Resumo: O presente artigo preocupou-se em analisar a importância dos princípios processais constitucionais como proletários da segurança jurídica e jurisdicional visando à conquista de um processo penal justo e democrático. Preocupando-se em defender tal raciocínio faz-se necessário, primeiramente, a análise dos princípios gerais do direito, seguindo da análise dos princípios constitucionais e processuais constitucionais, assim como a segurança jurídica trazida por eles.
Palavras-chaves: Segurança Jurídica – Princípios – Processo Penal Democrático
Abstract: This article was concerned to examine the importance of the principles of constitutional processes as proletarians legal and judicial systems aimed at achieving a just and democratic criminal proceedings. Worrying to defend such thinking is necessary, first, the analysis of general principles of law, following the analysis of constitutional principles and constitutional procedural as well as legal certainty brought by them.
Keywords: Legal Security – Principles – Criminal Procedure Democratic
1 INTRODUÇÃO
O referido estudo tem como objetivo a análise da segurança jurídica e jurisdicional trazida ao ordenamento jurídico pátrio através dos princípios processuais penais constitucionais, como forma de se alcançar um processo penal democrático, base fundamental para a conquista de um amplo Estado Democrático de Direito.
Para tanto é fundamental, primeiramente, tecer comentários acerca do conceito de princípios e suas subdivisões, diferenciando-os das regras e trazendo a lume os princípios gerais do direito e sua importância para o Direito contemporâneo.
Importante, também, é a elucidação dos princípios constitucionais, diferencia-los dos princípios gerais do direito e mostrar suas subdivisões em jurídico-constitucionais e político-constitucionais, além da função de paradigma de toda legislação infraconstitucional.
Em seguida far-se-á uma abordagem sobre os princípios processuais constitucionais e sua diferença em relação aos princípios constitucionais aplicados ao processo.
E, finalmente, cabe dissertar sobre o processo penal e seus princípios constitucionais explícitos e implícitos, apontando o momento histórico e político em que foi criado e sua importância para a defesa do Estado Democrático de Direito.
2 OS PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO
Etimologicamente princípio admite diversas acepções, dentre eles, o de momento em que algo tem origem; causa primária, elemento predominante na constituição de um corpo orgânico; preceito, regra ou lei; fonte ou causa de uma ação (FERREIRA, 1999).
Analisando o significado lógico da expressão princípio, observa-se que os mesmos são “verdades fundantes” de um sistema de conhecimento, já que são evidentes ou têm sido comprovadas, além dos motivos de ordem prático-operacionais.
Para Carvalho, “princípios são as ideias fundamentais que constituem o arcabouço do ordenamento jurídico; são os valores básicos da sociedade que podem, ou não, se constituírem em normas jurídicas” (CARVALHO, 2006, p.5).
Reale conceitua os princípios gerais do direito como:
“Enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para a sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas. Cobrem, desse modo, tanto o campo da pesquisa pura do Direito quanto o de sua atualização prática”. (REALE, p. 300).
Já Robert Alexy (1999 apud CARVALHO, 2008, p.6) diz que princípios “são normas que ordenam que algo seja realizado em uma medida tão ampla quanto possível relativamente a possibilidades fáticas ou jurídicas. Princípios são, portanto, mandamentos de otimização”.
Nos primórdios, os princípios ainda não eram positivados, e sim surgiam do direito natural. Mais tarde começaram a ter previsão nos códigos e só numa etapa posterior é que começaram a ter previsões nas constituições. Tudo isso, passando por um lento e turbulento processo de evolução.
Consoante o magistério de Reale, os princípios são apontados em três grandes categorias:
“a) princípios omnivalentes, quando são válidos para todas as formas de saber, como é o caso dos princípios de identidade e de razão suficiente;
b) princípios plurivalentes, quando aplicáveis a vários campos de conhecimento, como se dá com o princípio de causalidade, essencial às ciências naturais, mas não extensivo a todos os campos do conhecimento;
c) princípios monovalentes, que só valem no âmbito de determinada ciência, como é o caso dos princípios gerais do direito”. (REALE, p. 300).
