Resumo: Apresenta o regulamento da advocacia no Reino Unido e País de Gales e as mudanças trazidas pelo novo regulamento, a Legal Services Act, de 2007, com destaque para alternative business structure, que permite que não-advogados sejam donos ou gerenciem escritórios de advocacia. Apresenta as funções e divisões de especialidades na advocacia daqueles países, juntamente com as funções dos respectivos órgãos reguladores. Descreve a origem e as motivações da Legal Services Act. Expõe a estrutura da Legal Services Act, apontando seus objetivos, os órgãos regulatórios do mercado jurídico e da advocacia, o órgão que representa os consumidores, as atividades reservadas do advogado e demais assuntos regulatórios. Define a alternative business structure a partir de sua previsão na Legal Services Act e informações prestadas pelo respectivo órgão regulatório. Divulga dados sobre o impacto da alternative business structure no mercado da advocacia do Reino Unido e País de Gales. Conclui que o Estatuto da Advocacia do Brasil não permite escritórios no formato da alternative business structure. Aponta algumas dos desafios enfrentados pelo advogado nos dias atuais. Finaliza apresentando reflexões sobre o futuro da advocacia.
Palavras-chave: Sociedade de advogados. Administração. Legislação inglesa.
Abstract: This paper exposes the England and Wales lawyer’s regulatory system and the impact of the Legal Services Act 2007. It focuses the alternative business structure, which allows ownership and management of firms by non-lawyers. It presents the activities and different regulatory parts of lawyers. It describes the history and the reasons of the Legal Services Act. It reports the Legal Service Act structure which its goals, lawyer’s regulatory system and the consumer panel. It defines the alternative business structure as from its legal provision at the Legal Service Act and data provided by its regulatory body. It discloses information about market impacts of the alternative business structure. It concludes that the Brazilian’s regulatory body forbids alternative business structure firms. It points some of challenges of nowadays lawyers and it points some reflection on the future of lawyers.
Key words: Legal firms. Management. English law.
Sumário: 1. Introdução. 2. O regulamento da advocacia na Inglaterra e País de Gales. 3. A origem do legal Service Act. 4. A estrutra da legal Service Act. 5. Alternative business structure. 5.1. Definição de alternative business structure. 5.2. O impacto da ABS no mercado da advocacia da Inglaterra e País de Gales. 6. O modelo da ABS e a advocacia brasileira. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O exercício profissional da advocacia tem sofrido grandes mudanças neste começo de século XXI. Dentre os grandes desafios, cite-se a utilização de novas tecnologias nos processos, o aumento do número de profissionais, a insatisfatória qualidade do ensino jurídico, os novos direitos do cidadão, em meio a tantos outros.
Os advogados da Inglaterra e País de Gales defrontaram-se com outro desafio: a extrema concentração do mercado de prestação de serviços jurídicos naqueles países.
Em resposta a este problema, outorgou-se a Legal Service Act (LSA) em 2007, cuja implementação iniciou-se em 2011, onde, em meio a várias mudanças, criou a alternative business structure (ABS), que permite que não-advogados invistam em escritórios de advocacia. O não-advogado pode ser dono, gerenciar e gerir um escritório.
Trata-se de uma verdadeira abertura de mercado no mundo dos escritórios de advocacia, e poderá ser divisor de águas na forma de geri-los.
O breve estudo busca apresentar o funcionamento do regulamento da advocacia na Inglaterra e Países de Gales e o impacto da alternative business structure no mercado da advocacia naquelas localidades.
Inicialmente, será exposto o regulamento da advocacia na Inglaterra e País de Gales, que difere do regulamento no Brasil. Lá, os advogados dividem-se em advogados de aconselhamento e de litígio e ainda, classificam-se de acordo com suas especialidades, cada qual com seu respectivo órgão representativo e regulatório.
Em seguida, expor-se-á o histórico e os motivos da Legal Service Act e uma breve e despretensiosa exposição da estrutura da lei, enumerando seus principais assuntos a fim de localizar a alternative business structure dentro de seu contexto geral .
