A teoria dos jogos e sua aplicação na recuperação judicial

Resumo: Neste artigo discute-se a aplicação da teoria dos jogos, emanada da análise econômica do Direito, na recuperação judicial de sociedades empresárias, de modo a possibilitar aos credores racionalizar acerca da melhor decisão a ser tomada em Assembléia-Geral de Credores, tanto para satisfação de seus créditos, quanto para permitir que a sociedade em recuperação possa continuar exercendo sua atividade e possa, efetivamente, se reerguer.

Palavras-chave: Recuperação judicial. Teoria dos jogos. Análise econômica do Direito.

Abstract: In this paper, it is discussed the aplication of the game theory, generated from the economic analysis of Law, in the judicial reorganization of companies, to enable creditors to racionalize about the best decision to be taken in the general meeting of creditors, both to satisfy their credits, as to allow the companie in judicial reorganization be abble to continue exercising their activities and may, effectively, rise again.

Key-words: Judicial reoganization. Game Theory. Economic analysis of the Law.

Sumário: Introdução. 1. O direito falimentar e a recuperação judicial. 2. A análise econômica do direito. 3. Aplicação da teoria dos jogos na assembléia geral de credores. Conclusão. Referências bibliográficas.

Introdução

Analisando-se o contexto da recuperação judicial trazida pela nova Lei de Falências e Recuperação Judicial (Lei nº 11.101/2005), percebe-se a intenção do legislador brasileiro em tornar como objetivo principal da lei a recuperação daquelas sociedades empresárias que, não obstante possuam dívidas não adimplidas, ainda demonstrem possibilidade de serem recuperadas, a fim de preservar empregos, produção e/ou circulação de bens e serviços, recolhimento de tributos, ações sociais, ou seja, com o nítido intuito de se aplicar a função social da empresa.

O órgão máximo deliberativo da recuperação judicial, a Assembléia Geral de Credores, é quem irá determinar os rumos a serem tomados durante o procedimento da recuperação, seja no momento de votação do plano ou da ocorrência de eventos incidentais cuja solução necessite da aprovação dos detentores dos créditos.

Contudo, observa-se que a interdisciplinaridade trazida pela Análise Econômica do Direito se mostra eficaz para possibilitar aos credores otimizar os ganhos obtidos em suas decisões, ou seja, permite aos credores tomarem as melhores decisões racionais a fim de verem seus créditos satisfeitos, sem, contudo, que a atividade econômica desenvolvida pela sociedade em recuperação seja prejudicada.

Nesse sentido, buscou-se no presente trabalho demonstrar a aplicação da Teoria dos Jogos nas Assembléias Gerais de Credores para que se possa buscar o maior ganho para os credores como um todo, ignorando-se ganhos maiores individualmente possíveis.

1. O Direito Falimentar e a Recuperação Judicial

Antes de iniciar o estudo sobre a influência e aplicação da Teoria dos Jogos na Assembléia Geral de Credores, se mostra imprescindível trazer à baila os conceitos básicos de ambos os institutos, para que, posteriormente, se torne possível determinar a aplicação prática da mencionada teoria no direito recuperacional.

Adalberto Simão Filho[1]: ensina que

“No passado, a participação dos credores, tanto nos procedimentos de natureza concursal como o falimentar e nas concordatas, sempre foi incipiente na medida em que a própria lei não oferecia ferramentas hábeis e eficientes para uma melhor verificação destes interesses, uma por que em se tratando de falência a lei possuía caráter nitidamente liquidatório e processualista, perdendo-se em infinitas etapas e procedimentos que acaba por onerar sobremaneira o credor que porventura se interessasse na contribuição para a busca de uma solução ao crédito e à empresa e seus conjuntos de ativos, a outra porque, em se tratando de um procedimento de concordata, somente os credores quirografários participariam, afastando-se, desta forma, os interesses dos demais.”

A falência, conhecida grosso modo como a “morte da sociedade empresária” pode ser definida como um conjunto de atos processuais necessários para a arrecadação de bens e direitos de uma determinada sociedade a fim de saldar, tantas quantas forem possíveis, as dívidas por ela contraídas e não adimplidas a tempo e modo.

Sérgio Campinho[2] a define como:

“O conjunto de atos ou fatos que exteriorizam, ordinariamente, um desequilíbrio no patrimônio do devedor.

