Resumo: O presente artigo trata de uma pesquisa sintética sobre a evolução das teorias sobre o tipo penal, com maior ênfase nas teorias modernas. Serão apresentados os entendimentos de respeitáveis doutrinadores sobre a natureza e elementos constitutivos do tipo, levantamento este, relevante ao contemporâneo estudo científico do crime.
Palavras chave: Tipo penal. Causalismo. Teoria Finalista. Funcionalismo. Tipicidade Conglobante.
Abstract: This article is abridged research on the evolution of the theories of criminal type, with greater emphasis on modern theories. Understandings of respectable scholars about the nature and components of the type, this survey, relevant to contemporary scientific study of crime will be presented.
Keywords: Criminal type. Causalism. Finalist Theory. Functionalism. Conglobante Typicality.
Sumário: Introdução. 1. Teoria causalista. 2. Welzel e a teoria finalista. 3. O funcionalismo moderado de Roxin. 4. Teoria da tipicidade conglobante de Zaffaroni. 5. Tipo penal na teoria constitucionalista. 5.1. Tipicidade formal. 5.1.1. A conduta humana. 5.1.2. Adequação típica. 5.1.3. Resultado naturalístico. 5.1.4 Nexo de causalidade. 5.1.5. Juízo de imputação. 5.2. Tipicidade material normativa. 5.2.1. Desaprovação da conduta. 5.2.2. Desaprovação do resultado. 5.3. Elementos subjetivos do tipo. 5.3.1. Elemento geral – dolo. 5.3.2. Teorias do dolo. 5.3.3. Dolo eventual e culpa consciente. 5.4. Elementos subjetivos específicos do tipo. 6. O erro de tipo. 7. Causas de justificação exculpantes. 8. O princípio da insignificância. Conclusão. Referências bibliográficas. Notas.
INTRODUÇÃO
Hodiernamente o primeiro elemento a ser aferido para a caracterização do crime diz respeito ao fato típico em análise, ou seja, quando uma conduta (ação ou omissão) humana se enquadra com a norma definida em abstrato pelo legislador como ilícita e se tal ilicitude é passível da intervenção penal, com a ressalva de que se apresentem todos os elementos subjetivos e objetivos inerentes ao tipo.
Para elaboração deste artigo, foi realizada pesquisa por meio do tipo qualitativo, na forma sistemática e analítica, baseada em pesquisas, com ênfase em breves compilações do que já foi exposto por doutrinadores de renome na seara jurídica sobre o tipo penal na configuração da conduta penalmente relevante.
A par do que foi exposto, é de se ressaltar a importância de uma apurada pesquisa, uma vez que, segundo a teoria analítica do delito, nos termos do crime como um fato típico, antijurídico e culpável, verifica-se que cada um desses objetos (tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade) requer profunda análise configurando-se tema dos mais complexos na ciência do Direito.
1. TEORIA CAUSALISTA
O estudo do tipo como elemento independente, formador do crime em um conjunto formado por tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade, tem como revolucionário ponto de partida, em 1906, a teoria de Ernest Von Beling (BITTENCOURT, 2010 pp. 299-302) visto que, anteriormente à BELING, o crime era definido em termos de “injusto contra o qual o Estado Comina pena, e o injusto, quer se trate de delito do Direito Civil, quer se trate do injusto criminal, isto é, o crime é a ação culposa e contrária ao Direito” (VON LISZT, 1899, p. 183). (grifos nossos).
Ao apresentar o tipo sob uma perspectiva causalista, BELING, (FLÁVIO GOMES; ANTÔNIO PABLOS, 2010, p. 158), considerava a incidência típica penal, apenas em seu aspecto objetivo, não cabendo uma interpretação normativa, a fazer um cotejo entre descrição do tipo penal e elementos subjetivos ou valorativos, de tal modo que a conduta típica se completaria apenas na descrição literal do dispositivo penal.
Nesse raciocínio o douto Beling (1930, pp. 73-74) assevera in verbis:
“Assim, o direito penal atual se reduz a um catálogo tipos penais. A ilegalidade e a culpa permanecem e notas conceituais ação punível, mas concorda com eles, tal como uma característica externa, a ‘tipicidade’ (adaptação de catálogo)[1]. (tradução livre). (grifos nossos)”.
Seguindo, por sua vez, o pensamento Neokantista, MAYER, considerava o tipo como elemento autônomo da antijuridicidade, porém via aquele elemento como indiciário deste, de forma que a tipicidade revela um indício de antijuridicidade (FLÁVIO GOMES; ANTÔNIO PABLOS, 2010, p. 158). Através de critérios normativos, entretanto, alguns tipos, além de descrever uma ação física, teriam em si o que o autor denominou "elementos normativos do tipo" (REALE JÚNIOR, 2009, pp. 135-137).
