Resumo: Breve análise acerca da Perícia Biopsicossocial, aplicável ao Benefício Assistencial de Prestação Continuada, com base na Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), aprovada pela 54º Assembleia Mundial de Saúde, em maio de 2001.
Palavras-chave: Benefício Assistencial de Prestação Continuada, perícia médica, complexa.
Abstract: Brief analysis about Expertise Biopsychosocial applicable to Caregiving Continued Benefit, based on the International Classification of Functioning, Disability and Health (ICF), approved by 54th World Health Assembly, in May 2001.
Keywords: Continued Benefit Assistance, medical expertise, complex.
Sumário: Considerações iniciais. 1. Da Perícia Biopsicossocial. Considerações Finais.
Considerações iniciais
Acurada análise acerca do requisito médico para a concessão do Benefício Assistencial de Prestação Continuada (BPC – LOAS) revela que o conceito de incapacidade e de deficiência sofreu uma significativa alteração, sobretudo após a edição da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) 2001, pela Organização Mundial da Saúde (OMS), bem como, a partir de 2009, quando da promulgação da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, primeiro tratado internacional aprovado pelo rito legislativo previsto no art. 5º, § 3º, da Constituição Federal de 1988, internalizado por meio do Decreto presidencial 6.949/2009.
Nesse sentido, segundo orientação da OMS, a festejada Classificação Internacional de Doenças, Décima Revisão – CID 10, fornece uma estrutura conceitual baseada na etiologia, CIF, por sua vez, relaciona as condições de saúde com a funcionalidade e incapacidade. Dessarte, no presente momento prevalece a orientação no sentido de que as duas classificações sejam consideradas complementares, devendo ser utilizadas conjuntamente a fim de aferir e a existência de incapacidade deficiência, nos termos instituídos no contexto internacional.
1. Da perícia Biopsicossocial
A partir da quebra do paradigma da pericia biomédica, erigiu-se no ordenamento jurídico a consciência de que a PERÍCIA BIOMÉDICA não mais se apresenta como instrumento suficiente para dizer da incapacidade ou deficiência de determinado indivíduo, sendo de rigor a avaliação da incapacidade e da funcionalidade por meio de interação dinâmica entre fatores ambientais e pessoais de cada indivíduo – PERÍCIA BIOPSICOSOCIAL, instituída pela OMS por meio da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), em complementação à Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, relativa à décima revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10).
Relativamente à integração dos aspectos psicológicos e sociais ao modelo biomédico outrora previsto pelo ordenamento jurídico, cumpre observar o disposto no artigo 16 do Regulamento do Benefício Assistencial:
“Art. 16. A concessão do benefício à pessoa com deficiência ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento, com base nos princípios da Classificação Internacional de Funcionalidades, Incapacidade e Saúde – CIF, estabelecida pela Resolução da Organização Mundial da Saúde nº 54.21, aprovada pela 54ª Assembleia Mundial da Saúde, em 22 de maio de 2001. (Redação dada ao caput pelo Decreto nº 7.617, de 17.11.2011, DOU 18.11.2011).
§ 1º A AVALIAÇÃO DA DEFICIÊNCIA E DO GRAU DE IMPEDIMENTO será realizada por meio de avaliação social e avaliação médica.
§ 2º A AVALIAÇÃO SOCIAL considerará os fatores ambientais, sociais e pessoais, A AVALIAÇÃO MÉDICA considerará as deficiências nas funções e nas estruturas do corpo, e AMBAS considerarão a limitação do desempenho de atividades e a restrição da participação social, segundo suas especificidades.
§ 5º A avaliação da deficiência e do grau de impedimento tem por objetivo:
I – comprovar a existência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial; e
II – aferir o grau de restrição para a participação plena e efetiva da pessoa com deficiência na sociedade, decorrente da interação dos impedimentos a que se refere o inciso I com barreiras diversas.”
Note-se, atentamente, que o regulamento não limita a realização de avaliação social à análise da comprovação do preenchimento do requisito socioeconômico; antes, igualmente estabelece a realização de avaliação social como instrumento para a avaliação da deficiência e do grau de impedimento em vista de fatores ambientais, sociais e pessoais, a ser realizada antes da perícia médica.
Com efeito, a atual conjuntura revela, assim, que somente por meio da interação entre os fatores contextuais e os critérios indicadores de saúde, propriamente dita, poder-se-á aferir a existência de incapacidade
No ponto, importa observar que o INSS, por meio da Portaria Conjunta MDS/INSS nº 1/2011, instituiu os instrumentos para a avaliação da deficiência e do grau de incapacidade dos pretendentes ao BPC da LOAS, buscando o cumprimento dos ditames estabelecidos na CIF de 2001 e na Convenção Internacional mencionada.
