Resumo: Este artigo resume, em traços de maior importância para a área da filosofia do direito, o pensamento moderno que versa sobre o direito e a justiça. Através de recortes na historiografia moderna, tomando como base autores como Maquiavel, Bodin, Hobbes, Locke, Montesquieu, Rousseau, Kant, Del Vechio, Tobias Barreto, Radbruch e Nietzsche, o artigo detalha o pensamento moderno do direito, utilizando, em linhas designatórias, o pensamento de cada autor a fim de criar uma generalização da filosofia do direito na idade moderna.[1]
Palavras-Chave: Filosofia; Direito; Idade Moderna.
Abstract: This article aims to resume, according to the most important topics for the study of philosophy of law, the modern thought that treats about law and justice. Through historiography snippets and also based on authors like Machiavelli, Bodin, Hobbes, Locke, Montesquieu, Rousseau, Kant, Del Vechio, Tobias Barreto, Radbruch and Nietzsche, the article intend to flesh out the modern thought of law, using each individual thought of every author like a feature to compose, generally, an idea of the philosophy of law at the modern age.
Keywords: Philosophy; Law; Modern Age.
Sumário: Introdução; 1. O pensamento renascentista; 2. O pensamento de Kant; 3. O pensamento moderno; 4. Nietzsche e o direito; Considerações Finais
Introdução
O presente artigo pretende resumir o pensamento filosófico relacionado ao direito e a justiça na idade moderna. Começando no renascimento, a idade moderna apresenta diversas linhas de pensamento, destacando-se alguns como Maquiavel, Bodin, Hobbes, Locke, Montesquieu, Rousseau, Kant, esses os mais renascentistas e Del Vechio, Tobias Barreto e Radbruch, os mais modernos. Além dos pensamentos tradicionais sobre o direito, pretendo fazer alusão ao direito com o pensamento de Nietzsche, embora ainda seja uma relação não muito estudada.
Vale dizer que está presente neste artigo apenas um recorte de toda a filosofia da Idade Moderna. A idade moderna foi bastante rica na filosofia e, portanto, seria deveras difícil generalizar completamente tal pensamento em poucas páginas. Eis, portanto, uma breve classificação dos pensadores que mais influenciaram o direito em tal período.
O artigo se divide em quatro capítulos: no primeiro, intitulado “O pensamento renascentista”, trato dos pensamentos clássicos da renascença: Maquiavel, Bodin, Hobbes, Locke, Montesquieu e Rousseau; no segundo, “O pensamento de Kant”, comento o pensamento de Kant com mais detalhes; no terceiro, “O pensamento moderno complementar”, trato dos pensadores mais recentes da modernidade e suas ideias que complementam a linha de pensamento geral do período; e, por último, no quarto capítulo, “Nietzsche e o direito”, faço as comparações entre o pensamento de Nietzsche e a filosofia do direito.
O pensamento renascentista
A filosofia do direito na época do renascimento é bastante influenciada pelos pensamentos antigos, acrescida de um fortalecimento do espírito crítico. O período do renascimento pode ser comparado a “uma esplêndida flor brotada de improviso no meio do deserto”. (CHABOD, F. apud BARROS – 2012 – p. 16.) O renascimento foi “uma revivificação das capacidades do homem, um novo despertar da consciência de si próprio e do universo […]”. (SICHEL, E. apud BARROS – 2012 – p. 17.)
Nesse período do pensamento renascentista, destaca-se o pensamento de Maquiavel como o primeiro “a refletir sobre os problemas da ciência política com o espírito da modernidade”. (LEITE, 2008 – p. 99.) Maquiavel revoluciona o pensamento político, o qual tratava anteriormente das questões relativas à polis sob uma perspectiva normativa. O pensamento de Maquiavel rompe com o ideal moral, com fortes influências do cristianismo, presente na Idade Média.
“[Maquiavel] propõe a análise do fenômeno do poder a partir da política concreta, da política pura, distanciando-se do normativismo ético. Isto é, ao invés de uma postura contemplativa face às questões do mando, [Maquiavel] […] constrói suas ponderações alicerçando-se na realidade dos fatos políticos de forma empírica e objetiva. Não se detém na idealização de governos justos, voltando toda sua atenção para a perscrutação fria da política, observando-a, antes de tudo, como o estudo da luta pelo poder.” (BARROS – 2012 – p.60)
Jean Bodin aparece na França durante a época da consolidação da monarquia absolutista. Bodin escreveu a teoria do Estado Moderno, definindo a nova república. A principal atenção de Bodin está relacionada à soberania, classificada como característica essencial do poder da república.
