Resumo: Este meta- artigo aborda alguns aspectos da Lei 12.830/2013 de 20 de julho de 2013, lei que dispõe a respeito da investigação criminal conduzida pelo Delegado de Polícia, citando questões relativas ao importante papel constitucional do Delegado de Polícia na persecução criminal. Serão consideradas questões referentes à importância de uma persecução criminal feita por órgão competente que desempenhará seu papel constitucional e legal de acordo com o sistema processual penal pátrio. Serão destacados alguns pontos relacionados à investigação realizada pelo Ministério Público, demonstrando o claro prejuízo à imparcialidade quando do oferecimento da peça acusatória e acompanhamento do processo criminal. Haverá um “ent passant” acerca do indiciamento deixando claro ser ato de atribuição privativa do Delegado de Polícia, sendo discriminado seu conceito e finalidade. Por fim, será considerada a questão da aplicação do Princípio da Insignificância pelo Delegado de Polícia na análise da tipicidade penal, sendo resguardado o princípio e Fundamento Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana.
Palavras-chave: Inquérito policial. Persecução criminal. Imparcialidade. Indiciamento. Princípio da Insignificância.
Abstract: This meta-article is about some aspects of 12.830/2013 law of July 20th 2013, this law talks about criminal investigation conducted by police chiefs by quoting relative questions about the constitutional role importance of police chiefs in criminal persecution. Questions about the importance of a criminal persecution done by a competent organ, its constitutional role and legal deal with the home penal procedural system will be considered in this study. Some points will be related to the investigation done by public prosecutors by demonstrating a clear damage to impartiality when offering an accusatory play. There will be an ‘ent passant ‘around indictment leaving clear the private attribution act of police chiefs being discriminated by its final concept. At the end, we consider the application of insignificant principle by police chiefs analyzing penal typicality, being regarded by the constitutional principal of human being dignity.
Keywords: police inquiry, criminal prosecution, impartiality, indictment, insignificance principle.
Sumário: Introdução. 1. Inquérito policial.1.1 Conceito e finalidade. 1.2. Garantia Constitucional. 2. Investigação Criminal. 3. Do Indiciamento. 4. Princípio da Insignificância. 5. Da possibilidade da aplicação do Princípio da Insignificância pela Autoridade Policial. Conclusão. Referências Bibliográficas.
Introdução
O presente trabalho aborda alguns aspectos relevantes da Lei 12.830, de 20 de Julho de 2013, lei que dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo Delegado de Polícia.
Abordaremos questões relacionadas ao conceito e finalidade do inquérito policial, realizando uma breve abordagem quanto ao exercício da polícia judiciária previsto na Constituição Federal, Constituição Estadual do estado de São Paulo e nesta Lei.
Verificaremos brevemente as fases para a persecução criminal, dentre elas a investigação, tratando de alguns aspectos quanto à sua titularidade.
Desdobraremos questões referentes à imparcialidade nas investigações a fim de termos como consequência o bom desenvolvimento da persecução criminal segundo o sistema processual penal brasileiro.
Iremos analisar, brevemente, uma das atribuições do Delegado de Polícia que é o indiciamento, enfatizando principalmente esta como atribuição privativa da Autoridade Policial.
Observaremos o papel constitucional do Delegado de Polícia, provando a importância da aplicação por este do princípio da insignificância na análise da tipicidade penal, onde a Autoridade Policial deixa de ser um simples aplicador de “lei seca”, para que em sua interpretação do fato típico haja a aplicação do princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
Finalizamos com a expectativa de que a lei 12.830/2013 seja um marco para um futuro de harmonia e cooperação entre as instituições envolvidas na persecução criminal.
1. Inquérito policial
1.1 Conceito e finalidade
A lei 12.830/2013 prevê expressamente que a autoridade responsável pela presidência do inquérito policial é o Delegado de Polícia.
A palavra inquérito deriva do latim inquisitu, inquerre que significa inquisição, ou seja, ato ou efeito de inquirir, de procurar informações a respeito de algo.
O inquérito policial é um procedimento administrativo, inquisitório e preparatório, que consiste em um conjunto de diligências realizadas pela polícia investigativa a fim de apurar a infração penal e sua autoria, tendo como finalidade fornecer elementos de informação para que o titular da ação penal possa ingressar em Juízo.
1.2 Garantia Constitucional
A Constituição Federal conferiu à Polícia Civil atribuições de polícia judiciária estruturada em carreira, institucionalizando o inquérito policial como instrumento formal de polícia judiciária, conforme dispões o artigo 144, § 4º:
“Art. 144: A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
§ 4º: Às polícias civis, dirigidas por Delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as Militares.”
A Constituição Estadual do estado de São Paulo em seu artigo 140, também atribuiu à Polícia Civil as funções de polícia judiciária destinada a apurar as infrações penais, com exceção das infrações penais militares:
“Art. 140: A Polícia Civil, órgão permanente, dirigida por Delegados de polícia de carreira, bacharéis em direito, incumbe, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.”