O instituto da falência faz emergir um complexo de regras, estabelecidas com o escopo de disciplinar e oferecer uma solução a esse desequilíbrio verificado, revelador de um estado de insolvência do devedor, que não possui patrimônio capaz de atender ao cumprimento de suas dívidas.”

Assim, o instituto da falência se mostra verdadeiro remédio processual para a arrecadação de bens e direitos de uma sociedade que se mostra impossibilitada de arcar com seus compromissos, obedecidos, por óbvio, os requisitos objetivos trazidos pelo artigo 94[3] da nova Lei de Falência e Recuperação Judicial (Lei nº 11.101/2005), que não serão tratados no presente trabalho por fugir ao tema proposto.

A recuperação judicial, por sua vez, pode ser entendida como um conjunto de ações empregadas para resgatar uma sociedade empresária de uma situação de insolvência, contudo, passível de ser revertida e encontra-se definida no artigo 47 da nova Lei de Falências:

“Art. 47 – A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.”

Nota-se que o legislador cuidou-se para deixar claro o objetivo precípuo da recuperação judicial, qual seja, a função social da empresa, na medida em que visa preservar a atividade produtiva de modo a que a sociedade empresária possa se manter ativa e conseguir dar sua parcela de contribuição à sociedade (produção de insumos/prestação de serviços, manutenção de empregos, recolhimento de tributos etc.).

Importante ressaltar que essa preocupação se trata de uma inovação do legislador em contraponto ao Decreto-Lei de 1945, cujo objetivo era liquidatório em sua essência, razão pela qual se destaca a evolução do direito falimentar brasileiro, que privilegia toda a cadeia produtiva em detrimento do interesse de poucos credores que pretendem somente a rápida satisfação de crédito, sem se preocuparem com as conseqüências econômicas e sociais decorrentes de uma falência.

Nesse sentido, cita-se trecho da tese de doutorado de Max Roberto de Souza e Silva[4]:

“Verifica-se, portanto, que, apesar de certas imprecisões do novo diploma legal, é indubitável que a nova lei representa uma grande evolução para o direito empresarial moderno, privilegiando a recuperação do devedor em crise econômico-financeira em detrimento de sua falência. Isso permite a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.”

Definidos os conceitos de falência e recuperação judicial, passa-se à análise do importante órgão existente em ambos os procedimentos, qual seja, a Assembléia Geral de Credores.

A Assembléia Geral de Credores é o órgão responsável por reunir os credores que serão necessariamente atingidos pela falência ou recuperação judicial a fim de deliberarem sobre temas necessários para o deslinde dos processos.

Nos termos de Sérgio Campinho[5]:

“A assembléia-geral de credores consiste na reunião dos credores sujeitos aos efeitos da falência ou da recuperação judicial, ordenados em categorias derivadas da natureza de seus respectivos créditos, com o fim de deliberar sobre as matérias que a lei venha exigir sua manifestação, ou sobre aquelas que possam lhes interessar. Revela um foro facultativo e não permanente de decisões dos credores, instalado e operado em estrita obediência das prescrições legais, para decidir situação especifica eventualmente surgida no curso do processo”

Adalberto Simão Filho[6], por sua vez, define a Assembléia Geral como:

“A disciplina jurídica que envolve a Assembléia-Geral como um órgão colegiado foi desenvolvida a partir do artigo 35 da Lei 11.101/05. Trata-se a assembléia de um conclave formado por credores concorrentes nos processos de recuperação judicial ou no procedimento de falência, com fins deliberativos desde que convocada e instalada na forma e para os limites previstos na lei.”

Aldo Eduardo Santos Silva[7], ao discorrer sobre a Assembléia Geral de Credores, aborda o objetivo principal deste órgão:

“De tal sorte, a legislação atual buscou, através da assembleia (sic) geral de credores, compor, em um polo (sic) específico, os detentores de determinados créditos, para que pudessem, de acordo com as limitações legalmente entabuladas, manifestaram-se (sic) em relação à empresa em crise, deliberando e decidindo questões falenciais e recuperacionais”

Sérgio Campinho[8] retoma a questão dos objetivos da Assembléia Geral:

“Na fluência dos processos de recuperação judicial ou falência podem emergir matérias que demandem a deliberação dos credores neles envolvidos. Essas matérias que reclamam decisão podem ser simplesmente acidentais ou decorrerem de uma situação processual específica. No primeiro caso, a instalação da assembléia-geral de credores será facultativa, motivada, assim, por interesse momentaneamente verificado, de cunho geral ou particular a uma categoria de credores. No segundo caso, a instalação do conclave deliberativo se mostra obrigatória, funcionando como condição necessária e indispensável à solução de uma questão do processo.”

