Resumo: A Liberdade de Expressão está prevista no art.5°, inciso IV da Constituição Federal de 1988, sendo um direito assegurado as empresas destinadas ao trabalho de comunicação. Esse direito constitucional encontra-se limitado em decorrência do direito à privacidade do indivíduo, disciplinado no art.5°, inciso X, da nossa Carta Magna. Diante da importância da atividade da imprensa no estado democrático de direito, é necessário que a informação noticiada seja correta e precisa, respeitando o direito à privacidade do cidadão.
Palavras-chave: Liberdade de Imprensa. Liberdade de expressão. Violação ao Direito da Intimidade e da Privacidade.
Abstract: Freedom of expression is under art.5 °, item IV of the Constitution of 1988 and is a right guaranteed business for the communication work. This constitutional right is limited due to the privacy rights of the individual, disciplined in art.5 °, item X of our Constitution. Given the importance of the activity of the press in a democratic state of law, it is necessary that the information reported is correct and accurate, respecting the privacy rights of citizens.
Keywords: Freedom of the Press. Freedom of expression. Violation of the law of Intimacy and Privacy.
Sumário: Introdução. 1. Liberdade de Imprensa. 1.1. Origem Histórica. 1.2. A imprensa pré-industrial. 1.3. A Imprensa Capitalista e a Industrialização. 1.4. Mudanças nas Tecnologias de Comunicação. 1.5. A Liberdade de imprensa e a Constituição Federal de 1988. 2. Direitos da Personalidade. 2.1. Dignidade da Pessoa Humana. 2.2 Limites ao Direito à Privacidade. 2.3. Restrições à privacidade com o consentimento do indivíduo. 3. Liberdade de Expressão (art.5°, inciso, IV e V, CF). 3.1. Modos de Expressão. 3.2. Limitações ao direito de expressão. 3.2. Limitações ao direito de expressão. 3.3. A verdade como limite a liberdade de expressão. Conclusão. Referências Bibliográficas.
Introdução
O tema proposto versa sobre a Responsabilidade Civil decorrente do abuso da Liberdade de Imprensa frente ao Direito Constitucional da Vida Privada. Foi apresentada uma ligeira resenha histórica da imprensa, agrupando o período pré-industrial, capitalista e como ela foi encarada pela Constituição federal de 1988. Após a revogação da Lei n.5.250, de 9 de Fevereiro de 1967 (Lei de Imprensa) criada no regime militar, os jornalistas e os meios de comunicação passaram a serem julgados com base nos artigos da Constituição Federal e dos Códigos Civil e Penal.
Dentre a importância da atividade desenvolvida pela imprensa, sua função informativa e de construção de pensamento questiona-se sobre o seu campo de atuação na sociedade ao veicular fatos que envolvam a privacidade das pessoas. Segundo o Código de Ética dos Jornalistas, a informação noticiada dever ser correta e precisa, devendo ele divulgar os fatos que sejam de interesse público, respeitando o direito à privacidade do cidadão. Ao analisar os direitos constitucionais da personalidade, dignidade da pessoa humana e direito a intimidade notamos que os mesmos se confrontam com a liberdade de expressão assegurada à imprensa pelo nosso ordenamento jurídico. Apesar de estarmos diante de dois direitos protegidos constitucionalmente, ambos não são absolutos, devendo analisar cada caso de maneira única para que se verifique a sua limitação e o interesse social protegido.
Por fim, discorreu-se sobre a responsabilidade civil, sua evolução e como ela se aplica nas atividades da imprensa. A empresa que desenvolve atividade de jornalismo responde civilmente pelos danos morais e materiais causados a pessoa em razão do desenvolvimento da sua atividade, pois o direito à privacidade é um direito indisponível de todo o cidadão assegurado pela nossa Carta Magna.
1. Liberdade de Imprensa
1.1. Origem Histórica
Segundo dados históricos (IMPRENSA, 2010) o primeiro jornal diário que se tem conhecimento foi o Jornal Acta Diurna, sendo criado por Augusto, o imperador do século I de nossa era. Tanto na Roma Antiga quanto no Império Romano, o jornal Acta Diurna tratava de diversos fatos, compreendendo as notícias militares, obituários, crônicas esportivas, etc.
