou sentido, assim, evoluiu-se para a composição”. (BITENCOURT, 2010, p. 60)
A composição, nas lições de Mirabete, “[…] é o sistema pelo qual o ofensor se livrava do castigo com a compra de sua liberdade (pagamento em moeda, gado, armas, etc)”. (1986, p.39)
É nessa fase que surge o talião “olho por olho, dente por dente”, marcado pelo aumento da sociedade, bem como o surgimento de fenômenos complexos. Alguns consideram o “talião” como uma das primeiras manifestações do princípio da proporcionalidade na seara penal, contudo, com o transcorrer dos dias esse sistema teve que ser abandonado, pois sua aplicação fez surgir outros problemas sociais, tais como invalidez para o trabalho, ou guerra em razão das mutilações.
2.2.4 Fase da vingança pública
Com o passar do tempo o Estado estruturou-se, avocando poder-dever de manter a ordem e a segurança social, “[…]conferindo a seus agentes a autoridade para punir em nome de seus súditos. A pena assume nítido caráter público” (MASSON, 2010, p. 48)
Nesta fase, “[…] o objetivo da repressão criminal é a segurança do soberano ou monarca pela sanção penal, que mantém as características da crueldade e da severidade, com o mesmo objetivo intimidatório”. (BITENCOURT, 2010, p. 61)
Segundo Mirabete, ainda em obediência ao sentido religioso, “[…] o Estado justificava a proteção ao soberano que, na Grécia, por exemplo, governava em nome de Júpiter, e era seu interprete e mandatário” (1986, p. 40).
Essa concepção fui superada com a contribuição dos filósofos, tendo “[…] Aristóteles antecipado a necessidade do livre-arbítrio, verdadeiro embrião da ideia de culpabilidade”. (BITENCOURT, 2010, p. 61)
Leciona Masson, que nessa época, “[…] as penas eram largamente intimidatórias e cruéis, destacando-se o esquartejamento, a roda, a fogueira, a decapitação, a forca, os castigos corporais e amputações, entre outras”. (2010, p. 49)
Pode-se afirmar que com a estruturação do Estado os homens livres permitiram que o estado assumisse o poder-dever de exercer o direito punitivo sobre o indivíduo que afrontasse os valores da época, aplicando, em regra, penas intimidatórias e, extremante, cruéis.
2.2.5 Direito penal em Roma e na Grécia antiga
“Roma, oferece um ciclo jurídico completo, constituindo, até hoje a maior fonte originária de inúmeros institutos jurídicos, tida com síntese da sociedade antiga, representando um elo entre o mundo antigo e o moderno” (BITENCOURT, 2010, p. 61).
A história do Direito Romano divide-se em várias etapas, as quais percorrem 22 séculos (de 753 a.C. a 1453 d.C.), passando por grandes transformações. (MASSON, 2010, p. 50)
Na formação de Roma, a pena era “[…] aplicada em seu sentido religioso, confundindo-se com a figura do Rei e do Sacerdote, que dispunham de poderes ilimitados, numa verdadeira simbiose de Direito e religião”. (BITENCOURT, 2010, p. 61-62)
O núcleo do Direito Penal Romano clássico, nas lições de Bitencourt, surgiu com o conjunto de leis publicadas ao fim da República (80 a.C.), com as leges Corneliae e Juliae, tendo sido criadas verdadeiras tipologias de crimes. (2010, p. 62)
Esse conjunto de leis pode ser considerado “[…] a primeira manifestação, ainda que tímida, do princípio da reserva legal”. (MASSON, 2010, p. 51)
O fundamento da pena, conforme lições de Bitencourt, “[…] era essencialmente retributivo, embora, em seu período final, apareça bastante atenuado, vigindo o princípio da reserva legal”. (2010, p. 62)
Por fim, sobre o Direito Romano, sintetiza Masson:
“Os romanos também conheceram alguns institutos importantes: nexo causal, dolo e culpa, caso fortuito, inimputabilidade, menoridade, concurso de pessoas, legítima defesa, penas e sua dosagem. Não procuraram defini-los. Ao contrário, os utilizavam casuisticamente, sem o apego à criação de uma teoria geral do Direito Penal”. (2010, p. 51)
Para Bitencourt, conforme assentado alhures, os filósofos da Grécia “[…] anteciparam a necessidade do livre-arbítrio, embrião da culpabilidade, pensado primeiro na filosofia para depois ser transportada para o campo jurídico”. (2010, p. 61)
Ao lado da vingança pública “[…] os gregos mantiveram por longo tempo as vinganças divina e privada, formas de vingança que ainda não mereciam ser denominas Direito Penal” (BITENCOURT, 2010, p. 61)
Denota-se do exposto que, Roma e Grécia, contribuíram para o Direito Penal, pensando a base de muitos dos institutos hoje existentes, entre os quais a tipicidade, a culpabilidade, enfim, auxiliaram na construção de uma das nuanças mais intrigantes do Direito, por lidar com um dos bens mais valiosos do homem, qual seja, a liberdade.
2.3 O direito penal na idade média
Não há entre os estudiosos uma metodologia para o estudo dos diplomas que contribuíram para o desenvolvimento do Direito Penal e da pena durante a idade média. No entanto, destaca-se em diversas obras o Direito Penal germânico e o Direito Penal canônico.