Assim, conforme se percebe, a Assembléia Geral de Credores é o órgão responsável por deliberações que envolvam os credores, bem como a proposta de recuperação judicial.

Sérgio Campinho[9], por sua vez, delimita os assuntos os quais a Assembléia Geral de Credores poderá deliberar, todos previstos na nova Lei de Falências, ressalta-se por oportuno:

“Na recuperação judicial será a assembléia de credores necessariamente instalada para deliberar sobre: (a) aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor, quando for objetado por qualquer credor; (b) pedido de desistência do devedor de seu requerimento de recuperação judicial, formulado após o ato judicial que deferir o seu processamento; (c) escolha do gestor judicial, quando do afastamento do devedor da condução de seus negócios. A instalação facultativa se verifica para decidir acerca: (a) da constituição do comitê de credores, a escolha de seus membros e sua substituição; (b) de qualquer matéria que possa afetar os interesses dos credores.”

O doutrinador Sérgio Campinho[10] continua sua explanação acerca das deliberações, quórum de aprovação e valor de cada voto, que não serão objeto de análise profunda uma vez que fogem ao tema proposto:

“As deliberações dos credores reunidos em assembléia-geral serão tomadas segundo a maioria de votos dos presentes ao evento. O voto de cada credor será proporcional ao valor de seu crédito. Temos, assim, os sistemas e quorum ordinários de deliberação e o método comum de valoração do peso do voto.

Escapam ao sistema ordinário (que leva em conta o universo de credores e não suas classes) as deliberações que versarem sobre a constituição e composição do comitê de credores e a concernente à aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor, a qual, inclusive, não se submete exclusivamente ao método comum de valoração do peso do voto. Foge ao quorum ordinário a deliberação acerca da forma alternativa de realização do ativo na falência”

Por fim, Amanda Vilarino Espíndola[11], explica que a deliberação tomada em Assembléia Geral de Credores é ato positivo e, portanto, deve ser expresso, sendo certo que o silêncio, no caso em tela, implica em não aceitação do plano de recuperação judicial:

“A deliberação é um ato positivo e sendo assim, na hipótese de apresentado plano de recuperação judicial e convocados os credores, nenhum deles se fizer presente para o conclave, o pedido de recuperação irá convolar-se em falência.

Dirão os credores reunidos no conclave, se as condições propostas pelo devedor atenderão, primordialmente, aos seus interesses, ou seja, o credor irá atuar na assembléia geral no resguardo de seus interesses creditícios, examinando se a proposta de recuperação constitui instrumento hábil para viabilizar a realização de seu crédito.”

Conforme se observa, a doutrinadora sustenta que os credores presentes na Assembléia Geral de Credores estão em busca de resguardar unicamente seus interesses creditícios, analisando unicamente o plano como instrumento hábil para viabilizar a realização de seu crédito.

Ocorre que, conforme será amplamente demonstrado em tópico próprio, ao se transportar a Análise Econômica do Direito, mais especificamente a Teoria dos Jogos para o âmbito da recuperação judicial, será possível notar um comportamento diferente dos credores, que buscam resguardar seus interesses creditícios, claro, mas o fazem de modo a tentar que todos saiam ganhando.

2. ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO

Ultrapassada a questão de cunho empresarial, se faz necessária uma abordagem superficial da Análise Econômica do Direito para que se possa chegar ao cerne do estudo, a aplicação da Teoria dos Jogos no âmbito da recuperação judicial.

Necessário frisar que a definição dos conceitos de análise econômica do direito serão apenas para a formulação de um raciocínio linear de base, não estando diretamente ligado ao objeto da presente análise, razão pela qual será tratada com menor importância.

A Análise Econômica do Direito teve seu desenvolvimento em meados do século passado, com a publicação de importantes trabalhos pelos renomados Ronald Coase e Richard Posner, conforme ensina Tatiane De Oliveira Gonçalves[12]

“Assim como o instituto arbitral é antigo, o diálogo entre Direito e Economia existia desde o século XVIII. Entretanto, somente a partir dos anos 60 do século passado nos Estados Unidos é que se inicia o desenvolvimento de Law and Economics como matéria interdisciplinar. Adquiriu importância com as publicações de Ronald H. Coase (The problem of social cost, em 1960), de Richard Posner (Economic analysis of law) e de Guido Calabresi” (The cost of accidents). Cf. SZTAJN, Rachel. Law and Economics. In: ZYLBERSZTAJN, Décio; SZTAJN, Raquel (orgs.).

