Emenda Constitucional 80 de 2014 e evolução da defensoria pública no Brasil

Resumo: Este breve artigo versa sobre a evolução da Defensoria Pública no Brasil e seus atuais contornos. Objetiva refletir sobre o crescimento desta instituição constitucional, mormente como uma ferramenta apta a franquear um efetivo acesso à justiça aos hipossuficientes. A metodologia empregada constitui-se em pesquisa bibliográfica consistente em artigos, legislação vigente e jurisprudência dos tribunais superiores, bem como dados em sites institucionais. Investiga o ainda desconhecimento das implicações da mais nova emenda constitucional afeta os defensores públicos e seus assistidos, bem como meios de atribuir a tal norma maior efetividade.

Palavras-chave: defensoria pública, evolução histórica, emenda constitucional nº 80 de 2014.

Abstract: This brief article discusses the evolution of the Public Defender in Brazil and its current contours. Reflects on the growth of the institution, especially as a franchise capable of effective access to justice for hyposufficients. The methodology is based on a literature consistent in articles, current legislation and jurisprudence of higher courts, as well as data on institutional websites. Investigates the still unaware of the implications of the new constitutional amendment affects public defenders and their beneficiaries, as well as means of assigning such a rule more effectiveness.

Keywords: public defender, historical evolution, constitutional amendment No. 80 of 2014.

Sumário: 1.Introdução – 2. Distinções terminológicas – 3. Evolução constitucional, legislativa e internacional – 4. Surgimento das Defensorias nos Estados-membros e Distrito Federal – 5. Os Enigmas da Emenda Constitucional 80 de 2014 – 6. Conclusão – Referências

1. INTRODUÇÃO

O cerne deste trabalho refere-se à evolução da Defensoria Pública no Brasil dada a magnitude que representa tal instituição em um país de tamanha desigualdade social. O objetivo é demonstrar o transcorrer de um lento quadro histórico de desenvolvimento do órgão sem olvidar importantes passos já traçados. Configura razão deste trabalho não propor mudanças no sistema legislativo já implantado, mas a otimização dos recursos existentes e a valorização da carreira tendo como fim primordial o real acesso à justiça àqueles que mais necessitam.

Justifica-se este estudo porque, embora inegável o crescimento das Defensorias no país, há a necessidade de sua expansão desta por todas as comarcas brasileiras, concomitante a um serviço a ser oferecido com qualidade à população carente e os assim compreendidos necessitados jurídicos e organizacionais.

2. DISTINÇÕES TERMINOLÓGICAS

Para darmos início a nossos estudos, mister definição precisa de modelos e institutos correlatos à atuação institucional da defensoria pública, inclusive no campo processual e material.

Desta feita, primeiramente analisaremos os modelos de prestação de serviço de assistência judiciária existentes no mundo.  São eles o sistema da advocacia voluntária (pro bonum ou munus honorificum), o judicare e o sistema público. O primeiro consiste na atuação caritativa de advogados particulares.

Por sua vez, no judicare, os advogados particulares são pagos pelo Estado através de credenciamento, no qual o endereçamento dos honorários é dirigido ao Estado. Mauro Cappelletti e Bryanth Garth em sua antológica obra nos alertam para as deficiências de tal modelo:

“A despeito das realizações importantes dos esquemas de assistência judiciária, tais como os da Inglaterra e da França, o próprio sistema de assistência judiciária tem enfrentado muitas críticas. Tem-se tornado lugar comum observar que a tentativa de tratar as pessoas pobres como clientes regulares cria dificuldades. O judicare desfaz a barreira de custo, mas faz pouco para atacar barreiras causadas por outros problemas encontrados pelos pobres. Isso porque ele confia aos pobres a tarefa de reconhecer as causas e procurar auxílio; não encoraja, nem permite que o profissional individual auxilie os pobres a compreender seus direitos e identificar as áreas em que se podem valer de remédios jurídicos”.