No ano de 713 d.C surgia em Pequim, na China, o primeiro jornal em papel publicado como um panfleto manuscrito. Anos depois, Gutenberg desenvolveu a tecnologia da prensa móvel utilizando caracteres separados inseridos em madeira ou chumbo, sendo rearrumados numa tábua para formar palavras e frases do texto.
No período que corresponde a Baixa Idade Média, era muito comum as folhas escritas trazendo notícias comerciais e econômicas circulando nas ruidosas cidades burguesas. Com o passar do tempo, esta arte se propagou por toda a Europa através do vale do Rio Reno, chegando registrar no ano de 1480 a existência de oficinas em 108 cidades, passando a 226 no ano de 1500.
As cidades universitárias e comerciais foram os centros mais produtivos durante o século XVI, porém Veneza continuou a ser considerada a capital da imprensa, seguida por Paris, Leon, Frankfurt e Antuérpia.
1.2. A imprensa pré-industrial
Em 1602, com o nome de “Nieuwe Tijdinghen”, aparece na Antuérpia a primeira publicação impressa semanal.
O primeiro jornal de lingua inglesa teve origem em Londres, no ano de 1621, chamado de “The Corante”. Em 1622 houve uma união entre 12 estabelecimentos de impressão inglesas, holandesas e alemãs, criando uma troca de notícias entre si. Nathaniel Butler, no mesmo período, em Londres criou-se o primeiro hebdomadário denominado “Weekly News”, sendo o mais antigo jornal a publicar notícias internacionais a partir de 1638.
No ano de 1645, aparece o primeiro jonal em português: “A gazeta de Lisboa”, fundado em Portugal. Com o decorrer dos anos, os jornais impressos alemães, franceses, ingleses e latino-americanos passaram a ser impressos diariamente, sinalizando um grande marco para a imprensa escrita.
1.3. A Imprensa Capitalista e a Industrialização
Os líderes políticos, nos séculos XVIII e XIX, perceberam o grande poder de influência que os jornais poderiam desencadear na população, começando a partir de então a reproduzir jornais de facções e partidos políticos. Em Londres, começa a circular em 1785 o The Daily Universal Register.
Os empresários também descobriram a força que o jornal poderia dar nos seus negócios e começaram a editar no século XIX as primeiras publicações parecidas com os diários atuais.
Joseph Pulitzer e William Randolph Hearst criarar grandes jornais destinados a venda em massa nos Estados Unidos.
Devido a censura e a proibição de tipografias imposta pela corte portuguesa, o Brasil demorou a ter os primeiros contatos com a imprensa. Foi somente em 1808 que rugem, quase que simultaneamente os dois jornais brasileiros intitulados de: o Correio Braziliense, editado e impresso em Londres pelo exilado Hipólito da Costa e a Gazeta do Rio de Janeiro, publicação oficial editada pela Imprensa Régia instalada no Rio de Janeiro com a transferência da Corte portuguesa.
1.4. Mudanças nas Tecnologias de Comunicação
Em 1861, com o ínicio da Guerra Civil dos Estados Unidos, surge para a imprensa consideráveis inovações técnicas e novas condições de trabalho: repórteres e fotógrafos recebem credenciais para cobrir o conflito e os jornais inventam as manchetes, títulos em letras grandes na primeira pina, para destacar as novidades da guerra.
Samuel Morse em 1884 revoluciona a transmissão de informaçoes com a invenção do telégrafo, permitindo o envio de notícias a longa distância.
Técnicas inovadoras de impressão iniciaram com o funcionamento da primeira rotativa em 1847 nos EUA. O Times de Londres cria em 1848 uma rotativa que imprime 10 mil exemplares por hora.
Começa a ser usada em 1880 a fotografia na imprensa diária, sendo a Alemanha o primeiro país a produzir revistas ilustradas com fotografias.
No ano de 1903, Marconi faz a primeira transmissão de rádio transatlântica. Em 1920, as primeiras emissoras de rádio trasmitem os principais fatos da atualidades. Os cinejornais surgem simultaneamante com os filmetes de atualides cinematográgfica, no qual o primeiro deles foi o Fox Movietone News, surgido em 1927 com o uso do som no cinema.
Os EUA, nos anos de 1930, realiza as primeiras transmissões de televisão e 20 anos depois a televisão competia com o rádio pela possibilidade de transmitir informação momentânea, mas com o adicional encantador e incomparável da imagem.