“Mucho difiere la ley del derecho, pues el derecho es bueno porque mira a la equidad sin necesidad de mandamiento expreso, mientras la ley corresponde a la soberanía del gobernante. En efecto, la ley no es otra cosa que un mandamiento del poder soberano.” (BODIN apud CRETELLA JÚNIOR – 2004 – p. 102.)
No pensamento de Bodin, “a doutrina da soberania limita-se à lei humana, pois a lei de Deus e a lei natural são independentes das vontades terrenas”. (LEITE – 2008 – p. 102)
O pensamento de Hobbes está relacionado com alguns problemas vivenciados pelo homem:
“em 1640, publicou um tratado sob o título The elements of law, abrangendo escritos sobre a natureza humana (human nature) e sobre o corpo político (de corpore politico). Em 1642, publica o De Cive, mas, sua obra-prima, que o tornou famoso, foi escrita em 1650, intitulando-se Leviatã, nome retirado do monstro bíblico (Livro de Jó), que tudo devora e que, em sentido figurado, designa algo de formidável, colossal, monstruoso, como o Estado, em sua concepção ” (CRETELLA JÚNIOR – 2004 – p. 130.)
Na teoria do conhecimento, Hobbes afirmava que a experiência era a mãe das ciências, estudando o problema do conhecimento humano a partir de sensações, movimento pelo qual os entes sensíveis afetam o corpo humano. Para Hobbes, o Estado deve ser forte, no mais alto grau, e assumir a forma de um poder absoluto, cuja missão é a de manter a ordem e a paz interna.
O pensamento de Locke, no campo da filosofia e psicologia, é de grande importância. Locke, em sua principal obra, intitulada “Ensaio sobre o entendimento humano”, propõe-se a descobrir a origem, certeza e extensão do conhecimento humano, sustentando a ideia de que a experiência é a fonte única das nossas ideias. Para Locke, “ninguém ao nascer, sadio, criança, louco, selvagem, idiota, traz ideias já formuladas, porque, se assim fosse, não seria necessário adquiri-las. ” (Idem – p. 135.)
A principal ideia adquirida do pensamento de Locke é o inatismo: anima est tabula rasa in qua nihil scriptum est. A experiência vai modificando a tábua rasa e firmando as impressões oriundas dos sentidos.
Montesquieu, autor de Espírito das Leis, propõe uma definição para as leis. “Leis são relações necessárias que derivam da natureza das coisas”. A natureza das coisas para Montesquieu é tomada em acepção totalmente empírica, resultante do passado histórico, integrado por fatos físicos, por tendências e costumes. Montesquieu contribuiu bastante para o mundo jurídico ao apresentar a teoria da divisão tríplice dos poderes, em executivo, legislativo e judiciário, que o autor hauriu do direito inglês, desenvolveu, exemplificou e exaltou. Afastando-se de Aristóteles, Montesquieu distingue três formas de governo: a República, a Monarquia e o Despotismo. (Ibidem – p. 136.)
Rousseau possui a natureza, reino da liberdade, da espontaneidade e da felicidade do homem, como ideal moral. “Rousseau sustentou que as ciências, as letras e as artes são os piores inimigos da moral, criando necessidades, que são fontes de escravidão”. (CRETELLA JÚNIOR – 2004 – p. 138.) O principal problema fomentado pelo Contrato Social é “encontrar uma forma de associação com toda a força comum, e pela qual cada um, unindo-se a todos, só obedece contudo a si mesmo, permanecendo assim tão livre quanto antes”. (RUSSEAU apud CRETELLA JÚNIOR – 2004 – p. 113.) Rousseau acredita poder resolver a questão de como legitimar a situação do homem que, tendo perdido sua liberdade natural, acha-se submetido ao poder político.
O pensamento de Kant
Imanuel Kant é conhecido como o filósofo das três críticas: Crítica da razão pura, Crítica da razão prática e Crítica do juízo. Vale salientar que, para poder entender o pensamento de Kant, é necessária uma maior atenção com a utilização semântica dos vocábulos. Algumas palavras, em Kant, não apresentam o significado usual. Por exemplo: (1) crítica, em vez de significar censura ou reprovação, significa estudo, investigação e pesquisa; (2) puro não tem o sentido de livre de impurezas, mas sim de independente da experiência; portanto, Crítica da razão pura não possui o significado usual das palavras, mas indica uma investigação da razão funcionando independente da experiência. (CRETELLA JÚNIOR – 2004 – p. 141.)