O Direito Penal germânico, não tinha leis escritas, “[…] caracterizava-se como direito consuetudinário, concebido como uma ordem de paz. Sua transgressão poderia assumir caráter público ou privado”. (MASSON, 2010, p. 51)
Discorrendo sobre a política criminal germânica, com base nas lições de Jescheck, leciona Bitencourt:
“A reação à perda de paz, por crime público, autorizava que qualquer pessoa pudesse matar o agressor. Quando se tratasse de crime privado, o transgressor era entregue à vítima e seus familiares para que exercessem o direito de vingança, que assumia um autêntico dever de vingança de sangue. Essa política criminal germânica, em seus primórdios, representava uma verdadeira guerra familiar, evoluindo para um direito pessoal a partir do século IX, para, finalmente, em 1495, com o advento da Paz Territorial Eterna, ser definitivamente banida”. (BITENCOURT, 2010, p. 64)
A seu turno o Direito Penal canônico “[…] é o ordenamento jurídico da Igreja Católica Apostólica Romana, e a primeira consolidação de suas normas e regras se deu por volta do ano de 1140, por decreto de Graciano” (MASSON, 2010, p. 52).
Sobre o Direito canônico leciona Bitencourt no sentido de ser ele composto pelo Corpus Juris Canonici, que resultou do Decretum Gratiani (1140), sucedido pelos decretos dos Pontífices Romanos (séc. XII), de Gregório IX (1234), de Bonifácio VIII (1298) e pelas Clementinas, de Clemente V (1313) (2010, p. 65).
Os delitos eram classificados, ou divididos de acordo com Masson:
“[…]a) Delicta eclesiástica: ofendiam o direito divino, eram da competência dos tribunais eclesiásticos e punidos com penitências;
b) Delicta mera secularia: ofendiam apenas a ordem jurídica laica, eram julgados pelos tribunais do Estado e suportavam as penas comums. Eventualmente, sofriam punição eclesiástica com as poena medicinales; e
c) Delicta mixta: violavam as ordens religiosa e laica, e eram julgados pelo Tribunal que primeiro tivesse conhecimento da ofensa. Pela Igreja eram punidos com as poena vindicativae”. (2010, p. 52-53).
Discorrendo sobre a importância do Direito Penal canônico, Mirabete aduz:
“Assimilando o Direito Romano e adaptando este às novas condições sociais, a Igreja contribui de maneira relevante para a humanização do Direito Penal, embora politicamente a sua luta metódica visasse obter o predomínio do Papado sobre o poder temporal para proteger os interesses religiosos de dominação. Proclamou-se a igualdade entre os homens, acentuou-se o aspecto subjetivo do crime e da responsabilidade penal e tentou-se banir as ordálias e os duelos judiciários. Promoveu-se a mitigação das penas que passaram a ter como fim não só a expiação, mas também a regeneração do criminoso pelo arrependimento e purgação da culpa, o que levou, paradoxalmente, aos excessos da Inquisição. A Jurisdição penal eclesiástica, entretanto, era infensa à pena de morte, entregando-se o condenado ao poder civil para execução”. (1986, p. 41).
Nesse período histórico a pena continuava a ser aplicada para defender os interesses de alguns para manutenção do poder, contudo, nota-se a influência de valores inerentes ao homem, naturais, na formação de um novo modelo de pensamento, ou seja, humanização do direito penal, tendo o direito canônico contribuído para o surgimento da prisão moderna (BITENCOURT, 2010, p. 66).
2.4 O direito penal moderno e os reformadores
“A pena de morte, pois, não se apoia em nenhum direito. É guerra que se declara a um cidadão pelo país, que considera necessária ou útil a eliminação desse cidadão”. (BECCARIA, 2000, p. 52)
É no decorrer do Iluminismo que se inicia o denominado “Período Humanitário do Direito Penal, movimento que pregou a reforma das leis e da administração da justiça penal no fim do século XVIII” (MIRABETE, 1986, p. 42).
Sobre esse movimento cultural, leciona Bitencourt:
“Esse movimento de ideias, definido como Iluminismo, atingiu seu apogeu na Revolução Francesa, com considerável influência em uma série de pessoas com um sentimento comum: a reforma do sistema punitivo. O Iluminismo, aliás, foi uma concepção filosófica que se caracterizou por ampliar o domínio da razão a todas as áreas do conhecimento humano”. (2010, p. 69)
A época o “Absolutismo impunha atos de punição crudelíssimos e arbitrários, por meio de graves suplícios. A sociedade não mais suportava tal forma de agir do Estado” (MASSON, 2010, p. 54).
Com proficiência leciona Bitencourt:
“É na segunda metade do século XVIII quando começam a remover-se as velhas concepções arbitrárias: os filósofos, moralistas e juristas dedicam suas obras a censurar abertamente a legislação penal vigente, defendendo as liberdades do indivíduo e enaltecendo os princípios da dignidade do homem”. (2010, p. 69)
Cesare Beccaria, de forma impressionante para a época, “[…] antecipa as ideias posteriormente consagradas na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, pugnando de maneira universal pela abolição da pena de morte” (MASSON, 2010, p. 54).
No pensamento de Beccaria, “[…] a pena deve ser proporcional, uma vez que os gritos de horror como consequências das torturas não retiram a realidade da ação já praticada, revelando a inutilidade dos tormentos” (MASSON, 2010, p. 54).
Beccaria, após criticar as mazelas existentes em sua época afirma que, “[…] para não ser um ato de violência contra o cidadão, a pena deve ser, de modo essencial, pública, pronta, necessária, a menor das penas aplicáveis nas circunstâncias dadas, proporcionada ao delito e determinada pela lei”. (2000, p. 107)
Não resta dúvida que Beccaria foi um dos grandes expoentes dessa revolução de ideias, contudo, outros grandes nomes contribuíram, para o desenvolvimento das ideias de valorização do homem, entre eles, podem ser citados John Howard (1725-1790) e Jeremias Bentham (1748-1832), com aquele nasce o penitenciarismo, este contribui para a penologia (BITENCOURT, 2010, p. 72-76).
