Palavras-Chave: Alienação Parental. Criança e Adolescente. Família. Lei 12.318/2010.
Abstract: The present work of monograph research that is about the parent alienate , that makes an analyze about the variety forms of family in Brazil nowadays, making the important point the principle of the affection and the best interests of the children and the teenagers, besides the relevance of the family power in the juridical scope. Presented the institute of parent alienation, differently of the syndrome of parent alienate. Explaining the criteria of identification, the characteristics of the alienator genitor and the consequences to the kids and teenagers, beyond of presenting the main projects that GO against the parent alienate. Discuss briefly the Law 12.318/2010, Law of parent alienation, making comments about their legal devices. In this perspective, evidentially the procession aspects and the difficulty of producing evidences and the use of multidisciplinary expertise in establishing of the alienation facts. Concluding examines the shared guard as a way to reduce the parent alienate and civil responsibility from de alienatories acts.
Keywords: Children and Teenagers. Family. Law 12.318/2010. Parent alienate.
Sumário: Introdução. 1. Família. 1.1. Tipos de família no Brasil atual. 1.1.1 Casamento. 1.1.2 União estável. 1.1.3 Família monoparental. 1.1.4 Família uniparental. 1.1.5 Família anaparental. 1.1.6 Família paralela. 1.1.7 Família homoafetivas. 1.1.8 Família eudemonista. 1.2 O princípio do afeto e do melhor interesse da criança. 1.3 Do poder familiar. 2. Alienação parental. 2.1 Diferença entre síndrome da alienação parental e alienação parental. 2.2 Critérios de identificação. 2.2.1 Alienação parental versus abuso sexual. 2.3 Características do genitor alienante. 2.4 Consequências para as crianças alienadas. 2.5 Movimentos em defesa da alienação parental. 2.5.1 APASE. 2.5.2 Pais por justiça. 2.5.3 Pai legal. 2.5.4 SOS Papai e Mamãe. 2.5.5 AMASEP. 3 considerações acerca da Lei nº 12.318/2010. 3.1 Importância da tipificação. 3.1.1 Transcrição e análise da Lei nº 12.318/2010. 3.2 Aspectos processuais e a dificuldade de produzir provas. 3.3 Perícia multidisciplinar. 3.4 Guarda compartilhada como forma de redução da alienação parental. 3.5 Responsabilidade civil decorrente da alienação parental. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
A alienação parental é uma temática relativamente nova para o cotidiano jurídico, uma vez que a Lei nº 12.318 fora promulgada somente em 26 de agosto de 2010. Com as inovações na seara do direito de família, surgiram novos desafios nas lides envolvendo os direitos das crianças e adolescentes. Para compreender com melhor destreza, far-se-á uma análise das principais modalidades de famílias existentes atualmente no Brasil.
Com as modificações no direito de família houve uma equiparação de direitos e deveres para pais e mães, não sendo mais possível aceitar que apenas o pai provenha o sustento da família e dos filhos enquanto à mãe cabe a educação dos mesmos. Esse modelo, apesar de cada vez mais raro, ainda é encontrado em diversos lares, não podendo mais ser visto de forma única: atualmente, os operadores do direito devem ter olhos abertos para as mais variadas formações de famílias.
Ademais, houve um aumento relevante no número de divórcios– momento em que se iniciam com maior frequência os atos de alienação parental. Logo, neste contexto, o poder familiar passou a ser exercido conjuntamente, ainda que os pais encontrem-se separados. O direito das crianças e adolescentes é prioridade para o ordenamento jurídico, sendo inclusive objeto de diversas leis especificas. A alienação parental é um dos temas tratados especificamente em lei, prezando-se sempre pela garantia e efetividade do principio do melhor interesse da criança e do adolescente.
Para tratar da alienação parental, é imprescindível diferenciá-la da síndrome da alienação parental. Não que haja algum problema em confundir os conceitos; porém, existem diferenças relevantes. Há uma discussão acerca de qual seria a nomenclatura correta; concluindo-se que ambas são corretas, porém diferentes, optou-se no presente trabalho por “alienação parental”, em consonância com o utilizado na Lei nº 12.318/2010.
Através da leitura e posterior análise de diversas doutrinas, assinadas por profissionais do ramo do direito, psicologia, serviço social, dentre outros; averiguar-se-á a as características do genitor alienante, bem como as consequências nas crianças alienadas. Conhecer os critérios de identificação da alienação parental tem grande relevância no meio jurídico, em especial para os amantes da área do direito de família, ou mais especificamente, dos direitos das crianças e adolescentes.
A alienação parental tem sido objeto de ações para reivindicar os direitos do genitor alienado, o qual está perdendo – ou já perdeu, o contato com os filhos, bem como têm sido matéria de defesa nos casos de acusação de abuso sexual. Portanto, identificar e conhecer os atos de alienação parental é extremamente importante para que não se cometam equívocos, transformando agressores em vítimas ou mães preocupadas e denunciadoras como praticantes de alienação parental. Não obstante, serão abordados os principais movimentos que combatem os atos de alienação parental.
Estes atos são difíceis de serem comprovados, uma vez que não deixam marcas físicas, apenas psicológicas em todos os membros da unidade familiar. Por isso, far-se-á uma abordagem sobre os aspectos processuais e a dificuldade de produzir provas, bem como uma leitura mais atenta de todos os dispositivos tratados nesta lei. A perícia multidisciplinar tem sido uma grande aliada do Poder Judiciário, tanto na averiguação dos atos de alienação parental como no tratamento de crianças e adolescentes prejudicadas por estes atos.
Ainda, será feita uma abordagem sobre a guarda compartilhada, apontada como uma das formas de redução da alienação parental. A guarda compartilhada é prevista na Lei nº12318/2010; porém ainda é exceção se comparada com a guarda unilateral. Por fim, averiguar-se-á sobre a possibilidade de ocorrer a responsabilidade civil, em decorrência dos atos de alienação parental.
1 FAMÍLIA
Ao receber o dom da vida, o ser humano passa a pertencer a um lar, a uma família, seja ela biológica ou afetiva. O Código Civil Brasileiro não define o que é família, entretanto, é perceptível que sua conceituação difere-se conforme o ramo do direito em que é abordada. Conforme Gonçalves (2011, p. 17) “o direito de família é, de todos os ramos do direito, o mais intimamente ligado à própria vida, uma vez que, de modo geral, as pessoas provêm um organismo familiar e a ele conservam-se vinculadas durante a sua existência.”
O ser humano sempre viveu aglomerado, haja vista sua necessidade de estar em comunidade, e de necessitar psicológica, social e economicamente um do outro, não sendo possível viver isoladamente. Nesse contexto, surgem as famílias, muito antes do direito, dos códigos e da religião. De fato, elas alternam-se a conforme o tempo, a cultura e a consolidação de cada geração.
Para Diniz (2005, p. 7):
“Direito de família é o complexo de normas que regulam a celebração do casamento, sua validade e os efeitos que dele resultam, as relações pessoais e econômicas da sociedade conjugal, a dissolução desta, a união estável, as relações entre pais e filhos, o vinculo de parentesco e os institutos complementares da tutela e da curatela”.
A célula básica da família, formada por pais e filhos, não se alterou significativamente com a migração destes do meio rural para centros urbanos. Contudo, as famílias têm apresentação distinta das antigas, especialmente no que concerne às suas finalidades, composição e papéis dos sujeitos que a compõem (VENOSA, 2012), desafiando os juristas e a legislação a amparar suas mais variadas formatações, tendo em vista sua função estrutural para a sociedade contemporânea.
Assim, enquanto instituto necessário na vida de cada sujeito, merece estudo, pois “[…] a família é uma realidade sociológica e constitui a base do Estado, núcleo fundamental em que repousa toda a organização social.” (GONÇALVES, 2011, p. 17). Desta forma, a condição jurídica dos filhos também assumiu papel importante no direito de família, em especial com a implantação de novas leis, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990) e a Lei de Alienação Parental (Lei nº 12.318/2010).
Atualmente, outras instituições (como a escola) designam atividades que originalmente eram dos pais. Os ofícios já não são mais transmitidos de pais para filhos, a educação cabe ao Estado, além da religião não ocupar espaço tão importante, como outrora, nos lares. Ainda: a mudança de economia agrária para industrial fez com que homens e mulheres disputassem o mercado de trabalho, alterando drasticamente a composição familiar original (VENOSA, 2012).
Por fim, nas palavras de Osório (1996, p. 14):
“Família não é um conceito unívoco. Pode-se até afirmar, radicalizando, que a família não é uma expressão passível de conceituação, mas tão somente de descrições; ou seja, é possível descrever as varias estruturas ou modalidades assumidas pela família através dos tempos, mas não como defini-la ou encontrar algum elemento a todas as formas com que se apresenta este agrupamento humano.”
O que se pode afirmar é que, comumente, as famílias têm uma interdependência variável entre os sujeitos, na intenção de promover características que minimizem fatores negativos (como conflitos emocionais ou financeiros) e, por outro lado, disparem fatores positivos, como a melhora nas relações afetivas entre os genitores e, consequentemente, a garantia de desenvolvimento biopsicossocial dos filhos.
1.1 Tipos de família no Brasil atual
Até a promulgação da Constituição Federal (CF) de 1988 a composição de família era taxativa, haja vista que somente os laços formados pelo casamento obtinham tal status. Ademais, a Lei de Divórcio atribuía à parte culpada pela separação uma série de sanções, o qual acabava fazendo com que os cônjuges mantivessem o casamento a qualquer custo.
“A família contemporânea perdeu sua função puramente econômica, de unidade produtiva e seguro contra a velhice, em que era necessário um grande número de integrantes, principalmente filhos, sob o comando de um chefe – o patriarca. Perdeu também seu costume eminentemente procracional, deveras influenciado pela Igreja, para adquirir o contorno da solidariedade, da cooperação e da comunhão de interesses de vida” (MADALENO e MADALENO, 2013, p. 18).
O princípio da dignidade da pessoa humana, constante no artigo 1°, III, da CF/1988, é entendido como cláusula pétrea, e, deste modo, além do matrimônio passou-se a considerar outras formas no que diz respeito à entidade familiar, sendo o ser humano o principal objeto de proteção do Estado. Logo, pode-se compreender que toda forma de constituição de família é protegida pela Carta Magna, ainda que não tratada expressamente. Foram previstas na Constituição as famílias formadas pelo casamento, união estável ou as monoparentais, fulcro ao artigo 226.
Além das modalidades elencadas na Carta Magna, atualmente ocorreu um alargamento no conceito de família. Com a evolução social, o afeto passou a ocupar o lugar que outrora o patrimônio ou a procriação ocuparam: o centro da família, um dos principais fatores na formação do caráter de qualquer pessoa. O princípio da dignidade da pessoa humana, amparado pelos demais princípios que protegem a vida em sociedade, proíbe distinções entre as mais variadas formas de família.
“Surgem, assim, novos arranjos familiares, novas representações sociais baseadas no afeto –palavra de ordem das novas relações. Por isso, o casamento deixa de ser necessário, dando lugar à busca de proteção e desenvolvimento da personalidade e da dignidade humana, ultrapassando, de alguma forma, os valores meramente patrimoniais” (MADALENO e MADALENO, 2013, p. 19).
O artigo 226 da CF/1988 não apresenta um rol taxativo; deste modo são possíveis (e estão presentes na sociedade brasileira) outras formas de família. Assim, na atualidade, não há modelo a ser seguido; cabe ao direito proteger e positivar os tipos que ainda não foram tratados em legislação.
1.1.1 Casamento
Nas palavras de Pontes de Miranda (1947, p. 93) casamento é:
“[…] contrato solene, pelo qual duas pessoas de sexo diferente e capazes, conforme a lei, seu unem com o intuito de conviver toda a existência, legalizando por ele, a título de indissolubilidade do vínculo, as suas relações sexuais, estabelecendo para seus bens, a sua escolha ou por imposição legal, um dos regimes regulados pelo Código Civil, e comprometendo-se a educar a prole que de ambos nascer.”
Por tratar da capacidade dos nubentes e dos efeitos do casamento este conceito tornou-se muito extenso, assegurado pelo próprio autor, o qual simplificou dizendo que casamento é o contrato de direito de família que regula a união entre marido e mulher (PONTES DE MIRANDA, 1947).
O Código Civil de 1916 reconhecia somente a instituição constituída pelo matrimônio. O homem era o chefe da família, detentor de várias responsabilidades, dentre elas a econômica. A mulher, por outro lado, sequer era considerada capaz, portanto, não seria possível que gerisse os bens familiares. Assim, os filhos tinham a função de dar continuidade ao trabalho e proteger os bens da família.
A Constituição Federal de 1988 passou a tratar os cônjuges de maneira igualitária, entendendo a evolução da sociedade atual. Exemplo desse tratamento igualitário é a alteração do regime de bens de comunhão universal para parcial, caso haja silêncio dos consortes, além da alteração de nomes, que passa a ser opcional no momento do casamento.
“Diante da quantidade de exigências à celebração do casamento, de pouco ou quase nada vale a vontade dos nubentes. Os direitos e deveres são impostos para vigorarem durante sua vigência e até depois de sua dissolução, pelo divórcio e até pela morte. Assim, quase se poderia chamar o casamento de verdadeiro contrato de adesão. O alcance da expressão “sim” significa a concordância de ambos os nubentes com o que o Estado estabelece, de forma rígida, como deveres dos cônjuges” (SILVA, 2002, p. 354).
Novidade para o ramo jurídico é a decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que determina que os Cartórios não podem negar-se a fazer a conversão da união estável em casamento entre pessoas do mesmo sexo. Esta decisão respeita o princípio da dignidade da pessoa humana, além de garantir que, de fato, todos sejam iguais perante a lei.
1.1.2 União estável
É reconhecida como união estável a convivência de maneira duradoura entre duas pessoas, independe o sexo, com o objetivo de constituir família. Um grande passo para este conceito de família foi a chegada da Constituição 1988, que em seu artigo 226, § 3º proclamou: “para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.” Este dispositivo auxiliou na retirada do aspecto negativo que a revestia, por ser tratada até então como concubinato.
“Ninguém duvida que há quase uma simetria entre casamento e união estável. Ambas são estruturas de convívio que têm origem em elo afetivo. A divergência diz só com o modo de constituição. Enquanto o casamento tem seu inicio marcado pela celebração do matrimônio, a união estável não termo inicial estabelecido. Nasce da consolidação do vínculo de convivência, do comprometimento mútuo, do entrelaçamento de vidas e do embaralhar de patrimônios”. (DIAS, 2011, p. 171, grifo do autor).
O Supremo Tribunal Federal (STF), em 2011, garantiu, com base no artigo 5° da Carta Magna, que é possível a união estável entre pessoas do mesmo sexo. A doutrina não é unânime, havendo apontamentos tanto no sentido de seu reconhecimento como também a considerando como uma sociedade de fato.
1.1.3 Família monoparental
A família monoparental é aquela formada por um dos pais e seus descendentes, a qual está protegida no artigo 266, § 4° da CF/1988. Ela representa parcela significativa das famílias brasileiras atuais, seja pela ocorrência natural da organização familiar, ou pelo avanço tecnológico que proporciona a inseminação artificial, por exemplo, além das constituídas pela adoção.
Gonçalves (2011, p. 29-30) elucida que:
“Ao longo do século XX, as transformações sociais foram gerando uma sequência de normas que alteraram, gradativamente, a feição do direito de família brasileiro, culminando com o advento da Constituição Federal de 1988. Esta alargou o conceito de família passando a integra-lo as relações monoparentais, de um pai com seus filhos. Esse redimensionamento, calçado na realidade que se impôs, acabou afastando da ideia de família o pressuposto de casamento. Para sua configuração, deixou-se de exigir a necessidade de existência de um par, o que, consequentemente, subtraiu de sua finalidade a proliferação.”
