Currículo e formação: A ressignificação da prática jurídica na formação de docentes

Resumo: O presente artigo trata da importância do currículo na formação do docente do curso de direito. Como o impacto e as implicações da formação continuada refletem diretamente na vida acadêmica do estudante bacharel em direito. Com uma abordagem filosófica e histórica do ensino jurídico desde sua implantação em 1827 até a sua atualidade, o Texto busca fazer um paralelo com o currículo acadêmico jurídico. Ressalta que o professor docente, é na maioria das vezes, mergulhado em um ambiente instável de desvalorização profissional além de ter que cumprir exigências imediatistas de um mercado de trabalho frenético e competitivo. Ainda com fortes tendências tradicional, o ensino jurídico reforça modelos passados quando forma bacharéis simplesmente para o mercado de trabalho. O curso, ao longo dos anos, vem convivendo com obstáculos como a difícil realidade de formar com lacunas que, em muitos casos, estão com concepções curriculares desatualizadas e descontextualizadas da práxis, sem ter uma estrutura dinâmica e interdisciplinar, reforçando assim um modelo de currículo que nega um ensino emancipatório, reflexivo e autônomo. O objetivo do artigo é demonstrar as repercussões na vida profissional de docentes e discentes, haja vista que o currículo  é um instrumento pedagógico-metodológico é indispensável para a construção da identidade e (in)formação docente.[1]

PALAVRAS-CHAVE: ensino jurídico, currículo, formação continuada, docente.

1. INTRODUÇÃO

A história do ensino jurídico, de um modo geral, aponta que tem sido objeto de análise ao longo dos anos. Com a contribuição de fenômenos antropólogos, filósofos, sociólogos e culturais é possível traçar uma linha investigativa e documental por trazer ideias, métodos e curiosidades sobre o tema. No Brasil, o ensino jurídico passou por fases marcantes como a imperial, a República Nova e a da democratização brasileira com a Constituição de 88. Na verdade não se conseguiu implantar, em solo brasileiro, um sistema educacional superior eficaz nem se tinha preocupação com o currículo e a formação do docente que fazia parte deste universo.

Nos meados do século XVI, a sociedade capitalista emerge trazendo o homem como um ser de negócios. Para a formação deste homem, em nosso caso especialmente o jurista, seria necessário um sistema educativo que levasse em consideração um currículo voltado para essa realidade. O currículo passou a servir como suporte para reforçar padrões sócios vigentes, mas sabe-se que o currículo não é uma realidade abstrata, à margem do sistema sócio-econômico, da cultura e do sistema educativo no qual se desenvolve e para o qual é proposto. Quando se define o currículo, estão sendo descritas as funções concretas da própria escola e uma forma particular de focá-las, em um momento histórico e social.

Atualmente, nota-se uma complexidade na realidade de vida do professor jurista juntamente com o currículo ligado a sua formação. Por um lado há uma luta constante por uma desvalorização do profissional em educação e a qualidade desse serviço, por outro lado existe uma indefinição e indiferença no cenário político brasileiro em relação à educação e seus profissionais. É certo que esse quadro é histórico, mas estamos vendo uma crescente desta situação a cada passo que prossegue.

De acordo com Sucupira na primeira metade do século XIX, havia uma grande precariedade na formação docente e, também, uma pequena demanda para o preenchimento de cargos, no âmbito do magistério, devido, sobretudo, à baixa remuneração oferecida.

Campos (2002) enfoca que, neste mesmo período, o exercício do magistério estava mais vinculado a uma concepção de sacerdócio e vocação, do que uma real profissionalização. Por isso, considerava-se importante valorizar dons especiais e, sobretudo, atributos morais e princípios religiosos sem ter uma preocupação efetiva com a formação e qualidade de ensino.

Bittar (2004) diz que o ensino jurídico, ainda com fortes tendências tradicional, reforça modelos passados quando formas docentes simplesmente para o mercado de trabalho. Chama o ensino jurídico de mercadurizado por sofrer e ceder a pressões econômicas tornando-se “fábrica de adestramento”.  E é justamente por esse liame que ressignificar a formação do docente é de fundamental importância para que se tome consciência de uma visão crítica reflexiva que leve ao diálogo entre teoria e prática com uma dinâmica interdisciplinar. 

Perpassa por essa realidade então a formação continuada do docente que mergulhado em um ambiente instável de desvalorização profissional e tendo que cumprir exigências imediatistas de um mercado de trabalho frenético e competitivo, vem ao longo desses anos convivendo com obstáculos como a difícil realidade dos cursos de formação com suas lacunas que, na maioria das vezes, estão com concepções curriculares desatualizadas e descontextualizadas da práxis, reforçando assim um currículo que nega um ensino emancipatório, reflexivo e autônomo. Além disso, são carregados de mecanismos discriminatórios e hegemônicos.