Por fim, vale ressaltar que as ideias de Beccaria continuam validas hodiernamente, haja vista que, não só no Brasil, mas em vários outros países ocidentais é comum o emprego do ius puniendi como ferramenta de dominação e exclusão do homem, principalmente daqueles que estão no extremo piso da sociedade, isto é, os pobres, despidos de oportunidades de acesso a uma economia globalizada.
2.5 Direito Penal no Brasil
O Direito Penal brasileiro, num primeiro período, regeu-se pela “[…] legislação portuguesa, e, só num segundo período, por legislação genuinamente brasileira”. (BITENCOURT, 2010, p. 76)
A história do Direito Penal pátrio pode ser sistematizada em três fases, a saber: colonial, império e república.
Durante o período colonial “[…] esteve em vigor as Ordenações Afonsinas e Manuelinas, Código de D. Sebastião e as Ordenações Filipinas, que refletiam o direito penal dos tempos medievais”. (MIRABETE, 1986, p. 47)
Nesse período prevaleceu uma realidade jurídica particular, em que na prática, prevalecia a vontade dos donatários, pois estes estabeleciam o Direito a ser aplicado, sem critério algum, podendo, afirmar que o regime jurídico do Brasil Colônia era catastrófico (BITENCOURT, 2010, p. 77).
Proclamada a independência, determinou a Constituição de 1824, a elaboração de um Código Criminal, fundado nas solidas bases da justiça e equidade, destarte, em 1830, D. Pedro I sancionou o Código Criminal, diga-se o “[…] primeiro código autônomo da América Latina” (BITENCOURT, 2010, p. 77).
Segundo Mirabete, “[…] este código de índole liberal, fixava um esboço de individualização da pena, previa a existência de atenuantes e agravantes e estabelecia um julgamento especial para os menores de quatorze anos”. (2003, p. 43)
Proclamada a República, nasceu necessidade de novo estatuto criminal, editado em 1890, denominado Código Penal, que extirpou a pena de morte, e instalou regime penitenciário de caráter correcional (MIRABETE, 1986, p. 48).
O código elaborado por João Batista Pereira apresentou “[…] inúmeros equívocos e deficiências, que o transformaram em verdadeira colcha de retalhos, conforme sustenta Cleber Masson”. (2010, p. 59)
“O Direito Penal pátrio passou por várias modificações, seja procurando atualizar as sanções penais, ou ainda, reformulando a parte geral, humanizando as sanções penais, buscando penas alternativas a prisão”. (BITENCOURT, 2010, p. 79)
É evidente que o Direito Penal brasileiro ainda está em constante evolução, contudo essa evolução não é de toda positiva, pois o legislador insiste em importar de outros ordenamentos jurídicos ideias que foram desenvolvidas para uma sociedade com valores e costumes próprios, assim, comumente, as ideias transportadas não produzem os resultados esperados.
2.6 A pena como meio de consecução do ius puniendi
Ariel Dotti, citado por Haroldo Caetano, adverte que “[…] os fundamentos e os fins da pena resumem o debate imortal sobre a essência e a circunstância do próprio Direito Penal dos tempos modernos” (2009, p. 25).
“A identificação da função da pena torna-se pressuposto para a compreensão do que é o próprio Direito Penal, já que, como já afirmado, o que diferencia este ramo do Direito dos demais é justamente pela existência daquela” (CANTERJI, 2008, p. 82).
A doutrina majoritária sustenta que existem três correntes por meio das quais é possível estudar as teorias da pena, a saber: teorias absolutas ou teorias da retribuição, teorias relativas ou teorias da prevenção ou finalistas e teorias mistas.
A pena nas teorias absolutas “[…] apresenta característica da retribuição, de ameaça de um mal contra o autor de uma infração penal. A pena não tem outro propósito que não seja o de recompensar o mal com outro mal” (SILVA, 2009, p. 26).
A Constituição da República, nas palavras de Rafael Braude, “[…] nega validade a esse tipo de função, demonstrando, ainda, o temor com a sua aplicação ao proibir penas de caráter perpétuo, de morte e cruéis” (2008, p. 82).
A seu turno, as teorias relativas, desenvolveram-se em oposição às teorias absolutas, “[…] concebendo a pena como um meio para a obtenção de ulteriores objetivos” (SILVA, 2009, p. 27).
“Tais teorias, que atribuem à pena uma finalidade prática de prevenção geral ou especial do crime (punitur ne peccetur), tem representantes em grandes nomes da época do iluminismo: Beccaria, Filangieri, Camignani” (SILVA, 2009, p. 27).
Versando sobre a presente teoria, afirma Canterji que:
“A pena atua como forma preventiva de crimes. Trata-se de concepções utilitaristas da pena, não sendo uma necessidade em si mesma como forma de realização da Justiça, mas sim de instrumento preventivo de garantia social para evitar a prática delitos futuros”. (2008, p. 82)
As teorias mistas, por sua vez resultam da combinação entre as teorias absolutas e relativas, e segundo Silva “[…] sustentam o caráter retributivo da pena, mas agregam a essa função a de reeducação e inocuização do criminoso, embora, em geral, coloquem em primeiro plano a retribuição”. (2009, p. 27)
Instruído pelas palavras de Francisco Assis Toledo, Silva assenta em sua obra quanto ao objetivo dessas teorias:
“Prevenção geral e especial são, pois, conceitos que se complementam. E, ainda que isto possa parecer incoerente, não excluem o necessário caráter retributivo da pena criminal no momento de sua aplicação, pois não se pode negar que pena cominada não é igual a pena concretizada, e que esta última é realmente pena da culpabilidade e mais tudo isto: verdadeira expiação, meio de neutralização da atividade criminosa potencial ou, ainda, ensejo para recuperação, se possível, do delinquente, possibilitando o seu retorno à convivência pacífica na comunidade dos homens livres”. (2009, p. 28)
“O Art. 59, do Código Penal, adota essa dupla ordem de finalidades. O art. 1º da Lei de Execução Penal tem maior zelo ao cuidar dessa prevenção especial, estabelecendo a ressocialização como meta a ser alcançada” (SILVA, 2009, p. 28).