Finalmente, será apresentada a definição da alternative business structure e o impacto dessa nova forma de propriedade e gestão de escritórios de advocacia no mercado dos serviços jurídicos da Inglaterra e País de Gales, seguindo informações constantes do relatório da Legal Service Board, órgão regulatório máximo daqueles países.
Por fim, apresenta-se uma comparação entre as leis da Inglaterra e País de Gales e brasileira sobre a propriedade e gestão dos escritórios de advocacia.
O objetivo deste trabalho é, tão-somente, apresentar uma nova forma de gestão dos escritórios de advocacia e alertar sobre as mudanças que acontecem mundo afora.
Afinal, o mundo do século XXI está perdendo suas fronteiras e por tal motivo, cada vez mais, as mudanças que acontecem em diferentes países podem influir nos acontecimentos locais.
2. O regulamento da advocacia na Inglaterra e País de Gales
Na Inglaterra e País de Gales, existem dois tipos de advogado (lawyer), que são habilitados para exercer diferentes funções e são representados por órgãos diversos. Desse modo, há o barrister e o solicitor.
A função do barrister consiste em prestar assessoria jurídica e representar os clientes perante o tribunal, além de escrever aconselhamentos jurídicos.
Em geral, as tarefas do barrister são: aconselhar clientes sobre a lei; negociar com a parte contrária em caso de tentativa de acordo; participar de conferências com clientes para discutir a situação e problemas do cliente e prestar assessoria jurídica; representar o cliente perante o tribunal, que inclui apresentar o caso, interrogar a testemunha e argumentar perante o juiz.[1]
Cerca de 80% (oitenta por cento) dos barrister trabalham autonomamente[2] e 10% (dez por cento) são conselheiros da rainha.[3]
O exercício da advocacia barrister é regulada pela The Bar Council. Além da atividade regulatória, a The Bar Council representa os barristers e promove a qualidade dos serviços de advocacia e aconselhamento, o justo acesso á justiça, a ética, equidade e a diversidade no exercício da profissão, além do desenvolvimento de oportunidades de negócios para os barristers nos respectivos países e no estrangeiro.[4]
O outro tipo de advogado é o solicitor, que tem por função aconselhar os clientes. A atividade do solicitor consiste em assessorar na compra e venda de imóveis; assessorar em matéria de família; casos criminais; acompanhar transações corporativas e disputas empresariais.[5]
A The Law Societ representa os solicitors no Reino Unido e País de Gales. A Law Society inclui a Solicitors Regulation Authority, que por seu turno, lida com todas as matérias regulatórias e disciplinares.
Comumente o cliente procura o solicitor para lhe prestar aconselhamentos e, caso a questão chegue ao tribunal, contratam o barrister. Somente o solicitor com alto direito de audiência pode defender o cliente no tribunal. O barrister sempre pode defender seu cliente perante os tribunais, inclusive diante das cortes superiores.
3. A origem do Legal Services Act
O mercado da advocacia no Reino Unido e País de Gales encontrava-se bastante concentrado.
50% (cinquenta por cento) dos maiores escritórios do Reino Unido e País de Gales faturam em torno de 12 (doze) bilhões de libras por ano. Esses maiores escritórios representam apenas 0,5 % (meio por cento) do mercado da advocacia, e angariam quase 50% (cinquenta por cento) de todos os honorários advocatícios percebidos naqueles países (MAYSON, 2008, p. 01).
Os maiores escritórios também empregam um terço de todos os barrister e solicitors que trabalham na iniciativa privada (MAYSON, 2008, p. 01).
Diante desse quadro de imensa concentração de mercado, a nova regulamentação buscava balancear a proteção ao consumidor, refém do monopólio dos grandes escritórios, e promover a competição, conforme relatório da Legal Services Board. A LSA coloca o consumidor no coração do sistema regulatório, delimita o citado relatório (UNITED KINGDOM AND WALES, 2012, p. 09)
Em 2001, realizou-se um relatório Competition in the Professionions, onde se concluiu que o regulamento a advocacia era anacrônico, inflexível, muito complexo e não permitia as devidas responsabilizações (ELLIOT, 2013).
