Resumo: O tratamento de efeito placebo pode ser caracterizado como aquele em que há ingestão de medicamento ou outra forma de terapêutica sem nenhum efeito farmacológico cientificamente comprovado. Por esta razão, há necessidade de maior proximidade na relação médico-paciente, sendo o pilar de sustentação desta, a confiança mútua. Com isso, surgem indagações importantes no campo da Ética e do Direito sendo que, em muitos momentos, as mesmas, no que tange às respostas em especial, encontram-se na mesma linha diretiva com o objetivo precípuo de assegurar a aplicabilidade das normas do ordenamento jurídico em voga e defender os direitos do indivíduo e da própria coletividade como um todo. Assim, faz-se pertinente, a análise minuciosa das reflexões éticas e jurídicas oriundas desse tipo de tratamento, dando destaque ao dever do médico de informar e ao direito ao consentimento informado do paciente. Especialmente, quando há lesão a este.
Palavras-chave: Tratamento placebo; má-fé; ética; relação médico-paciente; responsabilidade do médico; direitos do paciente; novo Código de Ética Médica.
Abstract: The placebo treatment effect can be characterized as one in which no medication intake or other form of therapeutic no scientifically proven pharmacological effect. For this reason, there is need for greater proximity in the doctor-patient relationship, and the supporting pillar of this, mutual trust. Thus, there are important questions in the field of Ethics and Law and, in many instances, the same, with respect to the answers in particular, are on the same line policy with the ultimate objective of ensuring the applicability of spatial standards legal in vogue and defend the rights of the individual and own community as a whole. Thus, it makes relevant, thorough analysis of the ethical and legal observations from this type of treatment, highlighting the duty of the physician to inform and the right to informed consent of the patient. Especially, when there is damage thereto.
Keywords: placebo treatment; bad faith; ethics; doctor-patient relationship; responsibility of the physician; patient rights; new Code of Medical Ethics.
Sumário: Introdução. 1. Efeito placebo: definição e essenciais características. 1.1. Definição. 1.2. Principais efeitos positivos e negativos do tratamento placebo. 2. Perspectivas históricas do placebo. 3. A relação médico-paciente num tratamento placebo. 4. Relação contratual entre o médico e o paciente. Reflexos na responsabilização. 5. O direito do paciente ao consentimento informado e o dever do médico de informar. A ética médica frente ao tratamento placebo. Considerações Finais. Referências.
Introdução
O presente trabalho acadêmico possui o escopo, não exaustivo, de apresentar o que vem a ser um tratamento de efeito placebo, as divergências do mesmo com a homeopatia, os principais argumentos apontados pelos estudiosos para a aplicação ou não desse tipo de tratamento levando em consideração a especial relevância que a abordagem possui, tendo em vista a evolução das Ciências Médicas, especialmente no que tange à Bioética, e a crescente preocupação de cunho jurídico advinda da mesma. Neste aspecto, especificamente, emergem questões ético-jurídicas bastante pertinentes, como a análise de existência ou não de conduta que aponte para má-fé e/ou enganação por parte do médico para com o paciente. Em caso afirmativo, havendo conflito ético e jurídico na atuação médica frente ao que se espera da conduta do profissional contratado, ensejar-se-á, por via reflexa, a responsabilização, seja na seara civil, penal e administrativa a depender da situação fática em que se respalda a análise? Além da discussão acerca da natureza jurídica do contrato advindo da relação médico-paciente, seria uma contratação de meio ou de fim? Indubitavelmente, esta indagação é de profunda relevância para a problemática da responsabilização, bem como ao que diz respeito à fidúcia ofertada pelo paciente no momento da escolha do profissional médico e a decorrente frustração na obtenção dos resultados esperados.
Como o Conselho Federal de Medicina, órgão conservador por excelência, se posiciona diante dos impasses que possam surgir da eleição de inscritos pela modalidade de tratamento placebo?
Todas essas questões serão tratadas ao longo do presente artigo, visando com isso, ofertar complemento para pesquisas futuras nesse campo, bem como voltar a atenção dos estudiosos do Direito para a tendência, cada vez maior, da interdisciplinaridade das Ciências, que, quando não objetivamente se fundem, indiscutivelmente buscam auxílio umas nas outras em decorrência da dinâmica social, que nada mais é do que a força motriz do Direito. Sendo, por sua vez, regulador da atividade social, necessita estar atento para os novos caminhos trilhados pela própria sociedade, representando este, o próprio objeto de estudo da referida Ciência.
Todavia, a evolução científica é bastante lenta, não acompanhando, na mesma velocidade, as mudanças sociais, sendo essa uma característica crucial, pois, o respeito às descobertas, bem como às teorias desenvolvidas necessitam de tempo para tornarem-se sólidas, e, com isso, ofertarem segurança às pessoas que porventura possam vir a se beneficiar delas. Daí a importância da contribuição de estudos como este.
1. Efeito placebo: definição e essenciais características
Ressalta-se a importância de salientar os contornos delimitativos do tema ora exposto, uma vez que acaba por tornar-se condição de prosseguibilidade da leitura desse artigo. As características fundamentais do tratamento placebo, bem como as suas diferenciações com outras terapêuticas serão de suma relevância para a hermenêutica dos itens que se seguem.
1.1. Definição
De maneira incipiente, convém delimitar o que seria definição de um fenômeno. Definir vem do latim – definitione – que significa delimitar, encontrar o sentido mais próximo diante da vastidão de conceitos existentes. Nos dizeres de Mauricio Godinho Delgado
“(…) consiste na atividade intelectual de apreender e desvelar seus elementos componentes e o nexo lógico que os mantém integrados. Definição é, pois, a declaração da estrutura essencial de determinado fenômeno, com seus integrantes e o vínculo que os preserva unidos”[1].
A partir dessa noção inicial, é possível perceber que a definição do que vem a ser um tratamento de efeito placebo repousa na junção de seus elementos mais peculiares organizados de maneira estrutural e ligados por um nexo lógico de causa e efeito. Surge, a partir dessa premissa básica, a distinção com o tratamento homeopático. Partindo do conceito – que é uma noção mais ampla do que definição, pois engloba todas as possíveis realidades existentes em determinado fenômeno, adequando-as aos limites que o mesmo exige – de tratamento placebo e homeopático, retirados de ramo alienígena ao Direito, é perceptível a divergência. A aplicação de conceito estranho à Ciência do Direito se justifica quando se leva em consideração a especificidade do tema e a competência da Ciência Médica e Farmacológica para delimitar seus contornos. Assim, encontra-se como tratamento placebo a utilização de substâncias sem efeitos terapêuticos, ou seja, inertes às pessoas, sem que as mesmas tenham conhecimento dessa ineficácia. É, atualmente, um conceito amplo, albergando desde a ingestão por via oral de medicamentos, pílulas de farinha, injetáveis, como soro fisiológico, por exemplo, até outras formas de interferência, citando, a título ilustrativo, acupuntura e aplicação de cremes em determinadas áreas do corpo humano[2].
No que tange ao tratamento homeopático, pode ser conceituado como o tratamento de semelhantes por semelhantes, tendo em vista utilizar-se de um mesmo sintoma, que em uma pessoa sã causaria transtornos, em uma pessoa doente, tendo o poder de cura quando ministrado em doses ínfimas. Portanto, no tratamento homeopático, ao contrário do placebo, há o uso de drogas, a patogenia é tratada com o uso de medicamentos com efeitos comprovados cientificamente. Contudo, seus efeitos são semelhantes, seria o mesmo que tratar dor com a substância causadora da dor, mas diluída, em ínfimas porções.