Com relação à nomenclatura, é assim entendida devido à sua composição, sendo um dos genitores e seus filhos, não devendo ser confundida com a família uniparental. Importante observar que a falta de um dos genitores pode se dar por decisão voluntária ou involuntária do genitor presente.
1.1.4 Família uniparental
O conceito exige interpretação constante pelos juristas. A pessoa que vive sozinha pode ser considerada família para fins de proteção da Lei nº 8.009/1990, que trata da impenhorabilidade dos bens de família. O ministro Gilson Dipp (apud COUTO, 2011), ao julgar o REsp nº 205.170 votou que “o conceito de entidade familiar agasalha, segundo a aplicação teleológica, a pessoa que é separada ou vive sozinha.”
Assim, para fins de proteção do bem de família, a pessoa que vive sozinha, seja ela separada, divorciada, viúva ou solteira, tem direito de ser considerada família. O projeto de Lei nº 895/1999 de autoria do ex-deputado Augusto Nardes, que visa dar garantia legal para esses casos, foi aprovado em 19 de maio de 2009 por unanimidade na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, e aguarda aprovação no Senado Federal.
1.1.5 Família anaparental
Esta modalidade de família caracteriza-se pela inexistência dos pais, isto é, a convivência de parentes colaterais, ou ainda que não parentes e sem intenções sexuais, imersos em uma mesma estruturação, com identidades de propósitos e afetividade, ou seja, o ânimo de constituir família. Dias (2011) dá o exemplo de duas irmãs que convivam durante vários anos, sob o mesmo teto, esforçando-se mutuamente para formar um acervo patrimonial. Ocorrendo a morte de uma delas não seria justo que o patrimônio fosse dividido igualmente com os demais irmãos, afinal, havia entre as mesmas mais que uma relação fraternal, elas formavam uma família anaparental, devendo o patrimônio ficar integralmente com a sobrevivente.
Cabe citar o Recurso Especial nº 2010/0184476-0, interposto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que tratou de uma adoção póstuma, onde dois irmãos, que agiam como família, sob a égide do afeto, puderam adotar uma criança que consideravam como filho. No acórdão os ministros, por unanimidade, negaram provimento ao recurso, que fora interposto pela União, tornando possível a adoção. A relatora, Ministra Nancy Andrighi, em seu voto, assegurou que “a família anaparental – sem a presença de um ascendente -, quando constatado os vínculos subjetivos que remetem à família, merece o reconhecimento e igual status daqueles grupos familiares descritos no art. 42, § 2, do ECA” (BRASIL, 2012).
1.1.6 Família paralela
Após muita discussão pela doutrina e jurisprudência, concordou-se que o artigo 226 da CF/1988, não apresentava um rol taxativo, apresentando um pluralismo familiar. O direito de família defende a autonomia privada e a isonomia entre as partes; deste modo, é devido amparo legal às pessoas que escolherem viver simultaneamente em dois grupos familiares. Para Dias (2011, p. 61, grifo do autor):
“Pretender elevar a monogamia ao status de princípio constitucional autoriza que se chegue a resultados desastrosos. Por exemplo, quando há simultaneidade de relações, simplesmente deixar de emprestar efeitos jurídicos a um, ou pior, a ambos os relacionamentos, sob o fundamento de que foi ferido o dogma da monogamia, acaba permitindo o enriquecimento ilícito exatamente do parceiro infiel”.
Esta forma de constituição de família há tempos já está presente na sociedade brasileira; o que se busca é a proteção do Estado para este grupo familiar. Importante ressaltar que família paralela difere-se do concubinato, que seria o relacionamento eventual. A família paralela existe simultaneamente ao casamento ou a união estável. “A família paralela, constitui-se em relação não eventual, entre um homem e uma mulher, impedidos de casar […]” (SANDRI, 2013, p. 49).
“Também denominada de concubinato impuro ou adultério, a família paralela é aquela decorrente de uma relação extraconjugal, ou seja, quando um dos concubinos, ou ambos já são casados, o que caracteriza o impedimento da sua conversão em casamento (art. 1.727, CC)” (KUSANO, 2010).
Surge, nesse contexto, o questionamento acerca da monogamia: seria ela um princípio do direito de família, ou tão somente um dever moral e cultural? A jurisprudência majoritária vê como princípio, deixando estes grupos familiares alheios aos direitos inerentes a outras formas de constituição de família. Por outro lado, a doutrina vem ponderando a importância de preservar os direitos de todo indivíduo, levando-se em consideração os princípios da isonomia, dignidade da pessoa humana e autonomia privada de decisões.
1.1.7 Família homoafetiva
As uniões entre pessoas do mesmo sexo sempre existiram; contudo, a herança deixada pela formação cristã do Brasil tornou as relações homossexuais alvo de repúdio e preconceito. A ideia de família formada por homem e mulher está tão arraigada na cultura brasileira que o legislador não se preocupou em torná-la requisito para a formação de grupos familiares (DIAS, 2011).
A Constituição Federal de 1988 tornou mais evidente a importância de proteger a dignidade da pessoa humana, assim como garantir isonomia a todo cidadão. Contudo, não é uma realidade, vez que há diferenciação legal e social entre famílias hetero e homossexuais.
O fato de não haver legislação específica que resguarde a união homoafetiva não é sinônimo de ausência de direito. A carência de normas que tratem explicitamente o tema torna difícil a decisão do magistrado, que não fica vinculado a norma, mas a conceitos morais, que podem ser divergentes ao reconhecimento dos direitos destas minorias. No entanto, ainda que haja preconceitos na sociedade e no próprio Judiciário, não há como deixar de admitir a existência destas relações.
“[…] a omissão do legislador brasileiro muitas vezes se dá porque o relacionamento homossexual não possui plena aceitação social e, consequentemente, quem deveria produzir legislação sobre o assunto teme desagradar seus eleitores. Então, a inexistência de legislação desencoraja os julgadores a reconhecer tais relações que batem à porta do judiciário reclamando a tutela jurídica do Estado” (SPENGLER, 2003, p. 73).
A doutrina vem arrazoando cada vez mais sobre a temática e difundindo esta ideia de igualdade até o Judiciário. Esta mudança de pensamentos e minimização dos preconceitos pode ser observada nas decisões cada vez mais frequentes de reconhecimento de uniões homoafetivas, deferimento de prestações alimentícias e possibilidade de adoção por casais de mesmo sexo. Entretanto, a decisão é subjetiva, já que o magistrado não tem base legal para legislar, ainda que possuam princípios que fundamentem a sentença.
Na busca de unificar as decisões, a passos lentos, ocorrem algumas alterações. Exemplo é a Resolução nº 175, de 14 de maio de 2013, do CNJ, que proíbe as autoridades competentes a habilitar e celebrar casamento civil, ou conversão de união estável em casamento, entre pessoas do mesmo sexo.
No mesmo sentido, a Lei nº 11.340/2006, conhecida por Lei Maria da Penha, que criou mecanismos para coibir a violência doméstica, em seu artigo 2º determinou que toda mulher, independente de orientação sexual, deve ser preservada quanto à saúde, moral, intelecto e vida social (BRASIL, 2006). Assim, estende-se a garantia a pessoas que vivam uniões com igualdade de sexos.
É no âmbito do Judiciário que, batizadas com o nome de uniões homoafetivas, as uniões de pessoas do mesmo sexo começaram encontrar reconhecimento (DIAS, 2011) e com isso:
“[…] as barreiras do preconceito vêm, aos poucos, arrefecendo e cedendo lugar ao amor sem fronteiras que deve ser compreendido sem que se interrogue sobre os amantes e sua identificação sexual. Em resumo: não é preciso que exista oposição de sexos para que ele aconteça. Vencer o preconceito é uma luta árdua, que vem sendo travada diuturnamente, e que aos poucos, de batalha em batalha, tem se mostrado exitosa numa guerra desumanada” (SPENGLER, 2003, p. 215).
Portanto, ainda que tardiamente, pode-se esperar o momento em que pessoas que mantem relacionamentos homoafetivos serão tratadas naturalmente pelo ordenamento jurídico nacional. Consequentemente, aguarda-se que a sociedade continue evoluindo na busca de erradicar o preconceito, e vivenciar um respeito mútuo à dignidade de cada indivíduo, assim como preconiza a Constituição.
1.1.8 Família eudemonista
Cada vez mais se reconhece que é no âmbito das relações afetivas que se consolida a personalidade da pessoa. O afeto entre as pessoas organiza o desenvolvimento, a busca pela felicidade, a supremacia do amor, a solidariedade, demonstra o afeto como único modo eficaz de definição de família (DINIZ, 2005).
A família eudemonista, dos novos vértices sociais é o mais inovador. Ela busca a felicidade individual em um processo de emancipação de cada um dos membros da entidade familiar. Esta modalidade de família identifica-se pela comunhão de vida, de amor e afeto, em um plano de igualdade de cada um dos membros (DINIZ, 2005).
Portanto, a família eudemonista tem como requisito o afeto, e a busca de felicidade plena de seus participantes. O moderno desta concepção se dá em virtude de que até então a família se estruturava por motivos financeiros ou sociais, ficando o afeto em segundo plano. Neste caso, o amor e a satisfação são buscados por todos, para que individualmente encontrem realização.
1.2 O princípio do afeto e do melhor interesse da criança
Com o novo milênio cresce a esperança de encontrar soluções adequadas aos problemas que surgiram na seara do direito de família, marcados por grandes inovações, provocadas por uma perigosa inversão de valores (DINIZ, 2005). Neste contexto é indispensável apegar-se aos princípios norteadores do direito de família, que mesmo em momentos de mudanças conceituais do instituto, não permitem a distração de sua forma essencial de proteção.
“[…] a milenar proteção da família como instituição, unidade de proteção e reprodução dos valores culturais, éticos, religiosos e econômicos, dá lugar à tutela essencialmente funcionalizada à dignidade de seus membros, em particular no que concerne ao desenvolvimento da personalidade dos filhos” (TEPEDINO apud GONÇALVES, 2011, p. 22).
Deve-se atentar que a legislação positiva fatos que já acontecem na sociedade, não conseguindo, na maioria das vezes, antevê-los. Sendo assim, os princípios desempenham importante papel na proteção dos direitos inerentes ao homem, vez que o direito de família vive em constante variação.
A doutrina e a jurisprudência reconhecem uma série de princípios regentes do direito de família. O princípio fundamental é o respeito à dignidade da pessoa humana, o qual está amparado pelo artigo 1°, III da Constituição atual: ele é a base da família, pois garante o desenvolvimento e a realização de todos os seus membros, em especial da criança e do adolescente (GONÇALVES, 2011).
Por outro lado, são princípios gerais a igualdade, liberdade, afetividade, convivência familiar e o melhor interesse da criança (MADALENO e MADALENO, 2013). A Declaração Universal dos Direitos das Crianças, proferida em 1959 pela Organização das Nações Unidas (ONU), consagrou direitos próprios das crianças, fazendo delas sujeitos de direitos, dando inicio a aplicação do principio do melhor interesse da criança.
O artigo 3° do ECA assegura: “A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes a pessoa humana […]” O princípio do melhor interesse da criança não está expresso na legislação, mas observando-se os artigos 227, caput da CF/1988, e 1 do ECA, fica explícito o propósito de defendê-lo.
A maior atenção às pessoas até os 18 anos de idade ensejou uma sensível mudança de paradigma, tornando-se o grande marco para o reconhecimento dos direitos humanos das crianças e adolescentes. Visando dar efetividade ao comando constitucional, o ECA é todo voltado ao melhor interesse de crianças e jovens, reconhecendo-os como sujeitos de direito e atentando mais às suas necessidades pessoais, sociais e familiares de forma a assegurar seu pleno desenvolvimento (DIAS, 2011, p. 611, grifo do autor).
De acordo com esse princípio devem ser preservados ao máximo aqueles que se encontram em situação de fragilidade. A criança e o adolescente acham-se nesta condição, pois estão em processo de amadurecimento, formação de personalidade e caráter. Desta forma, o infante tem direito de alcançar a maioridade sob a proteção de garantias morais e materiais.
O princípio do melhor interesse da criança vem para garantir os direitos inerentes aos infantes, assegurando-lhes uma formação saudável e cidadã, coibindo abusos pelas partes mais fortes das relações que os envolvem. Crianças e adolescentes são considerados hipossuficientes, e por isso devem ter proteção jurídica maximizada, já que estão passivos de serem facilmente alienados se mantidos em ambientes não saudáveis à sua formação.
“O principio do melhor interesse da criança e do adolescente representa importante mudança de eixo nas relações paterno-materno-filiais, em que um filho deixa de ser considerado objeto para ser alçado a sujeito de direito, ou seja, a pessoa humana merecedora de tutela do ordenamento jurídico, mas com absoluta prioridade comparativamente aos demais integrantes da família de que ele participa. Cuida-se, assim, de reparar grave equivoco na história da civilização humana em que o menor era relegado a plano inferior ao não titularizar ou exercer qualquer função na família e na sociedade, ao menos para o direito” (GAMA, 2008, p. 80).
A proteção integral destina-se a resguardar o indivíduo que não consegue ou que ainda não pode defender seus direitos. Juridicamente, a palavra “integral”, deve ser interpretada literalmente, tornando as crianças e os adolescentes detentores de um só direito: viver bem. Para tanto o Estado, a família e a sociedade devem fazer o possível para garantir-lhes o melhor interesse, em todos os aspectos que lhes forem cabíveis.
O ECA revela três elementos que apontam para esse novo entendimento acerca dos direitos das crianças e adolescentes, um deles é o fato de estarem ainda em fase de desenvolvimento. Enquanto ocorre o amadurecimento tanto emocional quanto físico, o ser humano não tem condições de selecionar o que lhe é mais pertinente, nem sequer identificar o que lhe representa risco.
Outro fator é não ter atingido condições de defender seus direitos, caso sejam violados. Essa não condição pode se dar tanto pela incapacidade física, psicológica, como também pela incapacidade jurídica. Deste modo, a família, a sociedade e Estado devem engajar-se para dar voz, e proteger os interesses das crianças e adolescentes.
Por fim, faltam às crianças e adolescentes condições de arcar com a satisfação de suas necessidades básicas, já que não possuem, sumariamente, emancipação econômica. Ademais, lhes é exigido o cumprimento de leis, deveres e obrigações no âmbito familiar, social e civil. Logo, deve haver prioridade para prestar socorro e proteção às crianças e adolescentes, em qualquer circunstância.
O princípio do melhor interesse da criança estende-se a todas as relações jurídicas envolvendo os direitos dos infantes. Deste modo o poder familiar passa a ser entendido como a possibilidade de os pais intervirem na esfera jurídica dos filhos e não mais no interesse deles próprios. Os pais são titulares do poder, mas voltados ao interesse dos filhos.
Importante ressaltar a dificuldade de compreender o que é melhor para os infantes. Exemplo disto são os casos de adoção: a lei é clara ao estabelecer que somente em casos excepcionais será atribuída família substituta, buscando-se manter a criança na família natural. Ocorre que nem sempre este é o ideal para as crianças; portanto, cabe ao intérprete analisar os casos de maneira individual, identificando qual ação corresponderá ao efetivo melhor interesse da criança ou do adolescente.
1.3 Do poder familiar
Diniz (2005, p. 512), baseada nas definições de pátrio poder de José Virgílio Castelo Branco Rocha define que:
“O poder familiar pode ser definido como um conjunto de direitos e obrigações, quanto à pessoa e bens do filho menor não emancipado, exercido em igualdade de condições, por ambos os pais, para que possam desempenhar os encargos que a norma jurídica lhes impõe, tendo em vista o interesse e a proteção do filho.”