Seu conceito, por sua vez, é bastante discutido doutrinariamente, sendo que MÁRCIA CARLA PEREIRA RIBEIRO[13] o define como:

“Portanto, a Análise Econômica do Direito é essencialmente um movimento interdisciplinar, que traz para o sistema jurídico as influências da ciência social econômica, especialmente os elementos valor, utilidade e eficiência. Busca aplicar seu método a todas as searas do direito, apresentando um novo enfoque de forma dinâmica – desde aquelas em que é fácil vislumbrar a inter-relação, como o direito da concorrência e contratos mercantis – até naquelas em que causa maior estranheza para o jurista, como no direito penal e nas relações familiares.”

Assim, conforme se pode perceber, a Análise Econômica do Direito é, na realidade, uma interdisciplinaridade que pretende transplantar e aplicar conceitos e paradigmas da ciência econômica para as diversas áreas do direito, tendo como foco os elementos de valor, utilidade e eficiência.

Rodrigo Martins Eustáquio[14], por sua vez, entende que a tradução da análise econômica do direito é a tradução de elementos da teoria jurídica para termos econômicos, senão veja-se:

“No nível externo, a metodologia, os conceitos e as teorias econômicas são aplicados com o objetivo de entender o direito (descrever) e, na sua instância máxima, a teoria econômica é defendida como capaz de predominar os elementos fundamentais da teoria jurídica, ou seja, elementos como valor, justiça e equidade são traduzíveis em termos econômicos como racionalidade, eficiência e equilíbrio.”

Assim, conclui-se que a Análise Econômica do Direito é a aplicação, na esfera jurídica, de conceitos e teorias trazidas da ciência econômica, visando traduzir os elementos jurídicos em termos econômicos.

3. TEORIA DOS JOGOS E SUA APLICAÇÃO NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

Adentrando à parte final do estudo, apresenta-se a Teoria dos Jogos como a teoria da Análise Econômica do Direito mais correta para utilização na recuperação judicial.

A Teoria dos Jogos trata-se de um modelo matemático amplamente aplicado em diversas áreas de conhecimento, tendo como fundamento a tomada de decisões conscientes em diferentes situações, a fim de se obter uma situação de ganho real.

Para Cristiano Abras Silva[15], pode ser entendida como:

“Cumpre, inicialmente destacar que a Teoria do Jogos trata-se de um modelo econômico que busca demonstrar as forças básicas de uma determinada interação social. Por ser uma teoria matemática permite descrever processos de decisões conscientes e objetivos envolvendo mais de um indivíduo.

Baseada em estratégia e economia estuda a tomada de decisões entre indivíduos em determinadas situações de conflito, situações que se costuma denominar jogos. O objetivo buscado com a teoria dos jogos é alcançar o equilíbrio, no entanto esse equilíbrio requisita a combinação de vários fatores.”

Para Márcia Carla Pereira Ribeiro[16], contudo:

“Essa teoria é um instrumento utilizado pela Análise Econômica do Direito para ajudar a entender ou mesmo prever os comportamentos das pessoas quando há interesses em conflito.

Quando há interação entre indivíduos e suas atitudes se baseiam naquilo que espera do outro, surge aí o que se chama de “comportamento estratégico” e passa a haver um jogo de ações entre eles. Nessa situação, a Teoria dos Jogos analisa e ajuda a prever as estratégias racionais desses indivíduos, a partir do conhecimento deles acerca das regras do jogo.”

Assim, considerando que na recuperação judicial existem diversos interesses conflitantes (sociedade empresária, credor quirografário, credor com garantia real, credor trabalhista), a Teoria dos Jogos é ferramenta útil para se conseguir compreender os comportamentos que serão observados na Assembléia Geral de Credores, mormente quando da aprovação ou não do plano de recuperação judicial.

A doutrinadora continua seu raciocínio explicitando os objetivos da Teoria dos Jogos, que são, na realidade, a previsão da conduta e comportamento dos indivíduos racionais envolvidos no conflito, a fim de se que se possa tomar a decisão que lhe trará melhor resultado dentre aquelas possíveis:

“A Teoria dos Jogos, tendo por objetivo prever as condutas e os comportamentos dos sujeitos racionais, municia o Direito de dados para que possa elaborar as “regras do jogo” da forma mais eficiente possível, levando em consideração que cada jogador escolherá sua conduta de acordo com uma estratégia que toma como ponto de partida as ações desejadas pela lei e as conseqüências em virtude do descumprimento”.