Nota-se que a utilização dos princípios gerais do direito está cada vez mais constante no Direito Contemporâneo, podendo tal tese ser fundada na freqüente utilização do art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil e art. 8º da Consolidação das Leis do Trabalho. (REALE, 1977).
Como é impossível o legislador prever todas as ações humanas, através do sistema legiferante, sempre restará lacunas que poderão ser supridas pelos princípios gerais do direito. Todavia, é interessante ressaltar que essa não é a única função de tais princípios, já que nosso Direito está repleto de princípios em todas as suas ramificações.
Os de maior importância possuem força de lei, tem a forma de modelos jurídicos, até no âmbito constitucional. Todavia, a maioria deles não contém previsão legal, mas sim doutrinária.
É de grande importância destacar a distinção entre princípios e regras, que são, juntamente com os subprincípios, espécies do gênero norma. Os primeiros são considerados flexíveis, podendo ser graduados, confrontando-os com outros princípios ou subprincípios.
As regras, em contrapartida, são consideradas inflexíveis, insuscetíveis de graduação, podendo ser aplicadas conjuntamente se conciliáveis, contudo haveria embate entre as mesmas caso não pudessem ser consideradas concomitantemente, prevalecendo, dessa forma, a mais adequada ao sistema. Ou seja, as regras se aplicam pelo processo da subsunção e os princípios pela ponderação.
É mister, portanto, que os modelos jurídicos devem ser interpretados e aplicados com fulcro nos princípios, mesmo que aqueles não se ajustem, total ou parcialmente, à relação social onde o magistrado decidirá sobre sua conformação ao direito (REALE, 1977).
Isto posto, conforme leciona Reale:
“Os princípios gerais de Direito põem-se, dessarte, como as bases teóricas ou as razões lógicas do ordenamento jurídico, que deles recebe o seu sentido ético, a sua medida racional e a sua força vital ou histórica” (REALE, p. 313).
3 OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
A constituição pátria é repleta de princípios e foi uma forma do povo assumir um compromisso, através de um ideal político que controla a atividade estatal e particular, objetivando o mesmo fim, qual seja, conformar a sociedade.
Antes de conceituar os princípios constitucionais, é de grande valia diferenciá-los dos princípios gerais do direito. Estes estão inseridos em todo ordenamento jurídico-normativo servindo como alicerce da cultura jurídica humana, já aqueles são designados para serem o paradigma de toda a legislação infraconstitucional, assim como da aplicação das normas constitucionais.
Consoante os ensinamentos de Barros:
“Os princípios constitucionais são normas gerais que se distinguem de regras estritas ou leis comuns. A sociedade fixa valores, sendo transformados em princípios pelo Direito. Estes formam os pilares do sistema jurídico social, são as bases orgânicas do Estado” (BARROS, p. 49).
Canotilho (1995 apud NUCCI, 2006, p.57), conceitua os princípios constitucionais:
“Consideram-se princípios jurídicos fundamentais os princípios historicamente objetivados e progressivamente induzidos na consciência jurídica e que encontram uma recepção expressa ou implícita no texto constitucional.”
Tais princípios são a verdadeira inspiração dos legisladores constituintes, com o intuito de aquilatar as políticas primordiais existentes para a elaboração da constituição, servindo de base para a produção legislativa ordinária e como forma de integrar e interpretar a constituição, além de ser uma garantia para os cidadãos (NUCCI, p. 58).
O princípio ajustado e delimitado pela constituição, tem a função de orientar a aplicação do direito positivo, podendo converter-se em regra quando se reproduz ao subsistema, justamente para tornar-se inflexível. Resta claro, que referida transformação não afasta a existência simultânea entre regras e princípios no mesmo subsistema, que é a ramificação estrutural-normativa do Direito Positivo (BARROS, p. 49).
Alude o magistério de Cretella Neto, os princípios existentes na constituição federal ramificam-se em duas espécies, quais sejam princípios político-constitucionais e princípios jurídico-constitucionais (CRETELLA NETO, p. 48).
Os princípios político-constitucionais são os que revelam as principais políticas e a ideologia principal do Poder Legislativo, quais sejam a forma e a estrutura do estado, a estrutura do regime político e os que caracterizam a forma de governo e a organização política em geral.