Uma revolução nas tecnologias de comunicação foi presenciada no final do século XX, onde os meios de comunicação foram transformados em instituições privadas de alcance global, tanto no aspecto do jornalismo como no aspecto do entreterimento.
Em 1962, o jornal Los Angeles Times para facilitar a composição em linotipos passa a utilizar fitas perfuradas, entrando no mesmo ano no ar o primeiro satélite de telecomunicação para os mídias, chamado de o Telsat I. Em 1969, ocorre a transmissão da chegada da missão Apolo XI, dos EUA, à Lua.
Os primeiros terminais computadorizados para edição jornalistica só vem a aparecer em 1973, a fotocomposição começa a partir deste instante a substituir a linotipia.
No ano de 1980, a rede CNN começa a ser transmitida, tornando-se 10 anos depois referência em jornalismo internacional transmitido pela televisão. Sua notoriedade mundial ocorreu com a cobertura da Guerra do Golfo em 1991.
Os canais de televisão por assinatura, a cabo e a internet tardaram a chegar no Brasil, passando a surgir somente no ano de 1992.
1.5. A Liberdade de imprensa e a Constituição Federal de 1988
O papel da imprensa é fundamental para a manutenção do Estado democrático de direito. Alguns autores a encaram como um quarto poder, devido ao fato de no momento em que veiculam informações elas estão desempenhando uma função essencial para exercer uma capacidade crítica sobre os outros poderes, sendo eles o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Mesmo não a olhando como um quarto poder constituído é certo que a imprensa é um poder de controle externo sobre os demais poderes.
Conforme Caldas (1997, p.66-67):
“Acrescenta-se que a liberdade de imprensa exige o princípio da verdade, haja vista que, se por um lado lhe é reconhecido o direito de informar a sociedade sobre fatos e idéias, por outro sob este direito incide o dever de informar objetivamente, ou seja, sem alterar-lhes a verdade ou modificar o sentido original, posto que assim agindo não temos informação, mas sim uma deformação.”
No mesmo sentido sobre o direito de informação dispõe o Código de Ética dos Jornalistas em vigor em 1987, ressaltando que é um dever dos meios de comunicação veicular a informação de maneira correta e precisa. O referido Código de Ética ao tratar sobre os direitos dos profissionais de imprensa dispõe que é um dever do jornalista divulgar todos os fatos que sejam de interesse publico e que se respeite o direito à privacidade do cidadão.
Com relação à liberdade de imprensa, a Constituição Federal (BRASIL, 1988) em seu artigo 5°, inciso IX dispõe: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.
O art. 220, §1° da nossa Lei Maior acrescenta: “Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV”.
Os respectivos incisos dispostos no art.5° da Constituição declaram que:
“IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;”
De acordo com o ilustre autor Carvalho (1994, p.31):
“tais normas possuem eficácia plena, não admitindo qualquer contenção através da lei ordinária, a não ser que seja para confirmar as próprias restrições mencionadas nos incisos referidos do art.5°.”
Para que a imprensa possa cumprir o seu papel na sociedade é imprescindível que ela seja livre de interdições e censuras, mas ela não pode ser ilimitada e ausente de responsabilidade, haja vista que ser livre significa ser responsável, uma vez que ao assumir a liberdade o indivíduo assume a responsabilidade originada dela.
Nos dias atuais, parte da imprensa transmite notícias superficiais, sensacionalistas, sem serem anteriormente constatada a sua veracidade, ocasionando a destruição dos mais autos valores e sentimentos dos seres humanos, atingindo de maneira direta a dignidade humana do indivíduo envolvido na notícia.
De acordo com Vieira (2003, p.44) isto ocorre, dentre outros motivos, pelo próprio mercado da mídia, posto que: “está é dominada por grandes conglomerados empresariais que visam à obtenção de lucro a qualquer custo, ainda que este seja a dignidade do ser humano”.
A notícia dever retratar os fatos de forma exata e verdadeira, levando em consideração as suas limitações, tendo em vista que a própria verdade em si pode não ser absoluta, pois muitas vezes é impossível alcançar as verdades dos fatos.
Diante do caso concreto é necessário averiguarmos se a notícia foi parcial, errônea, intencional ou não, pois uma notícia ao ser veiculada pode ocasionar danos irreparáveis a dignidade da pessoa humana e aos bens personalíssimos. Notícias transmitidas acerca de matérias sobre pessoas investigadas e processadas criminalmente devem ser analisadas com o máximo de cautela, pois tais pessoas podem estar sendo submetidas a um julgamento processual antecipado pela mídia.