Por meio de uma estrutura bipartida do delito, SAUER e MEZGUER defendiam a fusão entre a tipicidade e antijuridicidade. O tipo seria, desta forma, a "antijuridicidade tipificada" (WELZEL, apud SAUER, 2001, p. 97), em que "tipo e antijuridicidade, realização do tipo e injusto, elemento do tipo e antijuridicidade são, respectivamente, idênticos" (idem, p. 68).
Nesse rumo ministra o culto Mezguer (1958, p. 80), ad litteram:
“’Tipicidade’ não é, nesta correlação um elemento independente (substancial) do delito, mas somente um adjetivo adicionado a estes elementos básicos: ’ação típica’, ’antijuridicidade típica’ e ’culpabilidade típica’. (tradução livre)”.[2]
Nesse diapasão, no que o ínclito doutrinador supracitado (1958, p. 82) se referiu como "teoria da ilegalidade", no injusto, a conduta criminosa é ação antijurídica, a apresentar um aspecto externo "(injusto objetivo)" bem como um aspecto interno "(elementos subjetivos do injusto)".
2. WELZEL E A TEORIA FINALISTA
A mudança trazida pela teoria finalista, que tem Hans Welzel como principal exponente, foi o surgimento do conceito de culpabilidade normativa pura, deslocando o dolo e a culpa, antes descritos como presentes na culpabilidade (BITTENCOURT, 2010, p. 402).
O dolo e a culpa não eram mais considerados como espécies de culpabilidade como afirmava a teoria psicológica, ou como elementos da culpabilidade, como defendia a teoria psicológico normativa, mas passaram a fazer parte do elemento tipo no crime, caracterizando os tipos dolosos e culposos (ibdem).
A esse propósito, para o renomado Welzel o fato típico requer: 1. conduta dolosa ou culposa (o tipo não e neutro, e um tipo de injusto e o dolo e culpa passam a fazer parte da conduta); 2. resultado naturalístico (nos crimes materiais); 3. nexo de causalidade (entre a conduta e o resultado); 4. adequação do fato a letra da lei (relação de tipicidade). O tipo penal, a partir do finalismo, passou a ser complexo e contava com duas dimensões: a objetiva (ou formal) e a subjetiva (esta ultima integrada pelo dolo ou pela culpa) (FLÁVIO GOMES; ANTÔNIO PABLOS 2010, p. 162). (grifos nossos).
Defendia Welzel (2009, p. 61) que, pelos moldes da teoria finalista, os tipos se apresentam como tipos "fechados", constituindo a ideia de "que a própria lei deve descrever de modo exaustivo a matéria de proibição (o tipo)" e como tipos "abertos", característicos da maior parte dos delitos culposos e omissivos impróprios.
3. O FUNCIONALISMO MODERADO DE ROXIN
Retomando ao neokantismo dos anos 1930, porém com a ressalva de valoração orientada não por normas de cultura, mas pelo viés político-criminal em razão dos fins da pena, Claus Roxin propôs, através de se sistema "funcional" ou "racional segundo objetivos" a substituição do tipo objetivo causal pela criação de um risco não permitido pela norma protetora em razão de uma valoração jurídica (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2010, p. 352).
A corroborar o exposto acima insta transcrever o renomado Roxin (1979, p. 268), ipsis litteris:
“Por isso, não é verdade dizer que a questão do injusto é conectado à determinação prévia de um tipo completamente neutro em sua valoração, mas que é precisamente o contrário: em princípio se encontra um juízo legislativo de desvalor que se reflete nas disposições penais concretas[3]. (tradução livre)”.
Como defendia Roxin, para a inclusão da imputação objetiva na seara normativa do tipo, esta imputação apenas se prazerá através de dois requisitos: a imputação penal restrita ao sujeito que cria ou incrementa um risco proibido e, a necessidade de nexo entre o agente e o resultado em função do risco proibido (FLÁVIO GOMES, 2013a, p. 7).
Por sua vez, Welzel preconizou o fato típico em dimensão objetiva ou formal, composta de conduta, resultado naturalístico, nexo de causalidade e adequação típica formal, além de uma dimensão subjetiva, formada por dolo ou culpa (FLÁVIO GOMES; ANTÔNIO PABLOS, 2010, p. 163).