Faz-se necessário, para um real entendimento, delimitar o que se compreende por efeito. Este, visto como resultado final do que se busca, seja concreto ou abstrato. Logo, a noção de efeito, tanto no tratamento placebo quando no homeopático é de peculiar relevância, pois é o pilar de sustentação destes. O que justifica a existência desses tipos de tratamento é justamente a possibilidade de efeitos positivos nos procedimentos em que são aplicados. É, também, nesse aspecto que se confundem. Daí surgindo a necessidade de definição do que vem a ser cada um dos tratamentos. Logo, conclui-se que tanto no placebo quanto no homeopático o que se busca são resultados positivos e extintivos da eventual enfermidade.
Com o exposto, partindo dos conceitos ora mencionados, e encontrando respaldo científico, apresentam-se as seguintes definições para tratamento placebo e tratamento com base na homeopatia, apenas solidificando os contornos específicos de cada espécie, bem como evidenciando as suas diferenciações:
“A palavra Placebo é de origem latina, faz parte do verbo 'agradar', 'dar prazer à'. Refere-se à ação do medicamento que não é decorrente de sua atividade farmacológica, sua função é decorrente à confiança do médico / paciente ao medicamento. Ele é constituído de substância química inerte, podendo ser constituído de açúcar ou farinha. Placebo é qualquer tratamento que se prescreve dizendo ser um tratamento ou medicamento ativo, contudo, na realidade, não tem ação específica nos sintomas ou doenças do paciente, mas de alguma forma pode causar um efeito no mesmo, assim, o resultado esta ligado apenas à natureza psicológica. Esta resposta do placebo não está ligada simplesmente ao alívio de sintomas, trata-se efetivamente da cura do paciente decorrente às suas crenças e/ou expectativas psicológicas ao tratamento”[3].
Do conceito trazido, viabiliza-se a idéia de que a relação estabelecida entre o médico e o paciente é de suma valia ao tratamento placebo. Sendo bem definido no transcrito acima.
“Por definição, o placebo é uma substância inerte, sem propriedades farmacológicas, que é administrada a uma pessoa ou grupo de pessoas, como se ela tivesse propriedade terapêutica. Esse nome se origina do verbo latino placere – agradar, fazer bem – e a droga em si foi utilizada exclusivamente para a administração oral. Hoje, são reconhecidas também como placebo algumas formas físicas de aplicação – como acupuntura, ultra-som ou aplicação local de drogas”[4].
Apenas comungando com o que fora explicitado e dando embasamento para a definição apontada a título de placebo, faz-se pertinente a citação supra.
“Homeopatia, derivada das palavras gregas homoios, que quer dizer “semelhante”, e páthos, que se traduz por “sofrimento”, essencialmente, significa tratar o semelhante com o semelhante. Hipócrates, percebeu que havia 2 meios de tratar o paciente: através dos contrários (Alopatia) e através dos semelhantes (Homeopatia). Na forma dos “Contrários”, a medicação age contra os sintomas. Na dos “Semelhantes”, os medicamentos têm capacidade de produzir os mesmos sintomas apresentados pela pessoa que sofre – “A lei dos semelhantes”. Em ambos os casos ele acreditava que o médico estava apenas criando condições corretas para aumentar o poder de recuperação interno, Vis medicatrix naturae, que levava à cura”[5].
Do exposto conclui-se que ambos os tratamentos tem aplicação prática bastante difundida em todo o mundo. Inclusive havendo ramos da Medicina defensores dessa terapêutica considerada alternativa por ser mesmo agressiva ao paciente, tendo em vista a não ingestão de drogas pelo mesmo – no caso dos placebos – bem como a aplicação homeopática dos medicamentos com doses diluídas com efeitos químicos. Contudo, far-se-á uma análise mais precisa das questões ético-jurídicas que possam vir a surgir em decorrência da relação médico-paciente instaurada no plano fático.
1.2. Principais efeitos positivos e negativos do tratamento placebo
Em todo o mundo busca-se comprovar a eficácia dos tratamentos placebo por meio dos efeitos obtidos em inúmeros experimentos científicos, como por exemplo, o feito por
“Médicos, onde eliminaram verrugas com sucesso pintando-as com uma tinta colorida e inerte, e prometendo aos pacientes que as verrugas desapareceriam quando a cor se desgastasse. Em um estudo de asmáticos, pesquisadores descobriram que podiam produzir a dilatação das vias aéreas simplesmente dizendo às pessoas que elas estavam inalando um broncodilatador, mesmo quando não estavam. Pacientes sofrendo dores após a extração dos dentes sisos tiveram exatamente tanto alívio com uma falsa aplicação de ultrassom quanto com uma verdadeira, quando tanto o paciente quanto o terapeuta pensavam que a máquina estava ligada. Cinqüenta e dois por cento dos pacientes com colite tratados com placebos em 11 diferentes testes, relataram sentir-se melhor — e 50 por cento dos intestinos inflamados realmente pareciam melhores quando avaliados com um sigmoidoscópio”[6].
Esses estudos mostram que os efeitos positivos do tratamento placebo – em essência inócuo – podem ser efetivamente sentidos pelas pessoas. Alguns afirmam, como Irving Kirsch[7], que as vantagens de utilização desse tipo de terapia repousam, principalmente, na relação de proximidade criada entre o médico e o paciente, na especial atenção que aquele dedica a este, distanciando-se da padronizada e fria relação firmada num tratamento alopático. Isso se justifica pela necessidade de acompanhamento mais próximo dos avanços e resultados ofertados, da crença que devem nutrir as partes envolvidas de que essa espécie de via será suficiente para ver sanada a enfermidade. Há destaque à ilusão de cunho subjetivo que é criada. As pessoas, ao ingerirem medicamentos placebo, acabam por portarem-se de maneira diferente, positiva, criando uma ilusão de melhora, que, efetivamente, em muitos casos, converte-se para tanto. Em contrapartida, há quem afirme, como Stephen Barret[8], tratar-se apenas de remissão espontânea, ou seja, o corpo humano possui células de defesa, e com isso, a capacidade de curar-se espontaneamente. Desta maneira, a ingestão de placebo nada influiria na melhora, sendo o próprio organismo do indivíduo o responsável pela mesma como parte de seu curso natural.
De maneira diametralmente oposta, podem ser verificados os efeitos Nocebo – nomenclatura utilizada para os efeitos nocivos do placebo – sendo apontadas questões como a falta de ética médica e lesão ao direito do paciente ao tratamento informado, ou seja, de ver-se conscientemente informado dos aspectos pormenorizados pelos quais será submetido. Desencadeando, inclusive, a possibilidade de charlatanismo, como comprovado em estudos científicos publicados no New York Times Magazine[9] de 1º de setembro de 2000, que pacientes podem se tornar dependentes de práticas não científicas que empregam terapia placebo. Como por exemplo, serem levados a acreditar que sofrem de determinada patogenia, como alergias ou micoses inexistentes, e que só poderão ser curados por essa modalidade de tratamento quando feito por um praticante específico. Isso acarreta a conclusão de que o alto grau de interferência no psicológico dos pacientes é determinante para o tratamento, e, como estes se tornam vulneráveis, em decorrência da confiança depositada e ausência de conhecimento técnico, acabam sendo alvo fácil dessas possíveis práticas, sendo tal dado, apresentado como faceta negativa da aplicabilidade do tratamento. Além disso, há estudos e relatos explicitados no Jornal referido, que comprovam a possibilidade de surgimento de efeitos colaterais em pessoas submetidas a tratamentos placebo. Bem como, a possibilidade de dependência das mesmas.
Em suma, consideram-se efeitos positivos do tratamento placebo a eficácia apontada em inúmeros experimentos científicos, com menor agressividade ao organismo, tendo em vista a ingestão de medicamentos inertes. Também, a especial atenção e cuidado, intrínsecas da relação estabelecida, justificando a proximidade do médico com o paciente.
Existem vários estudos em todo o mundo a fim de comprovar a eficácia dos placebos. Contudo, ainda não há uma pacificação quanto ao tema, sendo apontadas inúmeras linhas de pensamento para a justificação. Alguns afirmam ser o aspecto psicológico de relevância significativa para a obtenção de efeitos positivos. Para estes, a ilusão subjetiva que se cria na mente do paciente reflete de maneira predominante para uma melhora. Outros se direcionam para a linha da remissão espontânea. E, ainda, no sentido de que um tratamento que demande peculiar atenção, dedicação, cuidado e afeição ao paciente seja ensejador de efeitos benéficos, nada influindo a noção de tratamento de efeito placebo que ora apresentou-se.
Em contrapartida, a fidúcia prevista no tratamento de efeito placebo é o principal elemento desencadeador do efeito nocebo, inclusive, podendo dar ensejo a práticas de charlatanismo. Outros efeitos negativos podem ser apontados como a possibilidade de surgimento de efeitos colaterais e dependência. Tudo isso associado à ilusão subjetiva criada no uso dos placebos, como demonstrado nas pesquisas científicas ora citadas.
2. Perspectivas históricas do placebo
É muito antiga a utilização de tratamento placebo, praticamente repousa ao surgimento do homem. Pois, a crença da melhora com a ingestão de determinada substância, ou até mesmo por magia, é bastante remota. A idéia, a intenção subjetiva criada no âmago do ser humano já era apta, em algumas situações, a gerar tanto efeito benéfico como o maléfico. Desta maneira, seguindo a evolução das sociedades, as pessoas tinham menos acesso à informação e cultura, acabavam por se envolver em práticas baseadas na crença de maneira comum, cotidiana, o que é verificado, inclusive, atualmente na sociedade. Soma-se a isso o fato das Ciências ainda terem suas bases estruturadas em pesquisas arcaicas, sem o aparato tecnológico encontrado nos tempos atuais. Das informações encontradas por estudiosos, como Anne Harrington[10], Ted Kaptchuk[11] comprova-se o mencionado. A referência mais rudimentar que pode ser citada como exemplo é a questão dos rituais de magia, de feitiçaria, aplicados em todos os períodos históricos anteriores, sem exceção. Obter cura, especificamente, com a confiança depositada pelas pessoas é algo mais antigo do que se imagina, mas, que acompanha a evolução da sociedade vestindo novas roupagens. Adaptando-se à dinâmica social, caminhando ao passo que a tecnologia evolui. Foi assim que as práticas apontadas hoje como charlatanismo, e que não possuíam esse caráter outrora, serviram de influência para aplicação da sua essência no ramo das Ciências, ou seja, foi a partir dos esboços vistos em práticas anteriores que se chegou à pesquisa dos placebos de cunho científico, atingindo a seara médica e farmacológica mais especificamente, e, com isso, ofertando essencial contribuição na descoberta de novos tratamentos e drogas.
De maneira sucinta, pode-se afirmar que a aplicação da prática placebo – a utilização de substâncias inócuas em tratamentos – caminha junto à própria evolução da sociedade, sendo a mente humana a sua principal fonte, uma vez que o aspecto psicológico é determinante para o encontro dos resultados desejados. Importante frisar que a dinâmica em que se encontram envoltos os placebos ganhou destaque e enfoque diferente dos tempos mais remotos. Pode ser apontada uma linha de desenvolvimento, de maneira incipiente e precária, a seguinte:
Mesmo não sendo possível afirmar com propriedade a primeira prática placebo ocorrida no decurso da história, encontra-se como marco antigo o ano 90 a.C., no qual os chineses aplicavam a técnica da acupuntura. Esta, em decorrência do êxito obtido nas causas em que atuara difundiu-se pelo Ocidente. Ou seja, o efeito placebo de tal técnica foi responsável pelo seu sucesso e perpetuamento ao longo dos milênios.
Em 1785 já se discutia acerca da comprovação científica desse efeito. Logo, estudiosos suscitaram a posição encontrada hoje, para explicar os efeitos do placebo, como remissão necessária. Nesse particular, Benjamim Franklin comprovou não haver nenhuma droga na solução dada a algumas pessoas doentes nos Estados Unidos, verificou não haver fluido com capacidade de cura cientificamente comprovada[12]. A tese de sustentação desses estudiosos repousou, justamente, na resposta necessária que o organismo humano dá às enfermidades. Isso influenciou no surgimento de uma especialidade conhecida como medicina humanizada, ou medicina terapêutica, no qual a atenção oferecida pelo médico para com o paciente, a relação de proximidade que se firma torna-se determinante para a cura.
Na década de 90 foram verificados avanços importantes na pesquisa voltada aos placebos. Isso é perceptível quando se constata o número crescente de pesquisas científicas voltadas para essa área, tendo esse período contribuído de forma peculiar, por meio da comprovação de que há ligação entre os sistemas imunológico e neurológico humano, recebendo a nomenclatura de “neuroimunomodulação”. Partindo deste pressuposto, estudiosos das mais variadas áreas como, medicina, psicologia e farmácia, buscaram amparo para sustentar a tese da influência predominante da ilusão subjetiva que é criada no uso dos placebos como algo positivo, e, justificando a aplicação no desenvolvimento que estas Ciências ainda terão ao longo do tempo, conseqüentemente, desvendando mais segredos relacionados ao ser humano, neste aspecto, alvo das mais variadas experiências com o fim de alcançarem curas e descobertas ainda mais significativas. Portanto, o placebo seria utilizado como meio, ou seja, como técnica apta a provar, por meio de experimentos, que os medicamentos e tratamentos empregados nos seres humanos são seguros de serem aplicados. Com isso, houve uma desenfreada aplicação da técnica placebo, um surto de interesse no uso. As empresas farmacológicas comumente começaram a utilizar a técnica de duplo-cego para aferição de níveis de satisfação no uso das drogas que potencialmente poderiam ser comercializadas. Tal técnica consiste em um estudo científico feito em seres humanos com o objetivo de encontrar respostas acerca dos efeitos do que se está testando, no qual nem o objeto da pesquisa, o próprio indivíduo, nem o examinador sabe a quem está ministrando placebos ou drogas verdadeiras. A finalidade do duplo-cego é a imparcialidade da conduta do profissional examinador, visa impedir interferências na pesquisa. Em outra linha, existe o simples-cego, técnica também utilizada com placebos no qual somente os examinados, que serão o alvo do estudo, não sabem o que estão ingerindo.
“(…) Em particular, estudos duplo cego controlados por placebo são fundamentais para sabermos se uma determinada terapia (ou droga) tem realmente efeito terapêutico ou não. Isso ocorre porque nosso corpo oferece uma resposta bioquímica mensurável à sugestão de tratamento, que é chamada de efeito placebo.
O teste duplo-cego ganhou notoriedade graças ao célebre episódio da memória da água. Em 1988 um grupo de pesquisadores liderado pelo francês Jacques Benveniste submeteu à Nature um artigo em que era demonstrado que glóbulos brancos humanos apresentavam uma resposta bioquímica após expostos a água na qual foi diluido um anticorpo até o ponto em que nenhuma molécula do anticorpo restaria em solução. O efeito só ocorreria quando a solução era violentamente agitada”[13].
Esse uso exacerbado dos placebos em pesquisas científicas acabou por transferirem-se para o campo prático. Com isso, médicos iniciaram a aplicação de técnicas de tratamento placebo em cirurgias e em terapias conhecidas vulgarmente como alternativas, a exemplo da acupuntura. E isso ocasionou, no início deste novo milênio, a preocupação em deter essa evolução desenfreada, tendo em vista as repercussões éticas e jurídicas que possam surgir na atuação do profissional médico, essencialmente no que tange ao direito ao tratamento informado.
3. A relação médico-paciente num tratamento placebo
A tendência que tem se verificado atualmente, no que tange à relação médico-paciente, nem sempre encontrou os contornos que ora são percebidos. Isso se deve pela própria evolução da Medicina. Outrora se concebia o médico como ser divino, superior, infalível e inatacável, ao passo que hoje a concepção predominante é a do médico como ser humano capacitado tecnicamente para exercer o mister louvável da Medicina. E como tal, dotado de falibilidade, devendo ser esta, alvo de análises minuciosas a fim de se encontrar os contornos exatos de uma possível responsabilização nos casos em que o profissional tenha atuado em desconformidade com o que se esperava e desde que sua conduta enquadre-se nos requisitos previstos em lei para tanto. Nos dias de hoje, a exigência volta-se a vinculação de especialistas determinadamente considerados. As pessoas buscam tratamento escolhendo específico profissional tomando como base a sua formação, a fama que o mesmo possui na comunidade, experiências e relatos de clientes anteriores, além de informações mais aprofundadas fornecidas pelo Conselho Estadual de Medicina ao qual são filiados, desde que solicitadas. Isso acaba por gerar expectativas nos pacientes, a fidúcia se torna elemento predominante, e, por conseqüência, em alguns casos, acabam surgindo desequilíbrios na relação que se horizontaliza quando os objetivos não são alcançados ou o são de maneira insatisfatória.
O maior acesso à informação e a presença de garantias legais para os cidadãos tem servido de forte amparo para que os mesmos vejam assegurados e busquem os seus direitos enquanto pacientes. O Estado tem demonstrado atenção a esse tipo de tutela, em que é prevista uma especial proteção em decorrência da vulnerabilidade de uma das partes. Exemplos disso são as previsões na Constituição Federal Brasileira atual (CF/88), como no artigo 5º (quinto), caput, que veda a lesão ao princípio da isonomia tanto na sua acepção formal como material e no inciso XXXV (trinta e cinco), no qual preceitua o princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional, ou seja, afirma que será assegurada proteção aos direitos daquele que se achar lesado ou ameaçado de lesão; no Código Civil (CC/02 – Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002) quando assegura proteção especial ao menor; no Código de Defesa do Consumidor (CDC – Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990) em diversas passagens, como por exemplo, quanto à exigência de informação adequada e clara no que tange aos serviços. Além de normas infralegais, como o Novo Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 1. 931 de 17 de setembro de 2009)[14], pareceres do Conselho Federal de Medicina (CFM) e dos Conselhos Estaduais. Essa vulnerabilidade decorrente da relação que se firma entre médico e paciente é conseqüência natural da conjugação de dois fatores imprescindíveis, a capacitação técnica do profissional médico, que detém o conhecimento específico para exercer a atividade, e, em situação oposta, o paciente, que procura o médico, justamente, por este ser dotado de tais atributos, ainda tendo como característica relevante, a fragilidade emocional por não ter a noção exata de sua moléstia, e as conseqüências que possa ocasionar à sua integridade física e mental. Contudo, convém ressaltar que o simples fato de estar explícita, nesse tipo de relação, a vulnerabilidade do paciente, não enseja, por si só, o desequilíbrio da mesma. Coaduna desse pensamento o médico Marcelo de Sousa Tavares
“A relação entre médico e paciente é, a priori, assimétrica, pois o primeiro é detentor do conhecimento técnico necessário para buscar a solução para os problemas de saúde do segundo. O paciente é aquele que se encontra em situação de ameaça à sua integridade física e mental, pelo intercurso da doença, em decorrência da qual se reporta ao médico. No entanto, essa assimetria, instituída pela própria relação em si, não precisa significar, necessariamente, desequilíbrio na inter-relação entre médico e paciente, implicando, apenas, em considerar que o paciente procura alguém com mais conhecimento que ele próprio para resolver seus problemas de saúde (…)”[15].
Verifica-se que o mencionado autor frisa que essa assimetria prevista na relação em debate é incipiente, mostrando-se justificável tendo em vista a necessidade de existência desta para que a relação se perfaça. Somente os abusos que ocasionalmente possam vir a surgir que ensejariam plausivelmente uma intervenção. Assim, entende-se que uma relação médico-paciente equilibrada seria aquela em que se sopesam os direitos e deveres dos envolvidos e encontra-se a satisfação de ambos. Isso não implica em uma prescrição correta, ou uma cura efetiva sempre, mas sim, numa postura ética esperada, ou seja, na condução exata do procedimento, com atenção do médico, de maneira que escute o paciente e dê importância ao seu relato, que tenha complacência diante da necessidade deste se expressar e compreensão do contexto social de quem procura o auxílio, devendo o médico examiná-lo e prescrever conforme as expectativas e possibilidades[16].
O impasse ético tem sido combatido ferozmente nessas últimas décadas, dando destaque à necessária conduta responsável do praticante da Medicina, uma vez que o Brasil assegura e protege o direito à vida de forma ampla, tendo como basilar a dignidade da pessoa humana explicitada pelo mestre Immanuel Kant de maneira brilhante tomando como referência seus dois elementos formadores
“(…) Pessoa humana – a filosofia Kantiana mostra que o homem, como se racional, existe como fim em si, e não simplesmente como meio, enquanto os seres desprovidos de razão têm um valor relativo e condicionado, o de meios, eis por que se lhes chamam “coisas”, ao contrário, os seres racionais são chamados de pessoas, porque sua natureza já os designa como fim em si, ou seja, como algo que não pode ser empregado simplesmente como meio e que, por conseguinte, limita na mesma proporção o nosso arbítrio, por ser um objeto de respeito (…) de onde Kant deduz o seguinte imperativo prático: “Age de tal sorte que consideres a Humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio”. (…) Isso, em suma, quer dizer que só o ser humano, o ser racional, é pessoa.
(…) Dignidade – voltemos, assim, a filosofia de Kant, segundo a qual no reino dos fins tudo tem um preço ou uma dignidade. Aquilo que tem um preço pode muito bem ser substituído por qualquer outra coisa equivalente. Daí a idéia de valor relativo, valor condicionado, porque existe simplesmente como meio o que se relaciona com as inclinações e necessidades gerais do homem e tem um preço de mercado; enquanto aquilo que não é um valor relativo, e é superior a qualquer preço, é um valor interno e não admite substituto equivalente, é uma dignidade, é o que tem uma dignidade.
(…) a dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida (…) o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade da pessoa humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais (…)”[17].
Percebe-se que a tutela ética é feita levando em consideração a dignidade da pessoa humana. E, nesse aspecto, o novo Código de Ética Médica, desenvolve relevante papel[18], uma vez que trata da matéria de forma minuciosa, elencando, inclusive, várias práticas vedadas ao médico[19].
Salienta-se que o que fora visto até então, no que diz respeito à relação médico-paciente, pode ser enquadrado de maneira perfeita para o relacionamento existente entre o médico e o paciente num tratamento de efeito placebo, uma vez ser este espécie desse gênero de relação.
Num tratamento placebo, como visto, há como elemento predominante a confiança. Este elemento desenvolve imprescindível papel na relação estabelecida, e é por isso que se torna extremamente pertinente a análise detalhada da boa-fé ou má-fé no caso concreto, tendo em vista o crescente número de ações judiciais visando à reparação de danos oriundos da mesma[20]. Na aplicação de placebos, a fidúcia tem destaque maior do que nas outras relações entre examinador e examinado,
“(…) Relação fiduciária. Fiduciary derives from the Latin word for "confidence" or "trust". Fiduciária deriva da palavra latina para "confiança" ou "confiança". The bond of trust between the patient and the physician is vital to the diagnostic and therapeutic process. O vínculo de confiança entre o paciente e o médico é vital para o processo de diagnóstico e terapêutica. It forms the basis for the physician-patient relationship. Ele forma a base para a relação médico-paciente Physicians are obliged to refrain from divulging this confidential information to maintain the patients trust.(…)”[21].
O novo Código de Ética Médica deixa clara a preocupação de serem protegidos os direitos do paciente, em consonância com a atual Carta Magna, em especial ao direito ao tratamento informado ou consentimento informado, que é baseado em uma decisão compartilhada entre o médico e o paciente, o médico apresenta os valores e informações que serão relevantes ao paciente, e deste, espera-se que entenda a natureza da doença e da intervenção, incluindo os riscos e benefícios[22].
“Art. 31. Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte.
Art. 34. Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar dano, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu representante legal.
Art. 37. Prescrever tratamento ou outros procedimentos sem exame direto do paciente, salvo em casos de urgência ou emergência e impossibilidade comprovada de realizá-lo, devendo, nesse caso, fazê-lo imediatamente após cessar o impedimento.” (grifos nossos)
É evidenciada, da leitura dos artigos supramencionados referentes às vedações ao médico no que tange à relação médico-paciente, que a preocupação ética se faz totalmente pertinente, pois, o paciente, ao participar da relação como um dos pólos, tem pleno direito de ver-se informado dos detalhes de seu tratamento. Sob esta ótica, o tratamento placebo é encarado, por muitos, como lesionador dessa garantia do paciente, inclusive assegurado no Código de Defesa do Consumidor, que prevê como direito básico, o acesso a informações claras a respeitos dos serviços ofertados no mercado. Também, prevendo como crime, no artigo 66 (sessenta e seis),
“Artigo 66 CDC: Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços. Cominando pena de detenção de três meses a um ano e multa.”
Num tratamento de efeito placebo, há maior vulnerabilidade do paciente tendo em vista ser da própria essência desse tipo de prática a falta de informação da ingestão de placebo pelo mesmo. Assim, no plano fático, muito maiores serão as chances de um indivíduo ter seus direitos lesionados em decorrência dessa conduta. Sendo isso plenamente auferido quando o sujeito vê-se sem obtenção de êxito algum no tratamento. Afirma-se que, apesar de buscarem equilíbrio nos comportamentos dos envolvidos – de um lado a omissão da informação acerca do tipo de tratamento e do procedimento utilizado como meio necessário para o desenvolvimento da técnica placebo. E de outro, o paciente que, de total boa-fé inicia uma relação com o médico, pólo detentor de maior força, uma vez que possui conhecimento técnico, esperando dele uma conduta ética, responsável e profissional, e, por conseguinte, concedendo um alto grau de confiabilidade a este e esperando, sinceramente, obter resultados positivos – di per si, já nascerá com fortes chances de ocasionarem dano à pessoa, uma vez que, quando contrapostos os interesses, geralmente, prevalecerá o do pólo mais fraco que, porventura venha a ser lesionado. Logo, a responsabilização far-se-á pertinente, seja com apoio ao judiciário e/ou no campo administrativo, com reflexos éticos e diretamente ligados ao Conselho Estadual de Medicina ao qual determinado profissional estará vinculado.
Em suma, o que é percebido diante da relação firmada entre o médico e o paciente, e dando relevo ao tratamento placebo, é que os contornos éticos devem sempre ser respeitados, independentemente de que tipo de resultado se busca. Nunca se deve deixar de lado a figura do paciente, uma vez que este deve ser considerado como fim, e nunca como meio utilizado para o desenvolvimento da Ciência, pois, quando assim o é há lesão à dignidade do ser humano, tão protegida pelo ordenamento pátrio e global. O paciente espera do médico uma conduta ilibada, entregando ao mesmo, em contrapartida, parcela significante de confiança. Logo, tendo seus direitos assegurados pelo ordenamento jurídico pátrio[23], bem como por normas administrativas regedoras da conduta do profissional médico, previstas no Novo Código de Ética Médica (anexo 01), a busca por justiça é garantida. O que se verifica quando há desequilíbrio na relação entre médico e paciente é uma quebra do contrato que fora firmado entre as partes, coadunando, por sua vez, para a possibilidade de reparação pela via judicial, devendo, a partir da análise do caso concreto, delimitar em que searas e sob que aspectos. Ressalta-se que a eleição de uma via de responsabilização não exclui a possibilidade de incidência da outra. Somente os contornos da situação fática imposta que serão aptas a dar o encaixe perfeito.
4. Relação contratual entre o médico e o paciente. Reflexos na responsabilização
Convém apresentar algumas das noções modernas que surgem para explicar o envolvimento entre o médico e o paciente. De acordo com Robert M. Veatch podem ser apontados quatro modelos para relação estabelecida entre as figuras mencionadas, quais sejam, a relação médico-paciente engenheiro, sacerdotal, colegial e contratual.
“ENGENHEIRO- O médico atua como executor de ações propostas pelo paciente. É um modelo de tomada de decisão de baixo envolvimento, que se caracteriza mais pela atitude de acomodação do médico, distante das questões de valores, que pela dominação ou imposição do paciente. O paciente é um cliente que demanda uma prestação de serviços médicos.
SACERDOTAL- O médico atua com paternalismo explicitado em relação ao paciente. Em nome da beneficência, a decisão tomada pelo médico não leva em conta os desejos, crenças, valores ou opiniões do paciente. O processo de tomada de decisão é de baixo envolvimento, baseando-se em uma relação de dominação por parte do médico e de submissão por parte do paciente.
COLEGIAL- Médico e paciente interage como colegas, não se diferencia os papéis no contexto da relação. O processo de tomada de decisão é de alto envolvimento; o poder é compartilhado de forma igualitária. A maior restrição a este modelo é a perda da finalidade da relação médico-paciente, equiparando-a a uma simples relação entre indivíduos iguais.
CONTRATUAL- Mútuos entendimentos de benefícios e responsabilidades são mantidos; o médico preserva a sua autoridade enquanto detentor de conhecimentos e habilidades específicas assume a responsabilidade pela tomada de decisões técnicas. O paciente participa desse processo exercendo seu poder de acordo com seus valores morais e pessoais. O processo ocorre em um clima de efetiva troca de informações e a tomada de decisão pode ser de médio ou alto envolvimento”[24]. (grifos nossos)
Diante do exposto, e da observância da prática médica atual, é possível perceber a existência de todos esses modelos, ou seja, os mesmos interagem diante da dinâmica complexa que se firma entre os sujeitos contrapostos oriundos dessa relação. Contudo, indiscutivelmente, há predominância da prática contratual, mesmo que indiretamente, justificando, por conseguinte, ser esta a natureza jurídica da prestação de serviços médicos. Deste posicionamento majoritário comungam estudiosos de renome como Carlos Roberto Gonçalves afirmando que “não se pode negar a formação de um autêntico contrato entre o cliente e o médico, quando este o atende. Embora muito já se tenha discutido a esse respeito, hoje não pairam mais dúvidas a respeito da natureza contratual da responsabilidade médica”[25]. Silvio Rodrigues também entende não haver mais necessidade de discussão do enquadramento da natureza jurídica como negocial, concluindo que “a responsabilidade de tais profissionais é contratual, e hoje tal concepção parece estreme de dúvida”[26]. Na mesma linha de raciocínio Caio Mário da Silva Pereira, que diz: “Não obstante o Código Brasileiro inseri-la em dispositivo colocado entre os que dizem respeito à responsabilidade aquiliana, considera-se que se trata de responsabilidade contratual”[27].
Salienta-se, contudo, que a pacificação na doutrina brasileira acerca da natureza jurídica só ocorreu com o advento do Código de Defesa do Consumidor em 1990, assentando que a relação firmada entre o médico e o paciente é relação de consumo pautada na prestação de serviços[28]. Importantíssima essa conclusão, tendo em vistas as repercussões no campo da responsabilização em decorrência de desequilíbrios ocorridos no decorrer do contrato e da antiga discussão existente na doutrina, verificando-se, ainda hoje, posições minoritárias que defendem ser a natureza jurídica extracontratual ou aquiliana, tomando como base a posição do artigo 1.545 do Código Civil em vigor[29] que trata da obrigação de reparação de dano por médicos (e outros profissionais da área de saúde), localizado no Capítulo II (Da Liquidação das Obrigações Resultantes de Atos Ilícitos no Título VIII – Da Liquidação das Obrigações). Assim, a argumentação dada por essa minoria é a de que, se o legislador desejasse que a responsabilidade fosse considerada contratual estaria inserida no Título IV – Dos Contratos – ou no Título V – Das Várias Espécies de Contratos – no mesmo Código. Contudo, tal corrente não vinga por ser estruturada em fundamentações bastante precárias que não gozam de aceitação da melhor doutrina, como destacado por Sergio Cavalieri Filho que admite a possibilidade excepcional de enquadramento em responsabilização extracontratual em casos especiais, como por exemplo, quando o paciente não puder expressar sua vontade, ou a relação não se firmar com bases nesta. Essa conclusão torna-se pertinente quando se dedica atenção ao princípio fundamental das relações negociais, a autonomia da vontade. Bem como quando houver lesão aos requisitos[30] básicos previstos no Código Civil vigente para a existência e validade do negócio jurídico.
“A responsabilidade médica é, de regra, contratual, em razão da forma como se constitui a relação paciente-médico. Normalmente, o paciente procura o médico, escolhe o profissional de sua confiança, constituindo com ele vínculo contratual. Resta, todavia, uma vasta área para a responsabilidade médica extracontratual, como, por exemplo, nos casos de atendimento de emergência, estando o paciente inconsciente, ou quando o médico se recusa a atender o paciente nesse estado emergencial; tratamento desnecessário, cirurgias sabidamente indevidas, experiências médicas arriscadas, etc. Há, ainda, casos, até, de ilícito penal perpetrado por médicos que realizam aborto fora dos casos permitidos em lei, desligam aparelhos para apressar a morte do paciente, receitam tóxicos ou substâncias entorpecentes indevidamente (…)”[31].
Assim, conclui-se com tranqüilidade que a regra que norteia as relações entre médicos e pacientes é fundada em um contrato, ou seja, nada mais representa do que relação de consumo, e, por conseguinte, podendo ser alvo dos dispositivos do Código de Defesa do Consumidor. Porém, por expressa menção nesse texto legal – artigo 14 (quatorze), § 4º (parágrafo quarto) – a responsabilidade pessoal do profissional liberal será apurada mediante a verificação de culpa. Mas, seguindo a posição supra, há respaldo para afirmar que a responsabilidade do médico poderá ser, em casos excepcionais, aquiliana.
Insta salientar que o contrato de prestação de serviços médicos preenche os requisitos de existência e validade estabelecidos no Código Civil de 2002, quais sejam: agente capaz, sendo considerado o paciente o contratante, capaz ou fazendo-se representar ou assistir por quem de direito nos casos previstos no mesmo código, e o médico como contratado, também capaz nos contornos civilistas; o objeto é lícito, possível e determinado uma vez que existem inúmeras disposições legais, como a Lei nº. 8.080/1990 que trata das condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências, diretamente afirmando a licitude de tal conduta, inclusive considerada como de peculiar importância para o desenvolvimento e manutenção da sociedade; e a forma, que não é defesa em lei, sendo, portanto, plenamente possível o firmamento de tal contrato que não necessita de formalidade, podendo ser produzido pela via escrita ou oral.
O marco inicial dessa relação de consumo é delimitado pela primeira consulta. O contrato de prestação de serviços médicos possui quatro características predominantes, é sui generis, oneroso, bilateral e personalíssimo, como preconiza Débora Sotto,
“(…) O contrato de prestação de serviços médicos é um contrato sui generis, oneroso, bilateral e personalíssimo. Sui generis, porque composto quase que exclusivamente por normas cogentes, consubstanciadas no Código de Ética Médica e na legislação civil e penal. Oneroso, porque os serviços médicos são remunerados, quer pelo próprio paciente, quer por terceiros. Bilateral, porque confere direitos e prescreve obrigações a ambas as partes contratantes; ainda que a maior parte das obrigações contratuais sejam impostas aos médicos, o paciente é obrigado à observância de ao menos dois deveres: fornecer ao médico as informações corretas sobre seus sintomas e seguir as recomendações quanto ao tratamento. Por fim, apesar da crescente despersonalização e massificação dos serviços médicos, contrato personalíssimo, porque se funda primordialmente numa relação de confiança entre as partes contratantes”[32].
Via de regra, a doutrina predominante entende ser um contrato de meio o firmado entre o médico e o paciente uma vez que aquele se compromete em atuar com diligência, empregando toda a técnica de que detém conhecimento, a fim de obter os resultados mais satisfatórios possíveis, uma vez que se trata de situação instável, levando-se em consideração que os seres humanos reagem de maneiras diferentes a um mesmo tratamento, não se pode assegurar um resultado. Logo, a conclusão que se verifica é ser um contrato de meio e não de fim ou resultado. Como observa Marco Fridollin Sommer Santos,
“A não-obtenção do diagnóstico correto apenas demonstra que o resultado esperado não foi alcançado. Mas se o profissional, na busca do diagnóstico utilizou-se corretamente de todos os meios que o estado da técnica e as condições de trabalho lhe proporcionam, não há que se falar em culpa profissional. O objeto da obrigação, que é a prestação de serviços médicos, não se confunde com a sua finalidade. O fim é a obtenção de um resultado correto. A não-obtenção do resultado esperado não se confunde com a violação da obrigação”[33].
Em suma, o que se entende por obrigação de meio é o fato de que a contratação não se vincula a resultados finais específicos. Necessita sim, do emprego de toda a diligência possível para a busca dos melhores resultados, sem, contudo, vincular-se a eles. Na contratação de resultado o elo é firmado justamente no intuito de obtenção de resultado específico. A ausência deste implica em defeito no cumprimento do contrato, logo, ensejando reparação.
“A obrigação de meio é aquela em que o profissional não se obriga a um objetivo específico e determinado. O que o contrato impõe ao devedor é apenas a realização de certa atividade, rumo a um fim, mas sem o compromisso de atingi-lo. O contratado se obriga a emprestar atenção, cuidado, diligência, lisura, dedicação e toda a técnica disponível sem garantir êxito. Nesta modalidade o objeto do contrato é a própria atividade do devedor, cabendo a este enveredar todos os esforços possíveis, bem como o uso diligente de todo seu conhecimento técnico para realizar o objeto do contrato, mas não estaria inserido aí assegurar um resultado que pode estar alheio ou além do alcance de seus esforços. Em se tratando de obrigação de meio, independente de ser a responsabilidade de origem delitual ou contratual, incumbe ao credor provar a culpa do devedor.
Na obrigação de resultado há o compromisso do contratado com um resultado específico, que é o ápice da própria obrigação, sem o qual não haverá o cumprimento desta. O contratado compromete-se a atingir objetivo determinado, de forma que quando o fim almejado não é alcançado ou é alcançado de forma parcial, tem-se a inexecução da obrigação. Nas obrigações de resultado há a presunção de culpa, com inversão do ônus da prova, cabendo ao acusado provar a inverdade do que lhe é imputado (Inversão do ônus da Prova) (…)”[34].
Num tratamento em que há uso de placebo pode-se afirmar tratar-se de contratação de meio. Logo, deverá o profissional da Medicina empregar toda a diligência e conhecimentos técnicos para a obtenção dos melhores resultados possíveis. Assim, verifica-se com base no artigo 14 (quatorze), § 4º (parágrafo quarto) do Código de Defesa do Consumidor[35], e nas regras infirmadas no Atual Código de Ética Médica[36], que a responsabilidade civil do médico é subjetiva, ou seja, necessita da comprovação de que o mesmo atuou com culpa lato sensu, o que corresponde a dizer que atuou com dolo, negligência, imprudência ou imperícia, a depender do caso concreto. É ínsito ao tratamento de efeito placebo a não informação da aplicação deste ao paciente, com isso, o mesmo não tem consciência da ineficácia do que lhe é ministrado somente sendo perceptível quando os resultados esperados não são obtidos. Assim, o que se percebe é que alguns elementos recebem destaque especial quando se fala em tratamento placebo e responsabilização, como por exemplo, a má-fé, conceito contrário à boa-fé objetiva[37] que deve ser empregada nos contratos. A relação entre o médico e o paciente desenvolve-se pautada na confiança recíproca, e, por conseguinte, indispensável a boa-fé.
A conclusão que se verifica nesse posicionamento é a de que a prestação de serviços médicos representa um contrato de meio com feições específicas, pois, a ênfase dada à má-fé e a lesão aos direitos do paciente recebe destaque especial, ensejando a responsabilização pelos danos decorrentes da conduta médica negligente, que somente podem ser auferidos diante da não obtenção dos resultados esperados cumulada ao emprego da má-fé.
A má-fé é conceito de valoração subjetiva, verificada pela ausência do emprego de diligência necessária que o caso concreto necessita. Com isso, quando um paciente procura um médico, sendo ministrado àquele um placebo, e, a posteriori, percebe-se que não houve nenhuma melhora, só então recebendo a informação de que tipo de tratamento foi-lhe aplicado, haverá desequilíbrio na relação médico-paciente, pois, houve lesão ao direito de ser informado das miudezas da sua terapêutica, bem como do que diz respeito ao consentimento informado.
Frisa-se que a conduta médica no qual há omissão quanto ao tratamento, bem como as possíveis reações colaterais representa dolo ou culpa na modalidade negligência. É imprescindível que o paciente, ou os familiares do mesmo a depende do caso, recebam todas as informações necessárias para que possam consentir. O direito ao consentimento informado é o pilar de toda a Bioética, bem como de todo ato médico. O Código de Defesa do Consumidor defende o direito à informação[38] por tratar-se de ação afirmativa que visa proteger indivíduos que se encontram em situação de desigualdade, por não terem, no caso específico da relação médico-paciente, conhecimentos técnicos. Assim, o referido diploma normativo, representa avanço na aplicação do Direito, uma vez que privilegia a aplicação do princípio constitucional da isonomia em sua acepção material. Como enuncia Sérgio Cavalieri Filho,
“(…) Nenhum médico, por mais competente que seja, pode assumir a obrigação de curar o doente ou de salvá-lo, mormente quando em estado grave ou terminal. A ciência médica, apesar de todo o seu desenvolvimento, tem inúmeras limitações, que só os poderes divinos poderão suprir”[39].
Por conseguinte, verifica-se que a eleição da responsabilidade subjetiva do médico pauta-se no caráter personalíssimo do contrato firmado entre as partes, bem como na própria evolução das Ciências. Pois, muito embora tenham boas técnicas sendo aplicadas, reconhece-se que muito ainda pode ser explorado e, juntando a isso, as diferentes reações que o organismo humano pode ter em indivíduos diversos.
5. O direito do paciente ao consentimento informado e o dever do médico de informar. A ética médica frente ao tratamento placebo
É sedimentada no campo do Biodireito a noção existente quanto ao consentimento informado, sendo considerado como o principal princípio deste novíssimo ramo do Direito. Surge como reflexo da liberdade do ser humano, assegurada como direito fundamental na atual Carta Política. Seria a liberdade de expressão, a liberdade de gerir a vontade guiada por informações claras, precisas e totalmente desvirtuada de dúvidas. Para tanto, conglobam-se dois princípios na formação do livre consentimento informado. O livre convencimento, sendo reflexo do direito à liberdade, como já mencionado, e o direito à informação, que, com o advento do Código de Defesa do Consumidor recebeu contornos especiais, uma vez que a ausência, ou má prestação de informações, configura negligência, e, por conseguinte, eivando de culpa a conduta do profissional médico. Logo, surgindo para o paciente à possibilidade de busca, diante da lesão a direito seu, ao judiciário e à seara administrativa, representada pelos Conselhos Estaduais de Medicina, para a devida responsabilização desse profissional que não atuou de acordo com a conduta esperada.
“O Consentimento Informado consiste numa “decisão voluntária, realizada por uma pessoa autônoma e capaz, tomada após um processo informativo e deliberativo, visando à aceitação de um tratamento específico, sabendo da natureza dos mesmos, suas conseqüências e dos seus riscos”[40].
Diante do direito do paciente em consentir, há, de maneira proporcional, o dever de informar do médico. Existe uma relação de interdependência entre os dois preceitos. Para um existir há a necessidade do outro, em conseqüência, sendo um eivado de vício, o outro necessariamente também estará maculado. Contudo, para ensejar responsabilização, em regra de natureza civil, e administrativa, mas, a depender do caso concreto poderá também ser acessível a seara penal, a ordem de negligência que se estabelece é a seguinte: O médico, tendo o dever de informar ao paciente todas as miudezas do tratamento placebo que lhe será ministrado não o faz, por acreditar que tornará ineficaz o procedimento, uma vez que a não informação é peculiar deste, e, com isso, o paciente acaba por consentir pautado em informações sem clareza, não aptas a gerarem um consentimento livre e informado capaz de excluir a responsabilidade do médico por eventuais danos ocorridos no decorrer da terapêutica.
É bastante delicada a relação criada entre o direito à informação do paciente e a técnica de tratamento placebo. Sempre, mesmo que de maneira ínfima, haverá lesão a esse direito. Salienta-se que mesmo nos casos onde o placebo atinge efeitos benéficos haverá essa lesão, pois, o que visa tal direito é diametralmente oposto ao que enuncia a técnica placebo. Por conseguinte, é possível afirmar que quando houver dano efetivo ao paciente decorrente da não informação, ou da informação imprecisa, que é considerada como não prestada, ou ainda excessivamente rebuscada ou puramente técnica, haverá possibilidade de reparação, mas, como a responsabilidade do médico é subjetiva, haverá a necessidade de comprovação da culpa do mesmo. Sendo, porém, possível, em caráter excepcional, a inversão do ônus da prova em favor do paciente, pois, este é protegido pelo Direito Consumerista[41]. Assim como leciona Sérgio Cavalieri Filho
“Na verdade, o direito à informação está no elenco dos direitos básicos do consumidor: ‘informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, bem com sobre os riscos que apresentam’ (art. 6º, III, do Código de Defesa do Consumidor). A informação tem por finalidade dotar o paciente de elementos objetivos de realidade que lhe permitam dar, ou não, o consentimento. É o chamado consentimento informado, considerado, hoje, pedra angular no relacionamento do médico com seu paciente. (…) Pois bem, embora médicos e hospitais, em princípio, não respondam pelos riscos inerentes da atividade que exercem, podem, eventualmente, responder se deixarem de informar aos pacientes as conseqüências possíveis do tratamento a que serão submetidos. Só o consentimento informado pode afastar a responsabilidade médica pelos riscos inerentes à sua atividade. O ônus da prova quanto ao cumprimento do dever de informar caberá sempre ao médico ou hospital”[42].
As acepções atuais da Bioética caminham no sentido de priorizar a autonomia da vontade do paciente, isso poderia levar a crer que o princípio do consentimento informado invalida o princípio da beneficência, mais conservador e reflexo dos contornos sócio-ideológicos de seu surgimento. A essência paternalista da beneficência, baseada no juramento de Hipócrates[43] (anexo 02), afirma que a conduta médica deve sempre ser voltada para encontrar o melhor resultado, mesmo que o desejo do paciente seja contrário a isto. Ou seja, a conduta médica correta é encarada como aquela em que os melhores benefícios serão atingidos, muito embora se tenha que desprezar a autonomia da vontade do paciente de dispor sobre o seu próprio corpo. Contudo, embora digno de respeito o juramento milenar dos médicos, que reflete a noção divina da Medicina, bem como a responsabilidade no exercício de tal profissão, não se pode afirmar que um princípio excluiria o outro quando da conduta médica, pois, existem exceções ao princípio da autonomia ou consentimento informado, como nos casos de urgência com iminente risco de vida. Nessas especiais situações, não haverá lesão por parte do médico por ser aplicado o privilégio terapêutico.
Importante salientar que, via de regra, o consentimento informado prestado a partir das informações idôneas fornecidas pelo médico são aptas a liberá-lo de possíveis responsabilizações posteriores (uma vez que a responsabilidade, em regra, é subjetiva). A vertente Ética atual deixa um pouco de lado o conservadorismo de outrora e pauta-se pela autonomia do paciente. Seria, portanto o consentimento informado como reflexo do direito da personalidade de disposição sobre o próprio corpo, que deriva do direito nato à integridade física, da liberdade do indivíduo, e em última instância, da própria dignidade da pessoa humana. Encontra-se essa posição, no atual Código de Ética Médica,
“É vedado ao médico: (…)
Art. 22. Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte.
Art. 23. Tratar o ser humano sem civilidade ou consideração, desrespeitar sua dignidade ou discriminá-lo de qualquer forma ou sob qualquer pretexto.
Art. 24. Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo.
Art. 31. Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte.
Art. 34. Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar dano, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu representante legal.”
Conclui-se que a posição do Conselho Federal de Medicina, ao editar o novo Código de Ética, não deixa dúvidas, mostrando-se atento às novas tendências da Bioética e do Biodireito. No que tange a aplicação de placebos o mesmo não foi omisso, porém, somente tratou do tema referindo-se às pesquisas científicas, permitindo o uso apenas quando não houver nenhum tratamento efetivo e eficaz para a doença pesquisada. Frisa-se, no que tange especificamente à aplicação pelo médico de tratamento placebo como técnica comum nos consultórios, que a omissão fundamenta-se na ausência de informação sobre os direitos do próprio paciente, e de lides e decisões judiciais com esse contexto. Desta maneira, afirma-se que a visibilidade dada ao tema será crescente à medida que forem difundidos os direitos do paciente diante da publicação do Novo Código de Ética Médica, e das condenações de profissionais médicos por meio do judiciário e na seara administrativa, decorrente de desequilíbrio contratual.
Considerações Finais
As conclusões ético-jurídicas que podem ser encontradas diante da relação estabelecida entre o médico e o paciente num tratamento de efeito placebo, tendo como elemento básico a confiança decorrente do caráter personalíssimo do contrato firmado, são interessantes. Pois, antes de qualquer análise específica ao que tange à responsabilização, é preciso perceber a peculiaridade da técnica placebo. Esta se funda na ingestão medicamentosa sem efeitos farmacológicos cientificamente comprovados, como por exemplo, pílulas de farinha. Estaria pautada na crença da potencialidade da mente humana, no poder que o indivíduo possui de regenerar-se. Assim, é fácil perceber a contrariedade desse tipo de tratamento com o princípio norteador de toda a conduta médica, o dever de informar do profissional e o consentimento informado do paciente. Diante disso, afirma-se haver lesão a esse direito. Contudo, a reparação na seara jurisdicional necessita de dano efetivo, além da comprovação de culpa do médico, tendo em vista a sua caracterização em sendo subjetiva derivada de uma obrigação de meio. Quando o médico ministra um placebo em seu paciente o dano só será percebido quando não se fizerem presentes os resultados esperados. Logo, a conclusão que se verifica é a de que não há o emprego da boa-fé nessa relação contratual, pois, esta traz consigo a necessidade de lealdade e transparência nas relações. Haverá um efeito em cascata no infringir dos institutos.
Salutar a proteção ao consumidor/paciente no Código de Defesa do Consumidor (CDC), muito embora o novo Código de Ética Médica traga texto expresso negando a relação de consumo existente entre o médico e o paciente, (inapto a gerar revogação do conteúdo normativo consumerista, tendo em vista não ser o Novo Código de Ética Médica lei em sentido estrito, ou seja, elaborada de acordo com o processo legislativo estabelecido na Carta Magna atual), pois, a vertente da defesa aos vulneráveis vem sendo cada vez mais seguida pelos diplomas normativos brasileiros, visando com isso, igualar os indivíduos que, entre outros fatores, historicamente foram negligenciados.
Por fim, salienta-se a contribuição dos placebos em pesquisas científicas propiciadoras do desenvolvimento de novos medicamentos. Atuam de maneira determinante na descoberta dos efeitos destes. Contudo, o que se busca no presente artigo é abordar o campo prático, relações concretas entre o médico e o paciente. Nestas, porém, os placebos são ensejadores de grande insegurança, podendo causar responsabilização judicial do profissional que os ministra devido à ocorrência de dano efetivo, mesmo não sendo encontrado nenhum julgado nesse sentido, e, sujeição a processo administrativo que poderá, eventualmente, observado o princípio da proporcionalidade, culminar na cassação do registro no Conselho Estadual de Medicina onde atua esse médico por violar preceitos éticos fundamentais que norteiam essa profissão.
Informações Sobre o Autor
Andreza de Queiroz Lustiago
Graduada em Direito pela Faculdade de Tecnologia e Ciências no Estado da Bahia. Advogada. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Federal da Bahia – UFBA