Em 20 de junho de 2013, o inquérito policial recebeu garantia legal com o advento da lei 12.830, que dispõe em seu artigo 2º, e 2º § 1º:
“Art. 2º: As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo Delegado de Polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado.
§ 1º: Ao Delegado de Polícia, na qualidade de Autoridade Policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais.”
A lei supracitada deixa claro, que a Autoridade Policial é o Delegado de Polícia, cabendo a esse a presidência dos autos de inquérito policial, com o objetivo de apurar as circunstâncias, materialidade e autoria das infrações penais, sendo que os demais policiais são “Agentes da Autoridade”, ou seja, há o impedindo de que o inquérito policial ou o termo circunstanciado sejam presididos por outras instituições policiais como, por exemplo, as polícias rodoviárias, ferroviárias, militares, etc…
2. Investigação criminal
O Art. 1º da Lei 12.830/2013 dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo Delegado de Polícia.
Constatada a prática de uma infração penal, surge para o Estado, com absoluta exclusividade, o direito/dever de punir, fazendo com que o delinquente submeta-se à reprimenda.
Porém para que o Estado exerça esse direito, faz-se necessário a existência de um procedimento destinado a apurar a autoria e materialidade do fato criminoso, é a chamada persecução penal, que se desenvolve em três fases: a investigação preliminar; a ação penal e a execução da pena.
Embora não haja vedação expressa para que um particular, estando diante da infração penal, reúna elementos relativos à materialidade e autoria delitivas e encaminhe-os à Autoridade Policial ou ao órgão do Ministério Público para que sejam tomadas as providências legais cabíveis, a regra, é que as investigações referentes a fatos criminosos sejam realizadas por parte de órgãos oficiais, normalmente pela polícia judiciária, que as fará, em regra, através do inquérito policial.
Esta atribuição para a investigação criminal conferida na lei ao Delegado não é exclusiva, entretanto há a titularidade para a condução da investigação criminal através do inquérito policial, uma vez que existem outros órgãos com poderes investigatórios a exemplo do Ministério Público, apesar de muitas discussões a respeito da legitimidade desse tipo de atuação.
Acreditamos, no entanto que a investigação criminal deve ser própria da Autoridade Policial, uma vez que se exercida pelo Ministério Público atentará contra o sistema acusatório, visto que criaria um desequilíbrio entre a acusação e a defesa, além de não haver previsão legal e regulamentação acerca desse procedimento.
É de suma importância ressaltar a inexistência de lei que regulamente esse tipo de investigação pelo parquet, há apenas uma resolução (Resolução 13/06 do Conselho Nacional do Ministério Público), sendo assim, inadmissível que tal espécie normativa possa fazer às vezes de “lei processual penal”, de qual é competência privativa da União através de “Lei Federal” (artigo 22, I, CF). Desta forma, é notória que a atuação do Ministério Público em investigação criminal enquanto não regulamentada, é, no mínimo, ilegítima mesmo por que, o Ministério Público, possuí o poder / dever previsto na Constituição Federal em seu artigo 129, parágrafo 1º, inciso VIII de requisitar diligências bem como, a instauração de inquérito policial, indicando seus fundamentos jurídicos, o que basta nesta fase da persecução penal.
Salientamos também que em um sistema acusatório ideal é necessário que as quatro fases da persecução penal (investigação, acusação, defesa e julgamento), sejam elaboradas de forma isolada, garantindo assim a imparcialidade de cada uma dessas. Não é possível esperar que a promotoria ao investigar um crime, seja imparcial quando da formulação da peça acusatória e acompanhamento de todo o processo.
Essas nos parecem motivações jurídicas suficientes para que não haja a possibilidade de uma investigação criminal realizada pelo Ministério Público em um Estado Democrático de Direito que adota um sistema processual penal acusatório.
Tal entendimento foi corroborado pela lei 12.830/2013 que surge em meio a toda uma polêmica acerca da questão da titularidade da investigação criminal no sistema processual penal brasileiro e dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo Delegado de Polícia.
3. Do indiciamento
Outro ato que integra o inquérito policial é o indiciamento, que poderá ser: direto, quando o investigado estiver presente ou indireto, quando estiver ausente. O ato de indiciar significa atribuir a autoria de uma infração penal a determinada pessoa no âmbito da investigação policial, ou seja, em outras palavras é ato privativo do Delegado de Polícia não podendo sofrer ingerências externas tanto judicial quanto ministerial, visto que na fase processual há denúncia e seu recebimento.
É vetado à Autoridade Policial indiciar alguém apenas por simples suspeita. Para o indiciamento é conditio sine qua non a existência de indícios de autoria e materialidade do delito objeto da investigação policial.
De acordo com o artigo 2º parágrafo 6° da lei 12.830/13, a Autoridade Policial tem o dever de fundamentar o ato de indiciamento:
“artigo 2º §6º. O indiciamento, privativo do Delegado de Polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante a análise técnica – jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias”.