Por fim, e chegando a um sistema que configura de forma um pouco mais precisa o que hoje é a Defensoria Publica, temos o sistema público. Por ele, o Poder Público contrata profissionais, remunerando-os. Sua origem remonta aos  “escritórios de vizinhança” norte-americanos e os supracitados autores explicam-nos que por este modelo os direitos das pessoas menos favorecidas tendem  a ter um enfoque de classe. Obviamente, tal modelo não é isento de críticas como as acusações de ser deveras paternalista ou de necessariamente depender de apoio governamental. Em que se pese tal oposição, é este o sistema adotado pelo Brasil hoje, sem a exclusão da utilização do primeiro que aqui citamos. Ademais,  somos do entendimento que essa instituição constitucional representa não uma forma de assistencialismo, mas uma verdadeira política de inclusão social

Outra delimitação primordial a ser observada é quanto aos institutos diversas vezes tratados como sinônimos “justiça gratuita”, “assistência judiciária” e “assistência jurídica”.

De forma concisa, justiça gratuita é um  instituto eminentemente processual. Diz respeito basicamente à isenção de taxas e emolumentos. A assistência judiciária já é  mais ampla, abrangendo a justiça gratuita, acrescida da prestação do serviço de advocacia perante o Poder Judiciário. A assistência jurídica  é expressão que ultrapassa o âmbito processual, sendo também consultiva (extraprocessual inclusive).  Constitui verdadeiro direito subjetivo de caráter prestacional, reclamando do Estado uma ação positiva.

Feitos esses breves esclarecimentos, passemos à configuração dos modelos e institutos citados na evolução constitucional e legislativa brasileira, bem como no direito internacional.

3. EVOLUÇÃO CONSTITUCIONAL, LEGISLTATIVA E INTERNACIONAL

Como é sabido, o inciso LXXIV do artigo 5º da Constituição de 1988 estabelece que o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.  Esse direito e garantia fundamental é instrumentalizado por meio da Defensoria Pública, instituída pela pelo artigo 134, caput de nossa Magna Carta.

Atualmente a Carta brasileira intitula a Defensoria Pública como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, a qual incumbe como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados.

Todavia, esse sucinto texto levou anos à atual redação. A primeira notícia de criação de uma assistência judiciária em nosso país como serviço público destinado exclusivamente às pessoas carentes são os Decretos 1.030 e 2.457 de 1890. Seguindo a lição de Alexandre Lobao Rocha:

 “ o primeiro fora outorgado pelo Governo Provisório da República, que, ao tratar da organização da Justiça do Distrito Federal, instituiu oficialmente a assistência judiciária gratuita no Brasil (…)

Contudo, a implementação da Assistência Judiciária só aconteceu mais de seis anos depois, quando o Vice-Presidente da República Manoel Vitorino Pereira, e o Ministro da Justiça Amaro Cavalcanti fizeram publicar o Decreto Nº. 2.457, de 08 de fevereiro de 1897, organizando a nova instituição no então Distrito Federal. Dentre as inovações trazidas, o Decreto procurou estabelecer parâmetros para o conceito de "pobre" como destinatário donovo serviço público. (…)

A partir da edição do Decreto Nº. 2.457, várias unidades da Federação passaram a seguir os princípios básicos ali introduzidos, que subsistiram por cerca de vinte anos.”

Tem-se nota que a menção expressa à Defensoria Pública tenha constado, a nível constitucional, primeiramente, na Constituição do Estado do Rio de Janeiro de 1975. Explica- nos Felipe Dezorzi Borge:

“Essa preocupação em institucionalizar um serviço de assistência jurídica pública leva o Distrito Federal (então cidade do Rio de Janeiro) a, em 5 de maio de 1897, expedir um Decreto instituindo oficialmente o serviço de Assistência Judiciária”.

 Na Norma Maior, somente a partir da atual Constituição a Defensoria ganha seu devido espaço, leia-se previsão expressa da instituição.

Na lenta marcha da criação de uma Defensoria nos moldes atuais, a  Constituição de 1934, dispunha em seu artigo 113, XXXII: “A União e os Estados concederão aos necessitados assistência judiciária, criando, para esse efeito, órgãos especiais assegurando, a isenção de emolumentos, custas, taxas e selos”. Percebe-se que em 1934 houve a menção pela primeira vez à assistência judiciária em um texto constitucional.

Por sua vez Constituição de 1937 não trouxe nenhuma previsão de assistência judiciária. Deixou de ser um direito individual (não havia direito subjetivo embora pudesse continuar existindo, mormente pelo beneficio da justiça gratuita). Na mesma toada, o Código de Processo Civil de1939 previu tão somente a justiça gratuita.