Segundo ela[17], a Teoria dos Jogos se baseia em 3 diferentes vertentes, o jogo de soma zero, de Von Neumann; o dilema dos prisioneiros, de Albert W. Tucker; e o equilíbrio de Nash, de John Nash:

“John Von Neumann, a partir de 1928, elaborou seus primeiros trabalhos, nos quais inaugurou a moderna Teoria dos Jogos. Sua maior contribuição foi a elaboração do jogo de soma zero: o que um dos agentes ganha o outro perde, ou então ambos jogadores nada ganham. Uma interessante exemplificação desse modelo de jogo seria a divisão de um bolo entre duas pessoas. O melhor método para que os jogadores agissem de modo cooperativo seria determinar que uma parte cortasse e a outra escolhesse por primeiro. Assim, o cortador adotaria a estratégia de ser o mais imparcial possível, pois sabia que a próxima jogada seria de seu adversário que, por sua vez, buscaria escolher o maior pedaço. Assim, transpondo para a análise do Direito, quando as partes têm total informação, o papel da lei é determinar condutas que forcem a cooperação dos jogadores. Ao contrário desse modelo, o chamado jogo de barganha é aquele em que os jogadores que agem cooperativamente ganham mais do que se estivessem agindo de forma isolada, cuja aplicação se verifica em questões de pedido de falência, por exemplo.”

Assim, de acordo com a doutrinadora, o jogo de soma zero pode ser sintetizado como um jogo de barganha no qual a soma dos ganhos de uma das partes com as perdas da outra parte será sempre zero. Contudo, para ela, ao transpor referida teoria para o direito, a lei teria um papel fundamentação de determinar a cooperação entre os jogadores, na hipótese de total conhecimento das informações por parte dos jogadores.

Continuando a explanação sobre as linhas da Teoria dos Jogos, Márcia Carla Pereira Ribeiro[18] diz que:

“O segundo marco da Teoria dos jogos se deu em 1950, quando Albert W. Tucker escreveu o artigo A two-person dilemma, que ficou conhecido com o “Dilema dos Prisioneiros”. Trata-se de um jogo não-cooperativo em que as partes não têm informações completas sobre o comportamento do outro.”

O segundo teorema, o “dilema dos prisioneiros”, se trata de uma situação em que os jogadores não possuem informações completas sobre o comportamento do outro, hipótese que foge do nosso estudo, haja vista que em se tratando de plano de recuperação judicial, as partes envolvidas possuem total acesso ao plano de recuperação apresentado.

Por fim, no terceiro ponto Márcia Carla Pereira Ribeiro[19] explica:

“O terceiro Marco da Teoria dos Jogos se deve a John F. Nash que, em 1950, escreveu os artigos Equilibrium points in n-person games e The bargaining problem, em 1951, Non-cooperative games e em 1953, o artigo denominado Two Person cooperative games. Nash desenvolveu o raciocínio segundo o qual é certo que as partes buscam a maximização dos benefícios em um dado jogo. Entretanto, por vezes, é melhor que abram mão de um ganho maior, para que todos possam ganhar de forma proporcional, assim, um jogador vai sempre agir da mesma forma enquanto souber que o outro também vai agir assim e os dois podem ganhar. Portanto, quanto mais informação e conhecimento sobre o comportamento dos demais, maior será a probabilidade de equilíbrio (Equilíbrio de Nash) e os resultados serão divididos entre todos os jogadores.”

John Nash desenvolveu sua teoria afirmando que não há dúvidas de que as partes irão sempre buscar a maximização dos benefícios em uma determinada situação. Contudo, em determinadas hipóteses a busca pelo maior ganho pode representar uma situação que não é ideal, devendo ser substituída por uma em que se consiga um ganho proporcional entre todos os jogadores.

Importante ressaltar que o artigo 41[20] da nova Lei de Falências prevê a existência de 3 classes distintas de credores na Assembléia Geral de Credores, os de natureza trabalhista, os com crédito real e os quirografários, sendo certo que todos possuem interesses distintos e conflitantes nesta situação, haja vista estarem em patamares distintos no quadro geral de credores.