A partir da teoria de Roxin foi acrescentada uma terceira dimensão, a definir o tipo em uma dimensão formal, uma material (em que se encontra a culpa, caracterizada pela criação ou implemento de um risco proibido) e uma dimensão subjetiva (composta do dolo e os requisitos subjetivos) (ibdem).
4. TEORIA DA TIPICIDADE CONGLOBANTE DE ZAFFARONI
A maior contribuição da teoria as denominada tipicidade conglobante, com maestria defendida pelo preclaro Zaffaroni se deu em razão de analisar a tipicidade objetiva em um aspecto sistemático, através da presença dos elementos do tipo, e em um aspecto conglobante, ou seja, do fato em função das normas do ordenamento jurídico como um todo, excetuando-se as causas excludentes de tipicidade, na conclusão de que “o que está permitido, ou fomentado, ou determinado por uma norma não pode estar proibido por outra” (FLÁVIO GOMES, 2013, pp. 189-190).
Zaffaroni e Pierangeli (2010, p. 232), para exemplificar a tipicidade conglobante, narram o fato do ofício de justiça, ao proceder apreensão de uma obra de arte devidamente respaldada pelos trâmites legais. Segundo a maioria da doutrina o oficial de justiça estaria amparado pela excludente de ilicitude do estrito cumprimento de um dever legal.
Porém refuta o ilustre doutrinador que, em verdade a conduta do oficial de justiça seria atípica, como impende destacar verbis:
“Para nós, esta resposta é inadmissível, porque tipicidade implica antinormatividade (contrariedade à norma) e não podemos admitir que na ordem normativa uma norma ordene o que outra proíbe. Uma ordem normativa, na qual uma norma possa ordenar o que a outra pode proibir, deixa de ser ordem e de ser normativa e torna-se uma ‘desordem’ arbitrária. As normas jurídicas não "vivem" isoladas, mas num entrelaçamento em que umas limitam as outras, e não podem ignorar-se mutuamente (ibdem)”.
Asseveram Flávio Gomes e Antônio Pablos (2010, p. 165) que, para Zaffaroni, o tipo objetivo é composto pelo tipo sistemático e o tipo conglobante, sendo que a tipicidade conglobante, em razão de sua conflitividade, trata tanto da lesividade quanto da imputação objetiva “(criação ou implemento de riscos proibidos)”.
5. TIPO PENAL NA TEORIA CONSTITUCIONALISTA
Tratando-se dos mais recentes estudos sobre o tipo penal, emerge a teoria adotada por Flávio Gomes (2013a p. 7), denominada teoria constitucionalista do Direito, "fundada na inevitável aproximação e integração entre o Direito Penal e a Constituição".
Sem descartar a contribuição levantada ao longo da História pelos mais variados e respeitados doutrinadores a respeito da construção do tipo, segundo o eminente mestre supracitado, (FLÁVIO GOMES, 2013b pp. 3-4) para a teoria constitucionalista o tipo penal divide-se em três segmentos:
1) tipicidade formal (conduta humana voluntária, subsunção literal entre conduta e a lei; resultado naturalístico, presente em crimes materiais; nexo de causalidade entre conduta e resultado naturalístico; juízo de imputação).
2) Tipicidade material normativa (desaprovação da conduta e desaprovação do resultado)
3) Tipicidade subjetiva (presente nos crimes dolosos, caracterizada pelo dolo e outros requisitos subjetivos especiais do tipo).
Em regra, a teoria constitucionalista considera a tipicidade como uma expressão provisória da antijuridicidade. A exceção se dá quando a antijuridicidade vem descrita no próprio tipo penal, se concluindo que o fato por ser típico, de igual forma é antijurídico. "Expressões como indevidamente, sem justa causa, sem autorização legal, etc. denotam a presença da antijuridicidade dentro da própria descrição típica" (FLÁVIO GOMES; ANTÔNIO PABLOS, 2010, pp. 168-169).
A conduta humana, no que pese a denominação do renomado Aníbal Bruno (1967, p. 293) referir-se a "ação", engloba tanto às condutas comissivas, quanto omissivas, razão pela qual, a esse propósito insta trazer à baila as palavras do referido doutrinador, verbis:
“O comportamento humano que constitui a ação pode manifestar-se por uma atitude positiva, um fazer do agente, ação em sentido estrito, ou por uma atitude negativa, um não fazer, que é a omissão. Ação é assim, um termo genérico, que compreende as duas formas possíveis do comportamento do agente”. (grifos nossos).