Diante desse relatório, o Labour Government reagiu e nomeou Sir David Clementi, diretor do Banco da Inglaterra para produzir um relatório independente a respeito do modelo regulatório das profissões.
O relatório de Sir Clementi, o Legal Services Review, foi publicado em 2004 e criticava o regulamento da advocacia, concluindo que era muito complexo, exatamente como descrevera o relatório anterior.
Além disso, o relatório também concluiu que as profissões, em geral, estão sofrendo devido à grande competição e inovação.
Suas conclusões e soluções apresentadas no relatório foram recebidas pelo governo e transplantadas para o Legal Services Act (LSA) em 20 de outubro de 2007.
4. A ESTRUTURA DA LEGAL SERVICE ACT (LSA)
A LSA está formulada sobre oito objetivos, sucedâneo de seis dos objetivos do relatório de Sir Clementi: a) proteger e promover o interesse público; b) efetivar o princípio constitucional do devido processo legal; c) aumentar o acesso à justiça; d) proteger e promover o interesse dos consumidores; e) estimular a competitividade; f) encorajar uma independente, forte, diversificada e efetiva advocacia; g) estimular o entendimento do público em geral sobre seus direitos e deveres; h) promover e manter a adesão aos princípios profissionais (Chapter 29, Part 1)..
Em sua segunda parte, a LSA constitui a Legal Services Board, que tem função regulatória. Além da missão de zelar pela regulamentação da profissão, a Board, como é denominado pela LSA, tem a tarefa de apresentar o relatório anual, que deve tratar da distribuição das funções da Board; a opinião sobre o cumprimento (ou não) dos objetivos regulatórios e outras matérias designadas pelo Lord Chanceller (Chapter 29, Part 2, THE LEGAL SERVICES BOARD).
Foi criado ainda o Consumer Panel. De acordo com a LSA, a Board selecionará, com a concordância do Lord Chanceller, um grupo de pessoas que representarão o interesse dos consumidores. Existem algumas restrições para a escolha das pessoas (Chapter 29, Part 2, 8, 5 a-i), como, por exemplo, o representante dos consumidores não pode ser membro da Board ou compor seu quadro de funcionários; não pode ser advogado ou solicitor na Escócia; dentre outras restrições referentes á relação do representante com órgãos do governo e entidades regulatórias da advocacia no Reino Unido.
O Consumer Panel poderá, sob requisição da Board, realizar pesquisas e aconselhar. Poderá, ainda, publicar as pesquisas e aconselhamentos realizados (Chapter 29, Part 2, 11).
Na terceira parte da LSA, distingue-se atividade jurídica reservada (“reserved legal activity”) de atividade jurídica (“legal activity”).
A atividade jurídica reservada consiste no exercício do direito de audiência; condução da lide; elaboração de documentos específicos; produção de provas; atividades notariais e administração do juramento de dizer a verdade.
Por sua vez, a atividade jurídica refere-se a um ato assim considerado pela lei e qualquer outra atividade que consiste em uma ou ambas a seguir: a. prestar aconselhamento jurídico ligado à aplicação da lei ou qualquer modo de resolver disputas jurídicas; b. à representação ligada à aplicação da lei ou qualquer forma de solução de disputas jurídicas (Chapter 29, Part 3, 12).
As atividades perante o Judiciário, inclusive a atuação como mediador, é considerada atividade jurídica reservada (Chapter 29, Part 3, 12).
Para exercer a atividade jurídica reservada, é necessário que se seja uma pessoa autorizada em relação àquela atividade específica e não existam impedimentos para tanto (Chapter 29, Part 3, 13 e Part 3, 19).
Nos termos da LSA, a pessoa autorizada a exercer atividade jurídica reservada seria aquela autorizada pelo seu respectivo órgão de classe (Chapter 29, Part 3, 18).
Consiste em violação à lei exercer atividade jurídica reservada sem ser habilitado para tal fim. A pena pode chegar a dois anos de prisão e pagamento de multa (Chapter 29, Part 3, 14, 3 a e b).