Note-se que ambos os genitores tem igualdade de condições e responsabilidades no poder decisório sobre os filhos. Esse poder conferido aos pais ocorre devido à incapacidade destes protegerem seus interesses. Ele é o resultado de uma necessidade natural, onde até mesmo os animais obedecem a uma hierarquia dentro de seu grupo familiar, muito mais presente na raça humana, que necessita formar caráter e personalidade.
O Código Civil de 1916 denominava o poder familiar de pátrio poder, devido a sociedade patriarcal da época, onde ao pai era atribuído o título de senhor absoluto sobre a família e os bens. A mãe era coadjuvante, somente recebendo a responsabilidade caso o pai sofresse algum impedimento ou faltasse no lar. Além disso, se a mesma casasse novamente perdia este poder.
Atualmente, o termo é chamado de poder familiar, excluindo a ideia de que o dever de proteção dos filhos compete somente ao pai. O Código Civil atual, em seu artigo 1.690, parágrafo único, determina que “os pais devem decidir em comum as questões relativas aos filhos e aos seus bens; havendo divergência, poderá qualquer deles recorrer a juiz para a solução necessária” (BRASIL, 2002). Portanto, o legislador buscou deixar clara a igualdade que ambos têm para proteger os filhos e reivindicar seus direitos.
O poder familiar é um encargo conferido aos pais; é um poder-dever, pois os mesmos tem o poder (dado pelo Estado) para exercê-lo e o dever de cumprir esta função. Ademais, ele é irrenunciável, inalienável, indisponível e imprescritível. Igualmente, é uma relação de autoridade, pois dele decorre um vínculo de subordinação de filhos para pais.
Os artigos 227 e 229 da CF/1988 determinam que é dever dos pais assistir, educar e criar os filhos, lhes assegurando direito à vida, educação, lazer, alimentação, dignidade, respeito, liberdade, deixando-lhes ainda a salvo de discriminações, negligências, explorações e crueldades. Também é dever dos pais tê-los em sua companhia e guarda, afinal compete-lhes criar os filhos, além de terem poder (e dever) legal para reter os filhos junto ao lar, caso seja necessário. Podem os pais proibirem os filhos de frequentar determinados lugares e vetar sua convivência com determinadas pessoas. Os pais são civilmente responsáveis pelos filhos, e o dever de guarda-los abrange sua vigilância, buscando garantir a devida formação moral dos menores (DINIZ, 2005).
Cabe aos pais, detentores do poder familiar, conceder ou negar consentimento para casar, conforme artigo 1.517 do Código Civil Brasileiro, além de poder nomear tutor, representá-los até os 16 anos nos atos da vida civil e assisti-los dos 16 anos até a maioridade. Podem ainda exigir que os filhos prestem obediência, respeito e cumpram os serviços próprios a sua idade e condição, sem prejuízo de sua formação. Por fim, na esfera patrimonial, incumbe aos pais administrar os bens dos filhos menores e sob sua autoridade, além de ter o usufruto dos bens que se acham sob seu poder (DINIZ, 2005).
O artigo 1.635 do Código Civil Brasileiro dispõe que “extingue-se o poder familiar: pela morte dos pais ou do filho, pela emancipação, nos termos do art. 5°, parágrafo único, pela maioridade, pela adoção, por decisão judicial, na forma do art. 1.638”.
Gonçalves (2011, p. 427) elucida que:
“A perda ou destituição constitui espécie de extinção do poder familiar, decretada por decisão judicial (arts. 1.635, V, e 1.638). Assim como a suspensão, constitui sanção aplicada aos pais pela infração ao dever genérico de exercer a pátria potestas em consonância com as normas regulamentares, que visam atender ao melhor interesse do menor.”
Rodrigues (2004, p. 368-369) complementa que tais sanções:
“têm menos um intuito punitivo aos pais do que o de preservar o interesse dos filhos, afastando-os da nociva influência daqueles. Tanto assim é que, cessadas as causas que conduziram à suspensão ou à destituição do poder familiar e transcorrido um período mais ou menos longo de consolidação, pode o poder paternal ser devolvido aos antigos titulares.”
O poder familiar é uma responsabilidade que deve ser exercida sempre em favor das crianças e adolescentes e não sendo respeitado esse princípio o Estado tem direito de interferir nessa relação que está afetando o infante e, consequentemente, a família. A suspensão do poder familiar pode ser total ou parcial, podendo ser sujeita à revisão, uma vez superadas as causas que a incitaram, sendo utilizada pelo juiz quando outra medida não puder produzir o efeito desejado. São causas da suspensão o abuso de autoridade, faltar com os deveres a ele inerentes (guarda, educação e sustento) e ruína aos bens do filho.
As causas que determinam a suspensão do poder familiar estão elencadas no artigo 1.637 do Código Civil nacional, sendo elas abuso de poder dos pais, faltar com os deveres paternos, dilapidar os bens do filho ou ainda se o pai ou a mãe sofrer alguma condenação por sentença irrecorrível, por crime cuja pena exceda dois anos de prisão. A suspensão pode ser requerida por algum parente ou pelo Ministério Público e caso seja deferido, o pedido acarretará ao pai suspenso a perda de alguns direitos em relação ao filho, sem prejuízo do dever de prestar alimentos.
“A destituição do poder familiar é uma sanção mais grave do que a suspensão, operando-se por sentença judicial, se o juiz se convencer que houve uma das causas que justificam, abrangendo, por ser medida imperativa, toda a prole e não somente um filho ou alguns filhos. A ação judicial, com esse fim, é promovida pelo outro cônjuge, por um parente do menor, por ele mesmo, se púbere, pela pessoa a quem se confiou a guarda, ou pelo Ministério Público. A perda do poder familiar, em regra, é permanente, embora seu exercício possa ser, excepcionalmente, reestabelecido, se provada a regeneração do genitor ou se desaparecida a causa que a determinou, mediante processo judicial de caráter contencioso” (DINIZ, 2005, p. 525).
O artigo 1.638 do Código Civil elenca as causas geradoras da destituição. Uma delas é o castigo imoderado (inciso I), inibindo atos de maus-tratos, tentativas de homicídio, castigos exagerados operados pelos pais ou responsáveis. Deixar o filho em abandono material e moral (inciso II) é outra possibilidade, afinal não podem os pais deixar, por exemplo, de prestar assistência a saúde do filho. A pratica de atos contrários à moral e os bons costumes (inciso III) diz respeito aqueles atos praticados pelos pais que podem influenciar na formação cidadã, de personalidade e caráter dos filhos: a doutrina cita exemplos de pais que fazem uso ou traficam entorpecentes. E por fim, a incidência reiterada nos casos geradores da suspensão (inciso IV), levam à destituição do poder familiar.
No caso de morte de um dos genitores não cessa o poder familiar, vez que ele permanece na posse daquele sobrevivente. A maioridade é forma natural de extinção familiar, mas pode ser antecipada com a emancipação. Já no caso da adoção, extingue-se o poder familiar da família original, o qual passa a ser exercido pela família adotante.
“O procedimento para a perda ou suspensão do poder familiar iniciar-se-á por provocação do Ministério Público ou de quem tenha legítimo interesse, sendo que a apreciação destas ações será pela Justiça da Infância e da Juventude. […] A sentença que decretar a perda ou suspensão do poder familiar será averbada à margem do registro de nascimento do menor” (DINIZ, 2005, p. 527-528).
É inegável a importância de manter os pais junto de sua prole. Contudo, com base nos princípios e na leitura sistêmica da legislação, o âmago é resguardar as crianças e adolescentes de todo o mal, mesmo que para tanto seja necessária sua retirada do lar. O que se espera é que toda família tenha capacidade de promover, independente de condições financeiras, um ambiente saudável à formação dos filhos. Entretanto, nem sempre se pode constatar esta realidade, sendo necessária a intervenção do Estado que tentará, de todas as formas, proteger e reestruturar o lar propiciando um meio verdadeiramente positivo, favorável e adequado para o desenvolvimento da criança e do adolescente.
2 ALIENAÇÃO PARENTAL
De acordo com Madaleno e Madaleno (2013), a primeira definição da Síndrome da Alienação Parental surgiu em 1985, por Richard Gardner, professor de psiquiatria clínica na Universidade de Columbia nos Estados Unidos da América, a partir de suas experiências como perito judicial. Segundo argumentação em obra dedicada ao tema os autores descrevem a Síndrome da seguinte maneira:
“Trata-se de uma campanha liderada pelo genitor detentor da guarda da prole, no sentido de programar a criança para que odeie e repudie, sem justificativa, o outro genitor, transformando a sua consciência mediante diferentes estratégias, com o objetivo de obstruir, impedir ou mesmo destruir os vínculos entre o menor e o pai não guardião, caracterizado, também, pelo conjunto de sintomas dela resultantes, causando assim, uma forte relação de dependência e submissão do menor com o genitor alienante. E, uma vez instaurado a assedio, a própria criança contribui para a alienação” (MADALENO E MADALENO, 2013, p. 42).
Todas as crianças e adolescentes têm direito à convivência familiar. Contudo, apesar de ser um direito expresso na Carta Magna e nos princípios regentes da família, muitas vezes esta garantia é violada. A alienação parental é uma maneira de interromper os vínculos afetivos de um genitor para com seus filhos. Este fenômeno não é novo, porém só foi regulamentado em 2010 com o advento da Lei nº 12.318, o que demonstrou uma dificuldade tanto jurídica como social de entender esta espécie de conflito como prejudicial para a formação de famílias e crianças e adolescentes saudáveis.
O conceito legal da alienação parental está disposto no artigo 2º da Lei nº 12.318/2010, que define:
“Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós, ou pelos que tenham a criança ou o adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou a manutenção de vínculos com este” (BRASIL, 2010).
Após a separação é normal haver divergências de interesses entre o casal, o que pode provocar animosidades entre os mesmos por diversos motivos, como desejo de vingança, não superação do fim do relacionamento, ciúmes, desvios de personalidade; assim, tenta-se atingir o elo mais precioso que há entre o casal: os filhos. Neste contexto o genitor que detêm a guarda dos filhos, na tentativa de magoar o antigo parceiro, pode usar os filhos, manipulando-os para que não amem mais aquele que não é seu guardador.
Gardner (2002) esclarece que:
“A síndrome da alienação parental é um distúrbio da infância que aparece quase que exclusivamente no contexto de disputas de custódia de crianças. Sua manifestação preliminar é a campanha denegritória contra um dos genitores, uma campanha feita pela própria criança que não tenha nenhuma justificação. Resulta da combinação das instruções de um genitor (o que faz a “lavagem cerebral, programação, doutrinação”) e contribuições da própria criança para caluniar o genitor-alvo. Quando o abuso e/ou a negligência parentais verdadeiros estão presentes, a animosidade da criança pode ser justificada, e assim a explicação da Síndrome da Alienação Parental para a hostilidade da criança não é aplicável.”
Para melhor compreender a alienação parental deve-se alertar que o modelo de família contemporânea não corresponde mais aquele onde o sustento dependia do pai e a criação e proteção dos filhos de responsabilidade da mãe. Atualmente, pais e mães têm árduas jornadas de trabalho e precisam compartilhar a tarefa e o prazer de participar na criação e educação dos filhos.
Cuença (2005) elucida que:
“Atualmente, como foi a Aids há 20 anos atrás, a Síndrome de Alienação Parental é um mal não conhecido pela maioria daqueles que trabalham na área de âmbito judicial de nosso país, e sobre o qual não existe nenhuma informação disponível para os profissionais ‘paralegais’ como psicólogos sociais, médicos e assistentes sociais que devem participar do trabalho envolvido. No entanto, este mal atinge milhares de crianças, todo ano, e é responsável por um número desconhecido de patologias entre essas crianças.”
A falta de informação a cerca da alienação parental não faz com que a mesma deixe de estar presente nos lares. Mesmo não sendo um problema novo, ele tardiamente passou a ser levado ao Judiciário e, assim sendo, ainda existem grandes barreiras que impedem sua identificação e tratamento.
O genitor alienante utiliza de todos os meios para convencer a criança de que sofreu abusos do genitor alienado, convence de que o mesmo abandonou o lar e a criança, transmitindo a ideia de que o amor entre pai e filho alienados não deve existir, pois trará malefícios a criança e fará do alienante infeliz.
“Trata-se de um transtorno psicológico caracterizado por um conjunto sintomático pelo qual um genitor, denominado cônjuge alienador, modifica a consciência de seu filho, por estratégias de atuação e malícia (mesmo que inconscientemente), com o objetivo de impedir, obstaculizar ou destruir seus vínculos com o outro genitor, denominado cônjuge alienado. Geralmente, não há motivos reais que justifiquem essa condição. É uma programação sistemática promovida pelo alienador para que a criança odeie, despreze ou tema o genitor alienado, sem justificativa real” (FREITAS, 2014, p. 25).
Logo, é imprescindível que o Poder Judiciário conheça este conflito familiar para que assim possa apresentar soluções aos litigantes. Ao preservar a família, não apenas garante-se o bem-estar dos membros, como também um desenvolvimento saudável para os infantes que são as principais vítimas do fim do relacionamento dos pais.
2.1 Diferença entre síndrome da alienação parental e alienação parental
A síndrome da alienação parental e a alienação parental são conceitos interligados, entretanto, não se confundem. Xaxá (2008, p. 19) esclarece:
“Alienação Parental é a desconstituição da figura parental de um dos genitores ante a criança. É uma campanha de desmoralização, de marginalização desse genitor. Manipulada com o intuito de transformar esse genitor num estranho, a criança então é motivada a afastá-lo do seu convívio. Esse processo é praticado dolosamente ou não por um agente externo, um terceiro e, não está restrito ao guardião da criança. Há casos em que a Alienação Parental é promovida pelos Avós, por exemplo, sendo perfeitamente possível que qualquer pessoa com relação parental com a criança ou não, a fomente.”
Em entrevista à Coordenadoria de Defesa dos Direitos da Famílias, o Juiz Elisio Perez (2011), autor do anteprojeto da Lei de Alienação Parental elucidou:
“[…] uma questão importante que tem sido ignorada é o fato de que a lei brasileira estabelece um conceito jurídico autônomo para os atos de alienação parental, que está no art. 2º da lei, e que não se confunde com a síndrome da alienação parental, embora possamos indicar pontos de contato. O conceito jurídico dos atos de alienação parental viabiliza que se reconheça, com clareza, essa modalidade de abuso, em si, independente de consequências outras. Vale dizer: não é necessário aguardar para saber se a criança responde ou não ao processo abusivo, se há patologia ou não.”
Assim sendo, entende-se que a síndrome da alienação parental é uma consequência da alienação parental. Madaleno e Madaleno (2013, p. 51) esclarecem:
“De acordo com a designação de Richard Gardner, existem diferenças entre a síndrome da alienação parental e apenas a alienação parental; a última pode ser fruto de uma real situação de abuso, de negligência, de maus-tratos ou de conflitos familiares, ou seja, a alienação, o alijamento do genitor é justificado por suas condutas (como alcoolismo, conduta antissocial, entre outras), não devendo se confundir com os comportamentos normais, como repreender a criança por algo que ela fez, fato que na SAP é exacerbado pelo outro genitor e utilizado como munição para injúrias. Podem, ainda, as condutas do filho ser fator de alienação, como a típica fase da adolescência ou meros transtornos de conduta. Alienação é, portanto, um termo geral que define apenas o afastamento justificado de um genitor pela criança, não se tratando de uma síndrome por não haver o conjunto de sintomas que aparecem simultaneamente para uma doença específica.”