Os princípios jurídico-constitucionais são os que corroboram totalmente a ordem jurídica pátria. Receberam o status constitucional através de um processo de transformação histórica e política, adquirindo supremacia em relação aos demais, possuindo notável influência na integração, interpretação, conhecimento e aplicação do direito positivo.
Isto posto, é salutar e importante a utilização de princípios constitucionais, pois como salienta Vieira, “nesses últimos cinqüenta anos, as constituições promulgadas e as suas próprias interpretações destacaram a importância da principiologia” (VIEIRA, p. 121).
4 OS PRINCÍPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS
Os princípios processuais são considerados jurídico-constitucionais, e é de suma importância sua análise teórica, já que os mesmos exprimem influência na vida dos que o utilizam para satisfação de seus direitos e pela conveniência do Estado em provê-la.
Durante todo o desencadear processual faz-se necessária a observância à risca e a efetivação dos preceitos e, principalmente, dos princípios processuais inclusos na constituição.
Existe uma diferença primordial em relação aos termos princípio constitucional aplicado ao direito processual e princípio processual-constitucional. Aquele é considerado um princípio de natureza política, surgindo, a priori, nas constituições, para só num momento futuro adquirir efetividade no direito processual. Entretanto, seguindo um rumo distinto, o princípio processual-constitucional foi formado pela ciência processual, ganhando tamanha notabilidade política que acabou fazendo parte das constituições.
5 O PROCESSO PENAL E SEUS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS: SEGURANÇA JURÍDICA E JURISDICIONAL
Definindo o direito processual penal, destaca-se o magistério de Carvalho (2008, p.1):
“O Direito Processual Penal é o ramo do Direito que sintetiza, de maneira mais marcada, o conflito entre o ius puniendi do Estado e o ius libertatis do particular. Não se trata, pois, de um mero ordenamento acerca da marcha processual, mas, antes de tudo, a exteriorização do modo pelo qual o sistema jurídico-político resolve aquele conflito”.
O código de processo penal atual sofreu considerável influência do momento histórico e político em que foi criado, qual seja, durante a ditadura do Estado Novo, onde prevalecia o interesse do Estado em relação ao do cidadão, sob a égide da constituição de 1937. Deturpando a real finalidade do Estado, ou seja, a busca do bem comum aos cidadãos.
Sobre o momento histórico e político vivenciado no Estado Novo, assevera Vargas (2002, p.117):
“O momento histórico e cultural não podia ser pior quando foi editado o Código de Processo Penal. O País estava em plena ditadura do Estado Novo, havendo, lado a lado, duas realidades: a truculência de um Estado-policial, encarnado pela pessoa de Filinto Müller, e a demagogia do próprio caudilho. No confronto entre a necessidade de segurança e o respeito aos direitos e garantias individuais, a primeira saiu na frente, prevalecendo as idéias de severidade e punição a todo custo, com um interesse pouco menos que nada pela pessoa do delinqüente. O interesse, pelo Estado, no controle social, e, consequentemente, político do país, renegou escancaradamente vários princípios reitores do sistema de direitos e garantias, como se deu com o princípio da igualdade das partes no processo penal”.
Apesar de ter passado por dois momentos democráticos, 1946 e constituição federal de 1988, o código de processo penal demonstra que vive em total ostracismo, não mostrando nenhuma mudança estrutural, revelando um exorbitante conservadorismo, além de uma apreensão da abertura dos rígidos e ultrapassados padrões sociais (VARGAS, 2002)
Como fruto de um contínuo avanço civilizatório da humanidade, dimanado da jurisdicização do jus puniendi do Estado, o processo penal é vinculado à demanda da liberdade, distinguindo-se do direito penal, que possui propriedade repressiva (JARDIM, 2002).
O processo penal possui uma dupla função, quais sejam, a viabilidade da aplicação da pena e consagrar-se como efetivo recurso necessário para a garantia dos direitos e liberdades individuais previstos na constituição, limitando, para isso, a atividade Estatal (LOPES JR, 2005).
O processo penal trabalha com liberdades públicas e direitos indisponíveis, protegendo, sobremaneira, a dignidade da pessoa humana, além de outros interesses como a vida, liberdade e integridade física e moral. Sendo assim, não se pode analisá-lo como uma ciência com estrutura de normas no mesmo patamar das constitucionais. Daí resta necessário, através da visão constitucional de direito e democracia, distinguir direitos e garantias fundamentais, objetivando uma vasta observação do processo penal.