“As teorias que atribuem à pena a função de prevenção especial positiva e prevenção especial negativa, entendem que a pena é essencialmente voltada para quem está submetido a ela” (CANTERJI, 2008, p. 85).
Assim, a prevenção especial positiva “[…] consiste na ideia de que a pena é um remédio utilizado pelo Estado em favor do doente (sujeito autor de um crime) objetivando sua melhora” (CANTERJI, 2008, p. 85).
A seu turno, a prevenção especial negativa, visa “[…] proteger a sociedade de um dos seus membros, ou seja, faz um mal ao autor de uma infração penal para proporcionar um bem aos demais cidadãos”. (CANTERJI, 2008, p. 87)
A liberdade é sem dúvida, um dos maiores bens do ser humano, discorrendo sobre sua importância leciona Augusto Cury:
“Sem liberdade o ser humano se deprime, se asfixia, perde o sentido existencial. Sem liberdade, ou ele se destrói ou destrói outros. Por isso o sistema carcerário não funciona. A prisão exterior mutila o ser humano, não transforma a personalidade de um criminoso, não expande sua inteligência, não reedita as áreas do seu inconsciente que financiam o crime. Apenas imprime dor emocional. Eles precisam ser reeducados, conscientizados, tratados”. (2004, p. 33)
Desse modo, sustentar a ideia de que a ressocialização, visando reeducar e reintegrar o indivíduo que cometeu fato definido como crime é, conforme leciona Karam, “[…] absolutamente incompatível com o fato da segregação” (2009, p.5).
Maria Lúcia Karam, invocando apontamentos de Carlos Elbert sobre lapidar lição de Zaffaroni, discorre:
“Pretender ensinar uma pessoa a viver em sociedade mediante seu enclausuramento é algo tão absurdo quanto pretender treinar alguém para jogar futebol dentro de um elevador, a execução penal não ressocializa, nem cumpre qualquer das funções “re” que lhe são atribuídas – ressocialização, reeducação, reinserção, reintegração – todas estas funções “re” não passando de uma deslavada mentira”. (2009, p. 5)
Assim, poder-se-á perguntar qual seria a função da pena? Em resposta a essa pergunta, manifesta Karam:
“Todas as teorias, fundadas nas irracionais e irrealizáveis idéias de retribuição e prevenção, servem para esconder o fato de que a pena, na realidade, só se explica – e só pode se explicar – em sua função simbólica de manifestação de poder e em sua finalidade não explicitada da manutenção e reprodução de estruturas de dominação”. (2009, p. 7).
3 DIREITOS DO PRESO NO REGIME FECHADO
A construção de qualquer conhecimento exige uma base sólida. Aqui, não é diferente, por isso, nos capítulos antecedentes buscou-se levantar as vigas sobre as quais se erigiu o presente trabalho. A dualidade apresentada, dignidade da pessoa humana e ius puniendi, não pode ser contemplada de maneira dissociada.
No presente capítulo adentrar-se-á no escopo pretendido, discorrendo sobre as mazelas que permeiam a execução da pena no Brasil, utilizando como parâmetro estrutural a Penitenciária Odenir Guimarães (POG), localizada no complexo Prisional de Aparecida de Goiânia.
Ressalte-se que, ter-se-á em mira objetivos bastante definidos, haja vista estar-se lidando com assunto dos mais empolgantes. Saliente-se que, abordar o assunto de maneira abrangente não encontra seara no presente estudo.
Assim, buscar-se-á demonstrar que a Administração Pública brasileira descumpre flagrantemente a Constituição, lançando ao limbo o princípio da dignidade da pessoa humana inerente ao cidadão infligido a cumprir pena em regime fechado, ao não proporcionar o acesso deste ao trabalho, a escola, a saúde, a um ambiente salubre, e principalmente, preservação da sua honra.
Reafirmando o que foi dito alhures, a punição não deve ser apenas uma reprimenda, mas precisa ir além, buscando ressocializar o cidadão infrator, tolhido de sua liberdade enquanto nesse estado, dando a ele condições de retornar ao convívio social, numa condição de igualdade com seus pares. Assim encetada as primeiras linhas, passemos adiante.
3.1 A privação da liberdade como pena
A pena privativa de liberdade ocupa, hodiernamente, status de pena principal, ou seja, “[…] depois que a maioria dos países abandonou o sistema de penas corporais e de morte”. (GRECO, 2013, p. 215)
No Brasil, segundo fonte histórica, foi com a aprovação do Código Criminal do Império, que a privação da liberdade “[…] tornou-se a punição por excelência entre as novas medidas penais”. (MAIA et al., 2009, p. 110)
A privação da liberdade como pena foi um avanço, visto que, nos períodos anteriores considerava-se penas, exemplificativamente, a morte e os castigos corporais. “A origem da pena privativa de liberdade confunde-se com a origem do modo de produção capitalista” (KARAM, 2009, p. 8).