Acrescentando o acima exposto, com propriedade ensina Bittencourt (2010, p. 311) que "o núcleo objetivo de todo crime é a ação". Seguindo ainda este raciocínio, afirma que a ação pode ser descrita no tipo como uma atividade humana, classificada como crime formal, ou como uma atividade que produza um resultado exterior, classificada como crime material ou de resultado.
Trata-se da Tatbestand ou tipo legal, como bem lecionado por Flávio Gomes (2013b, p.2), da descrição literal do fato a ofender um bem jurídico, fato este negativamente valorado pelo legislador, aplicado como forma de respeito ao princípio da legalidade.
Mesmo que superada em certos aspectos, a teoria de Beling, em seu tempo, com propriedade já concebia que "toda figura delitiva autônoma é constituída de uma pluralidade de elementos, os quais encontram correspondentes em lei"[4] (BELING, p. 76). (tradução livre).
Para a concretização do princípio da legalidade é imprescindível que a conduta esteja prevista em um tipo legal, pois, No que preconiza Aníbal Bruno (1967, p. 327), a conduta típica é a descrição de "figuras penais", presentes na parte especial dos códigos, e como "tipicidade é essa conformidade do fato àquela imagem diretriz traçada na lei", uma vez que a conduta não esteja de acordo com o tipo penal, a constatação da ilicitude e da culpabilidade como elementos do crime seria um esforço desnecessário.
5.1.3. RESULTADO NATURALÍSTICO
Von Liszt (1899, p. 27) ao constatar que não se pode punir alguém apenas pelo seu pensamento, vincula a o crime à vontade humana que opere uma mudança no mundo exterior, um resultado.
Os crimes de resultado ou materiais, presentes na maioria dos tipos se referem a um resultado, ao contrário dos delitos formais, em que a constatação do resultado é indiferente para o tipo (BELING, 1930, p. 79). A conduta voluntária adequada ao tipo, se demonstra através dos efeitos exteriores produzidos e "capturados pela norma penal"[5] (ibdem, p. 94).
Nesse passo, faz-se mister trazer à colação o culto Welzel (2001, pp. 33-34), que ministra, verbo ad verbum:
“De acordo com a antecipação mental do fim, a seleção dos meios e a consideração dos efeitos concomitantes, o autor leva a cabo sua ação no mundo real. Põe em movimento, conforme um plano, os meios da ação anteriormente escolhidos (fatores causais), cujo resultado é o fim junto com os efeitos concomitantes que foram incluídos no complexo total a ser realizado”.
De forma que, para se captar o momento consumativo nos delitos de resultado, tem que se apresentar um resultado natural, que ocorre no momento da ação com o respectivo resultado conseqüente, "dai que só se deve, portanto, reputar como resultado relevante o efeito que faz parte do tipo penal."(REALE JÚNIOR, 2009 p. 244.) (grifo do autor).
Nos termos do que se encontra disposto no artigo 13 do Código Penal Brasileiro, "O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido". (NUCCI, 2010, p. 143), ao comentar o referido artigo, conceitua a relação de causalidade no tipo penal como a ligação entre o agente e o resultado por ele gerado dotado de relevância.
Importante instrumento para o estudo do nexo de causalidade se apresenta a teoria da equivalência das condições ou da conditio sine qua non em que, segundo valiosa lição do douto Aníbal Bruno (1967, p. 309), verbis:
“Causa não é o conjunto individual das condições, mas qualquer delas, desde que necessária à produção do resultado, uma vez que todas se equivalem, e pôr uma delas importa em assumir um nexo causal com o resultado. Só em pôr essa condição, o atuar do agente se fez causa do fato ocorrido. O decisivo é que sem essa condição o resultado não pudesse ocorrer como ocorreu. Que, eliminada mentalmente a condição, desaparecesse do mesmo modo o resultado – o chamado processo hipotético de eliminação”. (grifos nossos).
A conditio sine qua non parte de um conceito causal ontológico, excluindo, por um processo de eliminação, toda condição que não seja determinante do resultado, ou como entende Welzel (1956, p. 49), uma "fórmula heurística" em são que levantadas uma pluralidade de condições, e que "cada uma dessas condições são igualmente necessárias para o resultado e neste sentido, todas as condições são causalmente 'equivalentes' (por isso 'teoria da equivalência')".(tradução livre).
Zaffaroni e Pirangeli (2010, p. 411) prelecionam que, obrigatória se faz a busca de um limite para relevância causal da tipicidade, vez que a mesma encontra-se na categoria do ser e, se não operada esta limitação, segundo os autores, a tipicidade poderia recair até Adão e Eva, por terem causado o pecado original.