Em suma, a referida fundamentação poderá ser sucinta, porém jamais deverá se reduzir à simples menção ao dispositivo legal tampouco uma transcrição deste, devendo o Delegado de Polícia indicar os elementos de convicção existentes nos autos quanto à autoria, materialidade e outras circunstâncias que o levaram a formalizar o indiciamento.
4. Princípio da Insignificância
Consoante disposto anteriormente, com a prática de um delito nasce para o Estado o direito/dever de punir. No entanto, para que haja esse direito de punir, entre outros, o ato praticado pelo agente deve ser classificado como um fato típico.
De uma maneira não lapidada, um fato é formalmente típico quando contraria uma norma penal, e materialmente típico quando a conduta criminosa gerou lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico penalmente tutelado, devendo ser valorada a conduta praticada e o resultado causado.
Primeiramente abordaremos seu significado para que posteriormente sejam discutidas suas aplicações.
O Princípio da Insignificância tem impacto direto na tipicidade material do delito, pois é analisado de acordo com a lesão ou perigo de lesão causado. Esse princípio também conhecido como Princípio da Bagatela, é um desdobramento do Princípio da Intervenção Mínima. Desse último princípio podemos extrair que o Direito Penal só deve ser aplicado quando estritamente necessário, mantendo-se subsidiário e fragmentário, ou seja, o Direito Penal só intervém em abstrato quando os demais ramos fracassaram e só intervém no caso concreto quando presente relevante e intolerável lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico.
Segundo nossos tribunais superiores para ser aplicado o Princípio da Insignificância, faz-se necessário à observância dos seguintes critérios:
1) MÍNIMA OFENSIVIDADE DA CONDUTA DO AGENTE;
2) NENHUMA PERICULOSIDADE SOCIAL DA AÇÃO;
3) REDUZIDO GRAU DE REPROVABILIDADE DO COMPORTAMENTO;
4) INEXPRESSIVIDADE DA LESÃO JURÍDICA PROVOCADA.
5. Da possibilidade da aplicação do Princípio da Insignificância pela Autoridade Policial
Com o advento da lei 12.830/2013, é observado especialmente ao analisar o parágrafo 1º. do artigo 2º, o aumento na discussão sobre a possibilidade do Delegado de Polícia aplicar o princípio da Insignificância na fase inquisitorial visto que a verificação da materialidade passa a ser um dever desta autoridade e um direito do investigado.
“Art. 2º § 1º: Ao Delegado de Polícia, na qualidade de Autoridade Policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais”.
O que extraímos da redação supra é que, caso a Autoridade Policial não constate a tipicidade material envolvendo o delito a ser apurado, como por exemplo, um furto onde inequivocamente caiba a aplicação do princípio da insignificância, poderá em seu relatório final descrever tal situação, usando essa como fundamento e justificativa para não se indiciar alguém por um fato que entende ser materialmente atípico.
Até a entrada da lei 12.830/2013, prevalecia o entendimento que o papel do Delegado de Polícia, enquanto presidente do inquérito policial era apenas verificar as questões formais de um delito. Em nosso modesto entendimento, de acordo com referida lei, o Delegado de Polícia deverá fazer uma análise completa da prática do crime, verificando em especial tanto a tipicidade formal como também a material, ou seja, aplicando também nesta análise o princípio da Insignificância.
Desta forma, o Delegado de Polícia deixa de ser um simples aplicador de “lei seca”, acrescentando em sua avaliação do fato típico a aplicação de um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, qual seja, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, evitando a privação da liberdade de um indivíduo por um crime que não lese um bem jurídico penalmente tutelado.
Conclusão
Este texto não pretende esgotar os estudos acerca da lei 12.830/13, lei com propriedade gerada com a finalidade de ser um instrumento de aprimoramento e garantia de uma investigação criminal imparcial, entretanto procuramos elencar alguns aspectos relevantes da mesma, enfatizando o importante papel do Delegado de Polícia na persecução criminal, possibilitando, deste modo, o exercício do Estado no seu direito/ dever de punir.
Frisamos que tal legislação ainda é insuficiente, especialmente no que diz respeito às garantias para o exercício do cargo de Delegado de Polícia. É preciso ainda, aperfeiçoar os recursos humanos e materiais da Polícia, que são escassos e defasados, para que os trabalhos possam ser conduzidos com celeridade e eficiência.
Finalmente, é esperado que tal legislação seja um marco para um futuro onde haja harmonia e cooperação entre as instituições envolvidas na persecução criminal, e que cada uma delas busque o cumprimento de suas funções livres de qualquer tipo de ingerência indevida.
Informações Sobre os Autores
Aline Simões de Lemos da Silva
bacharel em Direito e investigadora de polícia
Amanda Pinheiro Machado Teixeira
Graduada e pós-graduada na área de biológica e investigadora de polícia
Terezinha Bueno Alves
bacharel em direito, pós-graduada em Direito Penal e Processo Penal e investigadora de polícia