Com a proficiência que lhe é costumeira, Maria Lucia Karam, sobre a origem da pena privativa de liberdade afirma:
“Surgindo como pena nos primórdios do capitalismo, a privação da liberdade teve, nessa origem, a importante função real de contribuir para a transformação da massa indisciplinada de camponeses expulsos do campo e separados dos meios de produção em indivíduos adaptados à disciplina da fábrica moderna. Decerto, não obstante sua origem, a pena privativa de liberdade não é uma exclusividade do capitalismo”. (2009, p. 9)
À pena privativa de liberdade tem-se buscado dedicar determinadas funções, visando justificar sua aplicação, nessa linha:
A mais relevante função real desempenhada pela pena privativa de liberdade, a permear toda a sua história, vinculando-a a suas antecessoras, está e sempre esteve na exposição do condenado, na construção e propagação de sua imagem de “criminoso”, que o identifica como o “outro”, o “perigoso”, o “mau” e, especialmente nos tempos atuais, como o “inimigo”, a personalização e a visibilidade do “criminoso” contribuindo de maneira decisiva para a ocultação de desvios estruturais, encobertos através da crença em desvios pessoais, contribuindo para o reforço de estruturas de dominação, para o reforço do poder”. (KARAM, 2009, p. 9-10)
Sobre a função da sanção penal Rafael Braude, afirma que:
“Tentando encontrar alguma – porém não qualquer – função para a pena, investiga-se a relação existente entre as funções políticas e jurídicas… Deve ser investigada essa relação, já que a existência de uma pena possui origem em sua previsão legal e decorre de uma condenação criminal…pela total inexistência de finalidade da pena, tem-se que a função do Direito diante de tal quadro é de limitação, a qual se inicia pelo Poder Legislativo e é aplicada pelo Poder Judiciário… Desta maneira, a fixação de uma pena apresenta função protetora do condenado, tanto diante de uma sociedade sedenta por vingança quanto diante do Estado, já que vivenciamos um crescimento incontrolado do poder punitivo (2008, p. 89-91).
Cuidando da função pena privativa de liberdade, após considerar sua evolução e, também, retrocesso, leciona Greco:
“A pena de privação de liberdade, em muitos lugares e situações, virou, portanto, uma pena-castigo. Assim, quanto maior a dor, quanto maior o sofrimento, quanto mais distante o delinquente permanecesse do convívio social, melhor seria. Sua finalidade, portanto, era amedrontar, e não ressocializar; era inocuizar, e não reintegrar”. (2013, p. 216)
Tratada a questão da finalidade da pena privativa de liberdade, passemos a analisar o local para cumprimento dessa pena.
3.2 Edificação para cumprimento da pena privativa de liberdade
Não há dúvida de que um dos maiores problemas do Estado no momento de execução da pena privativa de liberdade está ligado ao lugar em que se dará sua execução.
Para Bitencourt, “[…] a questão da privação da liberdade deve ser abordada em função da pena tal como hoje se cumpre e se executa, com os estabelecimentos penitenciários que temos”. (2012, p. 162)
Segundo Greco, “[…] foram inúmeras as tentativas de encontrar um lugar adequado, principalmente que cumprisse com as funções utilitárias que são atribuídas às penas de privação de liberdade” (2013, p. 215).
As edificações, conforme se depreende do estudo realizado por Greco, “[…] foram sendo construídas ora como intuito de fazer com que a pena cumprisse seu fim utilitário, ora como um lugar, pura e simplesmente, onde o infrator deveria pagar com a sua liberdade o mal que havia feito à sociedade” (2013, p. 216).
Prevê a Constituição pátria, art. 5º, inc. XLVIII, da CFR/88, que “[…] a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado”.
Importa pontuar que mesmo antes da promulgação da Constituição Cidadã, o legislador aprovou a lei 7.210/84, denominada lei de execução penal, cuidando dos estabelecimentos penais, trazendo regras específicas, de observância obrigatória à administração penal no Brasil.
Na mencionada lei encontram-se as regras que norteiam o administrador público na implantação das estruturas arquitetônicas destinadas ao cumprimento da pena, interessando o conjunto arquitetônico dos estabelecimentos para a execução da pena privativa de liberdade em regime fechado.
Percebe-se que a Lei 7.210/84, visou assegurar condições mínimas para a manutenção do condenado a pena privativa liberdade no regime fechado, em consonância com os instrumentos jurídicos internacionais.
Infere-se do exposto, que o conjunto arquitetônico destinado ao cumprimento da pena privativa de liberdade, recebe o nome de Penitenciária, podendo ser definido como estabelecimento oficial, destinado ao cumprimento da pena de reclusão ou detenção, tendo não só o fito de punir o condenado, mas proporcionar-lhe condições que lhe permita seu reingresso a sociedade livre.
Sobre os a estrutura física dos estabelecimentos penais, Rogério Greco, em lapidar trabalho de investigação histórica, leciona:
“Foram criadas regras mínimas para o Tratamento dos Reclusos, adotadas pelo Primeiro Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes, realizado em Genebra, em 1955, e aprovadas pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas através das suas Resoluções 663C (XXIV), de 31 de julho de 1957, e 2.076 (LXII), de 13 de maio de 1977. As regras 9, 10, 11, 12, 13 e 14 da Resolução 663C (XXIV) do Conselho Econômico e Social cuidam dos locais de reclusão, vale dizer, especificam as condições mínimas para que o preso possa estar acomodado no sistema carcerário. A regra 9 diz que “as celas ou locais destinados ao descanso notório não devem ser ocupados por mais de um recluso. Se, por razões especiais, tais como excesso temporário de população prisional, for necessário que a administração penitenciária central adote exceções a esta regra, deve evitar-se que dois reclusos sejam alojados numa mesma cela ou local. Quando se recorra à utilização de dormitórios, estes devem ser ocupados por reclusos cuidadosamente escolhidos e reconhecidos como sendo capazes de ser alojados nestas condições. Durante a noite, deverão estar sujeitos a vigilância regular, adaptada ao tipo de estabelecimento prisional em causa”… As regras n. 10, 11, 12 e 13 determinam que “as acomodações destinadas aos reclusos, especialmente dormitórios, devem satisfazer todas as exigências de higiene e saúde, tomando-se devidamente em considerações as condições climatéricas e especialmente a cubicagem de ar disponível, o espaço mínimo, a iluminação, o aquecimento e a ventilação. Em todos os locais destinados aos reclusos, para viverem ou trabalharem: a) As janelas devem ser suficientemente amplas de modo a que os reclusos possam ler ou trabalhar com luz natural, e devem ser construídas de forma a permitir a entrada de ar fresco, haja ou não ventilação artificial; b) A luz artificial deve ser suficiente para permitir aos reclusos ler ou trabalhar sem prejudicar a vista. As instalações sanitárias devem ser adequadas, de mo a que os reclusos possam efetuar as suas necessidades quando precisarem, de modo limpo e decente. As instalações de banho e ducha devem ser suficientes para que todos os reclusos possam, quando desejem ou lhes seja exigido, tomar banho ou ducha a uma temperatura adequada ao clima, tão frequentemente quanto necessário à higiene geral, de acordo com a estação do ano e a região geográfica, mas pelo menos uma vez por semana num clima temperado” (2013, p. 218-219).