O juízo de imputação não se confunde com a causação. Como bem define Flávio Gomes, Antônio Pablos (2010, p. 161), a causação é meramente objetiva, formal, causa exclusivamente uma modificação ao fato perceptível aos sentidos; a imputação, por sua vez, pertence a esfera axiológica, normativa, e depende de um juízo valorativo.
A esse propósito, necessário se faz mencionar o preclaro Aníbal Bruno (1967, p. 331) que ministra, in verbis:
“A maioria dos elementos que concorrem na composição do tipo são elementos objetivos, elementos que descrevem o aspecto externo do que deve ser o fato punível, a ação com o seu objeto e as circunstâncias acessórias típicas que se realizam objetivamente e podem ser percebidas pela simples capacidade de conhecer, sem ser preciso utilizar nenhum recurso de julgamento: matar alguém, subtrair uma coisa, participar de rixa. Mas estes mesmos elementos nem sempre são puramente objetivos: às vezes exigem para o seu entendimento uma apreciação particular do julgador e se incluem, então, entre os elementos normativos, ou alguns se põem em posição intermediária entre os objetivos e os normativos puros, como diz MEZGER”.
O juízo de imputação é, desta forma, uma verificação de natureza positiva, em caso de tipicidade, e negativa, em caso de atipicidade, de forma que a constatação será positiva quando o fato concreto preencher todos os requisitos para que se afirme a ocorrência de uma determinada ofensa a um bem jurídico. (FLÁVIO GOMES, 2013a, p. 4).
5.2. TIPICIDADE MATERIAL NORMATIVA
5.2.1. DESAPROVAÇÃO DA CONDUTA
O desvalor da conduta tem como referência a teoria do risco proibido de Roxin (FLÁVIO GOMES, ANTÔNIO PABLOS, 2010, p. 146), porém Welzel (2011, p. 73) também tratou este elemento no âmbito da adequação social, em que a conduta, mesmo que lesione um bem jurídico e desde que essa lesão seja socialmente aceita, não será considerada uma ação típica.
O douto mestre (WELZEL, 1956, p. 1-2), ainda nesse sentido, leciona, verbis:
“O objeto do direito penal protege os valores básicos da vida em comunidade. Toda ação humana, no bem e no mal, está sujeita a dois aspectos diferentes de valor. Por um lado, pode ser valorada de acordo com o resultado alcançado (valor do resultado ou valor material), por outro lado, independentemente do resultado da ação, no sentido da atividade em si mesma (valor da ação)”[6].
Descrevendo a teoria de Roxin, Flávio Gomes e Antônio Pablos (2010, p. 181), declaram que o juízo de desaprovação da conduta dotada de relevância penal, pertence a dimensão material do tipo penal. Uma vez constatada a conduta como requisito formal do fato típico, passa-se a aferir os aspectos materiais, entre eles se o juízo de valoração da conduta "é fundado no critério da criação (ou incremento) de riscos proibidos relevantes" (FLÁVIO GOMES; ANTÔNIO PABLOS, 2010, p. 181).
No que diz respeito ao consentimento do ofendido, a atipicidade ou não da conduta dirá respeito a disponibilidade do bem jurídico e ao risco permitido (ibdem, p. 202).
Como bem ilustra o eminente Von Liszt (1899, p. 245), ao tratar do consentimento do ofendido, obtempera, ad litteram:
“A ofensa de um bem jurídico com o consentimento do ofendido só exclui a ilegalidade do ato, quando e até onde o direito publico permite a disposição de tal bem, e o titular, são de espírito, dele dispõe seriamente. Entende-se que a ordem jurídica nega o poder de dispor, quando liga ao bem em questão uma importância que vai além da pessoa do respectivo titular”.
Ratificando o acima exposto, instrui Roxin (1979, p. 283) que “por certo existe uma diferença essencial entre matar um mosquito e um assassinato em legítima defesa com uma arma de fogo[7]”. Tal assertiva se refere à diferença de valoração dos elementos do Direito, em que a desaprovação pela conduta pode repercutir ou não na esfera jurídico-penal, desde que considerada negativamente no meio social.
5.2.2. DESAPROVAÇÃO DO RESULTADO
Enquanto que, na desaprovação da conduta, se verifica a valoração negativa de condutas não aceitas socialmente, ou seja, a criação ou implemento de um risco não permitido, na desaprovação do resultado é valorada positiva ou negativamente a conduta em razão da gravidade da ofensa (FLÁVIO GOMES, 2013, p. 185).