Na citação acima se percebe que os autores entendem ser a alienação parental uma campanha desmoralizatória de um genitor para com o outro, sendo estas difamações verdadeiras. Isto é: neste caso o genitor alienante incentiva a criança a não mais amar o genitor alienado por condutas que este de fato praticou, não ocorrendo a implantação de falsas memórias. Já a síndrome da alienação parental é, para os autores, um conjunto de sintomas que levam a criança a afastar-se de um de seus genitores injustificavelmente, havendo, neste caso, a implantação de falsas memórias.
De outro modo compreende Pinho apud Gomes (2014, p. 46):
“A Síndrome não se confunde com Alienação Parental, pois que aquela geralmente decorre desta, ou seja, ao passo que a SAP se liga ao afastamento do filho de um pai através de manobras do titular da guarda; a Síndrome, por seu turno, diz respeito às questões emocionais, aos danos e sequelas que a criança e o adolescente vêm a padecer.”
Diferente daquela, esta citação compreende a síndrome da alienação parental como o conjunto de sequelas e sintomas emocionais que se instauram sobre a criança, resultantes da prática da alienação parental. Neste caso, na alienação parental, ocorre a implantação de falsas memórias ou não,; o que caracteriza a alienação parental são as manobras que um genitor usa para afastar o filho do outro.
A Síndrome da Alienação Parental encontra resistência nos tribunais, jurisprudências e doutrinas por não fazer parte do Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM). Conforme o Dicionário Aurélio (2014) “síndrome é o conjunto de sintomas que caracterizam uma doença. Conjunto dos sinais e sintomas que caracterizam determinada condição ou situação”.
Atualmente, existem cinco edições para o Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, tendo a primeira sido publicada em 1952. Na primeira edição havia cerca de 100 patologias descritas, número este que veio aumentando com as novas publicações. Até o quarto boletim não haviam sintomas que pudessem enquadrar a Síndrome da Alienação Parental; no entanto, na quinta foram inclusos conceitos mais generalistas, de maneira que é possível alcançar o diagnóstico da alienação, ainda que não esteja expresso como um transtorno.
Problemas de relacionamento entre pais e filhos, abuso psicológico da criança, criança afetada pela relação parental conflituosa, são conceitos que podem traduzir a alienação parental e estão presentes na DSM-V. A Lei nº 12.318/2010 optou por tratar da alienação parental, que é primeiro estágio, porém não significa que os magistrados não tenham possibilidades de interferir nos casos onde a síndrome já está presente.
A partir desta inclusão no DSM-V a discussão a cerca da existência ou não da síndrome não é mais relevante, o que representa um grande avanço. Ademais, a alienação parental também já faz parte da literatura médica e legal, sendo um conceito menos controverso (GOMES, 2014, p. 48).
“[…] a expressão Síndrome da Alienação Parental é duramente criticada por não estar prevista nem no CID-10 (Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde), nem no DSM-IV, ou seja, não é reconhecida como uma categoria diagnosticada e também não é considerada uma síndrome médica válida. Síndrome significa um distúrbio, sintomas que se instalam em consequência da extrema reação emocional ao genitor, cujos filhos foram vítimas. Já a Alienação são os atos que desencadeiam verdadeira campanha de desmoralização levada a efeito pelo alienante” (SOUZA, 2014, p. 113).
Portanto, cabe ressaltar que:
“[…] a Síndrome da Alienação Parental não se confunde com Alienação Parental, pois que aquela geralmente decorre desta, ou seja, enquanto a AP se liga ao afastamento do filho de um pai através de manobras da titular da guarda, a Síndrome, por seu turno, diz respeito às questões emocionais, aos danos e sequelas que a criança e o adolescente vêm a padecer” (PINHO apud SOUZA, 2014, p. 114).
Dessa forma, fica evidente que os conceitos não se confundem mas estão entrelaçados. Ainda que a Lei nº 12.318/2010 tenha optado por usar o termo alienação parental, devem os magistrados e demais operadores do direito conhecer a Síndrome e suas consequências nas crianças e adolescentes que sofrem estes abusos.
2.2 Critérios de identificação
O ambiente familiar onde ocorre a alienação parental é bastante conflituoso, com fortes animosidades entre os pais e até mesmo as famílias do casal que está se divorciando. Nestes casos uma das tarefas mais árduas para o Poder Judiciário e para os profissionais paralegais (psicólogos e assistentes sociais) é identificar se de fato há algum abuso para com os direitos das crianças e adolescentes ou se estão sendo implantadas falsas memórias.
Sendo assim, os profissionais que trabalham nas Varas de Família precisam estar atentos para não tratar o agressor como vítima. Ou seja, defender o genitor que está violando a criança por entender se tratar de alienação parental.
2.2.1 Alienação parental versus abuso sexual
Em muitos casos de alienação parental, já em estágio avançado, o genitor alienante (normalmente a mãe) pode utilizar-se da implantação de falsas memórias, fazendo com que a criança acredite que foi abusada pelo pai, rompendo-se efetivamente os vínculos com esse. Nestes casos, a alienante conta diversas vezes o que ela quer que a criança acredite que aconteceu, fazendo-a imaginar que as narrativas da mãe são verdadeiras.
No entanto, é preciso cautela nestes casos, uma vez que a criança pode ter sido de fato abusada. O agressor pode esconder-se atrás do véu da alienação, passando-se por vítima, quando na verdade os relatos da mãe é que são verdadeiros.
“A falsa denúncia de práticas incestuosas tem crescido de forma assustadora. Essa realidade perversa pode levar a um injustificado rompimento de vínculo de convivência paterno-filial. Mas há outra consequência ainda pior: a possibilidade de identificar como falsa denúncia o que pode ser uma verdade. Nos processos que envolvem abuso sexual, a alegação de que se trata de alienação parental tornou-se argumento de defesa. Invocada como excludente de criminalidade, o abusador é absolvido e os episódios incestuosos persistem” (DIAS, 2013, p. 271).
Existem técnicas de diferenciação de ambos os casos, que somente são verificadas após um longo acompanhamento com psicólogos, assistentes sociais, e até mesmo serventuários da justiça. Quanto ao comportamento das crianças e adolescentes, quando há de fato abuso ou negligência os mesmos recordam-se com facilidade dos fatos, sem necessitarem de ajuda externa. Mas, ao tratar-se de alienação parental, os mesmos necessitam de auxílio externo para recordar-se dos fatos. Ainda, quando são implantadas falsas memórias, há muita troca de olhares entre os parentes que estão na sala, é como se a criança pedisse aprovação, e não existem muitos detalhes (MADALENO E MADALENO, 2013).
Havendo abuso, percebe-se que a criança tem um conhecimento sexual inadequado para sua idade, as brincadeiras têm conotação sexual, ocorre confusão entre as relações sociais. É comum haver o aparecimento de indícios físicos de agressões, lesões e infecções, podendo ocorrer distúrbios alimentares e sono alterado. Costumam apresentar sentimento de culpa, vergonha, sintomas depressivos, e até mesmo tentativa de suicídio (MADALENO E MADALENO, 2013).
Por outro lado, nos casos de alienação parental, o conhecimento da sexualidade é adequado para a idade, não há indícios físicos de agressão, apesar de alguns alienadores provocarem hematomas para dar veracidade ao fato narrado. Não é comum apresentarem-se distúrbios funcionais, nem sentimento de culpa (MADALENO E MADALENO, 2013).
Quanto ao genitor que denuncia o abuso, quando o fato é real, o mesmo tem consciência da dor e da destruição dos vínculos familiares, requer celeridade processual e pode ter sofrido abusos físicos e/ou emocionais do ex-cônjuge. Doutro modo ocorre quando os fatos são criados pelo genitor que denuncia, pois o mesmo não se importa com o transtorno que sua alegação causará a família, sendo a sua intenção ganhar tempo, interferido no processo com o intuito de atrapalhar e retardar a sentença. Há também diferença quanto ao genitor acusado, que nos casos de abusos verdadeiros, costumam apresentar distúrbios em outras áreas da vida, enquanto os genitores vítimas da alienação parental, são aparentemente saudáveis nas demais áreas de suas vidas (MADALENO E MADALENO, 2013).
2.3 Características do genitor alienante
O genitor alienante age no intuito de romper os laços afetivos entre os filhos e o outro genitor. “Da mesma forma que é difícil descrever todos os comportamentos que caracterizam a conduta de um alienador parental, conhecer um a um de seus sentimentos é tarefa praticamente impossível” (TRINDADE, 2013, p. 27), pois suas atitudes podem ser decorrentes dos mais variados motivos.
“Referindo-se a esses comportamentos, não há dúvida de que a finalidade do genitor alienador é evitar ou dificultar, por todos os meios possíveis, o contato dos filhos com o outro cônjuge. No entanto, os pais ou responsáveis não percebem que o direito à convivência familiar é direito fundamental previsto não apenas na CF/1988 e no ECA, mas também na Lei 12.318/2010 (Lei de Alienação Parental)” (SOUZA, 2014, p. 128).
As atitudes do alienante iniciam-se quando surge a separação, pois junto dela emanam sentimentos de rancor, mágoa e rejeição. Assim, não raramente, as investidas denegritórias são conscientes, pois há intenção de prejudicar o antigo companheiro. Entretanto, o alienante não percebe que ao tentar afetar o ex-cônjuge a maior vítima são os filhos, que perdem o laço afetivo com o pai. Não se compreende que ao afastar um pai de um filho, deprecia-se o direito, primeiramente, das crianças e adolescentes.
O padrão de condutas do genitor alienante é elucidado por Fonseca apud Souza (2014, p. 129):
“a) denigre a imagem da pessoa do outro genitor; b) organiza diversas atividades para dia de visitas, de modo a torná-las desinteressantes ou mesmo inibi-las; c) não comunica ao genitor fatos importantes relacionados à vida dos filhos (rendimento escolar, agendamento de consultas médicas, ocorrência de doenças, etc.) d) toma decisões importantes sobre a vida dos filhos, sem prévia consulta do outro cônjuge (por exemplo: escolha ou mudança de escola, de pediatra, etc.); […] i) obriga a criança a optar entre a mãe ou o pai, ameaçando-a das consequências, caso a escolha recaia sobre o outro genitor; […] n) sugere à criança que o outro genitor é pessoa perigosa; o) omite falsas imputações de abuso sexual, uso de drogas e álcool; p) dá em dobro ou em triplo o número de presentes que o genitor alienado dá ao filho; r) não autoriza que a criança leve para casa do genitor alienado os brinquedos e as roupas que ele mais gosta […]”
Logo, o genitor alienante usa das mais variadas e criativas formas para afastar o filho do outro genitor, fazendo com que pouco a pouco a criança não se sinta mais a vontade na companhia do alienado. Por vezes o alienante pode agir na intenção de afastar pai e filho, como se fosse um ato de escolha: ou mantêm-se o relacionamento e os filhos ou nada se tem. Também pode acontecer de o relacionamento entre o casal não ter sido bom para os companheiros e haja de fato um receio de que a aproximação de pai e filho não será positiva para a criança.
As ações do genitor alienante podem ser as mais inocentes e inofensivas num primeiro momento, dificultando o diagnóstico de alienação parental. Quando a mãe apresenta um novo companheiro para o filho e diz que ele é o novo pai da criança ou do adolescente, assim como quando intercepta cartas, e-mails, telefonemas, já está sendo burlada a intimidade de pai e filho. Atitudes como estas podem ter um caráter protetor, mas dependendo de como são abordadas podem caracterizar alienação parental (TRINDADE, 2013).
“Tramita na Câmara Federal o Projeto de Lei nº 6.937/06, que objetiva tornar criminosa a conduta do guardião que muda de domicilio sem avisar previamente o outro genitor ou à justiça. O fato poderá ensejar também a perda do exercício da guarda. No Distrito Federal, em razão da Lei nº 3-849/06, todas as instituições de ensino fundamental e médio passaram a ser obrigadas a encaminhar a ambos os pais, guardiões ou não, as informações referentes à vida escolar dos filhos” (SOUZA, 2012, p. 7).
Percebe-se que a interferência do Poder Legislativo e Judiciário nos conflitos familiares é de extrema importância, uma vez que os pais, ao romperem o relacionamento entre si, automaticamente excluem do cotidiano dos filhos aquele que não é detentor da guarda. Infelizmente, esta situação nem sempre é imposta apenas pelo genitor guardião, pois o pai que não é guardião acredita que se cumprir os horários de visitação já estará cumprindo o “papel de pai”.
“Não raro, após o desenlace, os pais – e muitas vezes os operadores do direito – esquecem-se de que, mesmo que a guarda seja exercida unilateralmente, o poder familiar cabe a ambos os genitores, casados ou não. É comum assistirmos a um verdadeiro vilipêndio da essência do poder familiar quando o guardião monopoliza em suas mãos as decisões que dizem respeito à vida dos filhos, recusando a participação do não-guardião nessa tarefa” (SOUZA, 2012, p. 7, grifo nosso).
Costumeiramente ocorre uma confusão entre guarda e poder familiar, deixando o processo de separação ainda mais difícil. Muitas vezes os pais entendem que por não receber a guarda dos filhos, não têm responsabilidades com estes, deixando a tarefa de educar a cargo da mãe – que normalmente é nomeada como guardiã. Assim, a alienação também pode se dar pelo genitor não guardião, que faz o papel de “bom pai”, deixando a criança fazer o que quer, dizendo que a mãe é má por não permitir determinadas atitudes e delegar tarefas.
A missão de educar os filhos deve ser desempenhada por ambos os pais, ainda que separados. Para que isso seja possível é imprescindível haver diálogo entre os genitores, afinal “[…] no cenário da organização familiar moderna não há mais lugar para o genitor espectador, visitante de finais de semana, pagador de pensão alimentícia e fiscal do guardião. Mesmo depois da separação, a criação dos filhos é peça a ser tocada por quatro mãos” (SOUZA, 2012, p. 8).
2.4 Consequências para as crianças alienadas
De acordo com Madaleno e Madaleno (2013, p. 53) “o modo como os pais enfrentam um processo de divórcio ou dissolução de sua união é determinante para verificar como seus filhos se comportarão no futuro […]”. Logo, passado o desgosto da separação, se os pais retomam sua rotina, demonstrando naturalidade aos filhos, estes entendem que o afastamento do lar de um dos genitores é normal e não afetará sua vida e seus sentimentos para com os filhos.
Entretanto, se os pais evidenciam aos filhos o aborrecimento que estão sentindo um pelo outro, esses entendem que alguém é culpado por aquilo que está acontecendo. Neste contexto, podem os filhos passar acusar um dos genitores de ter abandonado o lar, afastando-se dele em solidariedade àquele que permanece em casa. Não obstante, pode a criança ou o adolescente sentir-se culpado, desencadeando uma série de transtornos, como depressão, ansiedade e perda da autoestima.
Para suportar o ambiente conturbado que se instaurou entre os pais, esses filhos aprendem a manipular, tornam-se prematuramente espertos para decifrar o ambiente emocional, aprendem a falar apenas uma parte da verdade e a demonstrar falsas emoções (PODEVYIN, 2001). Ademais, “se tornam crianças que não têm tempo para se ocupar com as preocupações próprias da idade, cuja infância lhe foi roubada pelo desatinado e egoísta genitor que o alienou de um convívio sadio e fundamental” (MADALENO E MADALENO, 2013, p. 54).