Com efeito, não é necessário nenhum esforço para se vislumbrar os diferentes interesses que existem entre os diferentes jogadores no caso em tela.

Amanda Vilarino Espíndola[21] discorre sobre esse tema:

“É certo que os interesses das três classes de credores; bem como dos próprios credores dentro de cada uma de suas classes, serão bastante heterogêneos.

O único interesse realmente uniforme ou homogêneo entre os credores é o fato de que todos pretendem evitar maiores perdas do que teriam com a simples liquidação dos ativos do devedor.

Assim, a maior dificuldade do devedor ao elaborar o plano recuperacional será de convencer os credores que devem deliberar cooperativamente, eis que estes só o aprovarão se forem convencidos de que a aprovação do plano será mais vantajosa do que a falência e consequente liquidação dos ativos”.

Os titulares dos créditos trabalhistas, ou seja, os trabalhadores estão em uma posição em que, por um lado, possuem o crédito mais possível de ser adimplido em caso de uma eventual falência, pois estão em primeiro na ordem de pagamento, por outro lado, caso haja a falência, perderá seu emprego e, não obstante estar em primeiro na ordem de pagamento, poderá demorar anos até conseguir receber seu crédito.

Os titulares de crédito com garantia real, por sua vez, se encontram em situação similar à dos trabalhistas, uma vez que estão na “frente da fila” para receber seus créditos, contudo, poderá demorar vários anos até que isso ocorra.

Por fim, temos os credores quirografários, que são aqueles que se encontram no final da ordem de preferência de pagamento em caso de falência e, portanto, correm grandes riscos de não terem seus créditos satisfeitos em virtude de ausência de patrimônio suficiente para saldar todas as dívidas.

Impende ressaltar que a aplicação da Teoria dos Jogos no presente caso depende da utilização da racionalidade por parte dos jogadores, hipótese em que todos pretendem obter uma situação de ganho real. Assim, uma situação que é comum de se deparar, qual seja, a de credores irresignados pelo inadimplemento por parte do devedor e que pretendem obter quase uma vendeta pessoal contra a sociedade devedora.

Analisando os cenários propostos, pode-se perceber que os credores quirografários encontram-se em uma situação delicada em face de uma eventual falência, haja vista que além de aguardar todo o decurso da Ação Falimentar, certamente não terão seus créditos satisfeitos ao final, enquanto os demais credores se encontram em situação mais confortável, sendo um deles o primeiro na ordem de pagamento (crédito de natureza trabalhista) e o outro com garantia real.

Entretanto, em que pese a situação de relativo conforto dos credores trabalhistas e com garantia real, tem-se que salientar a aplicação da Teoria dos Jogos para melhor solução da problemática encontrada.

Isto porque, conforme salientado acima, existem fatores além do ganho pessoal de cada credor que deve ser utilizado como variável ao se analisar qual decisão tomar.

É que, ao se analisar a possibilidade de recuperação judicial ou falência de uma determinada sociedade empresária, os credores devem utilizar como parâmetro para suas decisões outros fatores além da possibilidade de recebimento e tempo para recebimento de seu crédito.

Com efeito, a falência de uma determinada sociedade impacta sobremaneira na sociedade, devendo ser, realmente, último recurso a se adotar para saldar dívidas, haja vista as conseqüências econômicas e sociais advindas da falência. Como exemplo mais claro tem-se o desemprego imediato de todos os funcionários da sociedade; a redução na arrecadação fiscal por parte da Administração Fazendária; a interrupção de toda uma cadeia produtiva com impacto direto nos índices econômicos do país; a desvalorização dos ativos da sociedade, caso não seja possível a alienação completa da planta produtiva; o impacto negativo (caso sociedade de maior relevância nacional) na imagem dos administradores, bem como do próprio setor da economia perante órgãos de avaliação internacional, dentre outros tantos existentes.

O que se vê da análise realizada é que a aplicação da Teoria dos Jogos no âmbito da recuperação judicial é extremamente benéfico para todos os envolvidos, haja vista a possibilidade manutenção de toda uma cadeia produtiva e seus reflexos na economia e sociedade.