Ainda no que aduzem Flávio Sanches e Antônio Pablos (2010, p. 187), o bem jurídico é o objeto atingido de forma intolerável na conduta com resultado desvalorado, como ministram, in verbis:
“(…) partimos da premissa de que jamais existe delito sem essa ofensa ao bem jurídico (ou seja: sem resultado jurídico desvalioso). Logo, para nos, não ha crime sem resultado jurídico. Essa postura dogmática, diga-se de passagem, e a que mais se coaduna com o disposto no art. 13 do CP, que diz: ‘O resultado, de que depende a existência do crime, só é imputável a quem lhe deu causa’. Pela própria literalidade do citado diploma legal nota-se que não há crime sem resultado (jurídico)”.(grifos nossos).
Segundo o entendimento de Aníbal Bruno (1967, pp. 14 e seg.), é através da proteção aos bens jurídicos que o Direito Penal promove a defesa da sociedade. Os bens jurídicos são assim, para o autor, valores fundamentais individuais ou sociais tutelados pelo Direito em geral e, de forma mais contundente, pelo Direito Penal.
Flávio Gomes e Antônio Pablos (2010, p. 48) apresentam o seguinte esquema para que se possa afirmar que determinado resultado é desaprovado juridicamente, o qual é de todo oportuno transcrever, ver ad verbum:
“O resultado jurídico é desaprovado (desvalioso) quando: (a) real ou concreto (em virtude do princípio da ofensividade está proibido no Direito Penal o perigo abstrato); (b) transcendental (afetação de terceiros – princípio da alteralidade); (c) grave (resultado insignificante está regido pelo princípio da insignificância); (d) intolerável (resultados tolerados não são juridicamente relevantes); (e) objetivamente imputável ao risco criado pelo agente e (f) está no âmbito de proteção da norma”.
Utilizando o exemplo da colocação de brinco que, formalmente se enquadra no tipo lesão corporal, porém materialmente trata-se de fato atípico, Nucci (2010, p. 160) com propriedade assevera que nesse e em outros casos análogos, a doutrina faz uso dos princípios da insignificância e da adequação social, uma vez que “com relação a adequação social, pode-se sustentar que uma conduta aceita e aprovada consensualmente pela sociedade, ainda que não se constitua em causa de justificação, pode ser entendida como não lesiva ao bem jurídico tutelado”.
Ainda, nesse interim, ao discorrer sobre tipo formal e tipo material, Nucci (idem, p. 170), expõe o tipo formal como tipo legal do crime, a descrição literal entre conduta e a norma presente na Parte Especial do Código Penal. Por sua vez, ao relatar o tipo material, o apresenta tanto em função da adequação social, quando em relação à capacidade de lesão que possa infringir a bens jurídicos.
5.3. ELEMENTOS SUBJETIVOS DO TIPO
Segundo prescrição de Welzel (1956, p. 43) "’dolo’" como conceito jurídico é aquela vontade finalista de uma ação que está dirigida para a realização das características objetivas de um tipo de injusto”[8]. (tradução livre).
Previsto no Código Penal Brasileiro, em seu artigo 18, I: "quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo" (BRASIL, 1984), o dolo foi objeto de pesquisa de Hungria (1978, p. 542), a lecionar o dolo em dois elementos, quais sejam, um cognitivo, relativo ao conhecimento do injusto e outro volitivo, ou a vontade de realizar o referido injusto.
Nesse rumo Ilustrando a importância da dogmática sobre o dolo, impende a lição do ilustre Welzel (2011, p. 85), in verbis:
“Se alguém dá um disparo, que passa próximo a outrem, esse processo causal externo pode ser uma tentativa de homicídio, uma tentativa de lesões corporais ou um disparo em local proibido (n. 7 do art. 368), de acordo com o dolo do autor. O dolo é, sem dúvida alguma, um elemento do tipo, sem o qual não pode ser constatada a tipicidade do acontecer externo”.
Quanto à culpa presente no tipo penal, defendem Flávio Gomes e Antônio Pablos (2010, pp. 146-147) que a mesma não faz parte da dimensão subjetiva do tipo (dolo e ocasionais requisitos subjetivos), mas sim da dimensão material se exaurindo na constatação do momento fático e axiológico.
Para a teoria da vontade, considerada clássica, o dolo se traduz na vontade de realizar uma ação, não por se tratar de violação à lei, mas com vistas a um resultado (BITTENCOURT, 2010, p. 315).
Em se tratando da teoria da representação, defendida entre outros por Von Liszt (ibdem), para a configuração do dolo basta a representação de uma probabilidade ou certeza do resultado. Von Liszt (1899, p.270) assegurava que "o resultado é, antes de tudo, imputável, quando o ato é doloso, isto é, quando o agente o pratica, apesar de prever o resultado."