“Na área psicológica, também são afetados o desenvolvimento e a noção do autoconceito e autoestima, carências que podem desencadear depressão crônica, desespero, transtorno de identidade, incapacidade de adaptação, consumo de álcool e drogas e, em casos extremos, pode levar até mesmo ao suicídio. A criança afetada aprende a manipular e utilizar a adesão a determinadas pessoas como forma de ser valorizada, tem também uma tendência muito forte a repetir a mesma estratégia com as pessoas de suas posteriores relações, além de ser propenso a desenvolver desvios de conduta, com a personalidade antissocial, fruto de um comportamento com baixa capacidade de suportar frustrações e controlar seus impulsos, somado, ainda, à agressividade com único meio de resolver conflitos […]” (MADALENO E MADALENO, 2013, p. 54).
Portanto, “se os pais tiverem equilíbrio suficiente para manter um diálogo construtivo, os filhos estarão a salvo. Do contrário, acabarão por se tornar artilharia de um cônjuge contra o outro” (SOUZA, 2012, p. 7). Assim, para que a separação não deixe cicatrizes irreversíveis no relacionamento de pais e filhos e na própria personalidade destes, devem os genitores manter os filhos longe dos desentendimentos advindos do divórcio, afinal a separação deve ser entre os pais e não para com os filhos.
2.5 Movimentos em defesa da alienação parental
Compreende-se como movimento social:
“Em linhas gerais, o conceito de movimento social se refere à ação coletiva de um grupo organizado que objetiva alcançar mudanças sociais por meio do embate político, conforme seus valores e ideologias dentro de uma determinada sociedade e de um contexto específicos, permeados por tensões sociais. Podem objetivar a mudança, a transição ou mesmo a revolução de uma realidade hostil a certo grupo ou classe social. Seja a luta por um algum ideal, seja pelo questionamento de uma determinada realidade que se caracterize como algo impeditivo da realização dos anseios deste movimento, este último constrói uma identidade para a luta e defesa de seus interesses” (BRASIL ESCOLA, 2014).
Conforme Xaxá (2008, p. 61) “existem diversos movimentos que lutam pela aplicação eficaz dos direitos e garantias fundamentais das crianças […]”. Analisar-se-ão os principais movimentos que combatem a alienação parental no Brasil.
2.5.1 APASE
A Associação de Pais e Mães Separados (APASE) é uma ONG, criada em 13 de março de 1997. Ela é a autora dos anteprojetos da Lei da Guarda Compartilhada (Lei nº 12.013, de 06 de agosto de 2009) e da Lei da Alienação Parental (Lei nº12.318, de 26 de agosto de 2010) (APASE, 2014).
“A APASE desenvolve atividades relacionadas a direitos entre homens e mulheres nas relações com seus filhos após o divórcio, difunde a ideia de que filhos de pais separados têm direito de serem criados por qualquer um de seus genitores sem discriminação de sexo, e promove a participação efetiva de ambos os genitores no desenvolvimento dos filhos” (APASE, 2014).
De acordo com Xaxá (2008, p. 63) os objetivos são:
“As Apases brasileiras desenvolvem atividades relacionadas à igualdade de direitos entre homens e mulheres nas relações filiais após o divórcio, difundem a ideia de que filhos de pais separados têm direito de serem criados por qualquer um de seus genitores sem discriminação de sexo, e promovem a participação efetiva de ambos genitores no desenvolvimento dos filhos.”
Ainda, a APASE atua no intuito de defender os direitos de igualdade filial entre pais e mães, quando houver preconceito ou discriminação praticados por pessoas ou instituições, cujas consequências representem qualquer tipo de prejuízo às crianças, filhos de pais separados; divulga estudos, trabalhos, teses e demais matérias que tratem sobre a guarda de filhos, além de fazer a compilação de jurisprudência sobre guarda de filhos; elabora sugestões para Projetos de Lei que aperfeiçoem a legislação sobre a guarda de filhos; debate temas ligados a guarda de filhos; forma grupos de autoajuda para pessoas que estejam envolvidas em demandas judiciais, ou em conflitos decorrentes da guarda de filhos (XAXÁ, 2008).
2.5.2 Pais por justiça
O movimento Pais Por Justiça foi criado em junho de 2007 por um grupo de pais, que por intervenção das mães, não conseguem conviver com seus filhos. Esta não convivência é decorrente de desobediência à acordo judicial em conjunto com a manipulação psicológica (Alienação Parental) ou por cruéis artifícios judiciais, tais como as falsas denúncias de maus-tratos ou de abuso sexual (XAXÁ, 2008).
“Somos um grupo de homens e mulheres que busca alertar a sociedade sobre uma das mais sórdidas formas de agressão e encontrar mecanismos para combatê-la: o abuso emocional causado pela alienação parental. Esta é nossa luta contra os absurdos cometidos contra nossos filhos, contra nossos direitos e os direitos deles!” (PAIS POR JUSTIÇA, 2014).
O objetivo do movimento é o rompimento do paradigma de que a mãe é a suprema e principal guardiã dos filhos de pais separados. Salientam que é urgente a aplicação da guarda compartilhada pois, sem dúvida, este é um instrumento muito valioso para que o pai possa começar a conviver com seu filho de maneira digna. A intenção é de mostrar à sociedade e à própria justiça que num número cada vez maior esses filhos estão sendo mutilados psicologicamente e tornando-se órfãos de pais vivos por causa das atitudes desleais e insanas destas mães que se acham "donas" das crianças, criando nestas, danos psicológicos muitas vezes irreversíveis (XAXÁ, 2008).
2.5.3 Pai legal
Conforme auto definição extraída do site do movimento:
“Somos pais que resolveram arregaçar as mangas e construir um site para atender as nossas necessidades de pai na criação de nossos filhos, seja lutando pelo nosso direito à convivência com eles após a separação do casal como também pela qualidade de nossa paternidade. O público-alvo do PaiLegal é o pai, em quem temos concentrado as nossas atenções. Mães e filhos têm também colaborado para alcançarmos o nosso objetivo – de sermos e ajudarmos outros homens a serem pais plenos. A visão do PaiLegal é a renovação do papel do pai, reabilitando e incentivando os homens a fazerem de suas crianças indivíduos honestos, seguros, justos, empreendedores e felizes, e consequentemente construindo uma nação forte e próspera. A missão do PaiLegal é tornar-se o melhor site para se encontrar informação sobre o pai e a paternidade de excelência, de forma clara, inovativa, assertiva, justa e honesta” (PAI LEGAL, 2002).
O Pai Legal não é uma associação e sim um grupo privado de trabalho que vislumbra promover o debate sobre a paternidade, a guarda compartilhada e a alienação parental. São assessorados por profissionais, estudantes e demais pessoas que se interessam pela temática (PAI LEGAL, 2002).
2.5.4 SOS papai e mamãe
O SOS Papai e Mamãe é uma organização não governamental e sem fins lucrativos, criada por um grupo de pessoas, a maioria pais e mães separados, por compreenderem a importância de uma convivência harmoniosa entre pais e mães em prol dos filhos (SOS PAPAI E MAMÃE, 2014a).
“Quando pais encontram a alienação parental, têm em primeiro lugar o choque, a surpresa, a incredulidade e, por fim a recusa em aceitar o inaceitável. Esta recusa é o motivo de nossa existência e de nossa ação. Devemos esta existência, antes de tudo, às nossas crianças que não tem culpa alguma nesses tormentos e que, sob qualquer pretexto, não podem sofrer com isso” (SOS PAPAI E MAMÃE, 2014b, grifo do autor).
Fundada em 28 de fevereiro de 2005, é qualificada como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), nos termos da Lei nº 9.790/1999 conforme, ainda, o Processo MJ nº 08071.002081/2005-73 publicado no DOU em 25 de novembro de 2005. “O sofrimento delas [das crianças] nos fortalece para perceber e assumir nossa responsabilidade e comprometimento com uma formação melhor para elas. Para que não sejam rasgadas entre seus dois pais quando estes se separam” (SOS PAPAI E MAMÃE, 2014b).
2.5.5 AMASEP
A AMASEP – Associação de Assistência às Crianças, Adolescentes e Pais Separados tem como base principal o artigo 5º da Constituição de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8069, de 13/07/1990) em seus artigos 3º, 4º, 5º, 15º, 17º 18º e 21º. Nele, todos podem expor sobre sua realidade, sua situação, seus sentimentos como separada (o), com ou sem a guarda dos filhos, prestes a se separar, bem como para quem é filho de pais separados (STELLATO, 2013).
Esta Associação defende que filhos de pais separados têm direito de serem criados por qualquer um de seus genitores, promovendo a participação efetiva de ambos no desenvolvimento dos filhos. A AMASEP possui Projeto de Lei sobre "Genitores Separados Ausentes na Participação da Educação e da Vida de seus Filhos” além de ter participado na batalha pela aprovação da Lei da Guarda Compartilhada e pela Lei da Alienação Parental. (STELLATO, 2013). Suas principais bandeiras de defesa são genitores separados ausentes, guarda compartilhada, mediação familiar, pensão alimentícia versus importo de renda e a alienação parental (AMASEP, 2013).
3 CONSIDERAÇÕES ACERCA DA LEI Nº 12.318/2010
Em 07 de outubro de 2008 foi apresentado no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 4.053/2008, de autoria do Deputado Regis de Oliveira, do Partido Social Cristão (PSC), dispondo sobre a Alienação Parental. Este projeto tramitou na Comissão de Seguridade Social e Família, tendo parecer favorável, e após o substitutivo[2] da deputada Maria do Rosário, na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania foi aprovado no Senado. Posteriormente, o projeto seguiu para aprovação do então Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, sendo sancionada em 26 de agosto de 2010 a agora Lei nº12.318/2010, Lei da Alienação Parental.
A iniciativa do Projeto de Lei é do Juiz do Trabalho de São Paulo/SP, Dr. Elizio Perez (2011), afirmando que “constatava-se cegueira do Estado em relação à alienação parental”. Foi necessária a colaboração de muitas pessoas e associações, como o “Pai Legal” [3], “SOS Papai e Mamãe” [4], “AMASEP” [5], “APASE” [6], “Pais por Justiça” [7], “Participais” [8], além do apoio de diversos parlamentares, os quais participaram na elaboração, e divulgação do projeto (PAIS POR JUSTIÇA, 2010).
Em agosto de 2010 o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva aprovou o texto, vetando, no entanto, dois artigos por recomendação do Ministério da Justiça. Com a Lei consolidou-se o instituto da guarda compartilhada como a melhor forma de dirimir conflitos familiares, além de garantir aos filhos viver com equidade tanto com família da mãe como também com a família do pai (PAIS POR JUSTIÇA, 2010).
3.1 Importância da tipificação
A ideia que levou à elaboração do anteprojeto de lei sobre a alienação parental consiste no fato de que havia notória resistência entre os operadores do direito para a gravidade do problema, assim como a ausência de especificação de instrumentos para inibir ou atenuar a prática. Optou-se por utilizar no projeto o termo “genitor”, pois a conduta de alienar um filho pode ser exercida tanto pelo pai como pela mãe (VILELA, 2009).
“Evidente vantagem da existência de definição legal de alienação parental é o fato de, em casos mais simples, permitir ao juiz, de plano, identifica-la, para efeitos jurídicos, ou, ao menos, reconhecer a existência de seus indícios, de forma a viabilizar rápida intervenção jurisdicional. O rol exemplificativo de condutas caracterizadas como de alienação parental tem esse sentido: confere ao aplicador da lei razoável grau de segurança para o reconhecimento da alienação parental ou de seus indícios independentemente de investigação mais profunda ou caracterização de alienação parental por motivos outros” (VILELA, 2009).
Sergio Domingos, Defensor Público do Núcleo da Infância e Juventude de Brasília-DF, citado por Xaxá (2008, p. 54) assevera:
“Não há nenhum dispositivo ou indicação de penalidade para o infrator, em razão da ausência de dispositivo legal. O acusador (o alienador) fica numa situação muito à vontade. Porque ele vai praticar o fato, sabendo que lá na frente não receberá nenhuma penalidade de cunho judicial. Se a acusação foi, por exemplo, de abuso sexual, (imputação de falso crime a outrem) ele pode responder por calúnia penal ou dano moral. Mas e as outras formas de Alienação? Então se você tiver mecanismos para coibir ou mecanismos que você possa colocá-los a disposição do juiz, para penalizar e para criminalizar a atitude do Alienador é sem dúvida uma forma de coibir essa prática.”
Isto posto, a tipificação da alienação parental teve grande relevância no cenário jurídico nacional, pois com a criação da Lei, o Judiciário não pode mais se eximir de penalizar os genitores que exercem essa violação ao direito das crianças e adolescentes. Ademais, a Lei não apenas definiu o que é alienação parental, como também dispôs mecanismos efetivos para combatê-la e preveni-la.
3.1.1 Transcrição e análise da Lei nº 12.318/2010
A redação da Lei é composta de onze artigos (sendo dois vetados) e estabelece o que é alienação parental. O artigo 1º institui: “esta Lei dispõe sobre a alienação parental” (BRASIL, 2010).
“Assim como ocorreu com a Lei da Guarda Compartilhada, em que, na verdade, apenas houve um resgate do conceito originário de Poder Familiar, a fim de romper com os vícios decorrentes de má interpretação da Guarda Unilateral, mas que surtiu efeito nas relações paterno-filiais, acreditamos que a Lei da Alienação Parental, além de oficialmente assinalar a população em geral, inclusive aos operadores, a existência desta síndrome e formas de combatê-la, também promoverá grande impacto jurídico-social” (FREITAS, 2014, p. 35).
Logo, a disposição de Lei específica sobre a temática traz não somente repercussão no meio jurídico, mas também no social, visto que muitas pessoas não conhecem o que se encontra “dentro” de cada lei. Porém, ao se falar em “Lei da Alienação Parental”, o assunto entra em pauta nos meios de comunicação e nos debates sociais.
“Art. 2º Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós, ou pelos que tenham a criança ou o adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos come este. Parágrafo Único. São formas exemplificativas de alienação parental, além dos atos assim declarados pelo juiz, ou constatados por perícia, praticados diretamente com o auxílio de terceiros:
I- realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;
II- dificultar o exercício da autoridade parental;
III- dificultar contato de criança ou adolescente com o genitor;
IV- dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar; V- omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;
VI- apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente;
VII- mudar o domicilio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós” (BRASIL, 2010).
O rol apresentado pelo art. 2º é exemplificativo, pois “tanto o conceito como as hipóteses e os sujeitos que podem incorrer na prática de alienação, não se restringindo apenas aos genitores […]” (FREITAS, 2014, p. 35). Deste modo, podem haver outras maneiras de praticar a alienação parental, mesmo não estando previsto na lei. Ainda, de acordo com o dispositivo, os sujeitos ativos podem ser os genitores, os avós ou qualquer outra autoridade parental ou afetiva.
“Apesar do acerto quanto à sujeição ativa da conduta, o legislador pecou aos definir os possíveis agentes passivos do ato de alienação parental, isso porque os determinou simplesmente como genitores. Ora, não pode haver alienação parental em relação a pais adotivos? Teria sido mais feliz a utilização da expressão pais, ou detentores do poder familiar” (LÉPORE E ROSSATO, 2010).
Freitas (2014, p. 35) complementa:
“O caminho contrário também pode ocorrer, em que os avós tios e demais parentes sofram a alienação parental praticada por genitores e esta lei também os protegerá, afinal o direito pleno de convivência reconhecido a estes parentes pela doutrina e jurisprudência, também é por recente alteração legislativa, ora Lei 12.398 de 28 de março de 2011[9], que alterou os arts. 1.589 do Código Civil e 888 do Código de Processo Civil.”