Kant viveu em um momento importante do pensamento moderno, situado na junção de três grandes correntes de ideias: o racionalismo de Descartes e Leibniz, o empirismo de Bekerley e Hume, e a ciência positiva físico-matemática que Newton acabara de estabelecer. O pensamento de Kant pode ser classificado em três grandes épocas: (1) de 1755 a 1770, em que as ideias pessoais de Kant ainda não haviam tomado forma, partilhando das ideias filosóficas predominantes na Alemanha; (2) de 1770 a 1790, em que podemos traçar um esboço da filosofia kantiana, a qual estabelece a distinção entre o mundo dos fenômenos e o mundo dos númenos, como resultado de uma concepção inteiramente original do espaço e do tempo; e (3), de 1790 a 1800, em que se mantém de pé as premissas da filosofia kantiana, confirmando a postura contra a metafísica, estabelecendo uma doutrina de filosofia especulativa e moral. (Idem – p. 141.)
Como podemos perceber, a filosofia de Kant é um misto de vários pensamentos da época. Podemos citar como exemplo das influências do pensamento kantiano o racionalismo dogmático[2] e o empirismo cético[3]. O problema principal da filosofia de Kant é o conhecimento. Kant afirma que o conhecimento implica uma correlação entre um sujeito e um objeto. Nessa relação, os dados objetivos não são captados por nossa mente tais quais são, mas configurados pelo modo com que a sensibilidade e o entendimento os apreendem. Portanto, para Kant, a coisa em si, o númeno, é incognoscível. Só conhecemos o ser das coisas na medida em que nos aparecem, isto é, enquanto fenômeno. Para Kant, tudo o que existe, inclusive o conhecimento, integra-se por dois ingredientes: matéria e forma. O que depende do próprio objeto constitui a matéria e o que depende do sujeito constitui a forma. A matéria é a posteriori e a forma é a priori. (LEITE – 2008 – p. 120.)
“A razão estabelece a conduta do homem, mas ele só age moralmente porque é livre. A liberdade é o que há de essencial para a fundação de sua moralidade, para o desenvolvimento de sua racionalidade. Para Kant, é a liberdade que harmoniza o homem, pois apesar de todas as determinações impostas do meio exterior, ainda é capaz de recusá-las em prol da moralidade. A razão o faz senhor de si.” (PEREIRA et PEREIRA – 2012)
Para Kant, a ideia do direito é o que conduz à filosofia crítica, teórica e prática. O direito se ocupa da legislação prática externa de uma pessoa em relação à outra. Ele realiza a liberdade do agir externo na convivência com os demais, visto que no direito o que é fundamental é que a ação se exteriorize. O direito é a forma universal da coexistência das liberdades individuais. O direito é o instrumento necessário ao estabelecimento de uma ordem em que seja possível o exercício da liberdade universal igual. Tanto mais justa é uma lei quanto mais ela se aproxima da racionalidade e realiza com isso a liberdade. Kant faz a distinção entre a legislação moral e a legislação jurídica, entre ação moral e ação jurídica. Para ele, a legislação moral implica em obedecer às leis do dever independente de qualquer inclinação. Isso faz com que uma ação seja moral, coerente com o dever, portanto, cumprida por dever. Em contrapartida, a legislação jurídica aceita que uma ação possa ser cumprida em conformidade ao dever, sem se interessar pelas inclinações ou interesses que a determinam, cuidando simplesmente de sua legalidade. Assim, quando o homem age de determinada forma – porque é seu dever, está fazendo cumprir a lei moral. (Idem.)
Kant diferencia moral de direito. A moralidade acontece no âmbito interno (liberdade interna), que faz do homem seu próprio legislador. O direito acontece no âmbito da liberdade externa, entendida como liberdade jurídica que “é a faculdade de agir no mundo externo não sendo impedidos pela liberdade igual dos demais seres humanos livres como eu, interna e externamente”. (BOBBIO – 1997 – p. 58)
“Ao considerar o homem como seu próprio legislador, Kant reconhece nele a autonomia da vontade, responsável por sua dignidade e diretora da consciência do que deve ou não fazer. O homem deixa de ser “marionete” na mão do outro para ser seu próprio “EU”, para “realmente” se fazer homem, determinar por si suas próprias ações. ” (PEREIRA et PEREIRA – 2012)
O pensamento moderno complementar
Da parte mais moderna do pensamento filosófico, falaremos de alguns autores importantes. Giorgio Del Vechio, nascido em Bolonha, em 1878, investiga o campo do direito, apontando os fatos e as normas jurídicas como manifestações de uma duplicidade necessária: os atos dos homens são atos naturais, imantados para uma subjetividade universal, mas esta, por sua vez, é orientada no sentido dos atos naturais, que encerram o ciclo. Na Alemanha, Gustavo Radbruch, é o representante da filosofia dos valores. Pretendeu ensinar o “como” a filosofia do direito, a fim de estimular o pensamento filosófico-jurídico nos estudiosos. (CRETELLA JÚNIOR – 2004 – p. 160.)