 Em 1946, com a redemocratização, a assistência jurídica volta a ser incluída no texto constitucional, no capítulo dos direitos e garantias fundamentais em seu artigo141§ XXXV: “O Poder Público, na forma que a lei estabelecer, concederá assistência judiciária aos necessitados”.

Em 1950 foi criada a lei 1060, até hoje vigente, estabelecendo normas para a concessão de assistência judiciária aos necessitados.

O Código de Processo Civil de 1973 em seu artigo 19 estabelece que: “ Salvo as disposições concernentes à justiça gratuita, cabe às partes prover as despesas dos atos que realizam ou requerem no processo, antecipando-lhes o pagamento desde o início até sentença final; e bem ainda, na execução, até a plena satisfação do direito declarado pela sentença”. Assim como o a lei processual civil de 1939, o Código de 1973 só faz referência à  justiça gratuita.

A Constituição de 1988 em art. 5º, LXXIV é que dá o grande passo: “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. Prevê agora a assistência como direito individual e não assistência judiciária , mas sim assistência jurídica integral. Elucidam-nos tal entendimento Gilmar Mendes,  Ives Gandra e Carlos Valder do Nascimento :

“O comando constitucional deve ser interpretado sob a inspiração do seu princípio fundamental da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), entendendo-se por assistência jurídica integral não apenas a assistência judiciária, como o assessoramento e a consultoria jurídica dos necessitados, entendidos como os que comprovem a insuficiência de recursos para o custeio privado desses serviços sem sacrificar-lhes o mínimo existencial”.

Nesse sentido, em razão de sua instituição pela nova constituinte, a Defensoria deveria ter sido efetivamente instalada. Todavia, tal fato não aconteceu imediatamente e até mesmo a legislação complementar somente veio em 1994, com a Lei Complementar 80, muito modificada pela Lei Complementar 132,  dada as implicações da Emenda 45, conforme veremos. Antes, uma menção às emendas anteriores: a Emenda 19/1998 alterou o artigo 135, reconhecendo à Defensoria a remuneração por meio de subsídio; a Emenda Constitucional 41/2003 incluiu a instituição dentre as carreiras sujeitas ao teto do Poder Judiciário, e não ao teto do Chefe do Executivo.

Voltando a mais importante emenda ao texto constitucional até então, a EC 45 de 2004, alterando os artigos 134 e 168, previu a regra do concurso público para ingresso na carreira; a garantia da inamovibilidade, a vedação do exercício da advocacia;  a autonomia administrativa, funcional e iniciativa de proposta orçamentária para as Defensorias Públicas Estaduais, bem como duodécimos no orçamento.

Desta feita, a Emenda 45 representa verdadeiro marco na história da Defensoria Pública. Ao atribuir autonomia à instituição, dantes subordinada ao Poder Executivo, a instituição ganha novo fôlego:

“O princípio da separação dos Poderes constitui cláusula pétrea (art. 60, § 4º, III, CRFB), não pode ser objeto de emenda tendente a aboli-lo, pode, entretanto ser ampliado, passando alguns órgãos a adquirirem status constitucional de novo Poder a exemplo da autonomia conquistada pela Defensoria Pública após a Emenda Constitucional 45/2004. As Defensorias Públicas, como órgãos coletivos deste sub-ramo, estão instituídas no art. 134 da Constituição, como essenciais à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhes a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, como determina e na forma do art. 5º, LXXIV, da própria Carta.” (Ives Gandra, Gilmar Mendes)

O Congresso Nacional promulgou, em 29 de março de 2012, nova Emenda Constitucional, concedendo competência ao Distrito Federal para organizar e manter a sua Defensoria Pública.  Incoerentemente, a Defensoria da União não goza ainda de tal autonomia. Há a Proposta de Emenda Constitucional nº 82/2011 que visa introduzir o parágrafo 3º ao artigo 134 da Constituição Federal. Com a mudança, além da autonomia funcional e administrativa, a Defensoria Pública Federal poderá encaminhar por iniciativa própria sua proposta orçamentária ao Congresso Nacional.

No plano internacional, em 2011 e 2012, a Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos aprovou por unanimidade duas resoluções – AG/RES. 2714 (XLII-O/12) e AG/RES 2656 (XLI-O/11), recomendando a todos os países-membros a adoção do modelo público de Defensoria Pública, com autonomia e independência funcional.