A LSA também trata do exercício da atividade jurídica reservada como empregado e como empregador ((Chapter 29, Part 3, 15), além da penalidade pelo exercício da atividade reservada por intermédio de pessoa não autorizada para tanto.
A LSA institui a regulamentação e a representação de órgãos reguladores (Chapter 29, Part 4), anunciando a Board como órgão regulador (Chapter 29, Part 4, 62-68).
Finalmente, em sua quinta parte, a LSA trata dos alternatives business structures, ponto nevrálgico da presente abordagem, que será melhor descrito no tópico a seguir.
Retornando á breve exposição da estrutura da LSA, após regular o alternative business structures, descreve-se o procedimento para reclamação contra as pessoas autorizadas a exercer atividade jurídica, reservada ou não (Chapter 29, Part 6).
A sétima parte acrescenta regramentos sobre a Board e a OLC.
Por fim, a oitiva parte trata dos advogados (barristers e solicitors), de questões regulatórias e disciplinares, complementares aos atos dos respectivos órgãos de classe, inclusive sobre a advocacia pro bono e a advocacia na Escócia (Chapter 29, Part 8).
A nona parte, sob o título “Geral”, trata de questões como as conseqüências pela desobediência à LSA, procedimento de penalidades, as funções do Lord Chancellor, formas de comunicação, inclusive eletrônica, orientação sobre a interpretação da lei e outros detalhes.
5. Alternative business structure
5.1. Definição de alternative business structure
Conforme anunciado no tópico anterior, a quinta parte da LSA será tratada com maiores detalhes no presente subtítulo, por consistir na grande mudança trazida pela nova lei, que tem acalorado debates sobre o futuro da advocacia no Reino Unido e País de Gales.
A LSA, cuja estrutura foi brevemente mostrada no tópico anterior, criou uma nove forma de escritório de advocacia, a Alternative business structure (ABS).
Alternative business structure (ABS) consistem em corporações formadas por advogados e não-advogados, que podem prestar serviços jurídicos ou serviços jurídicos combinados com outros tipos de serviços.
A ABS pode ser gerenciada e administrada tanto por advogados quanto por não-advogados, pode receber investimentos externos , pode pertencer a não-advogado e pode oferecer múltiplos serviços aos clientes.
Como não-advogado, nos termos da LSA, entende-se: uma pessoa que não seria autorizada a exercer reserved legal activities; não seja um advogado estrangeiro; não seja membro de um Establishment Directive[6].
Para o escritório funcionar como uma ABS, deve ser licenciado pela Solicitors Regulation Authority.
Um escritório que possua até dez por cento de participação indireta de não-advogados não pode ser licenciada como ABS. Entende-se como participação indireta aquela que não se relaciona à gerência ou propriedade do escritório. Nesse caso, o escritório atua normalmente como um escritório de advocacia, e não como ABS. [7]
No período de transição, ou seja, até o dia 6 de outubro de 2011, os escritórios que tivessem em seu quadro mais do que 25% (vinte e cinco por cento) de não-advogados proprietários ou administradores, continuará reconhecido como tal, sem a necessidade de novo pedido de licenciamento[8].
Organizações que são denominadas special bodies, nos termos da Seção 106 da LSA, gozam de período de graça instituído pelo Lord Chancellor. Special bodies são os sindicatos independentes, organizações sem fins lucrativos, organizações comunitárias ou demais corporações assim designadas pelo Lord Chancellor.
Cabe à Solicitor Regulation Authority (SRA) autorizar o funcionamento da ABS. Compete igualmente à SRA autorizar que uma entidade exerça uma das reserved legal activities.