Parar Amanda Vilarino Espíndola[22]:

“Se todos os credores aceitarem que o plano não os deixará pior que a liquidação da empresa, que os resultados projetados serão melhores, superando os da falência, a aprovação do plano favorecerá a todos – e, por isso, os votos serão majoritariamente nesta direção, favoráveis à implementação do plano. (Rachel Sztajn, em artigo publicado na Revista de Direito Mercantil, volume 138; intitulado “Notas sobre as assembleias de credores na lei de recuperação de empresas” p.60)”

Ressalta-se, por oportuno, que a análise da viabilidade da sociedade empresária devedora é o primeiro passo para se iniciar a aplicação da Teoria dos Jogos na recuperação judicial, uma vez que se for verificada a inviabilidade, ou seja, a impossibilidade da sociedade empresária se reerguer, a não aprovação do plano de recuperação judicial e consequente falência é a única alternativa a se considerar.

Assim, a análise da aprovação ou não do plano de recuperação judicial por parte dos credores deve ser feita de forma a levar em consideração não somente o valor dos seus créditos, mas tudo que está envolvido em uma eventual falência.

Conclusão

Diante do estudo realizado é possível se concluir que a Análise Econômica do Direito, materializada através da Teoria dos Jogos é instrumento de grande relevância para a solução de imbróglios envolvendo aprovação ou não de planos de recuperação judicial por parte de credores.

Nesse sentido, observa-se que a análise a ser realizada pelos jogadores deve levar em consideração outros elementos além da natureza de seus créditos, possibilidade de recebimento e prazo para recebimento.

Isto porque, a aprovação de um plano de recuperação judicial envolve fatores que extrapolam os créditos dos jogadores, na medida em que podem impactar diretamente no âmbito econômico-social do país.

Indo além, é possível se concluir que a aprovação dos planos de recuperação judicial serão, em geral, mais benéficas aos jogadores que o procedimento judicial de falência, haja vista a imprevisão quanto ao recebimento do crédito, bem como quanto ao prazo de duração do mencionado procedimento, sendo certo que, caso haja a possibilidade de reabilitação da sociedade empresária, esta deverá ser a opção escolhida pelos credores.

 

Referências
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EUSTÁQUIO, Rodrigo Martins. A interpretação da função social dos contratos pela análise econômica do direito. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Direito Milton Campos. Nova Lima, 2010.
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SILVA, Cristiano Abras. A responsabilidade tributária dos administradores das sociedades limitadas e a maximização dos lucros: uma abordagem pela análise econômica do direito. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Direito Milton Campos. Nova Lima, 2010.
SILVA, Max Roberto de Souza e. A recuperação judicial suspensiva da falência – o vôo de fênix: o resgate da falência de empresário viável. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Direito Milton Campos. Nova Lima, 2010.
SIMÃO FILHO, Adalberto. Interesses transindividuais dos credores nas assembleias-gerais e sistemas de aprovação do plano de recuperação judicial. In DE LUCCA, Newton; ANTONIO, Nilma M. Leonardi (Coordenação). Direito recuperacional: aspectos teóricos e práticos. São Paulo: Quartier Latin, 2009.
 
Notas:
[1] SIMÃO FILHO, Adalberto. Interesses transindividuais dos credores nas assembleias-gerais e sistemas de aprovação do plano de recuperação judicial. In DE LUCCA, Newton; ANTONIO, Nilma M. Leonardi (Coordenação). Direito Recuperacional: aspectos teóricos e práticos. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 32.

[2] CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: o novo regime da insolvência empresarial. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p.4.

[3] Art. 94 – Será decretada a falência do devedor que:
I – sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o equivalente a 40 (quarenta) salários-mínimos na data do pedido de falência;
II – executado por qualquer quantia líquida, não paga, não deposita e não nomeia à penhora bens suficientes dentro do prazo legal;
III – pratica qualquer dos seguintes atos, exceto se fizer parte de plano de recuperação judicial:
a) procede à liquidação precipitada de seus ativos ou lança mão de meio ruinoso ou fraudulento para realizar pagamentos;
b) realiza ou, por atos inequívocos, tenta realizar, com o objetivo de retardar pagamentos ou fraudar credores, negócio simulado ou alienação de parte ou da totalidade de seu ativo a terceiro, credor ou não;
c) transfere estabelecimento a terceiro, credor ou não, sem o consentimento de todos os credores e sem ficar com bens suficientes para solver seu passivo;
d) simula a transferência de seu principal estabelecimento com o objetivo de burlar a legislação ou a fiscalização ou para prejudicar credor;
e) dá ou reforça garantia a credor por d[ivida contra[ida anteriormente sem ficar com bens livres e desembaraçados suficientes para saldar seu passivo;
f) ausenta-se sem deixar representante habilitado e com recursos suficientes para pagar os credores, abandona estabelecimento ou tenta ocultar-se de seu domicílio, do local de sua sede ou de seu principal estabelecimento;
g) deixa de cumprir, no prazo estabelecido, obrigação assumida no plano de recuperação judicial.