2. Direitos da Personalidade
A Constituição Federal de 1988, em seu art.5°, inciso X, dispõe: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
De acordo com Moraes (2007, p. 48):
“a proteção constitucional consagrada no inciso X do art.5° refere-se tanto a pessoas físicas quanto pessoas jurídicas, abrangendo, inclusive, à necessária proteção à própria imagem frente aos meios de comunicação em massa (televisão, rádio, jornais, revistas, etc).”
Para algumas jurisprudências e para vários autores não há distinção entre privacidade e intimidade. Porém, há aqueles que dizem que o direito a intimidade faz parte do direito a privacidade, sendo este mais amplo. Ferreira Filho (1997, p. 35) dispõe que:
“intimidade relaciona-se às relações subjetivas e de trato íntimo da pessoa, suas relações familiares e de amizade, enquanto que a vida privada envolve todos os demais relacionamentos humanos, inclusive os objetivos, tais como relações comerciais, de trabalho, de estudo, etc.”
Entende Ferraz, (1993, p.77) que esse direito é:
“um direito subjetivo fundamental, cujo titular é toda pessoa, física ou jurídica, brasileira ou estrangeira, residente ou em trânsito no país; cujo o conteúdo é a faculdade de constranger os outros ao respeito e de resistir à violação do que lhe é propício, isto é, das situações vitais que, por só a ele lhe dizerem respeito, deseja manter para si, ao abrigo de sua única e discricionária decisão; e cujo objeto é a integridade moral do titular.”
Há um consenso de que o direito a privacidade compreende o direito de o indivíduo desejar estar separado de grupos, mantendo-se, deste modo, livre da observação de outras pessoas. Pode-se se misturar com o direito de fruir o anonimato, sendo este respeitado quando o indivíduo estiver livre de identificação e de falsificação.
No Brasil, as interferências indevidas por parte do Estado na vida do indivíduo podem ser impedidas com a invocação do princípio da proporcionalidade, do princípio da liberdade em geral e também pelo principio da dignidade da pessoa humana, que subentende-se o reconhecimento de uma margem de autonomia do indivíduo com relação aos valores constitucionais.
Em sentido mais estrito, o direito a privacidade nos leva e exigência do indivíduo de não ser foco da observação por terceiros, de não ter os seus assuntos, informações pessoais e características pessoais expostas a terceiros e ao público em geral.
2.1. Dignidade da Pessoa Humana
São várias as dificuldades para se estabelecer o significado e o conteúdo do princípio da dignidade da pessoa humana. Tanto a doutrina quanto a jurisprudência ao longo do tempo buscaram determinar o seu conteúdo, podendo ser entendida como uma qualidade intrínseca e inerente do ser humano, irrenunciável e inalienável, na medida em que constitui um elemento que qualifica a pessoa humana.
Conforme o entendimento do saudoso autor Sarlet (1998, p.109) podemos concluir que:
“somente haverá a observância da dignidade da pessoa humana desde que se respeite a integridade física e psíquica do ser humano, significa dizer que sejam asseguradas condições mínimas para uma existência digna, de forma que a intimidade e a identidade do indivíduo não sejam objetos de ingerências indevidas, bem como que haja a garantia da igualdade, indistintamente para todos.”
O legislador brasileiro inseriu o princípio da dignidade da pessoa humana no art. 1°, inciso III da Constituição Federal de 1988, baseou-se numa ótica personalista posto que ao ser colocado como fundamento determinou-se a existência do Estado em razão das pessoas. Nesse sentido, toda ação do Estado deve ser avaliada, conforme o princípio da dignidade da pessoa humana, podendo possuir como penalidade ser declarada como inconstitucional, sendo que cada indivíduo dever ser considerado como um fim em si mesmo, para que possam indivíduo e Estado conviver de forma pacífica.
Por fim, o princípio da dignidade da pessoa humana deve ser utilizado para que se assegure outros direitos, tais como os direitos sociais, saúde, educação, lazer, segurança, proteção a maternidade e infância e os direitos fundamentais, como o direito à vida, à liberdade, à intimidade, à honra, à vida privada, etc.