5.2. O Impacto da ABS no mercado da advocacia da Inglaterra e País de Gales
A LSA criou um novo órgão regulatório das profissões jurídicas, a Legal Service Board (LSB). A LSB supervisiona o serviço de vários órgãos regulatórios de profissões ligadas à atividade jurídica, quais sejam:
– The Law Society, que representa os solícitors da Inglaterra e País de Gales[9];
– The Bar Council, que representa os barristers da Inglaterra e País de Gales[10];
– The Master of Faculties, que regula os notários públicos da Inglaterra e País de Gales; [11]
– The Council for Licensed Conveyancers, que regula os advogados especializados em negócios de transmissão de propriedades;
– The Institute of Legal Executives, associação profissional que representa o legal executive, que pode ser definido como advogado treinado e qualificado em determinadas jurisdições, em formação que inclui formação profissional mínima de 3 (três) anos e habilitações acadêmicas[12];
– The Chartered Institute of Patents Agents, órgão professional dos advogados especializados em patentes[13];
– The Institute of Trade Mark Attoneys, órgão que tem por função treinar, qualificar e dar treinamento contínuo aos advogados que atuam em marcas registradas[14];
– The Association of Law Costs Draftsmen, que promove e protege os interesses dos advogados que lidam com a remuneração dos advogados.[15]
Em outubro de 2012, conforme previsto da LSA, a Legal Service Board publicou o relatório Market impacts of the Legal Service Act 2007 – Baseline Report (Final 2012).[16]
De acordo com o relatório, o período de 2006/07-2010/11 foi caracterizado por melhorias na eficiência da prestação dos serviços jurídicos e pelo aumento nos preços (LEGAL SERVICES BOARD, 2012, p. 15).
Pela perspectiva do mercado, o maior número de escritórios que trabalham junto a clientes individuais encontram-se sob pressão dos fatores externos, mas não há ainda uma evidência de que a competição de mercado possibilitada pela LSA seja responsável por essa situação (LEGAL SERVICES BOARD, 2012, p. 16).
Sob o olhar do investidor, ainda é cedo para se vislumbrar o impacto da LSA no mercado, dada a inexistência de dados concretos (LEGAL SERVICES BOARD, 2012, p. 97).
Cumpre destacar que a LSA, apesar de publicada em 2007, somente foi implementada a partir de outubro de 2011. Desse modo, em outubro de 2012, quando o relatório foi escrito, a mudança na legislação era muito recente para ter sua influência medida.
Outrossim, ao passo que pesquisas de análise de mercado são comuns em áreas como atividades financeiras, imobiliárias, industriais e serviços em geral, não existia tal preocupação com a prestação dos serviços jurídicos. Por isso, as informações prestadas são vagas e não são suficientemente confiáveis.
Ainda, observa-se que a crise econômica dos anos 2008/2009 coincide com o início da implementação da LSA, fato que obriga um olhar cuidadoso para a análise das consequências da LSA.
Além disso, no período de 2008/2009 e 2010-2011, foram realizadas modificações na legislação que trata da remuneração de solícitors e barristers.
Até junho de 2012, a SRA recebeu 74 (setenta e quatro pedidos) e concedeu cinco licenças para ABS. A The Council for Licensed Conveyancers regula sete escritórios ABS.[17]
Existem muitas expectativas sobre o quanto a ABS impactará o mercado da advocacia na Inglaterra e País de Gales.
Sthephen Bligh, da KPMG[18], entende que a LSA, em si, não trará mudanças, mas será um catalizador para outras transformações. Na sua interpretação, a nova forma de propriedade dos escritórios de advocacia será a grande transformação (BLIGH, 2008, p. 05).
No olhar da maioria dos analistas, o formato ABS de propriedade dos escritórios será utilizado por firmas menores. Os cinquenta maiores escritórios dizem que não mudarão suas estruturas, que já seriam suficientemente competitivas.[19]
Desse modo, a ABS servirá para dar maior competitividade aos pequenos escritórios, que poderão contar com investimentos externos.
Nessa mesma direção, novas formas de escritório de advocacia estão sendo desenhadas a partir da ABS.