[4] SILVA, Max Roberto de Souza e. A recuperação judicial suspensiva da falência – o vôo de fênix: o resgate da falência de empresário viável. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Direito Milton Campos. Nova Lima, 2010, p. 21.

[5] CAMPINHO, Sérgio. Falência e Recuperação de Empresa: O novo regime da insolvência empresarial. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2010, p. 75.

[6] SIMÃO FILHO, Adalberto. Interesses transindividuais dos credores nas assembleias-gerais e sistemas de aprovação do plano de recuperação judicial. In DE LUCCA, Newton; ANTONIO, Nilma M. Leonardi (Coordenação). Direito Recuperacional: aspectos teóricos e práticos. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 33.

[7] SILVA, Aldo Eduardo Santos. O direito de voto e os limites de seu exercício na recuperação judicial: o norte hermenêutico trazido pelo artigo 47 da Lei 11.101 de 2005. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Direito Milton Campos, Nova Lima, 2012, p. 45.

[8] CAMPINHO, Sérgio. Falência e Recuperação de Empresa: O novo regime da insolvência empresarial. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2010, p. 75.

[9] CAMPINHO, Sérgio. Falência e Recuperação de Empresa: O novo regime da insolvência empresarial. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2010, p. 76.

[10] CAMPINHO, Sérgio. Falência e Recuperação de Empresa: O novo regime da insolvência empresarial. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2010, p. 82.

[11] ESPÍNDOLA, Amanda Vilarino. O abuso do direito de voto na Assembléia-Geral de Credores no Processo de Recuperação Judicial. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Direito Milton Campos, Nova Lima, 2010, p. 66.

[12] GONÇALVES, Tatiane de Oliveira. Arbitragem em contratos. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Direito Milton Campos. Nova Lima, 2011, p. 43.

[13] RIBEIRO, Márcia Carla Pereira; GALESKI JÚNIOR, Irineu. Teoria geral dos contratos: contratos empresariais e análise econômica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 69.

[14] EUSTÁQUIO, Rodrigo Martins. A interpretação da função social dos contratos pela análise econômica do direito. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Direito Milton Campos. Nova Lima, 2010, p. 33/34.

[15] SILVA, Cristiano Abras. A responsabilidade tributária dos administradores das sociedades limitadas e a maximização dos lucros: uma abordagem pela análise econômica do direito. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Direito Milton Campos. Nova Lima, 2010, p. 85.

[16] RIBEIRO, Márcia Carla Pereira; GALESKI JÚNIOR, Irineu. Teoria geral dos contratos: contratos empresariais e análise econômica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 109.

[17] RIBEIRO, Márcia Carla Pereira; GALESKI JÚNIOR, Irineu. Teoria geral dos contratos: contratos empresariais e análise econômica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 110.

[18] RIBEIRO, Márcia Carla Pereira; GALESKI JÚNIOR, Irineu. Teoria geral dos contratos: contratos empresariais e análise econômica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 111.

[19] RIBEIRO, Márcia Carla Pereira; GALESKI JÚNIOR, Irineu. Teoria geral dos contratos: contratos empresariais e análise econômica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 112.

[20] Art. 41 – A assembléia-geral será composta pelas seguintes classes de credores:
I – titulares de créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho;
II – titulares de créditos com garantia real;
III – titulares de créditos quirografários, com privilégio especial, com privilégio geral ou subordinados.

[21] ESPÍNDOLA, Amanda Vilarino. O abuso do direito de voto na Assembléia-Geral de Credores no Processo de Recuperação Judicial. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Direito Milton Campos. Nova Lima, 2010, p. 68/69.

[22] ESPÍNDOLA, Amanda Vilarino. O abuso do direito de voto na Assembléia-Geral de Credores no Processo de Recuperação Judicial. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Direito Milton Campos, Nova Lima, 2010, p. 68/69.


Informações Sobre o Autor

Lucas Mattar Rios Melo

Advogado. Atualmente cursando pós-graduação stricto sensu – Mestrado em Direito Empresarial, na Faculdade de Direito Milton Campos


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