Portanto, a doutrina aponta que não só os genitores podem ser os agentes passivos ao ato de alienação parental, mas também os avós. É de grande valia a maneira como o legislador abordou o artigo em questão, pois deixou o rol em aberto, o que propicia ao magistrado observar a particularidade de cada caso.
“Art. 3º A prática de ato de alienação fere direito fundamental da criança ou do adolescente de convivência familiar saudável, prejudica a realização de afeto nas relações com genitor e com o grupo familiar, constitui abuso moral contra a criança ou o adolescente e descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental ou decorrentes de tutela o guarda” (BRASIL, 2010).
Freitas (2014, p. 37) aclara que tal artigo “subsidia a conduta ilícita (e abusiva) por parte do alienante, que justifica a propositura da ação por danos morais contra ele, além de outras medidas de cunho ressarcitório ou inibitório por (e de) tais condutas.” Madaleno e Madaleno (2013, p. 101) complementam:
“Quando o ascendente guardião falta com essas obrigações inerentes ao poder familiar, cuja responsabilidade resta reforçada pela custodia unilateral dos filhos comuns, e com seu agir fere qualquer direito previsto no art. 227 da Constituição Federal, embaraçando com seu proceder o exercício da sadia convivência familiar, e assim realizando atos típicos de alienação parental, inquestionavelmente, esse genitor alienador abusa do seu direito de custódia, abusa do exercício do poder familiar e, como sabido, qualquer conduta frontalmente contrária aos melhores interesses da criança e do adolescente constituem abuso de um direito (art. 187 do CC), e se constituem em ato ilícito passível de ser financeiramente ressarcido.”
Conforme Buosi (2012, p. 123) “é importante aqui a distinção entre o direito ao dano moral advindo por abuso moral e o direito ao dano moral advindo por abandono afetivo […]”. A jurisprudência majoritária tem entendido que não é possível a condenação por dano moral afetivo.
“Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. IDENIZATÓRIA. ABANDONO AFETIVO E MATERIAL POR PARTE DO GENITOR. DANO MORAL. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA PRÁTICA DE ATO ILÍCITO PASSÍVEL DE REPARAÇÃO NO ÂMBITO ECONÔMICO-FINANCEIRO. 1. Caso em que o distanciamento afetivo havido entre pai e filho encontra justificativa na alteração de domicilio do genitor, que, logo, após o seu nascimento, foi estudar e trabalhar na Espanha, onde permaneceu até um mês depois do ajuizamento da presente ação, arranjo que inviabilizou a aproximação paterna, não havendo como reconhecer, portanto, a prática de ato ilícito passível de reparação no âmbito econômico-financeiro […] APELO DESPROVIDO (RIO GRANDE DO SUL, 2013).”
Assim, quando a Lei da Alienação Parental fala em dano moral, refere-se a uma compensação pela prática ilícita exercida pelo genitor alienante e não por simplesmente deixar de dedicar afeto ao filho. Portanto, a Lei pretende a punição de atitudes ilícitas, elencadas algumas das possibilidades nos incisos do artigo 2º da aludida Lei, “o instituto jurídico do dano moral deve ser tratado com razoabilidade, não visando monetarizar o afeto a qualquer custo […], mas sim compensar a prática irregular advinda da alienação […]” (BUOSI, 2012, p. 125).
“Art. 4º Declarado indício de ato de alienação parental, a requerimento ou de ofício, em qualquer momento processual, em ação autônoma ou incidentalmente, o processo terá tramitação prioritária, e o juiz determinará, com urgência, ouvido o Ministério Público, as medidas provisórias necessárias para preservação da integridade psicológica da criança ou do adolescente, inclusive para assegurar sua convivência com genitor ou viabilizar a efetiva reaproximação entre ambos, se for o caso.
Parágrafo Único: Assegurar-se-á à criança ou adolescente e ao genitor garanta mínima de visitação assistida, ressalvados os casos em que há iminente risco de prejuízo à integridade física ou psicológica da criança ou do adolescente, atestado por profissional eventualmente designado pelo juiz para acompanhamento das visitas” (BRASIL, 2010).
O artigo 4º da reportada Lei diz respeito a normas processuais, devendo o processo tramitar em regime de urgência devido à sua dificuldade de reversão. Ademais, o legislador optou por deixar facultativa a propositura em ação própria ou incidental, caso já exista algum processo conexo.
“Foi o parágrafo único concebido para debater os efeitos produzidos pelas falsas denúncias de abuso sexual contra um dos genitores, que de ordinário levavam o Judiciário a determinar a interrupção da convivência do acusado com a suposta vítima. Doravante, terá o magistrado de assegurá-la, no mínimo na presença de terceiros, a menos que haja ou sobrevenha laudo elaborado por profissional especializado […] atestando sua nocividade” (NADU, 2010)
Por conseguinte, a Lei da Alienação Parental busca garantir que as relações pai-filho não sejam prejudicadas, exceto quando há provas do prejuízo causado às crianças e adolescentes. Para evitar as interferências do genitor alienante, é conveniente mantê-lo afastado no momento da visita, evitando que o mesmo influencie o infante a reprovar as atitudes do genitor visitador.
“Art. 5º Havendo indício da prática de ato de alienação parental, em ação autônoma ou incidental, o juiz, se necessário, determinará perícia psicológica ou biopsicossocial.
§ 1º O laudo pericial terá base em ampla avaliação psicológica ou biopsicossocial, conforme o caso, compreendendo, inclusive, entrevista pessoal com as partes, exame de documentos dos autos, histórico do relacionamento do casal e da separação, cronologia de incidentes, avaliação da personalidade dos envolvidos e exame da forma como a criança ou adolescente se manifesta acerca de eventual acusação contra genitor.
§ 2º A perícia será realizada por profissional ou equipe multidisciplinar habilitados, exigido, em qualquer caso, aptidão comprovada por histórico profissional ou acadêmico para diagnosticar atos de alienação parental.
§ 3º O perito ou equipe multidisciplinar designada para verificar a ocorrência de alienação parental terá o prazo de 90 (noventa) dias para apresentação do laudo, prorrogável exclusivamente por autorização judicial baseada em justificativa circunstanciada” (BRASIL, 2010).
É tarefa difícil identificar os atos de alienação parental e, justamente pela complexidade necessária na sua elaboração, essa empreitada deve ser delegada a quem tem conhecimento, necessitando o magistrado desse auxílio técnico para compreender e interpretar os fatos que estão envolvidos no litígio (MADALENO E MADALENO, 2013). “Assim, a vivência de profissionais especializados na área de psicologia, assistência social e psiquiatria pode colher dados importantes para respaldar o magistrado em sua decisão […]” (BUOSI, 2012, p. 129).
“Sobre os profissionais que realizarão a perícia, é essencial a previsão da lei no que se refere a profissionais capacitados pelo histórico profissional ou acadêmico para diagnosticar tais atos, e não qualquer profissional com a formação básica em psiquiatria, psicologia ou serviço social, haja vista a complexidade de variáveis envolvidas no caso e a dificuldade de diagnóstico, que exigem um conhecimento aprofundado do assunto” (BUOSI, 2012, p. 130).
O prazo estabelecido aos profissionais para efetuar o laudo pericial se dá com base nos princípios da celeridade processual, além do melhor interesse da criança e do adolescente; afinal, havendo demora para a averiguação dos atos de alienação parental, também será lenta a resposta judicial a estes atos.
“Art. 6º Caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor, em ação autônoma ou incidental, o juiz poderá, cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a gravidade do caso:
I – declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador;
II – ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado;
III – estipular multa ao alienador;
IV – determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial;
V- determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão;
VI – determinar a fixação cautelar do domicilio da criança ou adolescente;
VII – declarar a suspensão da autoridade parental.
Parágrafo único. Caracterizado mudança abusiva de endereço, inviabilização ou obstrução a convivência familiar, o juiz também poderá inverter a obrigação de levar para ou retirar a criança ou adolescente da residência do genitor, por ocasião das alternâncias dos períodos de convivência familiar” (BRASIL, 2010).
Consoante preceitua Freitas (2014, p. 41):
“No art. 3º da Lei da Alienação Parental, o legislador cria a figura jurídica do Abuso Moral, mas que consiste em dano moral decorrente de alienação parental, podendo também ser chamado de abuso afetivo […]. Note que o legislador, de forma didática, informou que a Alienação Parental “fere direito fundamental da criança ou do adolescente” (art. 3.º), logo constituindo ato ilícito que gera o dever de indenizar […]. Não há dúvidas de que a alienação parental gera dano moral, tanto ao menor quanto ao genitor alienado, sendo, ambos, titulares deste direito.”
Observando-se o dispositivo legal do artigo 6º da Lei da Alienação Parental, deve o magistrado analisar a gravidade dos atos praticados, elencando uma série de sanções – que fazem parte de um rol exemplificativo – de níveis distintos. Assim como ocorre na Justiça do Trabalho, onde o empregador deve ser proporcional ao aplicar penalidades ao empregado, também deve o juiz perpetrar nas ações do genitor alienador.
As variações de penalidades apresentadas pelo art. 6º demonstram que a intenção central não é a punição, mas sim o cessar dos atos de alienação parental. Isto é, nos casos menos gravosos, não há necessidade de imediatamente o juiz fixar multa ou alteração da guarda, que são medidas mais extremas; pode o mesmo tão somente advertir o alienador ou determinar acompanhamento psicológico e biopsicossocial.
Quanto à possibilidade da suspensão da autoridade parental, mencionada no art. 6º, VII da Lei da Alienação Parental, Buosi (2012, p. 138) esclarece: “em casos em que já foram tentadas todas as outras alternativas existentes, é uma opção para que o menor seja alvo da proteção do Estado, diante do tamanho abuso que o genitor alienante tem provocado […]”. Portanto, é oferecido um rol com possibilidades variadas para que o Poder Judiciário tenha condições de minimizar e cessar as atitudes prejudiciais à convivência sadia entre pais e filhos vítimas da alienação parental.
Estabelece ainda o “art. 7º A distribuição ou alteração da guarda dar-se-á por preferencia ao genitor que viabiliza a efetiva convivência da criança ou adolescente com o outro genitor nas hipóteses em que seja inviável a guarda compartilhada” (BRASIL, 2010). Esta regra ratifica o artigo 1.584, § 2º do Código Civil[10], sendo a guarda compartilhada a recomendada, e, não sendo possível sua manutenção, deverá ser o titular a guarda unilateral o genitor, que melhor proporcionar convivência com aquele que não detêm a guarda.
“A guarda compartilhada dos filhos pode ser uma excelente alternativa empreendida no afã de evitar futuros conflitos provenientes de uma guarda exclusiva coma carga psicológica com a conotação de posse sobre o menor, cujo sentimento diminui bastante quando os pais são obrigados a alinhar seus discursos na divisão das decisões sobre os superiores interesses de seus filhos, com suas requisições diuturnas relacionadas com sua saúde, bem-estar, formação, educação e criação” (MADALENO E MADALENO, 2013, p. 125, grifo do autor).
Preceitua o art. 8º: “A alteração de domicilio da criança ou adolescente é irrelevante para a determinação da competência relacionada às ações fundadas em direito de convivência familiar, salvo se decorrente de consenso entre os genitores ou de decisão judicial” (BRASIL, 2010). Em virtude disso, em regra, a competência para ações de interesse das crianças e adolescentes é o domicilio do detentor da guarda, conforme Súmula 383 do STJ[11].
Conforme asseveram Figueiredo e Alexandridis (2014, p. 84) “a competência para o exercício da jurisdição quanto à alienação parental é de natureza absoluta, fixada quanto à matéria, assim, não é dado às partes a sua modificação, sendo possível o reconhecimento da incompetência de oficio pelo juiz”.
“O art. 8.º da Lei da Alienação Parental parece contrariar toda a estrutura processual sobre o foro competente ser o do menor, inclusive com recente súmula do STJ nesse sentido. Entretanto, em uma leitura mais atenta, nota-se que a “alteração de domicílio” seria aquela decorrente da prática da alienação parental, principalmente quando já proposta a ação. O presente artigo deve ser interpretado de forma sistemática com o inciso VI do art. 6.º desta lei, que permite ao juiz, caracterizados os atos típicos de alienação parental, “determinar a fixação cautelar do domicilio da criança e do adolescente” (FREITAS, 2014, p. 50).
O artigo 9.º da Lei da Alienação Parental foi vetado, porém o seu texto previa:
“As partes por iniciativa própria ou sugestão do juiz, do Ministério Público ou do Conselho Tutelar, poderão utilizar-se do procedimento da mediação para a solução do litígio, antes ou no curso do processo judicial.
§ 1.º O acordo que estabelecer a mediação indicará o prazo de eventual suspensão do processo e o correspondente regime provisório para regular as questões controvertidas, o qual não vinculará eventual decisão judicial superveniente.
§ 2.º O mediador será livremente escolhido pelas partes, mas o juízo competente, o Ministério Público e o Conselho Tutelar formarão cadastros de mediadores habilitados a examinar questões relacionadas à alienação parental” (BRASIL, 2010).
As razões do veto foram as seguintes:
“O direito da criança e do adolescente à convivência familiar é indisponível, nos termos do art. 227 da Constituição Federal, não cabendo sua apreciação por mecanismos extrajudiciais de solução de conflitos. Ademais, o dispositivo contraria a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que prevê a aplicação do princípio da intervenção mínima, segundo o qual eventual medida para proteção da criança e do adolescente deve ser exercida exclusivamente pelas autoridades e instituições cuja ação seja indispensável” (BRASIL, 2010).
Perez (2013, p. 59) defende que o texto vetado “recuperava a referência à possibilidade de submissão do litígio a mediação, sujeitando a eficácia jurídica de eventual conciliação ao exame do Ministério Público e a homologação judicial”. Na mediação as pessoas são levadas a agir em cooperação, trabalhando com possibilidades realistas, não sendo possível interlocuções irracionais e acusações desmedidas (CEZAR-FERREIRA, 2007).
“[…] a mediação se mostra, definitivamente, como instrumento hábil a compor os conflitos familiares, sobretudo quando se configurar a alienação familiar, na medida em que o mediador facilitará o reestabelecimento do diálogo entre as partes, promovendo, assim, a dignidade humana, e pautado sempre no melhor interesse da criança e do adolescente” (SANDRI, 2013, p. 183).
Segue o texto do artigo 10º da Lei nº 12.318/2010, também vetado:
“Art. 10 º O art. 236 da Seção II do Capítulo I, do Título VII da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único:
Art. 236 […]
Parágrafo único: Incorre na mesma pena quem apresenta relato falso ao agente indicado no caput ou à autoridade policial cujo teor possa ensejar restrição à convivência de criança ou adolescente com genitor” (BRASIL, 2010).
As razões do veto foram:
“O Estatuto da Criança e do Adolescente já comtempla mecanismos de punição suficientes para inibir os efeitos da alienação parental, como a inversão da guarda, multa e até mesmo a suspensão da autoridade parental. Assim, não se mostra necessária a inclusão de sanção de natureza penal, cujos efeitos poderão ser prejudiciais à criança ou ao adolescente, detentores dos direitos que se pretende assegurar com o projeto” (BRASIL, 2010).
Ainda que o texto tenha sido vetado, o genitor que pratica tais atitudes poderá ser punido, pois se configura como crime de desobediência, tipificado pelo art. 236, caput, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Buosi (2012, p. 148) entende que “as razões expostas para o veto são, novamente, a proteção da criança e do adolescente que se pretende resguardar, pois a situação de criminalização de seu genitor a (o) colocaria m situação difícil, que poderia acarretar sentimentos de culpa e remorso”.