Assim, a Quality Solicitors funciona como uma franquia que está mudando a maneira de expor a advocacia aos clientes. A Quality Solicitors conta com uma página na rede social da internet, o Facebook, e em seu endereço eletrônico, aparecem chamadas como “Estaria o Papai Noel desobedecendo à lei?”, onde apresentava regras de consumidor em linguagem acessível para o público em geral.[20]
A Face2face solicitors também oferece franquia para serviços de advocacia destinada a pequenos escritórios, com a finalidade de que sejam mais competitivos na estrutura ABS. A Face2face oferece orientações na área de administração dos negócios para que os advogados não percam suas “raízes profissionais”.[21]
A Higher Street Lawyer oferece serviços jurídicos pela internet, com a seguinte publicidade em seu endereço eletrônico: “1. Precisa de conselho jurídico + 2. Selecione um produto + 3. Entre em contato conosco”. A consulta com o advogado é marcado pelo endereço eletrônico e os preços são fixos por localidade[22].
Desse modo, a LSA, que criou a ABS, começa a mudar o perfil da advocacia no Reino Unido e País de Gales, permitindo novas estruturas aos escritórios, transformando-os em verdadeiros negócios.
Por permitir maior competitividade aos escritórios menores, a LSA aumenta a competitividade, e, por conseguinte, beneficia o consumidor, que antes enfrentava um mercado extremamente competitivo.
6. O modelo da ABS e a Advocacia Brasileira
A advocacia no Brasil é regulada pela Lei n. 8.096, de 04 de julho de 1994, o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil.
Sobre a sociedade de advogados, o Estatuto prevê que o advogado somente pode reunir-se em sociedade civil de prestação de serviços de advocacia, não sendo admitidas a registro, nem podem funcionar, as sociedades de advogados que apresentem forma ou características mercantis, que adotem denominação de fantasia, que realizem atividades estranhas à advocacia, que incluam sócio não inscrito como advogado ou totalmente proibido de advogar (art. 16). É proibido o registro, nos cartórios de registro civil de pessoas jurídicas e nas juntas comerciais, de sociedade que inclua, entre outras finalidades, a atividade de advocacia (§3º, do art. 16).
Desse modo, nenhum outro profissional pode reunir-se a um advogado para formar uma sociedade. Além disso, a sociedade não pode ter finalidade mercantil.
Portanto, o modelo da ABS é incompatível com o regulamento da advocacia brasileira.
Certamente um modelo de gestão de escritórios de advocacia claramente formado por profissionais no interesse de angariar mercado causa certa repugnância ao advogado brasileiro que zela pelo cumprimento de seus valores éticos.
Contudo, ABS foi criada voltada para o interesse do consumidor, ao buscar diminuir a concentração do mercado da advocacia.
Destaque-se que em 2012, o preço dos serviços jurídicos na Inglaterra e País de Gales aumentaram, segundo o Relatório da Legal Services Board.
Por isso, interessante observar que a ABS tende a aumentar a competitividade ao diminuir a concentração do mercado, e ao mesmo tempo, acabou por aumentar o preço dos serviços prestados.
A ABS, apesar dos poucos casos práticos em decorrência de sua recente implementação, tem sido adotada por escritórios menores que, outrora, não tinham possibilidade de competir num mercado extremamente concentrado.
Diante desses fatos – diminuição da concentração do mercado, aumento do preço dos serviços jurídicos e maior oportunidade aos pequenos escritórios – é possível concluir que a ABS tem sido vantajosa para a advocacia da Inglaterra e País de Gales.
Apesar da impossibilidade de sua adoção no Brasil em decorrência das vedações existentes no Estatuto da Ordem, o advogado brasileiro deve estar atento às mudanças trazidas pela globalização, evolução tecnológica, concorrência e bancas estrangeiras que chegam ao país.
É necessário repensar a advocacia frente o contexto atual, pois o mundo mudou ao passo que os escritórios e suas formas de gestão continuam da mesma forma. Não basta estudar o Direito. Também se faz urgente estudar formas de aproximar-se das necessidades do cliente.
Somente dessa maneira será possível manter o advogado como peça indispensável á administração da justiça. Afinal, se o advogado não sobreviver ao competitivo mercado, não haverá quem ampare o cidadão injustiçado.
Informações Sobre o Autor
Karla Saory Moriya Nidahara
Graduada na Universidade Estadual de Londrina. Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Estadual de Londrina. Advogada militante na comarca de Londrina/PR