No Brasil, podemos falar de Tobias Barreto, o qual afirmou que “o Brasil não tem cabeça filosófica”. Incrédulo no pensamento filosófico brasileiro, Tobias Barreto afirma ainda que “não há domínio algum da atividade intelectual em que o espírito brasileiro se mostre tão acanhado, tão frívolo e infecundo como no domínio filosófico”. Diferentemente da opinião de Tobias Barreto, acredita-se que a filosofia brasileira do direito não apresenta um déficit de “cabeças filosóficas” e, dia após dia, vem adquirindo prestígio de caráter internacional, ainda que esteja no começo de tal trajetória.
Nietzsche e o direito
A relação entre Nietzsche e o direito ainda é pouco estudada. Contudo, é possível fazer uma alusão entre Nietzsche e os conceitos de moral e justiça. As palavras principais da filosofia nietzschiana são bem e mal. De acordo com Nietzsche, as concepções de bem e mal, certo e errado, são criações humanas e, por isso, têm uma história e, ao contar essa história, Nietzsche coloca o ser humano como o centro das decisões e criações. A justiça, de acordo com o conceito de Nietzsche, é pensada relacionada ao conceito de bom. O que é bom?
“A filosofia tradicionalmente respondeu afirmativamente a essa pergunta, criando definições metafísicas e absolutas para estabelecer o que é bom como algo verdadeiro. Com a força da verdade um valor se tornava inquestionável, e a justiça, entendida como cumprimento de tal valor, tornava-se legitimada de forma absoluta.” (CAMARGO – 2011.)
Nietzsche, porém, em sua genealogia da moral, afirma que:
“[…] o juízo de ‘bom’ não provém daqueles aos quais se fez o ‘bem’! Foram os ‘bons’ mesmo, isto é, os nobres, poderosos, superiores em posição e pensamento, que sentiram e estabeleceram a si e a seus atos como bons, ou seja, de primeira ordem, em oposição a tudo o que era baixo, e vulgar e plebeu. Desse pathos da distância é que eles tomaram para si o direito de criar valores, cunhar nomes para os valores: que lhes importava a utilidade!” (NIETZSCHE – 1999.)
Nietzsche quer dizer que os valores foram criados pelos nobres a partir de sua própria vontade.
Através dessa breve reflexão, podemos perceber uma forte característica filosófica no pensamento de Nietzsche sobre a justiça: para ele, o bom (justo) é uma criação dos nobres. Não existe, portanto uma equidade de conceitos enquanto houver disparidade de poder, ou seja, o que é bom (justo) sempre será determinado pelo maior poder. Um exemplo: o sistema vindicativo era considerado como justo, pois os nobres, os quais possuíam maior poder, determinaram a valoração das vendetas. Hoje, o sistema vindicativo não é considerado como justo, pois o Estado é detentor de um poder maior e caracteriza o sistema vindicativo como injusto. A justiça estará sempre relacionada com o poder e o poder com a justiça. Sistematizando, pois, temos uma relação entre o bem (justo) para os detentores do poder e o mal (injusto) para os quais não apresentam poderio.
Considerações Finais
Conforme foi afirmado anteriormente, não é fácil generalizar o pensamento filosófico sobre o direito na Idade Moderna. Contudo, para um fim teorético, podemos afirmar que a Idade Moderna foi, para o direito, o berço do pensamento ontológico. As relações entre o ser foram excessivamente estudadas pelos pensadores modernos, com o propósito de determinar o ser enquanto membro da sociedade, assim como o nascimento e a aplicação do direito natural. A partir do renascimento, os pensamentos do direito estão voltados para essa função social, ainda que sob diferentes óticas.
Eis, pois, o motivo da seleção de tais pensadores para compor o resumo do pensamento moderno: a relação dos mesmos com a função social estudada na Idade Moderna. Maquiavel e Bodin focalizaram seus estudos no ser enquanto instrumento de poder; Hobbes, Locke, Montesquieu e Russeau tomaram como objetivo a natureza humana e o direito natural; Nietzsche e Kant, por fim, trabalharam a razão. Faz-se tal afirmação sem dúvidas sobre o fato do pensamento de todos esses filósofos se estender a grandes outras áreas, contudo, para a filosofia do direito, estas são as mais importantes. É através do poder, da natureza humana e da razão que é possível traçar as características de um pensamento filosófico moderno voltado para o direito.
Portanto, é possível generalizar o pensamento filosófico da idade moderna em três grandes polos: as relações de poder, as relações da natureza humana e do direito natural e as relações da razão. Essa filosofia tripartida constitui, então, o alicerce do pensamento relativo ao direito na filosofia moderna.
Informações Sobre o Autor
Victor Alexandre Costa de Holanda Ramos
Acadêmico de direito na Universidade Estadual da Paraíba