Asseverando sobre a importância da arquitetura dos estabelecimentos penais, leciona Oswaldo Henrique:
“Não se pode esquecer a importância da arquitetura dos estabelecimentos penais, que deve ser compatível com o processo de reintegração social. Uma vez garantida nas construções a segurança contra a fuga e contra a comunicação externa passível de desencadear a criminalidade, devem-se buscar projetos arquitetônicos que minimizem os efeitos nocivos do confinamento, para preservar a dignidade, a saúde e a personalidade do preso“.(2008, p 155)
Infelizmente o que se vê nos noticiários, reportagens especiais, ou mesmo aqueles que se permitem a realizar uma visita num dos diversos estabelecimentos penais do Brasil, perceberá que a realidade é outra.
Na Penitenciária Coronel Odenir Guimarães, localizada no Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia, a realidade é assustadora, pois ali se vê num espaço planejado para suportar no máximo 3 (três) pessoas, acomodar o décuplo. As instalações sanitárias são coletivas, não há chuveiros ou duchas destinados a assegurar condições de higiene mínimas.
Por fim uma questão importante, muitas vezes desprezada, é a necessidade desses estabelecimentos oficiais terem um endereço certo, evitando, assim, que funcionários públicos cometam abusos, como os verificados em países autoritários, onde muitos cidadãos, afastados de suas famílias, advogados, eram torturados, e muitos perderam a vida (GRECO, 2013, p. 215-216).
Insta salientar que o assunto não se esgota nesse ponto, devendo ser rememorado e aprofundado em linhas futuras, no momento em que se aprofundar na análise da realidade da estrutura penal escolhida como referência.
3.3 Direitos do Preso
Conforme dito alhures a dignidade da pessoa humana irradia-se por todo ordenamento jurídico pátrio. “Da dignidade humana, princípio genérico e reitor do Direito Penal, partem outros princípios mais específicos, os quais são transportados dentro daquele princípio maior” (CAPEZ, 2005, p.12).
A imposição da pena privativa da liberdade não é absoluta, encontra limites na Constituição, nas leis, tratados e princípios, assim pode se afirmar, que “[…] ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei, e que, não haverá qualquer distinção de natureza racial, social, religiosa ou política”[…], conforme art. 3.º Lei 7.210/84.
O cidadão tolhido de sua liberdade, quando condenado, tem direito a não ser torturado. “A tortura é um ato de covardia praticado pelo mais forte contra o mais fraco, ou, pelo menos praticado por aquele que, mesmo momentaneamente, se encontre nessa situação de superioridade” (GRECO, 2013, p. 261).
Nessa mesma linha, o princípio n.6 da Assembleia Geral das Nações Unidas:
“[…] nenhuma pessoa sujeita a qualquer forma de detenção ou prisão será submetida a tortura ou a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Nenhuma circunstância, seja ela qual for, poderá ser invocada para justificar a tortura ou outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes”.
É, também, direito do cidadão que se encontra preso cumprir a pena com dignidade, assim, “[…] não se poderá impor um sacrifício maior do que o previsto na sentença penal condenatória, pois que seus demais direitos como ser humano deverão ser preservados”. (GRECO, 2013, p. 262).
A realidade é cruel, visitar a penitenciária Coronel Odenir Guimarães, certamente, fará com que o leitor perceba o quanto o Estado descumpre o princípio da dignidade humana, em razão da realidade ali encontrada, podendo mencionar, exemplificativamente, celas imundas sem a devida higienização, banheiros apodrecidos, fiação elétrica exposta, entre outros desmandos.
O preso conserva os direitos a sua integridade física e moral, tanto é verdade, que a Constituição dispõe em seu art. 5.º, XLIX, “[…] é assegurado aos presos o respeito a integridade física e moral […]”.
O preso só não poderá exercer durante o período em que cumpre a pena, os direitos atingidos pela sentença e previstos em lei como efeitos da condenação, cabendo ao Estado, na medida do possível, adotar medidas que contribuam ao retorno do cidadão condenado ao convívio social.
Ao condenado a pena de prisão celular é assegurado o direito de cumpri-la em um ambiente que lhe permita exercer sempre que possível a individualidade, num ambiente salubre que assegure aeração, condicionamento térmico adequado a existência humana, conforme Lei 7.210/84.
A realidade em Goiás está em simetria com a realidade pátria, celas lotadas, amontoando homens, celas com preparadas para 3 (três) pessoas sendo ocupada por 30 (trinta) ou mais indivíduos, em condições insalubres, com instalações sanitárias precária, areação insuficiente, e constantes riscos a integridade física, moral, sexual e psicológica dos presos.
Em proficiente observação manifesta Rogerio Greco:
“É justamente quando está cumprindo a sua pena que o preso é esquecido pelo Estado. Não são colocados em prática planos ressocializadores, suas condições carcerárias são indignas, seu afastamento do meio social é quase absoluto e as autoridades esquecem a sua existência”. (2013, p. 263).