Essa desarticulação na formação do professor contribuiu para uma descontinuidade na formação do aluno que, em um mundo globalizado, exige uma prática que ressignifique sua teoria a partir de vivências com a prática.

O papel docente no processo curricular é extrema importância. Ele é um dos grandes artífices, na construção de currículos que se materializam na sala de aula. Daí a necessidade desse profissional da educação jurídica participar critica e reflexivamente na elaboração curricular em suas instituições.

Moreira (2006), em seus estudos destaca a preocupação entre currículo, cultura e conhecimento escolar. Para ele a esfera “cultural não pode ser mais esquecida”.

Assim, o tema deste artigo por si só já é de grande relevância para a educação e sociedade e tem como objetivo demonstrar as repercussões na vida profissional de docentes e discentes, haja vista que o currículo é um instrumento pedagógico-metodológico indispensável para a construção da identidade e (in) formação docente. Falar em educação é falar de formação continuada. È através do fazer contínuo que a prática docente sofrerá mudanças significativas.

2. CURRÍCULO E FORMAÇÃO JURÍDICA

O binômio currículo e formação de docentes apontam para um retorno a compreensão de uma prática do professor que é tido como mediador do saber educacional. Este em sua trajetória tem a oportunidade de construir e reconstruir conhecimentos a partir de suas experiências formativas e profissionais.

O professor desempenha papel importante na estruturação e produção do conhecimento, visto que reflete na interação com o educando, com a escola e família. Com isso entende-se que o docente em formação jurídica não é um mero técnico que estabelece regras e normas e está sempre com receita pronta de teorias a serem aplicadas. Pelo contrário, deve ser construtor de novos conhecimentos que emergem da reflexão-ação da pratica.

Falar sobre formação docente é relatar o cotidiano educacional a partir do currículo, é trabalhar com experiências práticas, relacionando-as com situações reflexivas.

Neste caso torna-se pertinente lembrar Paulo Freire (1996) quando nos alerta que “na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática”. A Pedagogia de Freire por trazer esse caráter de ação-reflexão-ação na prática pedagógica se aproxima mais da abordagem autobiográfica.

O ensino jurídico, na maioria das vezes, esta levando o educando ao conformismo e apatia. Não há liberdade, reflexão e autonomia. Ao invés de um ensino para a emancipação vê-se um retrocesso à medida que a mera transmissão de conhecimento ainda é vista em alguns centros de ensino. Discentes preocupados em cumprir currículo estabelecido, esfera burocrática superando a esfera pedagógica. Bittar (2004) afirma que as faculdades não “formam operadores jurídicos, mas operadores do sistema.”

A proliferação indiscriminada dos cursos jurídicos tem levado inevitavelmente a uma queda na qualidade de ensino. A democratização e acesso do ensino superior como prevê a Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9394/06 não contava com os baixos desempenhos destas instituições que, em sua grande maioria, não se preocupam com critérios para sua qualificação.

Ensina Medina: (2003) que:

“A formação jurídica está em xeque, sem dúvida, em consequência da proliferação indiscriminada de cursos, e da inevitável queda de qualidade…” (MEDINA 2003)

Nessa perspectiva levantamos então questionamentos sobre realidade que circula no mundo acadêmico jurídico. O que se tem feito com os conhecimentos adquiridos em formações? Que legado esses professores que passam por formações tem deixado? Como mensurar conhecimentos obtidos em formação na práxis? Quais caminhos devem-se seguir? Que currículo deve-se implantar?

Nesse sentido olhar a formação continuada de docentes é analisar a trajetória formativa de professores na perspectiva de refletir acerca dos possíveis diálogos entre saberes da formação e a prática. Revelando especificidades curriculares. O professor deve ter m em mente que seu papel essencial é ser professor independente de ser um profissional liberal.

A educação como proceso formativo, dialógico e formador, supõe necesariamente troca de conhecimentos, mas também desenvolvimiento de habilidades, competências e valores. Segundo Forquin(1989), esses elementos designan “conteúdos da educação” . Assim, educação não pressupõe somente aquisição de saber, mas aquisição de novos saberes e novas expressões culturais. É nesse contexto reprodutivo ou produtivo que emerge o currículo acadêmico. O ensino jurídico requer metodologia dinâmica ligada  e aliando teoria e prática onde a troca de saberes levará a um reflexão mútua.