Por fim, o artigo 11º da referida Lei determina: “esta lei entra em vigor na data de sua publicação” (BRASIL, 2010). A Lei da Alienação Parental já veio com atrasos, portanto, é dispensado o vacatio legis[12], usualmente utilizado para a transição ou adaptação da nova legislação (MADALENO E MADALENO, 2013).
“Ademais, um importante questionamento que se mostra presente diante da positivação da alienação parental é estabelecer se a norma ora posta poderá atingir as ações que já estão e trâmite, no qual o juiz, ex officio ou a requerimento da parte, pode observar a existência de indícios da presença da alienação parental. A melhor resposta tende a ser positiva, primeiro porque a matéria relacionada à proteção do menor refere-se a questões de ordem pública, sendo norma cogente, justificando a aplicação imediata; segundo, que foi reconhecida uma situação que no plano fático e jurisprudencial já há muito tem se configurado; terceiro, porque o processo de alienação parental é dinâmico, propagando-se no tempo, determinando assim, em benefício do menor a aplicação da norma” (FIGUEIREDO E ALEXANDRIDIS, 2014, p. 91).
Deste modo, percebe-se a relevância jurídica que causou a promulgação da Lei nº12.318/2010, que tardiamente criou o instituto jurídico da alienação parental. As ações praticadas pelos genitores alienantes não são novas, bem como a tentativa de reverte-las, inclusive por meio judicial. Porém, desde 2010, pais, mães e magistrados têm condições legais de agir para combater e reverter os casos de alienação parental existentes no Brasil.
3.2 Aspectos processuais e a dificuldade de produzir provas
Observada a parte material da Lei da Alienação Parental é necessário compreender a maneira processual, por onde os direitos conferidos às crianças e adolescentes serão assegurados. Assim, não há como efetivar as prerrogativas elencadas pelo ECA e a referida lei, se não observando os moldes processuais.
A alegação da alienação parental pode ocorrer em um processo já em trâmite, incidentalmente, em qualquer fase processual, ou ainda em peça autônoma. Ademais, o juiz pode de ofício verificar sua ocorrência. “Contudo, para que seja viável a apuração acerca da alienação parental no curso do processo instaurado, […] deve ser vista com cautela” (FIGUEIREDO E ALEXANDRIDIS, 2014, p. 97).
“Acresce-se a isso que mesmo após a fase postulatória pode surgir a alegação. Nesse sentido ficam patentes as seguintes regras, em prol do interesse maior a criança: – para a adição ou modificação do pedido por parte do autor não é necessário o consentimento do réu, a contrario sensu do artigo 264[13] do CPC; – pode haver o pedido mesmo após o saneamento do feito, contrariando-se a regra do artigo 264, parágrafo único, CPC; – pode o réu na própria defesa invocar a alegação, ficando patente tratar-se de pedido contraposto, sendo desnecessária a vinculação de reconvenção. Entendemos que há um limite, todavia, consistente na proibição da alegação em grau recursal porque representaria a supressão de um grau de jurisdição. Eventual alegação de ofício por parte do tribunal recomendaria retorno dos autos à instância singela para que a questão seja analisada, mesmo porque se trata de matéria fática que induz a produção probatória, o que afasta a aplicação analógica do artigo 515 § 3º, CPC” (PELEJA JÚNIOR, 2010).
“Evidentemente, a prioridade de tramitação haverá de garantir o direito ao contraditório, que não restará violado se o juiz determinar a execução das medidas provisórias necessárias para a higidez psíquica da criança ou adolescente […]” (MADALENO E MADALENO, 2013, p. 105). Assim, a proteção imediata, e medidas com o intuito de interromper os atos de alienação parental devem ocorrer, porém, não ferindo os direitos constitucionais de ampla defesa e contraditório, afinal comumente, ocorrem relatos falsos por parte de um – ou de ambos- os genitores.
“Duas espécies de medidas de urgência podem ser deferidas no pleito que verse sobre a alienação parental. A primeira são as medidas provisórias mencionadas no art. 4º da norma que, nitidamente, têm a natureza acautelatória. Na esteira do anteprojeto de CPC, a medida cautelar não deve ser intentada via ação cautelar autônoma, mas incidentalmente, nos próprios autos principais. A natureza jurídica cautelar é o que importa. No atual estágio processual, não há mais discussões acerca da possibilidade do deferimento de medida acautelatória no boje de processo principal. Nada obsta o pedido de medida liminar para a adoção de uma das medidas indicadas no artigo 6º, por exemplo, a inversão da guarda sob o suporte da alienação parental. Tal medida liminar terá nitidamente a função de antecipação dos efeitos da tutela e não de medida liminar acautelatória. Por vezes, se a gravidade do caso for extrema, poderá o juiz antecipar a tutela postecipando o contraditório. Nesta vertente, entendemos que os requisitos autorizadores da medida são previstos no artigo 273, CPC: prova inequívoca (entende-se: forte, robusta), que conduza à verossimilhança da alegação, fundado receio de dano irreparável reparação o abuso do direito de defesa” (PELEJA JÚNIOR, 2010).
Buosi (2012, p. 128) atesta que “os casos de alienação parental são de difícil aferição, principalmente pelo magistrado, haja vista que sua área de formação não é especializada nesse ramo de perícia”. Logo, a realização dessa deve ser realizada por perícia psicológica ou biopsicossocial, em consonância com o art. 4.º da Lei nº 12.318/2010.
“Enquanto o profissional perito ligado à assistência social deve vislumbrar sua prática, verificando as condições e realidade social existentes, certificando-se de qual é a melhor delas para a criança ou adolescente envolvido – situação mais precisamente nos casos de guarda – o profissional perito ligado à psicologia volta-se para os casos de alienação parental, tendo em vista que o objeto periciado nessas ocasiões não se restringe a situações objetivas de estrutura ou realidade social daquela família, e sim aos impactos e às questões subjetivas e psicológicas envolvidas dos parentes que têm ou mantêm a guarda da criança que foi vítima” (BUOSI, 2012, p. 130-131).
O depoimento especial[14] – projeto que incialmente foi denominado “Depoimento sem Dano” – foi idealizado em Porto Alegre, em maio de 2003, sendo uma alternativa ao modelo atual de oitiva de crianças em audiências. Nas dependências do Foro de Porto Alegre foi projetada e instalada uma sala mais acolhedora e lúdica para colher os depoimentos, pois nela encontram-se pincéis, fantoches e brinquedos, diferente das tradicionais. A sala é monitorada por vídeo e escuta, interligada a outra, onde ficam o juiz, promotor, acusado e outros que o magistrado permitir. Na sala, um profissional capacitado, colhe todo tipo de ação da criança, como choro, tristeza, gestos, brincadeiras inapropriadas, ficando gravadas as provas colhidas. Neste molde, junto com o relatório pericial, é anexado o material colhido na sala (CEZAR, 2013).
A ocorrência de alienação parental, assim como o abuso sexual, são provas extremamente difíceis de produzir. Por isso, faz-se necessário o auxílio de profissionais capacitados para verificar ou não sua existência e saber diferenciar o que são falsas memórias ou relatos verdadeiros de abuso. Diante dessa realidade, projetos como o depoimento especial, vêm ganhando espaço, afinal é necessário desconstituir o ambiente tradicional dos fóruns para que crianças e adolescentes sintam-se à vontade para relatar intimidades e muitas vezes abusos praticados pelos próprios genitores, sem envergonhar-se ou ter sentimento de culpa.
“Por ser dever ímpar do judiciário promover o bem viver, tem-se a consciência de que a Justiça, na pós-modernidade, não se limita a promover o enfoque formal da lide, definir, decidir, mas, sobretudo, deve buscar a transformação dos conflitos para aliviar situações de ruptura, de tensão, de mágoa e, principalmente, de rancor, como o objetivo de preservar um imprescindível bem durável: a pacífica convivência das pessoas. Dessa forma, reconhece-se que a sentença proferida em sede contenciosa tem efeito positivo para resolver relações isoladas e de cunho interindividual; contudo somente alcança um fenômeno do passado que não acompanha o desenvolvimento das relações, principalmente, as de cunho familiar” (FILHO, 2014, p. 156).
Contudo, Zamariola (2014, p. 197) pondera: “em primeiro lugar, minha visão é a de que o advogado de família deve ser capaz de perceber que uma sentença judicial, por melhor que seja, jamais será capaz de solucionar plenamente um conflito familiar”. Isto é, além de conhecer o processo e a matéria acerca da alienação parental, ainda sim, devem os operadores do direito deixar claro que o processo resolve uma questão pontual, não sendo capaz de reparar os laços familiares; esta missão é incumbência dos mesmos, pois decisão judicial nenhuma será capaz de reverter o elo perdido entre as partes e seus filhos, se não houver uma mudança comportamental desses.
3.3 Perícia multidisciplinar
Perícia multidisciplinar é a designação genérica das perícias que poderão ser realizadas em conjunto ou separadamente na ação judicial. É composta por perícias psicológicas, sociais, médicas e quantas mais forem necessárias para o subsídio e certeza da decisão judicial (FREITAS, 2014). “Não é tarefa fácil identificar os atos de alienação parental e maiores dificuldades surgem quando seu estágio extremo envolve alegações de molestações sexuais ou abuso físico da criança ou do adolescente”. (MADALENO E MADALENO, 2013, p. 111).
Assim, as lides que envolvem acusações de alienação parental não são possíveis de comprovação, exceto se diagnosticadas e analisadas por peritos especializados na matéria. A prova pericial advêm “da necessidade de ser mostrado no processo fato que depende de conhecimento especializado, que está acima dos conhecimentos da cultura médica, não sendo suficientes as manifestações leigas de testemunhas […]” (MADALENO E MADALENO, 2013, p. 111).
“A perícia médica tem encontrado sérias dificuldades para operar com a Síndrome de Alienação Parental (SAP) como um diagnóstico médico devido ao pouco especificado caráter psicopatológico e psiquiátrico da síndrome, o que se expressa no fato de que ela, até hoje, não tenha sido incluída em nenhuma classificação de doenças” (MONTEZUMA, 2013, p. 97).
Logo, ainda que o juiz não se vincule a prova, assegurado pelo artigo 436[15] do CPC e o princípio do livre convencimento motivado[16], a pericial tem conotação relevante sobre as demais. A prova testemunhal e depoimentos dos genitores também são importantes, porém podem ser, com maior facilidade, distorcidas pelo alienador, afinal ele pode demonstrar uma realidade diferente aos vizinhos, além de ser muito convincente em suas declarações.
“Na clínica de família trabalhamos, sobretudo, com as dificuldades dos pais. É importante que este trabalho seja feito para resgatar junto aos pais as funções que eles têm que desempenhar em relação aos seus filhos. O psicoterapeuta de família deve trabalhar a função parental junto aos pais de forma a reabilitá-los no exercício dessa função, ou seja, validá-los como pais. Quando recebemos na clínica pais em litígio no processo de separação, trazendo-nos os problemas em relação aos filhos, o que trabalhamos, no primeiro momento com eles é a necessidade de separarem com clareza as questões conjugais das questões parentais […] Quem se separa é o casal conjugal. O casal parental continuará para sempre com as funções de cuidar, de proteger e de prover as necessidades materiais e afetivas dos filhos” (FÉRES-CARNEIRO, 2012, p. 68).
É importante deixar claro aos genitores que “ninguém ocupa o lugar da família, ninguém consegue substituir a função dos pais em relação aos filhos, estejam eles casados ou separados […]” (FÉRES-CARNEIRO, 2012, p. 68). A perícia interdisciplinar – também é conhecida desta maneira, não só têm o condão de verificar a presença de atos de alienação parental, como também pode promover um “tratamento” aos envolvidos na problemática. Como já abordado, a sentença, por si só, não é capaz de promover uma mudança de atitudes dos parentes em litígio, vai apenas resolver algo pontual, como o pagamento das verbas alimentícias ou a facilidade nas visitações. Entretanto, a parte pedagógica, que é deixar claro aos pais o seu papel e que suas atitudes estão prejudicando seus filhos, é tarefa para os profissionais que compõem a perícia multidisciplinar.
“A complexidade das questões levadas ao judiciário pelas famílias em litígio exige dos profissionais envolvidos na prestação do serviço jurisdicional uma compreensão mais profunda das relações familiares e das transformações operadas na família, nas últimas décadas. É preciso compreender em que medida estas transformações refletem processos sociais mais amplos, atravessados por mudanças nas mentalidades” (VALENTE, 2012, p. 70).
A família vem sofrendo mudanças há décadas, e estas mudanças exigem que os profissionais não fechem os olhos para os mais variados modelos de famílias. Ademais, muitas vezes o distanciamento de pai e filho, pode ser fruto dessas mudanças sociais ou meramente por vontade própria do genitor. Nesse caso, não há a ocorrência de alienação parental. Nota-se, portanto, que é necessária a análise de profissionais de diversas áreas para entender o que está ocorrendo em cada família, visto a pluralidade de processos, tipos de famílias e tipos de condutas.
Valente (2012, p. 75), Assistente Social do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, afirma:
“É importante que o profissional tenha habilidade para lidar com os temores do alienador, mesmo que pareçam (e sejam de fato) infundados. É preciso ouvi-lo com respeito e acuidade, de modo a desvendar, em seu próprio discurso, as incoerências latentes, sem jamais se colocar numa posição de “comprar a briga” do outro. Afinal, o profissional, não pode tornar-se mais um componente do processo de litígio. A sensibilidade e a experiência em manejar situações de litígio são essenciais, permitindo ao profissional contribuir de modo construtivo para a solução do conflito”.
Freitas (2014, p. 66, grifo nosso) aduz que:
“O sigilo profissional é garantia intrínseca dos profissionais da psicologia, serviço social, medicina, direito, entre tantas outras áreas. Contudo, tais profissionais, quando atuam como peritos, não podem ficar receosos por possivelmente violarem as regras de sigilo (e serem sujeitados a processo administrativos por suas categorias) ao trazer para o processo informações dadas pelas pessoas envolvidas que foram por eles visitados ou entrevistados. Não há quebra de qualquer regra de sigilo, uma vez que o profissional, primeiro, não é de confiança da parte, mas do juízo; segundo, porque, desde o início, o profissional na figura de perito é identificado como tanto e aduzido às partes que sua função é relatar ao juiz a realidade.”
Deste modo, é essencial que o perito identifique-se à parte e deixe claro que seu compromisso é com o juízo, para não correr risco de infringir norma da categoria, de quebra ao sigilo profissional. Quanto à hipótese de perícia médica Jardim (2013), aclara: “[…] não há se falar em relação de confiança entre médico-paciente, […] porque não há paciente e, sim, periciando, […] não é o periciando quem escolhe o médico, […] existe uma terceira pessoa na relação jurídica, isto é, a destinatária do resultado da perícia […]”.
Portanto, a perícia multidisciplinar é um instrumento de grande valia nas lides onde há a acusação de alienação parental, pois “na interdisciplinaridade há cooperação e dialogo entre as disciplinas do conhecimento, quando supõe um eixo integrador com a atenção de mais de um olhar” (BARUFI, 2013, p. 232). Ainda que o magistrado possa refutar a prova pericial, na maioria dos casos ela é aceita e quando comparada com as demais provas colhidas conclui-se a instrução processual. Entretanto, devido ao perigo de um laudo mal elaborado (o mesmo pode definir um agressor como vítima de alienação parental), deve haver atenção redobrada, optando sempre por profissionais especialistas nestes casos.
3.4 Guarda compartilhada como forma de redução da alienação parental
Conforme Madaleno e Madaleno (2013, p. 33) “a guarda é uma atribuição do poder familiar e, também, um dos aspectos mais importantes dos efeitos do divórcio de um casal […]”. Até a ruptura do relacionamento do casal a guarda é exercida pelos companheiros com relação aos filhos, porém, com a dissolução conjugal, os pais precisam acordar com quem ficará a guarda dos filhos, cabendo ao outro direito de visitas ou ela pode ser realizada de maneira compartilhada (BUOSI, 2012, p. 140).