Hodiernamente, objetivando a busca da satisfação dos postulados do Estado Democrático de Direito, é inconcebível a análise do processo penal brasileiro em dissonância com a constituição federal, tendo sua previsão no conjunto dos direitos e garantias fundamentais, funcionando como limitador aos excessos que poderão ser cometidos pelo Estado.
O que se vislumbra é a necessidade da busca por um processo penal democrático, bem definido por Nucci (2006, p.75):
“Cuida-se da visualização do processo penal a partir dos postulados estabelecidos pela Constituição Federal, no contexto dos direitos e garantias fundamentais, adaptando o Código de Processo Penal a essa realidade, ainda que, se preciso for, deixe-se de aplicar legislação infraconstitucional defasada”.
Seguindo a tendência da consideração do aspecto constitucional do processo, leciona João Mendes de Almeida Júnior (1959 apud JARDIM, 2002, p. 308):
“O processo criminal tem seus princípios, suas regras, suas leis fundamentalmente consagradas nas constituições políticas; regras cientificamente deduzidas da natureza das coisas; leis formalmente dispostas para exercer sobre os Juízes um despotismo salutar, que lhes imponha, quase mecanicamente, a imparcialidade. Por isso, todas as constituições políticas consagram, na declaração dos direitos do homem e do cidadão, o solene compromisso de que ninguém será sentenciado senão pela autoridade competente, em virtude e na forma por ela regulada.
As leis do processo são o complemento necessário das leis constitucionais; as formalidades do processo são as atualidades das garantias constitucionais. Se o modo e a forma da realização dessas garantias fossem deixados ao critério das partes ou à discrição dos juízes, a justiça, marchando sem guia, mesmo sob o mais prudente dos árbitros, seria uma ocasião constante de desconfiança e surpresas. É essa a razão pela qual, se os legisladores puderam, em algumas épocas, deixar as penas ao arbítrio dos juízes, nunca deixaram ao mesmo arbítrio as formalidades de suas decisões.”
Visto que cada ramo do direito possui seus princípios próprios, não seria diferente com o processo penal, que os possui, muitas vezes excedendo à própria lei, sendo encontrados preponderantemente na constituição federal, explícita ou implicitamente.
Com a necessidade de garantir a rigidez constitucional, a própria constituição elege os princípios a serem obrigatoriamente abordados pela lei ordinária, já que os valores tutelados pelo processo penal são de suma importância (JARDIM, 2002).
Dentre tais princípios, existem os que dão origem a outros e os que são verdadeiras garantias humanas fundamentais. Demasiados são os que mantêm vínculo com a pessoa humana. Outros são os que orientam a relação processual e ainda há aqueles que controlam a atuação do Estado, não deixando de tutelar, em análise final, a pessoa humana.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de todo o exposto, é salutar, tanto para a segurança jurídica quanto para a jurisdicional, que o processo penal se remeta ao filtro constitucional, com o objetivo de se democratizar, observando-se todos os princípios processuais constitucionais, valorizando juridicamente o indivíduo frente ao Estado, fortalecendo-o, dessa forma, como sujeito passivo.
Portanto, a estrutura de inspiração fascista do código de processo penal, vislumbrada em sua exposição de motivos[1], fica abalada diante da constituição garantista de 1988, tornando-se incompatível com o Estado Democrático de Direito, sendo necessária uma reforma ampla do referido código, sob pena de continuar havendo um contorcionismo jurídico para sua aplicação, levando a um prejuízo da harmonia do sistema, já que deixa margem para um discurso autoritário que nega eficácia a certas garantias fundamentais (LOPES JR, 2005).
Assim, com a democratização do processo penal, o sujeito passivo, passa a ter destaque na relação processual, sendo titular de direitos e deveres, deixando de ser mero objeto.
Informações Sobre o Autor
Flavio Lucio Leite Junior
Assistente Judiciário assessoria jurídica Tribunal de Justiça de São Paulo, Especilista em Ciências Penais – Universidade Federal de Juiz de Fora