A Constituição de 1988 na redação original do  artigo 134 previa a Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV. Nota-se que a adjetivação “ PERMANENTE” trazida pela Emenda 80 de 2014 busca consolidar de fato a Defensoria como uma instituição do Estado Democrático de Direito que almeja ser a República Federativa do Brasil. Retomaremos mais a frente às implicações dessa recentíssima reforma constitucional, em nosso último capítulo. Mas adiante-se: tal emenda resulta de grande esforço da classe dos defensores, resta-nos saber qual será sua efetividade.

3. SURGIMENTO DAS DEFENSORIAS NOS ESTADOS-MEMBROS E DISTRITO FEDERAL

Apesar da evolução legal, constitucional e até mesmo da repercussão internacional da necessidade de criação, implementação e expansão da Defensoria Pública, este desenvolvimento tem sido vagaroso.

De acordo com o III Mapa Das Defensorias da ANADEP,  antes do ano de 1990, as Defensorias Públicas estavam presentes em apenas sete estados brasileiros. A partir dos anos 90, mais dez estados criaram suas instituições e também foram implementadas as primeiras unidades da Defensoria Pública da União. Os demais oito estados as criariam somente nos anos 2000, com as duas últimas delas tendo sido concebidas apenas em 2011, no estado do Paraná, e em 2012, em Santa Catarina.

Logo, vemos que a Defensoria Pública, destarte sua relevância, é ainda muito recente no Brasil. E mais, mesmo que hoje criada em todas as unidades federativas, em sua maior parte é deficiente de recursos humanos e materiais. Some-se a tal fato elevado percentual de cargos vagos no país, a imensidão de comarcas não atingidas pelo serviço e o ainda desconhecimento da população acerca do trabalho prestado pelos defensores.

4. OS ENIGMAS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 80 DE 2014

As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3º do artigo 60 da Constituição Federal, promulgaram a Emenda 80 ao texto constitucional em 4 de junho de 2014. Por ela, restaram modificados os artigos 134 e 98 do Ato das Disposições Transitórias e vieram à tona muitas indagações.

Como inovações a emenda trouxe a defensoria em capítulo separado do da advocacia. Tal mudança, deve ser vista não só como uma nova roupagem, mas como a celebração definitiva de uma instituição com características próprias e destaque constitucional ampliado através de seção específica no capítulo das funções essenciais à justiça.

A redação do § 4º do art. 134 também constitucionalizou os princípios institucionais da Defensoria Pública: unidade, indivisibilidade e independência funcional  já enunciados na Lei Orgânica da Defensoria. Todavia, a presença no novo texto dada a superioridade e força normativa da Constituição traz notoriedade e confere ao defensor o status de agente político do Estado.

O Defensor Público Ígor Araújo de Arruda nos aponta mais uma evolução alcançada com a emenda, ou melhor, a definitividade da legitimação da Defensoria para ações coletivas, tantas vezes questionada (como na ADI n. 3.943, proposta pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público):

“Além de a Defensoria figurar como Instituição Permanente, com princípios institucionais próprios (§ 4.° do art. 134), teve o reconhecimento constitucional de sua atuação extrajudicial (e judicial) e coletiva (e individual), reforçando a ideia prioritária de solução extrajudicial dos conflitos (art. 4.°, II, LONDP) e resolução em massa (coletiva) dos problemas da sociedade e da camada hipossuficiente.

A atuação e legitimidade coletiva (metaindividual) da Defensoria ganhou cenário desde a Lei da Ação Civil Pública – LACP (art. 5.°, inc. II, Lei n. 7.347/85, inserto pela Lei n. 11.448/2007) e a LC n. 80/94 (com alterações da LC n. 132/2009). Agora esta realidade é positivada na Constituição da República, demonstrando irrefragavelmente sua missão transindividual, como expressão e instrumento do regime democrático, forma mais acertada de solução dos conflitos em massa, dada a maior segurança jurídica, isonomia, economicidade, publicidade, justiça integral, acesso e celeridade.”

Não é demais ressaltar que tal ação de controle foi recentemente julgada improcedente, compreendendo os Ministro da Corte Constitucional (por 8×0) que a  legitimidade do Ministério Público não é exclusiva e que a tutela dos hipossuficientes deve se dar não só a título individual, mas também coletivamente.