“Para determinar o detentor da guarda [unilateral], existe uma série de circunstancias a serem verificadas, como aquelas que dizem respeito à comodidade do lar, ao acompanhamento pessoal, a disponibilidade de tempo, ao ambiente social onde permanecerão os filhos, às companhias, à convivência com outros parentes, à maior presença do progenitor, aos cuidas básicos, como educação, alimentação, vestuário, recreação, saúde (esta não apenas curativa, mas principalmente preventiva); ainda, quanto às características psicológicas do genitor, seu equilíbrio, autocontrole, costumes, hábitos, companhias, dedicação para com o filho, entre diversas outras” (RIZZARDO, 2004, p. 334).
A Lei nº 11.618, de 13 de junho de 2008, alterou os artigos 1.583 e 1.584 da Lei nº10.406/2002 – Código Civil, passando a disciplinar a guarda compartilhada. Deste modo, a guarda pode ser exercida unilateralmente ou compartilhada. “Sobre o modelo de guarda compartilhada, o poder familiar compete aos pais, mesmo que dissolvida a sociedade conjugal, ambos prosseguem titulares deste direito […]” (SANDRI, 2013, p. 160). Isto é, instituída a guarda compartilhada, não é elencado um dos genitores como responsável pela formação dos filhos.
Comumente ocorre, nos casos de guarda unilateral, de a mãe ser a guardiã e o pai contenta-se com o simples direito de visitas nas datas estipuladas. Entretanto, não é possível exercer a paternidade em tão poucos momentos, afinal o desenvolvimento dos filhos não espera o dia determinado para a visita. A guarda compartilhada é uma solução para esta problemática, vez que nesta modalidade não há fixação de um guardião, ambos os genitores são detentores do poder familiar.
“Quando se iniciam disputas emocionais e judiciais em torno da guarda, muitas vezes associada à ideia de posse dos filhos, acirram-se os ânimos entre os ex-cônjuges. Estes tendem a se utilizar de diversos tipos de estratégias para provarem sua superioridade e poder, como ameaças e mecanismos de força para coagir um ao outro e, dessa forma, oprimirem e agredirem os que estão ao seu redor, sem medir os efeitos de suas verbalizações e ações, principalmente sobre os filhos” (DUARTE, 2013, p. 149).
Com relação à alienação parental, a guarda compartilhada é uma solução, vez que para que seja possível exercer este tipo de guarda, os pais precisam manter um contato sadio e saber diferenciar a separação conjugal e do relacionamento com os filhos: não existe “ex-pai, ex-mãe”.
“Com a convivência em vez de visita, certamente será evitada a mazela da síndrome da alienação parental, principalmente na guarda unilateral, pois o genitor não guardião, em vez de ser limitado a certos dias, horários ou situações, possuirá livre acesso ou, no mínimo, maior contato com a prole. A própria mudança de nomenclatura produz um substrato moral de maior legitimação que era aquele de visitante. O não guardião passa a ser convivente com o filho” (FREITAS, 2014, p. 96).
Há, no entanto, um aspecto negativo na guarda compartilhada, pois a criança e o adolescente encontram “dificuldade de adaptação de ter dois mundos, duas experiências psicológicas e afetivas, que podem se apresentar contraditórias” (SANDRI, 2013, p. 160). Contudo, o aspecto negativo não é expressivo se comparados às inúmeras vantagens que esta modalidade de guarda apresenta.
Mendonça (2014, p. 112), jornalista, escritora e roteirista, faz sua narrativa:
“Como mãe de dois, optei prontamente pela guarda compartilhada quando me separei do pai de meus filhos. Eles ainda eram pequenos, numa idade em que não seria difícil transformar sua realidade, convencer-lhes das minhas próprias convicções. Independentemente dos rumos que meu casamento tomou, não os fiz sozinha e, principalmente, jamais me senti “dona” deles. Como madrasta, sempre incentivei meu segundo marido a conviver ao máximo com sua filha, com quem convivo desde que ela tinha quatro anos. A presença dela em nossa casa é necessária para que nossa (nova) família esteja completa”.
Ao impossibilitar o convívio exclusivo com um dos genitores, diminui-se a possibilidade de empoderamento por parte do possível alienador. O fenômeno da alienação parental fica mais distante de instalar-se naquele núcleo familiar, pois o convívio da criança com ambos os pais gera recordações precisas, recentes e difíceis de serem apagadas, impedindo-se a implementação de falsas memórias (BUOSI, 2012).
Logo, compreende-se que a guarda compartilhada, diferente do que muitos pensam, “não significa dividir o tempo da criança em duas metades, sendo estas divididas em duas casas, […] significa dividir direitos e deveres igualmente sobre os pais. Decidir juntos, debater, ceder, aceitar. Amar e cuidar do jeito que podem, sem obstáculos de qualquer tipo” (MENDONÇA, 2014, p. 113). Guarda compartilhada é compreender que para o bem dos filhos, devem os genitores esquecer as desavenças surgidas na separação e fazer o melhor por aqueles que são os destinatários de tanto amor e disputa. Se para amar é preciso dividir, devem os pais escolher sempre o amor dobrado, que é dado por cada um dos pais, sem exigir uma escolha dos pequenos.
3.5 Responsabilidade civil decorrente da alienação parental
Os atos de alienação parental ferem os direitos fundamentais das crianças e adolescentes e, em decorrência destes atos, efetiva-se um abuso moral. O artigo 73 do Estatuto da Criança e do Adolescente definiu que “a inobservância das normas de prevenção importará em responsabilidade da pessoa física ou jurídica, nos termos desta Lei” (BRASIL, 1990).
“A teoria da responsabilidade civil[17] baseia-se na presença de três elementos fundamentais: a culpa, de forma que só o fato lesivo intencional ou imputável ao agente deve autorizar a reparação; o dano, com lesão provocada ao patrimônio da vítima, e o nexo de causalidade entre o dano e o efetivo comportamento censurável ao agente […]” (PEREIRA, 2013, p. 38).
O REsp 1159242/SP[18], julgado pela Terceira Turma 24 de abril de 2012, cuja relatora fora a Ministra Nancy Andrighi, , constou nos votos que:
“É possível a fixação de indenização por dano moral na hipótese em que o pai não cumpre o dever legal de cuidar da filha, sobretudo em relação ao aspecto afetivo, pois o sofrimento causado à filha caracteriza o dano in re ipsa, traduzindo-se em causa eficiente à compensação. (VOTO VISTA) (MIN. SIDNEI BENETI). É possível a fixação de indenização por dano moral na hipótese em que o pai não cumpre o dever legal de cuidar da filha, sobretudo em relação ao aspecto afetivo, ocorrendo, inclusive, tratamento discriminatório em comparação com outros filhos, pois a existência do vínculo de natureza familiar, como o parentesco, não constitui causa de exclusão da indenização do sofrimento moral ante a injusta ação ou omissão. […] (VOTO VISTA) (MIN. PAULO DE TARSO SANSEVERINO) É possível a fixação de indenização por dano moral na hipótese em que o pai se omitiu do seu dever de cuidado para com sua filha, tendo resistido ao reconhecimento voluntário da paternidade, negado voluntariamente amparo material, deixado de prestar o imprescindível suporte moral, afetivo e psicológico e alienado fraudulentamente seus bens aos demais filhos, em preterição da mencionada filha, pois o genitor descumpriu totalmente seu dever de cuidado e infringiu flagrantemente as mais simples obrigações para com sua filha, ensejando tal situação o excepcional reconhecimento da ocorrência de ato ilícito no âmbito familiar, não configurando eventual abuso por parte de filhos que, insatisfeitos com episódios específicos de sua criação, pleiteiam indenização por danos supostamente sofridos” (BRASIL, 2012).
Assim, percebe-se uma inclinação a valorar o abandono afetivo, uma vez que o próprio Superior Tribunal de Justiça decidiu neste sentido. Contudo a mesma decisão obteve um voto vencido no qual se argumentava:
“(VOTO VENCIDO) (MIN. MASSAMI UYEDA) Não é possível a fixação de indenização por dano moral na hipótese em que filha alega não ter recebido assistência do pai, sobretudo em relação ao aspecto afetivo, pois não é possível quantificar a negligência no exercício do pátrio poder, o que dificulta o reconhecimento do direito à compensação, cabendo reconhecer, apenas, a existência de uma lesão à estima da filha. Não é possível a fixação de indenização por dano moral na hipótese em que filha alega não ter recebido assistência do pai, sobretudo em relação ao aspecto afetivo, pois, embora a dignidade da pessoa humana seja um dos fundamentos do Estado, a interpretação dos princípios constitucionais requer razoabilidade e proporcionalidade” (BRASIL, 2012).
Conforme Freitas (2014, p. 111) “há que se observar se é interessante e adequado ao caso a propositura desta ação de danos morais, afinal, esta deve ser a ultima ratio, pois promoverá um acirramento ainda maior na situação já delicada […]” na tentativa de não agravar a situação intrafamiliar.
“Alienação parental é uma forma de abuso e põe em risco a saúde emocional e psíquica de uma criança/adolescente. Constatada a sua presença, é imprescindível que o genitor que age dessa forma seja devidamente responsabilizado por usar o filho com finalidade vingativa, mesmo sem se dar conta do prejuízo, muitas vezes irreversível, que causa ao próprio filho” (PEREIRA, 2013, p. 39).
Neste sentido, deve haver uma sensibilidade do Poder Judiciário para não comercializar o amor dos pais para com os filhos. A responsabilidade civil pelo abandono afetivo é um instrumento jurídico existente e eficaz, mas não pode criar um interesse maior do que o afeto. Logo, as indenizações são possíveis e devem ocorrer, mas é necessário cautela para que não se torne um negócio lucrativo o não afeto dos genitores para com sua prole.
Com a crescente evolução na seara do direito de família, houveram alterações tanto em sua formação como em suas problemáticas que são levadas ao Poder Judiciário. Assim, buscou-se no presente trabalho monográfico apresentar o que é a alienação parental aos acadêmicos e profissionais da área do direito, bem como pais, mães, crianças e adolescentes vítimas da alienação parental e demais pessoas que se interessem pelo tema.
Para tanto, foi necessário estabelecer objetivos, os quais foram sendo satisfeitos com leituras doutrinarias, trabalhos acadêmicos e jurisprudências. Conhecer a alienação parental implica no conhecimento dos mais diversos tipos de família no Brasil, bem como ter um conhecimento geral de como ocorre o poder familiar, na busca de garantir o afeto e o melhor interesse das crianças e adolescentes.
Não obstante, se buscou identificar as diferenças entre a síndrome da alienação parental e alienação parental, além das características e consequências deste mal que vem ganhando espaço nas lides de direito de família. É importante usar os critérios de identificação, para que a mesma não venha a ser confundida com outros distúrbios ou até mesmo com atos de abuso sexual. Justamente pela complexidade que a matéria exige, a legislação instituiu a perícia multidisciplinar, a qual tem sido uma grande aliada do Judiciário, tanto na constatação destes atos, bem como no auxílio para resolvê-los.
Ainda, foi necessário fazer uma observação acerca da Lei nº 12.318/2010, Lei da Alienação Parental, afinal é de extrema importância saber como foi criada, sua tipificação e conhecer cada dispositivo legal instituído nela. Somente fazendo uma leitura mais atenta à lei, foi possível averiguar a preocupação que o legislador teve de não cometer injustiças e, para tanto, reconheceu que sozinho o Judiciário não seria capaz de combater a alienação parental devido à grande dificuldade de produzir provas neste tipo de conflito familiar. Como os direitos das crianças e adolescentes são prioridade, instituiu-se a perícia multidisciplinar, que é um grupo de profissionais, de diversas áreas que buscam identifica-la e combate-la de maneira conjunta.
Averiguou-se que a guarda compartilhada tem demonstrado ser uma das melhores formas de combater a alienação, tanto preventiva quanto curativamente, afinal, deste modo, a guarda é exercida em igualdade por ambos os genitores. Ainda que a mesma seja prevista em lei e deva ser a regra, se observou que tem sido exceção, devido a dificuldade que os pais tem de diferenciar o relacionamento que tem/tinham um com o outro e aquele que sempre terão com os filhos.
O fato de um pai distanciar-se de um filho pode ter diversos motivos, dentre eles a alienação parental ou o simples desamor. A jurisprudência já se manifestou e se tem entendido que é possível a responsabilidade civil decorrente da alienação parental. Logo, percebe-se que a matéria gera discussão nas mais variadas formas e aspectos do direito, pois também tem sido usada a alienação parental como matéria de defesa nos casos de abuso sexual. É Importante que os operadores do direito conheçam este instituto, sob pena de não cumprirem sua principal missão, que é perpetuar a justiça.
As crianças e adolescentes têm sido vítimas deste mal sem ao menos conhecê-lo. Muitos pais e mães sequer percebem que estão sendo vítimas ou alienadores, por tão somente entender ser normal determinadas atitudes. Portanto, o tema gera grande impacto, afinal somente conhecendo-o é possível evita-lo, combate-lo e remedia-lo. Com este mesmo intuito, existem movimentos, os quais há anos lutam pela institucionalização – de fato, da guarda compartilhada, da diminuição dos atos de alienação parental e quaisquer outras prejudiciais aos direitos das crianças e adolescentes.
Em regra, estes movimentos são iniciativa de pais e mães separados que na ânsia de reestruturar os laços afetivos com seus filhos, uniram-se uns aos outros para promover ações em prol dos infantes. Com o auxilio destes movimentos, é que surgiram leis como a da Alienação Parental e da Guarda Compartilhada. Assim, tais associações têm colaborado na propagação de informações sobre estes atos, publicam livros, produzem documentários e dão suporte às vitimas destes conflitos familiares.
Por fim, dada a riqueza de informações e estudos sobre a alienação parental, conclui-se que o presente trabalho não esgotou todas as fontes existentes sobre o assunto. Não obstante, não foi possível discutir aprofundadamente diversos temas, porém o leitor terá dimensão da importância de conhecer a problemática e instigar-se a continuar pesquisando sobre o tema.
Os direitos das crianças e adolescentes são encantadores, e facilmente fascinam e instigam sua defesa. Por outro lado, é muito frustrante quando se percebe que diversas vezes os mesmos são subtraídos dentro do próprio lar e por aqueles que deveriam ser seus maiores guardadores, os pais. Para intermediar estas lides, que cada vez com mais frequência tem sido levadas ao judiciário, o operador do direito -seja o magistrado, o advogado, ou o promotor de justiça- precisa ser mais sensível ao fato de que muitas vezes o réu também é vítima dele mesmo.
Consequentemente, o vértice deve ser a preservação dos direitos das crianças e adolescentes, num primeiro momento, mas que tão logo sejam reestruturados os laços familiares. O operador do direito precisa compreender esta sistemática multidisciplinar e ter olhos de psicólogo, assistente social, juiz, criança, para dar o melhor parecer possível. Vale lembrar que nenhuma sentença mudará sentimentos, mas sim fatos isolados. A alienação parental precisa de reeducação dos pais e dos filhos, para que aprendam novamente a amar uns aos outros e este é um desafio ao Judiciário.
Informações Sobre o Autor
Bianca Strücker
Mestranda em Direitos Humanos PPGD da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul UNIJUÍ. Pós-graduando lato sensu em Direito da Família e Direito Processual Civil pela Faculdade Venda Nova do Imigrante FAVENI. Bacharel Direito pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul UNIJUÍ. Advogada.