Habermas chama a sociedade para um novo modelo de racionalidade. Propõe uma intersubjetividade processual discursiva para a reconstrução da racionalidade moderna. O autor ensina que a sociedade atual vive de forma automatizada e engessada, necessitando de processos contínuos de diálogos e formas comuns de agir. Acreditar na pluralidade da interação de sujeitos, uma ação comunicativa para a superação de uma prática jurídica deficiente e distante. É de fundamental importância trazer para o uso do currículo acadêmico o discurso ético também citado pelo autor. Os reflexos desta falta de diálogo tem provocado a formação de bacharéis em direito técnico e burocrata.

3. FORMAÇÃO DE PROFESSORES: RETROSPECTIVA HISTÓRICA

Não se pode falar em formação de professores sem antes fazer uma retrospectiva desse assunto na história. Não venho aqui querer recuperar toda trajetória sobre o tema, mas tento mantê-lo mais vivo em nossas memórias.

Os primeiros ensaios sobre formação de professores ocorreram no século XVII com o maior pedagogo daquele século, Jan Comenius. Naquele século Comenius já falava em formação de professores através das Academias. Falava em universalização dos estudos e do ensino de tudo para todos.

Andando mais pela história vemos que o período conhecido como moderno que foi marcado pela difusão das ideais liberais, defendia uma maior oferta do ensino gratuito e obrigatório para classes populares. Esses fatores impulsionaram o processo de formação de professores. Somente a partir da Revolução Francesa e com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, um legado importantíssimo para a humanidade, torna-se realidade a implantação de uma escola normal, sob a responsabilidade do Estado. Contudo, essa iniciativa se universaliza, de fato,  se dá apenas no século XIX, através da multiplicação dessas escolas, em todo o velho continente.

Até meados do século XIX, não existia cursos jurídicos no Brasil. Era da Universidade portuguesa de Coimbra que saíam os juristas brasileiros, dentre eles cita-se Alexandre Gusmão, José Monteiro de Noronha e outros grandes homens como Gregório de Matos, Basílio da Gama, Alvarenga Peixoto.

Nada fácil para os brasileiros que tinham de atravessar o Atlântico para estudar, percebe-se, contudo que o acesso à formação superior ficava restrito a camada economicamente mais favorecida do país.

Em 1772, o ensino jurídico foi fortemente influenciado pela reforma educacional conhecida como reforma Pombalina, seus efeitos repercutiram aqui também no Brasil. Dentre algumas medidas destaca-se a extinção das escolas jesuítas, criou aulas avulsas, aulas régias com um único professor e criou a figura de Diretor Geral dos Estudos para fiscalizar as ações do professor.

Por outro lado as transformações liberais na Europa,trouxe influências para os alunos brasileiros, os quais, traziam esses conhecimentos para a sociedade brasileira.Como esses ocupariam cargos de relevância na estrutura do estado imperial, as posições ideológicas liberais absorvidas na Faculdade de Coimbra, influenciaria no currículo das primeiras escolas jurídicas brasileiras.

 Em 11 de agosto de 1827, criou-se os dois primeiros cursos de ciências jurídicas e sociais do Brasil um em São Paulo e outro em Olinda. Foi aí em Recife que formou Augusto Teixeira de Freitas. O currículo jurídico brasileiro teve forte influência liberal com um currículo único. Os estudos nos últimos anos seriam destinados ao direito civil, economia política e prática processual.

De acordo com Sucupira havia, nessa época, uma grande precariedade na formação docente e, também, uma pequena demanda para o preenchimento de cargos, no âmbito do magistério, devido, sobretudo, à baixa remuneração oferecida.

No período republicano passa a vigorar um decreto Prudente de Morais que aprova o Estatuto das Faculdades de Direito da República que unifica modelo que deveria ser adotado por todas as faculdades independentemente de diferenças regionais. Na República Velha ainda observava o ensino jurídico distante, burocrático e distante da prática social.

No início do século XIX o Brasil tinha, além das Faculdades de Direito, tinha a Faculdade de Medicina e de Engenharia no Rio de Janeiro.  Visconde de Cachoeira, criou um regulamento para o funcionamento dos cursos superiores. Ingressavam nos cursos os filhos de grandes latifundiários perpetuando, assim o status quo dominante e formando o grupo burocrático do país.

Na década de 30 o ensino superiro passou por mais um a reforma, a Reforma Francisco Campos que institucionalizou a universidade nos estados brasileiros, porem, o ensino jurídico continuava fechado e centralizado, não aberto a mudanças.