Pela nova redação do artigo 134, há também a previsão de aplicação, no que couber, do disposto no artigo 93 e no inciso II do art. 96 da Constituição Federal. Talvez esta nova redação seja a mais problemática, inclusive já surtindo dúvidas imediatas. A uma, exigir-se-á para ingresso na Defensoria três anos de prática forense após o término do curso de Direito? E mais, como será contada tal prática? Os editais de concurso posteriores à emenda vêm se utilizando de diferentes critérios para tal aferição, gerando bastante incerteza aos candidatos à carreira. Ao nosso ver parece estar sendo sedimentada a necessidade da comprovação dos 3 anos após a colação de grau.

Outra mudança refere-se aos critérios de promoção alternadamente por antiguidade e merecimento, a previsão de cursos de preparação, aperfeiçoamento e promoção dos Defensores, subsídios, além de incentivo à criação do Conselho Nacional da Defensoria Pública são ainda incógnitas.

No que se refere ao artigo 98 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, este assim agora dispõe:

"Art. 98. O número de defensores públicos na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda pelo serviço da Defensoria Pública e à respectiva população. § 1º No prazo de 8 (oito) anos, a União, os Estados e o Distrito Federal deverão contar com defensores públicos em todas as unidades jurisdicionais, observado o disposto no caput deste artigo. § 2º Durante o decurso do prazo previsto no § 1º deste artigo, a lotação dos defensores públicos ocorrerá, prioritariamente, atendendo as regiões com maiores índices de exclusão social e adensamento populacional."

Apesar de louvável a pretensão de provimento de cargos em todas unidades jurisdicionais, mesmo tendo se atribuído longos oito anos para tal, inegável que a efetivação de do comando nos parece um pouco sonhadora tendo em vista a realidade do país, a qual depende de vontade política e de correta aplicação de recursos orçamentários. Ademais, como vimos há defensorias recém-criadas, o que aumenta a chance de que nesse prazo não seja atingido o comando constitucional.

Todavia, a previsão no ADCT, ainda que se compreenda tal norma como definidora de  princípio programático, melhor dizendo, que o artigo 98 do ADCT não produz todos os seus efeitos no momento de sua promulgação,  não significa que seja desprovida de eficácia jurídica até o momento em que os programas nelas definidos sejam implementados. Embora não produza seus plenos efeitos de imediato, ela possui o que se chama de eficácia negativa, desdobrada em eficácia paralisante e eficácia impeditiva, além é claro, de eficácia interpretativa.

Pela eficácia impeditiva, a norma tem o condão de impedir que sejam editadas normas contrárias ao seu espírito, servindo como parâmetro para o controle de constitucionalidade. Extrai-se desse efeito, por exemplo, a impossibilidade de novos convênios com OAB para a prestação de serviço de assistência judiciária, devendo essa atribuição ser exclusiva da Defensoria, já que este não é um serviço público transitório. Colaciona-se como exemplo ainda a impossibilidade de vincular a Defensoria ao Executivo Federal. A norma programática, serve, ainda, como norte interpretativo da Constituição, e parece bem claro que se quis elevar a Defensoria a um patamar mais elevado, engrandecendo o acesso às pessoas vulneráveis que dela tanto precisam.

5. CONCLUSÃO

O presente trabalho objetivou analisar a evolução da Defensoria Pública brasileira motivada pela recentíssima emenda constitucional nº 80 de 2014. Longe de esgotar o tema, fornecemos, nestas considerações finais, as principais sínteses do presente trabalho.

Conforme visto, a superação de um modelo de justiça gratuita, passando pelo modelo da assistência jurídica levou anos até a efetivação da assistência jurídica integral e gratuita prestada pela Defensoria Pública. Neste cenário, foram criadas nos Estados-Membros e pela União a instituição, porém estas ainda carecem de recursos e ampliação do atendimento para todas as comarcas do país.

Trouxemos à discussão as implicações da nova emenda, ainda uma incógnita, tanto no que se refere à carreira como a expansão do atendimento aos necessitados.

É salutar que se compreenda a Defensoria não como instituição exclusiva para tornar o direito fundamental à diferença em uma meta de justiça igual para todos, todavia esta pode auxiliar a equilibrar a balança da desigualdade social, mormente no que se refere ao acesso à justiça.

 

Referências
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Informações Sobre o Autor

Fernanda Leal Barbosa

graduada em direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora/MG, pós graduada em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera Uniderp- Rede de ensino LFG, Advogada


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