Se uma das finalidades da pena de prisão é a ressocialização, afastar o homem do convívio social parece ser um contrassenso, assim, deve se permitir que “[…] o preso continue a manter contato com o mundo exterior ao cárcere, principalmente com seus familiares e amigos, despertando nele a motivação necessária para querer sair daquele ambiente” (GREGO, 2013, p. 263).
No Capítulo IV, seção II, arts. 40 a 43, da Lei 7.210/84, Lei de Execução Penal, encontra-se explicitados os direitos do preso. Repise-se que tais direitos não se exaurem ali, mas funcionam como patamar mínimo a ser observado pelo Estado, pois ao preso se conserva todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei.
Na sociedade contemporânea o desenvolvimento intelectual, sem sombra de dúvidas, é um dos direitos inerentes a dignidade humana, assim, deve o Estado propiciar meios para que o condenado que não teve acesso a educação, quando em liberdade, possa desenvolver essa capacidade.
Assim cabe a administração penitenciária aparelhar sua estrutura de meios que levem acesso a educação básica, profissional e cultural a comunidade carcerária, buscando parcerias ou levando a estrutura do Estado para dentro do muro do cárcere.
O legislador pátrio adotou o sistema progressivo para a execução da pena privativa de liberdade, conforme art. 33, §2.º, CP e art. 112, LEP, contudo, esse regime em que o condenado como se programado para, naturalmente, se reeducar não atingirá sua finalidade, visto que:
“O sistema progressivo tal como se apresenta, ignora a natureza humana do preso. Pretende o sistema que o preso seja algo como uma máquina programável, um computar, que gradativamente vai obtendo uma reeducação para, aos poucos, conquistar avanços na execução da pena”.
Acontece que o indivíduo preso, já devidamente submetido ao inafastável processo de prisionização (capítulo V), assimila padrões vigorantes no cárcere e se adapta à prisão, de maneira a tornar descabida qualquer esperança de reforma advinda do encarceramento”. (SILVA, 2009, p. 60-61)
Portanto, não há que se falar em ressocialização sem respeito aos direitos individuais e da coletividade carcerária, primados da dignidade humana.
3.4 Penitenciária Coronel Odenir Guimarães
A formação do sistema penitenciário do Estado de Goiás não se deu ao acaso. O primeiro estabelecimento de prisão do Estado que se tem notícia foi construído em 1733, conhecida como Casa de Câmara e Cadeia de Pirenópolis, demolida em 1919, sendo substituída por outra construída noutro local.
Inicialmente a estrutura prisional do Estado de Goiás funcionava de maneira descentralizada, existindo, portanto antes da criação da Agência Goiana do Sistema Prisional (AGESP). Certamente a referida estrutura não contribuía para a melhor execução das políticas penitenciárias, dessa forma o Governo Estadual promoveu algumas mudanças, visando efetivar políticas penitenciárias mais justas, isonômicas, e também, angariar recursos junto ao Governo Federal.
A penitenciária Cel. Odenir Guimarães localiza-se no complexo prisional de Aparecida de Goiânia, custodiando presos do regime fechado do sexo masculino.
Observa-se que o conjunto arquitetônico da penitenciária Odenir Guimarães (POG) não atende os requisitos mínimos determinados em Lei; sua estrutura é antiga, e não foi planejada para suportar a grande quantidade de presos atuais.
Segundo dados apresentados pela Agência Goiana do Sistema Prisional, relativos ao primeiro semestre de 2012, o Estado de Goiás está operando acima de sua capacidade prisional, ou seja, população carcerária maior que o número de vagas existentes.
No final do semestre de 2012, a quantidade de vagas disponível para o regime fechado era de 3592 (três mil quinhentos e noventa e duas vagas), no entanto, encontrava-se cumprindo pena, nesse regime, 4258 (quatro mil duzentos e cinquenta e oito) presos.
Segundo Maria Karam “[…] a deterioração física do ambiente prisional é agravada pela superpopulação carcerária”. (2009, p. 17)
Adentrar seus muros é conhecer uma realidade absurda. Não há local adequado para convívio social, inexiste espaço adequado para prática de esportes; fiação exposta, rede de esgoto a céu aberto, inexistência de chuveiros ou duchas para a adequada higiene pessoal; celas abarrotadas; serviço de saúde insuficiente.
É uma triste realidade que só demonstra “[…] o mal contido na pena, cujo caráter estigmatiza em vez de propiciar sua recuperação. A prisão praticada dessa maneira ofende a dignidade da pessoa humana, torna-se tortura psicológica e moral, tendo efeitos negativos não ressocializadores, sendo, portando ilegal (MARQUES, 2008, p. 158).
3.5 A ofensa dos direitos: revolta
Haroldo Caetano da Silva, chamando a uma reflexão sobre uma pena esvaziada da ressocialização, leciona:
“Essa forma – senão nova, pelo menos renovada – de concepção da sanção penal esvaziada da ressocialização, por isso realista, traz reflexos de alta relevância. Seja no campo da dogmática penal, da elaboração da norma, da execução da pena, da maneira como a população em geral vê o funcionamento da justiça criminal, a percepção da pena em sua essência retributiva pode em muito contribuir para a construção de um sistema penal mais coerente, democrático, melhor legitimado, humanizado, eficaz e justo”. (2009, p. 77)
Segundo a Lei 7.210/84, constitui direitos do preso o respeito a sua integridade física e moral, acesso a alimentação suficiente e vestuário, atribuição de trabalho e sua remuneração, proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação, o chamamento nominal, a igualdade no tratamento, e inúmeros outros direitos.