De acordo com Damis (2002), nessa época, a formação dos profissionais da educação no Brasil, em nível superior, embora prevista ficasse, geralmente, apenas, no papel.

A partir de 1942 o estado brasileiro criou mais cursos de Direito. Este começa a sofrer mudanças a partir de severas críticas do texto Renovação do Direito de Dantas. Ele dizia que os cursos não passavam de “museus de princípios e práticas” distantes da realidade social e servindo como veículo de propagação da elite dominante.

O professor Filho, (1997) publica texto fazendo severa crítica à educação jurídica. Para ele o ensino jurídico estava longe de encontrar seu caminho por não aliar teoria a prática.

Assim com esse resgate ao passado, percebe-se quanto à formação de professores iniciou de forma errônea, sem objetivos específicos e descompromissados com o currículo a prática educativa. O professor em educação era escolhido não pela capacidade que tinha em exercer a profissão, mas por aquilo que julgavam se necessário. As reformas que surgiram ao longo dos anos também não refletiram mudanças significativas na formação de professores. Foi só na Constituição de 88 e com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9394/96 é que começou haver sinais de uma quebra de paradigmas permitindo uma democratização e organização do ensino superior.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não só a formação do estudante de direito, mas também o ensino brasileiro nunca foi colocado como prioridade em nosso país, haja vista as tentativas de unificação curricular linear e presa em um legalismo positivista e tecnicista que ingressa a formação educacional deixando pouca ou nenhuma margem a reflexiva.

Se quisermos professores qualificados, críticos e capazes nos cursos jurídicos e para que haja uma relação dialógica nas academias, faz-se necessário buscar um currículo com mudanças estruturais profundas. Tomando como base as ideias de Paulo Freire, servem como orientação para o processo de formação de docentes, pois constantemente se refere à reflexão crítica da Prática que implica em saber escutar e dialogar. Supõe o respeito pelo saber do educando e reconhece a identidade cultural de cada um.

De acordo com Freire teoria e prática andam juntos. Freire diz em seu livro que precisamos de uma teoria que traga impressões do mundo real. (Freire, 1979, p.93).

Percebe-se que a para um currículo bem estruturado e professores qualificados este currículo deve ter caráter transformador e só através desta transformação haverá possibilidade dela cumprir sua função de reflexão sobre a realidade concreta..

A fundamentação, teoria e prática numa relação de unidade, impõem-se como uma relação dialética, pois se a ação-reflexão-ação estiver ausente perde-se o ápice do processo de conscientização onde o educador se descobrirá autêntico com todo o significado profundo que essa descoberta acarreta.

Diante dessas afirmações, é esclarecedor e indispensável para o educador considerar que nesta perspectiva se conseguirá superar a tendência tão frequente de trabalhar teoria e prática dissociadas entre si. Para tanto, é necessário que o educador compreenda que teoria e prática não se separam, ou seja, o vínculo teoria e prática formam um todo onde o saber tem um caráter libertador.

Para tanto, o pensamento pedagógico de Paulo Freire (1983) e Habermas aponta para a comunicação, como princípio que transforma o homem em sujeito de sua própria história através de uma relação dialética vivida na sua inserção na natureza e na cultura, diferenciando-o dos outros animais. Esse processo de integração interativa é significativo quando vinculado ao diálogo que contém no seu cerne ação e reflexão, levando o homem a novos níveis de consciência e, consequentemente, a novas formas de ação.

A fórmula que contém os elementos constitutivos para a análise do diálogo é esta: Teoria/Prática; Discurso/Ação; Pensar/Agir; Pensamento/Ato.

A partir desta visão, observa-se que a comunicação é possuidora de um caráter problematizador que gera consciência crítica e, através do diálogo como o dado da problematização, busca-se o compromisso de transformação da realidade.

Assim sendo, todo ato educativo é um ato político, assim como, a comunicação é uma relação social, uma prática social transformadora e eminentemente política.

É sobre esta base que os currículos e a formação docente e discente devem enfatizar o ato pedagógico, como uma ação que não consiste em comunicar o mundo, mas criar dialogicamente, um conhecimento do mundo, isto é, o diálogo que leva o homem a se comunicar com a realidade e a aprofundar a sua tomada de consciência sobre a mesma até perceber qual será sua práxis na realidade opressora para desnudá-la e transformá-la.

 

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Notas:
[1] Trabalho apresentado no VI Seminário de Produção Científica, realizado em 6 de dezembro de 2013. Professora Orientadora Isabela Leal. FBB.


Informações Sobre o Autor

Itamara Velma Pereira Santos

Acadêmica de Direito na FBB. Pedagoga


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