De se notar, nesse passo, que a Portaria Conjunta do INSS e do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, prevê a adoção de modelo de avaliação da deficiência e do grau de impedimento por meio de análise que ultrapasse as considerações acerca do autocuidado, que considera vida independente como a capacidade de se vestir, higienizar, alimentar, locomover e outros atos da vida cotidiana; estabelecendo, ainda, seja a avaliação médico-pericial precedida de avaliação social, tal como se verifica de seu anexo III, que dispões sobre os conceitos e critérios das avaliações social e médica, verbis:
“O reconhecimento das pessoas com deficiência requerentes do BPC e da existência de incapacidade para a vida independente e para o trabalho, nos termos da CIF, deve ser efetuado com base nas diferentes dimensões de saúde sob a perspectiva biológica, individual e social e na relação entre estado ou condição de saúde do indivíduo e fatores pessoais e externos, que representam as circunstâncias em que vive.
A caracterização de incapacidade para o trabalho e para a vida independente deve ser feita a partir de instrumentos específicos atualizados pela presente Portaria.
A ADOÇÃO DESTE MODELO DE AVALIAÇÃO DA DEFICIÊNCIA E DO GRAU DE INCAPACIDADE SUPERA A ANÁLISE REDUCIONISTA centrada no autocuidado, que considera vida independente como a capacidade de se vestir, higienizar, alimentar, locomover e outros atos da vida cotidiana.
A avaliação da deficiência e do grau de incapacidade é composta de avaliação social e médico pericial, obedecendo á codificação dos componentes e domínios da Classificação Internacional de Funcionalidades, Incapacidades e Saúde (CIF).
A avaliação médico-pericial é posterior à avaliação social.
As qualificações das funções do corpo pela avaliação médico-pericial e de atividades e participação pelas avaliações social e médico-pericial devem considerar:
– os fatores ambientais analisados e qualificados pela avaliação social;
– os fatores pessoais registrados na folha de rosto do instrumento.
As avaliações social e médico-pericial são realizadas mediante utilização dos INSTRUMENTOS ANEXOS à presente portaria (…).”
No mesmo sentido, a Instrução Normativa nº 45/2010, na seção relativa ao Serviço Social, estabeleceu uma série de dispositivos que convergem ao argumento aqui exposto, tal como se verifica do disposto no artigo 385, §4º, verbis:
“ § 4º A avaliação social, em conjunto com a avaliação médica da pessoa com deficiência, consiste num INSTRUMENTO DESTINADO À CARACTERIZAÇÃO DA DEFICIÊNCIA e do grau de incapacidade, e considerará os fatores ambientais, sociais, pessoais, a limitação do desempenho de atividades e a restrição da participação social dos requerentes do Benefício de Prestação Continuada da pessoa portadora de deficiência.”
Verifica-se, assim, que prudente juízo de ponderação e diligente compressão da legislação aplicável ao Benefício Assistencial de Prestação Continuada, revela, com clareza solar, que a comprovação da deficiência não se limita ao caráter técnico plasmado na vasta maioria dos laudos periciais produzidos em juízo, devendo ser consideradas as possibilidades de evitar o processo de marginalização social, conjugando-se a análise técnica à análise das funções e estruturas do corpo e atividades de participação.
No presente momento, portanto, tronou-se imperativo que a perícia, tanto administrativa como judicial (que dessarte não mais se limitam à análise acerca das condições de saúde), sejam consideradas complexas, porquanto necessária a realização de análise biopsicossocial de maneira interdisciplinar, conjuntamente com a CID-10, que fornece um modelo etiológico das condições de saúde
Nesse contexto, conforme percuciente lição de COSTA (2013), breve bosquejo da CIF 2001 revela a necessidade de que a perícia atente para os seguintes componentes e definições:
a. “FUNÇÕES DO CORPO: desempenhos fisiológicos dos sistemas do corpo (incluindo as funções psicológicas).
b. ESTRUTURAS DO CORPO: estruturas anatômicas.
c. DEFICIÊNCIAS: dificuldades nas funções ou nas estruturas do corpo.
d. ATIVIDADE: execução de uma tarefa ou ação por um indivíduo.
e. PARTICIPAÇÃO: envolvimento em situações de vida diária.
f. LIMITAÇÕES DE ATIVIDADES: problemas na execução de atividades.
g. RESTRIÇÕES DE PARTICIPAÇÃO: dificuldades ao se envolver em situações no convívio social.
h. FATORES AMBIENTAIS: compõem o ambiente físico, social e atitudinal no qual as pessoas vivem e conduzem a sua vida.”
Considerações Finais
Diante destes parâmetros, verifica-se que singela reflexão acerca do novel regramento do Benefício Assistencial de Prestação Continuada escrutina o surgimento da perícia médica complexa (biopsicossocial) – regulamentada pelo Decreto nº 6.214/2007, à luz da CIF, modelo integrador de funcionalidade, incapacidade e saúde, instituído pela OMS e pela Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência; tal avaliação agrega a perspectiva biológica, individual e social, e não mais reconhece a incapacidade como um atributo individual, antes a considera a partir de um conjunto complexo de condições, muitas das quais são criadas pelo ambiente social do indivíduo.
Informações Sobre o Autor
Lizarb Cilindro Cardoso
Advogada. Especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário pela Univiçosa – MG. Bacharel em Direito pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande FURG – RS