2.2 Limites ao Direito à Privacidade
Como relação a privacidade do individuo, Mendes ressalta (2008, p. 381):
“devido a vida em comunidade proporcionada pelo mundo atual, com as seus intensos relacionamentos entre as pessoas, não podemos conferir um valor radical no tocante a privacidade. Um certo acontecimento, ou uma pessoa que tem a sua imagem cultivada na sociedade pode ter o seu direito a intimidade reduzido pelo interesse público despertado.”
Para uma informação ser considerada admissível ou abusiva deverá ser analisado o caso concreto, como também há de ser levado em consideração o modo como ocorreu a revelação do fato narrado ao público.
Um fator norteador para aferir a extensão e a intensidade da proteção à vida privada e a intimidade do indivíduo é o modo que este vive, sendo reduzido, mas não anulado quando se tratar de celebridade. Irá depender, também, da finalidade a ser alcançada com a exposição e a forma como a notícia foi coletada.
2.3 Restrições à privacidade com o consentimento do indivíduo
Para kayser (1984, p. 147), “os direitos fundamentais não são suscetíveis de renúncia plena, mas podem ser objeto de autolimitações, que não esbarrem no núcleo essencial da dignidade da pessoa”.
Uma pessoa, por exemplo, pode consentir que se exponha o seu sofrimento durante um seqüestro, ou por ocasião da morte de algum ente querido, dando entrevista a respeito. Porém, haverá um problema de difícil solução quando houver a necessidade de definir um consentimento tácito na divulgação da matéria ou da imagem envolvendo a intimidade da pessoa.
De acordo com Mendes (2008, p. 382):
“em princípio, se alguém se encontra num lugar público está sujeito a ser visto e a aparecer em alguma foto ou filmagem do mesmo lugar. Haveria, aí, um consentimento tácito na exposição. A pessoa não poderá objetar a aparecer, sem proeminência, numa reportagem, se se encontra em lugar aberto ao público e é retratada como parte da cena como um todo.”
Entretanto, há opiniões contrastantes quando se discute a possibilidade de se destacar alguém no âmbito da paisagem. Na França há noticias condenando a publicação da foto de uma banhista fazendo topless, numa reportagem sobre as praias francesas. O Superior Tribunal de Justiça tem rejeitado pedidos de indenização por danos morais, no pressuposto de que a retratada terá, em casos assim, consentido tacitamente na exposição de sua imagem. Todavia, com toda a certeza, que fotografias assim não podem ser utilizadas para fins comerciais.
É justificável a intromissão na vida privada de alguém quando houver uma relevância pública na notícia que expõe o indivíduo. Importante ressaltar que interesse público não se confunde com o interesse do público. Segundo Crone (1989), as notícias importantes para a decisão do indivíduo na sociedade, que são para proteger a saúde ou a segurança pública, ou também, para prevenir que o público seja iludido por mensagem ou ações de indivíduos que postulam a confiança da sociedade tem peso relevante para superar a garantia da privacidade.
Nesse mesmo contexto, no que se refere aqueles que exercem função política ou aqueles que exercem função artística em geral, a proteção constitucional deve ser interpretada de uma forma mais restrita, havendo necessidade de uma maior tolerância ao se interpretar o ferimento das inviolabilidades à honra, à intimidade, à vida privada e à imagem, pois os primeiros estão sujeitos a uma forma especial de fiscalização pelo povo e pela mídia, enquanto que o próprio exercício profissional das pessoas que exercem atividade artística exige uma maior e constante exposição à mídia. Importante salientarmos que essa necessidade de interpretação mais restrita não afasta a proteção constitucional contra ofensas injustas, desproporcionais e sem qualquer nexo causal com a atividade realizada.
Mendes (2008, p. 383) salienta que o homem público é:
aquele que se pôs sob a luz da observação do público, abre mão da sua privacidade pelo só fato do seu modo de viver. Essa impressão é incorreta. O que ocorre é que, vivendo ele do “crédito público, estando constantemente envolvido em negócios que afetam a coletividade, é natural que em torno dele se avolume um verdadeiro interesse público, que não existiria ao pacato cidadão comum.”
O ilustre autor Mendes (2008) ressalta ainda que não é suficiente a notícia ser verdadeira, é necessário também que a sua veiculação venha a ser algo útil para a pessoa e que a oriente melhor na sociedade em que vive. É necessário, sempre, apreciar o interesse público com o desgaste material e emocional para o indivíduo envolvido, num juízo de estrita proporcionalidade para que seja definido se é valida a sua exposição.