Por sua vez, pela teoria do consentimento, vontade e representação estão unidos, pois existe a necessidade de junção entre o conhecimento da possibilidade do resultado e o assentimento por esse resultado (REALE JÚNIOR, 2009, p. 225).
O Código Penal Brasileiro, no que acorda a maioria da doutrina, com relação ao dolo direto, em que o agente representa e quer o resultado, acolhe a teoria da vontade. Por sua vez, com relação ao dolo eventual, em que o sujeito mesmo sem a vontade de ocorrência do resultado, assume e aceita o risco de produzi-lo, acolhe a teoria do consentimento (FLÁVIO GOMES; ANTÔNIO PABLOS, 2010, p. 255).
5.3.3. DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE
Em um primeiro momento esses institutos podem parecer iguais, mas diferem à medida que, no dolo eventual, mesmo que a vontade não esteja voltada ao resultado, a sua ocorrência é previsível e aceita. “Dessa forma, a ação não tem o fim direto de cometer crime, que se mostra, no entanto, como eventual”, tem como critério a possibilidade do agente em representar a probabilidade ou possibilidade de ocorrência de um resultado e mesmo assim agir aceitando-o (REALE JÚNIOR, 2009, p. 225).
Na culpa consciente a ocorrência do resultado é previsível, porém o agente confia que, por sua habilidade, não advirá o resultado negativo, não age com indiferença ao bem jurídico, como ocorre no dolo eventual, pois, “caso o agente representasse como certo o resultado não prosseguiria” (FLÁVIO GOMES; ANTÔNIO PABLOS, 2010, p. 254).
5.4. ELEMENTOS SUBJETIVOS ESPECÍFICOS DO TIPO
Também denominados tipos assimétricos, por exceder o dolo, os elementos subjetivos do tipo se caracterizam por ser um enfoque subjetivo do autor determinante na valoração da conduta (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2010, p. 435) pois, como o douto Welzel, corroborando o acima anunciado, aduz (1956, p. 83) ipsis litteris:
“Assim, a subtração de uma coisa alheia é uma atividade dirigida para um fim e dominada pelo dolo; o seu sentido ético social é, no entanto, absolutamente distinto se é realizada com o objetivo de uso transitório ou com o propósito de apropriação: apenas no último caso existe o desvalor ético social do furto. (tradução livre)”[9].
A intenção diferenciada exige um animus específico do agente, imprescindível a certos tipos penais, que define determinados crimes em função desta intenção especial, que “pode ser expressa (CP, art. 158[10], v.g) ou implícita (crimes contra a honra)” (FLÁVIO GOMES; ANTÔNIO PABLOS, 2010, p. 256).
Os elementos subjetivos podem se encontrar nos delitos de intenção (BITTENCOURT, 2010, p. 322). Ao aduzir que “o médico que pratica um exame ginecológico pode agir juridicamente com o fim de diagnóstico ou tratamento, ou antijuridicamente para satisfação de desejos libidinosos” (ANÍBAL BRUNO, 1967, p. 347) demonstra que, apesar do tipo não contemplar um requisito subjetivo específico do agente, o fato se tornará penalmente relevante por força de sua intenção.
Quanto aos delitos de atitude, caracterizados pelos estados anímicos "com crueldade, traição, inescrupulosamente, etc." indicam a intensidade do dolo para a valoração da culpabilidade (FLÁVIO GOMES; ANTÔNIO PABLOS, 2010, p. 260).
Com previsão legal no Código Penal Brasileiro, em seu artigo 20[11], O erro de tipo consiste em uma falsa representação sobre "os elementos objetivos do tipo penal, abrangendo qualificadoras, causas de aumento e agravantes", excluindo, desta forma, o dolo podendo, quando previsto legalmente, levar à punição à título de culpa[12] (NUCCI, 2010, p. 220).
7. CAUSAS DE JUSTIFICAÇÃO EXCULPANTES
Também denominadas discriminantes putativas, essas causas de justificação ocorrem quando o agente supõe de forma equivocada, agir amparado por uma excludente de antijuridicidade que, caso correspondesse a realidade, seria legítima (BITTENCOURT, 2009, p. 64).
Tendo entre outros defensores, o douto Welzel, a teoria extrema da culpabilidade, define que, nas descriminantes putativas, falta ao sujeito a consciência de ilicitude de sua ação, excluindo a culpabilidade do agente (REALE JUNIOR, 2009, p. 200).