Segundo Bitencourt as revoltas e protestos no ambiente carcerário tem sua “[…] origem nas deficiências efetivas do regime penitenciário. As deficiências são tão graves que qualquer pessoa que conheça certos detalhes da vida carcerária fica profundamente comovida”. (2012, p. 228)
O autor identifica três deficiências costumeiramente vistas na maior parte dos sistemas penitenciários: falta de orçamento, pessoal técnico despreparado e a ociosidade em razão da falta de programas políticos (BITENCOURT, 2012, p. 230).
“A maior parte das rebeliões que ocorrem nas prisões é causada pelas deploráveis condições materiais em que a vida carcerária se desenvolve”. (BITENCOURT, 2012, p. 230)
Segundo Rogério Greco “[…] a crise carcerária é o resultado, principalmente, da inobservância, pelo Estado, de algumas exigências indispensáveis ao cumprimento de uma pena privativa de liberdade”. (2013, p. 301)
Citando K.M. Espinoza Velázquez e M. Mengana Catañeda, leciona o iminente professor:
“Em um Estado Democrático de Direito, no qual a liberdade ocupa um lugar de destaque, a par de outros direitos fundamentais a pratica intracarcerária deve encaminhar-se à proteção dos direitos do homem. Sem embargo, a atual realidade penitenciária de um número elevado de países encontra-se longe de alcançar esses propósitos, ocorrendo constantes vulnerações aos direitos fundamentais das pessoas que se encontram privadas da liberdade, tanto no que diz respeito à sua integridade física, alimentação, saúde, comunicação, acesso a um processo justo, entre outras”. (2013, p.301)
Nessa tela, identifica-se como fatores causadores da crise penitenciária:
“A ausência de compromisso por parte do Estado no que diz respeito ao problema carcerário, o controle ineficiente por parte daqueles que deveriam fiscalizar o sistema penitenciário, a superlotação carcerária, a ausência de programas destinados à ressocialização dos condenados, a ausência de recursos mínimos para manutenção da saúde e o despreparo dos funcionários que exercem suas funções no sistema prisional”. (2013, p.301-308)
O homem é livre por natureza, segregado, vinculando-se a um grupo apenas para se proteger, exigindo, per si, respeito a seus direitos.
O Estado tem o direito de punir os cidadãos que se dispõem a afrontar as regras de condutas convencionadas em seu território. Assim, dependendo do bem jurídico protegido o Estado tem o dever-poder de aplicar a sanção correspondente ao caso, contudo, o exercício desse poder punitivo não é absoluto, devendo observância a certos princípios.
Dentre esses princípios, ganha destaque o princípio da dignidade da pessoa humana. Tal princípio, no ordenamento jurídico pátrio, principalmente após a Constituição de 1988, passou a irradiar sobre todo o ordenamento jurídico pátrio, sendo considerado como um dos pilares, fundamento da República Federativa do Brasil.
Como fundamento jurídico que é, a dignidade da pessoa humana impõe ao Estado determinados deveres ou, como querem alguns, prestações – positivas ou negativas, visando assegurar ao homem direitos mínimos, naturais a sua existência, sem os quais não poderá dizer que este vive dignamente.
Os valores vigentes hodiernamente foram construídos desde a remota sociedade, num processo de lutas entre homens despidos de seus direitos naturais e os soberanos que suprimiam os direitos dos dominados, visando manter o poder e conservar privilégios.
Assim, a revolução Inglesa de 1215, buscou retomar da mão do Rei João Sem Terra o direito a um tratamento justo por parte da Coroa, resultando na Magna Carta de 1215; o movimento iluminista, certamente, é outro dos grandes marcos histórico, influenciando na Revolução Francesa, que resultou na Declaração dos Direitos Humanos e dos Cidadãos, de 1789.
Pois bem, ao Estado visando garantir a harmonia social, é dada o dever-poder de avançar sobre determinados direitos dos homens livres, aplicando-lhes sanções, destacando a pena privativa da liberdade, esta substituiu àquelas aplicadas sobre o corpo, tais como a morte, a tortura, podendo ser considerada uma evolução.
Nesse contexto, modernamente, a execução desta espécie de pena tornou-se um dos grandes problemas, pois lançar no cárcere o cidadão não pode ser na mesmo forma de antes, suprimindo todos os direitos do cidadão preso, numa clara atitude despótica.
Privar o cidadão de sua liberdade é retirar do homem um de seus maiores bens. Infelizmente, a realidade brasileira na execução dessa medida está aquém de suas pretensões, pois o que se vê são celas lotadas, abrigando num espaço ínfimo uma grande população carcerária. Além disso, as estruturas prediais são uma espécie sombria das construções que abrigavam os homens presos em tempos passados, não apresentado condições de salubridade simples, tais como, iluminação adequada, arejamento, instalações sanitárias condizentes.
Falta ainda investimento do Estado na efetivação de políticas carcerárias adequadas, que assegurem uma vida digna aos presos, entre as quais, o acesso a educação, a profissionalização, o respeito à integridade física, moral, sexual e psicológica.
Conclui-se que a pena de prisão privativa de liberdade no Brasil afronta flagrantemente a dignidade da pessoa humana, princípio irradiante da República Federativa do Brasil, que impõe ao Estado – Juiz, Legislador e Executor – respeitar os direitos do homem, propiciando uma vida digna.
Informações Sobre os Autores
Euripedes Clementino Ribeiro Junior
Advogado. Professor de Direito Penal e Direito Processual Penal na graduação PUC-GO e Faculdades Alves Faria ALFA e Pós-Graduação UniEvangélica e Faculdade Montes Belos. Especialista em Direito Penal UFG-GO. Mestre em Direito Relações Internacionais e Desenvolvimento PUC-GO
Rodolffo Rodrigues Ferreira
Bacharel em Direito pela Faculdade Alves Faria – ALFA. Advogado