Notícias sobre hábitos sexuais ou alimentares não estão incluídas nesta lista de interesse público, permanecendo nestes casos, o direito ao resguardo da intimidade. Os fatos desvinculados do papel social da figura pública não podem ser usados para que a imprensa invada a privacidade do indivíduo, pois não são considerados de interesse público. Segundo o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, há exceções da não preservação da intimidade nos casos em que a própria pessoa divulgue fatos de sua intimidade, que deste modo tornaram-se públicos, não havendo como reter essas informações.
Não serão objetos legítimos de invasão da imprensa as celebridades do passado. O caso Lebach, na Corte Constitucional da Alemanha é um exemplo de entendimento nesse sentido. Se o indivíduo deixou de ter notoriedade, perdendo-se assim o interesse público em torno dele, merece ser deixado de lado caso assim ele desejar. Outro exemplo refere-se a pessoa que cumpriu pena criminal e que necessita reajustar-se na sociedade, tendo o direito de não ver repassado ao público os fatos que o levaram à prisão.
Por fim, quando ocorrer o conflito de pretensão entre o direito a privacidade e o direito a liberdade de informação deve-se analisar a qualidade da notícia a ser divulgada, para que assim se estabeleça se a notícia constitui legítimo interesse do público e se o interesse público se sobrepuja a dor íntima que a notícia acarretará.
3. Liberdade de Expressão (art.5°, inciso, IV e V, CF)
A Constituição Federal de 1988 garante a manifestação do pensamento. A liberdade de expressão é um dos mais importantes e valiosos direitos fundamentais. Vejamos o que diz o art. 5°, inciso IV, de nossa Carta Magna: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. É importante salientarmos que esse direito fundamental abrange não só o direito de se exprimir, mas também o direito de se calar e de não se informar. No seu sentido jurídico, conforme elenca Silva (2001, p. 490) ela pode ser concebida como:
“a faculdade ou o poder outorgado à pessoa para que possa agir segundo sua própria determinação, respeitadas, no entanto, as regras legais instituídas. A liberdade, pois, exprime a faculdade de se fazer ou não fazer o que se quer, de pensar como se entende, de ir e vir a qualquer atividade, tudo conforme a livre determinação da pessoa, quando haja regra proibitiva para a prática do ato ou não se institua princípio restritivo ao exercício da atividade.”
Como podemos observar, a manifestação do pensamento é livre, podendo ser exercida por todas as pessoas, desde que elas se identifiquem. Porém, o anonimato será permitido quando for necessário para o exercício profissional, conforme declara o inciso XIV do mesmo artigo: “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”. O art. 220, da CF acrescenta: “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”. Os §§ 1° e 2 ° do mesmo artigo nos acrescenta: “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV” e que “é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.
O texto constitucional não admite a possibilidade de censura prévia. Porém, essa previsão não significa que a liberdade de imprensa é absoluta, pois há a eventual responsabilização posterior do autor ou responsável pelas notícias injuriosas, difamantes e mentirosas no tocante a eventuais danos morais e materiais.
De acordo com Ekmekdjian (1996, p.523): “a proibição à censura prévia, como garantia à liberdade de imprensa, implica forte limitação ao controle estatal preventivo, mas não impede a responsabilização posterior em virtude do abuso no exercício desse direito”.
A liberdade de imprensa deverá ser exercida com a necessária responsabilidade que se exige em um Estado Democrático de Direito, de modo que o desvirtuamento da mesma para o cometimento de fatos ilícitos, civil ou penalmente, possibilitará aos prejudicados plena e integra indenização por danos materiais e morais, além do efetivo direito de resposta.
Os abusos cometidos no exercício indevido da manifestação do pensamento são passíveis de exame e apreciação pelo Poder Judiciário com a conseqüente responsabilidade civil e penal de seus autores, decorrentes inclusive de publicações injuriosas na imprensa, que possui o dever de exercer vigilância e controle da matéria divulgada. O ilustre autor Ferreira, Pinto (1989, p.68) ressalta: “o Estado democrático defende o conteúdo essencial da manifestação da liberdade, que é assegurado tanto sob o aspecto positivo, ou seja, proteção da exteriorização da opinião, como sob o aspecto negativo, referente a proibição de censura”.
Para Karpen (1988) a liberdade de expressão engloba toda a opinião, convicção, comentário, avaliação ou julgamento sobre qualquer assunto ou sobre qualquer pessoa, seja ela de interesse público ou não, pois “diferenciar entre opiniões valiosas ou sem valor é uma contradição num Estado baseado na concepção de uma democracia livre e pluralista”.
3.1. Modos de Expressão
Os modos de expressão podem variar das mais diversas formas, podendo ser enxergado quando um artista pinta um quadro, compõe uma música, escreve um livro, fotografa imagens e até mesmo nas expressões corporais. O art. 5°, inciso IX, CF, diz que: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.
Contudo, é possível mediante lei ordinária a regulamentação das diversões e espetáculos, classificando-os por faixas etárias a que não se recomendem, bem como definir locais e horários que lhes sejam inadequados.
Caso os programas de rádio e de televisão descumpram os princípios determinados no art.221, I a IV, caberá também a lei estabelecer meios de defesa das pessoas e das famílias, como respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família (art.220, §3°, e 221). A inviolabilidade prevista no inciso X do art. 5°, traça os limites tanto para a liberdade de expressão do pensamento como para o direito à informação, vedando-se o atingimento à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas.
A queima da bandeira nacional tem sido analisada no direito comparado. A Suprema Corte americana entendeu, no ano de 1989, que era inconstitucional uma lei estadual que criminalizava a conduta de queimar a bandeira, alegando que por meio da conduta de queimar a bandeira estava sendo exercido o direito à livre expressão.
Na Alemanha, um editor de livros antimilitarista acusado de profanar a bandeira do seu país foi absolvido pela Corte Constitucional em processo criminal. A bandeira alemã fora retratada na capa de um livro, por meio de uma fotomontagem, sob a urina de um soldado, integrante de certa cerimônia militar.
3.2. Limitações ao direito de expressão
A liberdade de expressão não é absoluta, pois poderá haver interferência legislativa para: 1) proibir o anonimato; 2) para impor o direito de resposta e a indenização por danos morais, patrimoniais e à imagem; 3) para preservar a intimidade, a vida privada, a honra e a intimidade das pessoas; 4) para exigir a qualificação profissional dos que se dedicam aos meios de comunicação; 5) para que se assegure a todos o direito de acesso a informação; 6) restrição legal à publicidade de bebidas alcoólicas, tabaco, medicamentos e terapias; 7) produção e a programação das emissoras de rádio e televisão, devendo estas respeitarem o valores éticos e sociais da pessoa e da família (art. 5°, incisos IV, V, X, XIII e XIV e art. 220, §4° e §3°, inciso II).
Também poderá haver limitações a liberdade de expressão quando o seu conteúdo colocar em risco uma educação democrática, livre de ódios e preconceitos. Em um contexto que estimule a violência e exponha a juventude à exploração, a liberdade de expressão cederá um valor pima facie, primazia da proteção da infância e da adolescência.
Leis sobre a segurança das vias de tráfego, de proteção ambiental e turística podem ocasionar um impacto limitante sobre a liberdade de expressão, embora protejam outros objetivos que são perfeitamente legítimos. Ex.: a proibição do uso de buzinas em frente aos hospitais por uma lei não tem por meta restringir a liberdade de opinião política, mas sim, impedir que nessas imediações se promova manifestações de protesto. Lei que proíbe o uso de outdoors para preservar a beleza local em certas regiões não trará uma imediata censura de inconstitucionalidade.
Para solucionar os valores que estejam em conflito, é necessário que a deliberação do legislador obedeça ao principio da razoabilidade, da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
As mensagens que provocam uma reação de violenta quebra de ordem também limitações a liberdade de expressão, estando excluídas dos limites internos desse direito. Neste caso, podemos citar um exemplo claro de um indivíduo gritando a palavra fogo para produzir um alarme falso de incêndio.
Nessa doutrina, não estão incluídas na garantia constitucional palavras que configuram estopins de ação. Contudo, palavras duras ou desagradáveis não significam que estejam fora da proteção prevista pelo nosso ordenamento jurídico, pois nesse caso há chance de serem corrigidos os erros do discurso, expondo sua falsidade e suas falácias. Neste caso, o remédio para solucionar esse problema seria mais liberdade de expressão no discurso, para corrigir ou afirmar aquilo que foi dito, sempre se atentando para o contexto em que este foi proferido.
Um discurso que não é tolerado de forma alguma entre nós é o discurso de ódio e o de pornografia. Para o STF, incitar a discriminação racial, por meio de idéias anti-semitas constitui crime e não conduta amparada pela liberdade de expressão, pois nesta situação o que deve prevalecer é o princípio da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica.
3.3. A verdade como limite a liberdade de expressão
A informação verdadeira encontra-se protegida pela liberdade de expressão. No que tange a informação falsa, principalmente no que se refere a propagandas comercias, o Código de Defesa do Consumidor é expresso em proibir a propaganda enganosa e obrigar o comerciante aos termos do seu anúncio (art.30, CDC).
Quando um fato prejudicial ao indivíduo é noticiado pelos meios de comunicação, caberá o direito a indenização pelos danos sofridos, podendo ser permitido a prova da verdade como uma causa que exclua a responsabilidade (art. 49, da Lei 5.250/67).
Quando o comunicador vai divulgar a notícia é necessário que este esteja atento ao processo de busca e reconstrução da realidade, exigindo um elevado nível de cautela para relatar os fatos.
Saliente o ilustre autor Carvalho (1999) que o jornalista que buscou noticiar os fatos por ele diretamente percebidos ou a ele narrados, com a aparência de verdadeiros, agindo com a cautela necessária, não merece ser censurado. Mas é importante salientar que poderá haver uma reparação civil ou penal caso ele cometa excessos na sua atividade. Não é qualquer assunto do público que justifica q divulgação jornalística de um fato.
Costa Junior (2004) ressalta que não é qualquer assunto de interesse público que enseja a divulgação jornalística de um fato, mas sim, a liberdade de imprensa ocorrerá nos casos em que houver um proeminente interesse social nos acontecimentos noticiados.
Conclusão
O presente trabalho buscou demonstrar de maneira objetiva e concisa as noções básicas que norteiam a Liberdade de Imprensa e o Direito à privacidade do indivíduo. Foi destacado o importante papel que os meios de comunicação exercem no Estado Democrático de Direito, buscando elucidar a sua função informativa e de construção de pensamento perante a sociedade. Observou-se que a liberdade de expressão não é absoluta, podendo esta ser limitada para preservar a intimidade, a vida privada, a honra e a intimidade das pessoas.
O jornalista, no regular exercício da profissão, tem o direito de divulgar os fatos e de até exprimir um juízo de valor sobre a conduta de determinada pessoa, desde que tenha a finalidade de informar a sociedade. Porém, exige-se que os meios de comunicação veiculem a notícia de maneira correta e precisa. O que não é admitido em nosso ordenamento jurídico é o sensacionalismo, sendo este a veiculação de notícias ofensivas, injuriosas e difamantes que descem ao ataque pessoal do indivíduo.
Vimos que um fator que serve de horizonte para analisarmos a extensão do dano sofrido é o modo como a pessoa vive na sociedade, pois se esta for uma celebridade ou estiver em um local considerado público terá o seu direito à privacidade reduzido.
Discorrendo sobre a pesquisa ressalto que por estarmos diante de dois princípios constitucionais, um serve de limitação ao outro, devendo haver um ponto de equilíbrio entre eles. Tendo como base o princípio da unidade constitucional, a Constituição Federal não pode estar em conflito consigo mesma.
No que se refere a inviolabilidade da privacidade das pessoas públicas, há uma redução espontânea deste princípio. Conforme a doutrina, a vida destas pessoas compreende um aspecto voltado para o exterior e outra voltado para o interior. Admite-se as pesquisas e divulgações a vida exterior dessas pessoas, o que corresponde as relações pessoais e a atividades públicas. Já a exploração da vida interior é vedada, pois esta recai sobre a pessoa, seus amigos e sua família, sendo esta inviolável segundo a nossa constituição.
Quanto a indagação do objeto da pesquisa, conclui-se que a atividade dos meios de comunicação é imprescindível para a sociedade. Mas, o seu direito a liberdade de expressão está vinculado a função social da atividade informativa, no qual esta possui responsabilidade civil pela matéria publicada e poderá responder por danos materiais e morais oriundos da violação do direito a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas.
Informações Sobre o Autor
Bruno Viudes Fiorilo
Advogado e Pós- Graduado em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera – Uniderp