Por sua vez, segundo teoria limitada da culpabilidade, quando o autor age em erro permissivo, o mesmo pratica um fato atípico, ou seja, quem age em erro acreditando agir amparado por uma excludente antijuridicidade atua sem dolo, vez que “a consciência da antijuridicidade pertence ao tipo quando provém do conhecimento da ausência de uma causa de justificação, enquanto a parte restante dela pertence à culpabilidade” (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2010, p. 618).
Defende Reale Júnior que a posição adotada pelo ordenamento penal brasileiro foi a da teoria limitada da culpabilidade, o que pode ser atestado na Exposição de Motivos do Código Penal Brasileiro[13] (REALE JÚNIOR, 2009, p. 2020).
8. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
O que a doutrina moderna denominou primeiramente por meio de ROXIN, como princípio da insignificância, (FLÁVIO GOMES 2013, p. 53), o referido princípio se aplica quando realizado um cotejo entre a lesão efetiva e grave ao bem jurídico e a necessidade de intervenção penal. Em razão desta ponderação, mesmo em uma conduta tipicamente formal, uma vez verificada a desproporcionalidade entre a conduta ilícita e a necessidade da implantação de um processo penal, o Princípio da Insignificância se impõe, por não se apresentar a relevância material exigível pelo tipo. (BITTENCOURT, 2010, pp. 326-327).
Difere a natureza jurídica do princípio da insignificância com o do princípio da irrelevância penal do fato, vez que o princípio da insignificância encontra previsão legal de forma excepcional, e.g. arts. 240, § 1º (furto atenuado)[14] e artigo 209, § 6º (lesão corporal levíssima)[15], do Código Penal Militar. Seus postulados são frutos de “pura criação jurisprudencial” com fundamentação doutrinária de fundo eminentemente principiológico, enquanto que o princípio da irrelevância penal do fato encontra expressa previsão legal no artigo 59 do Código Penal[16]. (FLÁVIO GOMES; ANTÔNIO PABLOS, 2010, p. 220).
Quanto à aplicação, o princípio da insignificância se perfaz em aspectos objetivos afastando ab initio a persecução penal, pela atipicidade do fato. O princípio da irrelevância, por sua vez, se aplica a posteriori, de acordo com aspectos pessoais do agente “(culpabilidade, vida anterior, antecedentes criminais, ocasionalidade da infração, primariedade, restituição da res ou ressarcimento, etc.)” afastando a necessidade de aplicação da pena. (ibdem).
Por derradeiro, cumpre destacar a necessidade de um maior aprofundamento na grade curricular das academias de Direito sobre as teorias do tipo penal, impedindo a propagação no magistério universitário de uma visão predominante exegética, em que aos bacharéis é apresentada um Direito Penal bitolado, sem o devido aprofundamento teórico crítico, engessado em uma interpretação sob o viés da legalidade estrita.
Devido, em grande parte, à deficiência acadêmica supracitada, se verifica que, quando determinada conduta se apresenta eivada de reprovação social, geralmente a primeira questão a se levantar é se tal conduta encontra previsão na legislação penal. Para o leigo e, infelizmente para alguns operadores do Direito, a resposta se encontra na “letra da Lei”, simples subsunção entre a conduta e a coerção imposta pelo legislador, levando um grande número de cidadãos a enfrentar não só a um procedimento judicial penoso e desnecessário como a uma condenação injusta.
Por mais que seja considerada ultrapassada determinada teoria a respeito do tipo, não há como negar a contribuição dos autores citados neste artigo e de outros mais não mencionados que, em suas épocas e contextos sociais, contribuíram de forma inestimável à difusão do pensamento científico.
Tais estudos, resguardadas as devidas divergências teóricas, levaram ao entendimento sobre a conduta típica, de uma relação puramente causalista e objetiva, passando pela consideração da finalidade da ação e omissão humanas, desaguando em sua relação teleológica e principiológica com as normas, notadamente com os preceitos garantistas constitucionais.
O Direito não deve ser estático e, em maior razão por se tratar de ciência humana e de sua extrema importância no entendimento e pacificação das relações sociais, urge a evolução de seus conceitos. Nesta evolução de ideias têm que estar contidas teses sobre o tipo penal, elemento este que inaugura a análise do crime e sua aplicação em um Estado Democrático de Direito, na defesa de defesa dos direitos fundamentais.
Informações Sobre o Autor
Flávio Emanoel Rangel de Oliveira
Bacharel em Direito pela AESO-Faculades integradas Barros Melo; Pós Graduando em Ciências Criminais pela Universidade Anhanguera-Uniderp-Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes