Jurisdição constitucional e hermenêutica. PEC 37 – PEC da Legalidade ou da Impunidade

Resumo: Proposta de Emenda Constitucional 37/2011. Poderes inquisitivos ao ministério público. Parecer de conformidade ou não constitucionalidade da PEC.

Sumário: 1. Introdução. 2.  Fundamentos e Críticas. 3. Conclusão. Referências.

1. INTRODUÇÃO

A Proposta de Emenda Constitucional 37 de 2011, inclusive já votada e rejeitada pela Câmara de Deputados com 430 votos contrários, 9 a favor e duas abstenções, cedeu ao apelo popular das manifestações de julho de 2013, mesmo não havendo debates aprofundados sobre o tema exposto. O referido tema expôs opiniões contrárias na comunidade jurídica, suscitando a indagação da legitimidade ou não do Ministério Público (MP) para conduzir diretamente investigações.

Duas correntes de pensamento disputavam a primazia da legitimidade jurídica: A primeira argumentava que a investigação criminal foi reservada, pela Constituição Federal de 1988, à polícia judiciária, sendo vedado ao Ministério Público o desempenho da atividade, que usufrui de prerrogativas inconstitucionais que não lhe foram atribuídas. A segunda corrente, fortalecida pela participação popular na onda de protestos de julho de 2013, argumentava que em decorrência do papel constitucional do Ministério Público, quando necessário, poderia de ofício conduzir investigação criminal sem a necessidade de requisitar à polícia judiciária as investigações e inquéritos.

Preliminarmente, a Constituição Federal de 1988 é clara e concisa na atribuição e valoração dos membros da justiça brasileira e seus poderes-deveres constitucionais. Logo, não há de se julgar no presente texto o modelo jurídico brasileiro, que já está posto. Não que ele não deva ser foco de intenso debate e melhoramentos, longe disso. O presente trabalho tem o fito de tecer observações sobre o tema, os argumentos das correntes de pensamento, apontando seus acertos, incoerências e falhas, concluindo a respeito da PEC e a influência do ativismo judiciário nos fatos, com um singelo parecer acerca da constitucionalidade da Proposta de Emenda Constitucional 37 de 2011.

2. FUNDAMENTOS E CRÍTICAS

A primeira corrente de pensamento, favorável à Proposta de Emenda Constitucional a qual intitula como PEC da Legalidade, tem como principal argumento a interpretação literal do ordenamento jurídico, porém cai no erro e às vezes à beira da falácia utilizando chavões, usando de um senso comum teórico de que está escrito, está posto, sem aprofundar na discussão sobre a interpretação da lei e seus reais objetivos. É um pragmatismo interpretativo, como disse Lenio Streck no livro Pensar Direito: “É através do discurso dogmático que a lei passa a ser vista como sendo uma-lei-em-si, abstraída das condições que a engendraram, como se a condição-de-lei fosse uma propriedade natural”. Lançam como alicerce que a Constituição de 1988 não confere ao Ministério Público o poder de investigação, não podendo a PEC 37 suprir direito inexistente. Porém, falham ao não analisar a real intenção dos constituintes, de criar o Ministério Público como guardião do justo e devido inquérito.

O sistema brasileiro, que mescla características de sistemas acusatórios e inquisitivos, se divide em fases pré-processual e processual propriamente dita, justamente para apresentar um sistema único equilibrado, com nenhuma instituição com poderes acima dos outros, gerando uma balança tendendo a um justo processo, com garantias ao investigado a princípio e logo após ao acusado, justamente por estar em jogo a liberdade, direito tido como fundamental.

A segunda corrente de pensamento, que intitula a Proposta de Emenda Constitucional como PEC da Ilegalidade, usa do momento político do país de descrença nas instituições democráticas constituídas, com o aforismo de que a referida proposta retira do Ministério Público o poder de investigação e reduz o número de órgãos de fiscalização. Na verdade, para além de ser contra a PEC, são favoráveis a maiores poderes ao MP, de conduzir investigação criminal discricionariamente, mediante procedimento próprio, sem a necessidade de requerer à autoridade policial diligências investigatórias ou instauração de inquérito. Explicitam que o MP por ser titular da ação penal publica não pode ser mero espectador da atividade policial, o que pode ser interpretado como argumento falacioso, já que o papel do MP é justamente o controle externo da atividade policial. Finalizam com a máxima de que não seria descartada a participação no inquérito da polícia, mas que as investigações do MP viriam a complementar, reduzindo o debate ao “quanto mais investigação e instituições com tal propósito, melhor para o controle e o combate à corrupção”. Argumento frágil, justamente pela falta de fundamentação teórica e em descompasso com a realidade, no momento em que é nítida a falta de investimento em capacitação da polícia e no setor de segurança pública. Justamente o que falta à polícia além dos itens citados é maior e melhor controle da atividade policial, que é responsabilidade justamente do próprio MP.

Poderiam ter utilizado do momento histórico para fomentar um debate sobre o real papel da justiça no país e as instituições que fazem parte, desconhecidas pela maioria da sociedade. E até quem sabe, questionar o modelo do sistema penal e o papel das polícias no Estado democrático, mas longe disso, ativeram-se ao discurso tão maléfico ao direito quanto senso comum teórico, o moralismo.

3 CONCLUSÃO

Em ambos os lados do debate, há excessos e julgamentos precipitados, típico dos debates acalorados. A crítica que se tem do debate, é o tempo exíguo para aprofundá-lo além do pragmatismo social. Embora a sociedade tenha pressa, a história mostra que limitações são imprescindíveis para que a evolução dos tratados sociais não submeta os princípios dos direitos humanos em prol de um pretenso bem-estar social da maioria.

Trata-se de parecer, ante mão alguns tópicos a se julgar: O princípio da razoabilidade ou proporcionalidade, embora não expressos na Constituição Federal de 1988, podem ser usados como instrumentos da justa medida dos atos do Ministério Público quando age na excepcionalidade. Permite ao judiciário invalidar os atos em que não haja adequação entre o fim e o instrumento empregado, tornando ainda mais necessária uma atividade pró-ativa do Magistrado. Esse resgate de valores iniciais do direito, chamado de pós-positivismo por Luís Roberto Barroso, transpões o campo filosófico para a prática. Nascido desde raciocínio, há casos em que o MP pode e deve atuar como responsável direto pela investigação, desde que fundamentado na busca pela verdade real nos casos em que ocorrer o risco de perdê-la ou na inexistência de outros meios para obtê-la, como exemplo em casos de prevaricação/corrupção dos membros do Estado.

Como resposta, é o parecer de que a PEC não deva ser tratada como da legalidade ou ilegalidade, justamente por abreviar e tornar óbvio o que não é. A PEC limita o trabalho do MP para além das excepcionalidades. Fato que o Ministério Público deve ser limitado em quais parâmetros pode usar dessa discricionalidade funcional. A PEC é inconstitucional por não permitir a ação do MP nos casos atípicos. Cabe aos Magistrados interpretar, na ausência da lei, por inoperância legislativa, em quais momentos excepcionais serão balizadas as ações do Ministério Público, longe dos modismos de moralidade e sim dentro de uma ótica interpretativa do mundo dos fatos em harmonia com o mundo jurídico. A Carta Magna brasileira atualmente não confere os poderes pretendidos pelo MP, mas também não a limita como a PEC pretendia. Ao que tange o atípico, excepcionalíssimo, deve haver regulamentação para conter arroubos de poder e discricionalidade motivadas por interesses diferentes da sociedade.

É imprescindível a existência de instituições como o Ministério Público no Estado Democrático, desde que limitado e contrabalanceado num sistema jurídico equilibrado, em que pese a balança sempre o devido e justo inquérito e processo.

 

Referências
Investigação Criminal, PEC da Legalidade – ADEPOL-BR;
Constituição da República Federativa do Brasil. 1988;
Código Processual Penal Comentado – Nucci, Guilherme de Souza.Revista dos Tribunais;
O Papel do MP e as Investigações Arbitrárias – Yarochewsky, Leonardo Isaac. PUC-Minas;
Direitos Humanos e Globalização. Herrera Flores. PUC RS, Porto Alegre;
Compreender Direito. Streck, Lenio Luiz. Revista dos Tribunais.
Parecer: Investigação Pelo Ministério Público. Argumentos Contrários E A Favor. A Síntese Possível E Necessária – Barroso, Luís Roberto. UERJ
Consulta Parecer MP – Da Silva, José Afonso. USP
O Ministério Público como instrumento de democracia e garantia constitucional. Eduardo Ritt. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2000
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Informações Sobre o Autor

Rodrigo da Silva Soares

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande. Pós-graduado em Direito Público


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