Resumo: A penhora on-line se constitui em um instrumento utilizado pelo juiz que permite, por meio de uma solicitação “on-line”, o bloqueio instantâneo de quaisquer contas bancárias do executado para garantia da execução. Não obstante, o referido instituto venha ao encontro das perspectivas sociais no que tange a sua capacidade de atenuação da morosidade processual, tem sido alvo de diversas criticas, as quais possuem como maior fundamento a sua inconstitucionalidade devido à afronta do instituto ao art. 5°, incs. X e XII da Constituição Federal.
Palavras-chaves: Penhora. On-line. Constitucionalidade.
Abstract: The seizure online constitutes an instrument used by the judge allows, through a request "online", the lock snapshot of any bank accounts run for their implementation. Nevertheless, this institute will meet the social perspectives with respect to their ability to mitigate the lengthy procedure, has been the target of several criticisms, which allege unconstitutionality substantive.
Keywords: Distrainment. On-line. Constitutionality.
Sumário: Introdução; 1. Considerações Gerais sobre a Penhora. 1.1. Do processo executivo. 1.2. Da penhora. 2. Da (In)constitucionalidade da Penhora On-line. 2.1 Da (In)constitucionalidade Material. Conclusão. Referências.
Introdução
Na atualidade, presencia-se uma ampla descrença da sociedade em relação à prestação jurisdicional, sobretudo devido à lentidão processual. Tal situação conduz ao clamor pela busca de mecanismos capazes de proporcionar uma Justiça rápida e efetiva.
Dessa forma, como uma pretensa resposta para aplacar tais anseios, veio a ser criado o sistema da penhora on-line. Este mecanismo é fruto de um convênio firmado entre o Banco Central do Brasil e o Poder Judiciário, e visa possibilitar ao juiz a solicitação de informações sobre a existência de contas-correntes e aplicações financeiras dos devedores, em todo o território nacional, e determinar o bloqueio e o desbloqueio dessas contas, envolvendo pessoas físicas e jurídicas clientes do Sistema Financeiro Nacional.
Sintetizando a definição desse mecanismo, leciona Ivanoy Moreno Freitas Couto: “(…) trata-se penhora do dinheiro depositado em contas bancárias do devedor, feita pelo próprio juiz, utilizando-se do meio eletrônico, sem a interferência, portanto, do oficial de justiça.” [1]
O mencionado instituto vem sendo empregado desde 1996, inicialmente pela Justiça do Trabalho, e posteriormente estendido às outras justiças. Não obstante, sua regulamentação somente passou a existir com a reforma do processo de execução, por meio da Lei 11.382/06.
Esse sistema de penhora de bens on-line, conquanto seja um meio eficaz para a satisfação da pretensão do credor, opera em desacordo com diversos preceitos constitucionais. É exatamente esta inconstitucionalidade que será trabalhada no presente artigo, tendo como parâmetro o artigo 5º, incisos X e XII da Constituição Federal.
1. Considerações Gerais sobre o processo executivo e a penhora
No escopo de uma melhor elucidação acerca do tema basilar do presente artigo, far-se-á breves considerações sobre o processo de execução e a penhora.
1.1. Do processo executivo
Quando na vigência de uma obrigação se verifica o inadimplemento voluntário do devedor, dá-se o cabimento da interferência do órgão judicial executivo.
O processo executivo tem por finalidade proporcionar ao exequente um resultado análogo ao que ele conseguiria se o executado adimplisse sua dívida de modo espontâneo. Entretanto, em determinadas situações nem sempre é possível se atingir esse fim. Nestes casos, procura-se obter para o credor uma compensação pecuniária que substitua a prestação originariamente devida.
Nesse passo, para se realizar os objetivos referidos, a atuação do Estado Juiz deverá ser provocada pelo credor, mediante petição inicial, visto que, não há no processo civil execução ex officio.
Acolhida a inicial, o órgão jurisdicional providenciará a expedição do mandato executivo, o qual se consubstancia na ordem de citação do devedor, intimando-o a, em três dias, cumprir a obrigação, sob pena de penhora. Nesta situação, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento do exequente, determinar, a qualquer tempo, a intimação do executado para indicar bens passíveis de penhora. Destarte, aduz José Miguel Garcia Medina e Iliane Rosa Pagliarini que “(…) conforme o §1º do art. 656 do CPC, torna-se um dever para o executado, indicar, no prazo fixado pelo juiz, onde se encontram os bens sujeitos à execução, exibir a prova de sua propriedade e, se for o caso, certidão negativa de ônus, bem como abster-se de qualquer atitude que dificulte ou embarace a realização da penhora.” [2]
A não observância de tal preceito pelo devedor, o qual, intimado não indique ao juiz, em cinco dias, quais são e onde se encontram os bens sujeitos à penhora e suas atinentes importâncias, será considerada ato atentatório à dignidade da Justiça (art.600, IV, do CPC), podendo até ser estipulada multa.
Cumpre observar que, para que exista a incidência do inc. IV do art. 600 é necessário que não tenham sido localizados bens passíveis de penhora tanto pelo exequente quanto pelo oficial de justiça e que o executado ao ser intimado, não obstante, possuindo bens, negue os ter ou não os indique; sugira bens inexistentes ou já gravados por penhora ou outro ônus, sem realizar tal advertência.
Principiado o processo executivo, o executado poderá desempenhar: o pagamento de seu débito em três dias, com abatimento da metade da verba honorária estabelecida pelo magistrado; no prazo de quinze dias, requerer a liquidação parcelada da dívida, consoante o art. 745-A do CPC; oferecer exceção de pré-executividade, de incompetência, impedimento ou suspeição; ou, também, interpor embargos a execução, cabíveis, entretanto, somente na execução por quantia certa, entre a expropriação dos bens penhorados e o encerramento, mediante sentença, do processo executivo.
Além dessas possíveis atitudes a serem tomadas pelo devedor, poderá ele deixar escoar o prazo de três dias permanecendo inerte. Neste caso, como anteriormente mencionado, proceder-se-á a realização da penhora.
1.2. Da penhora
O referido instituto, de acordo com a ordem jurídica pátria, caracteriza-se um ato específico da ação de execução por quantia certa contra devedor solvente. Por esse sistema se apreendem bens do devedor para vinculá-los à execução, no intuito de posterior satisfação do crédito.
Nesse sentido, doutrina Moacyr Amaral Santos que a penhora: “[…] é o ato pelo qual são apreendidos e depositados tantos bens do executado quantos bastem para a segurança da execução. É o primeiro ato executório da execução por quantia certa contra devedor solvente. É o ato de apreensão e depósito de bens do devedor destinados à segurança da execução, isto é, destinados à satisfação do credor.” [3]
A penhora, antes de tudo, importa na individualização, na apreensão e no depósito dos bens do devedor, que ficam à disposição judicial (CPC, arts. 664 e 665), com o desígnio de retirá-los da esfera de utilização do executado e submetê-los à expropriação. Para este intento, o agente do órgão judicial deve proceder, primeiramente, a busca dos bens do devedor.
Individualizados os bens que deverão dar efetividade à responsabilidade patrimonial, realizar-se-á a apreensão deles e a sua entrega a um depositário, que assumirá um encargo público, sob o comando do juiz da execução, estando, destarte, compromissado na guarda e conservação dos bens penhorados e seus acessórios.
Completada a penhora, pela apreensão e depósito dos bens, passar a existir para o executado, e para terceiros, a indisponibilidade dos bens afetados pela execução.
O devedor não poderá mais realizar a transferência de posse ou domínio de ditos bens, sob pena de ineficácia perante o credor exequente, dos atos jurídicos que vier a praticar em tal sentido.
Ademais, conforme o art. 612 do Código Civil, a penhora cria para o devedor que a promove uma preferência, que, em face dos demais credores quirografários do devedor comum, iguala-se a um direito real incidente nos bens penhorados.
Como afirma Humberto Theodoro Júnior: “Nasce para o exeqüente, assim, uma verdadeira garantia pignoratícia, similar ao penhor convencional ou legal, como “terceira espécie do direito de penhor” (de direito material), de cuja natureza participa, e cujos princípios informativos podem ser-lhe aplicados por analogia […]”. [4]
Em suma, ante o quadro aqui esboçado, pode-se compreender a penhora como um mecanismo que age no comprometimento de determinados bens à execução, com a função de apreensão e conservação destes, bem como de criação de preferência para o exequente.
2. Da (In)constitucionalidade da Penhora On-line:
Após a assinatura do convênio pelo TST, surgiram muitas resistências ao uso da penhora através do meio eletrônico, sob o fundamento de sua afronta a Constituição, sendo tal instrumento de execução, inclusive, objeto de duas ações diretas de inconstitucionalidade, as ADINS 3091 e 3203.
O argumento mais utilizado para defender a inconstitucionalidade da penhora on-line centra-se na sua incompatibilidade com os art. 5º, incisos X e XII, da Lei Maior, o qual passará agora a apreciação.
Primeiramente, para iniciar o desenvolvimento desta abordagem, impõe-se tecer algumas noções sobre a análise de constitucionalidade.
No dizer de Alexandre de Moraes o referido exame das espécies normativas: “[…]consubstancia-se em compará-las com determinados requisitos formais e materiais, a fim de verificar-se sua compatibilidade com as normas constitucionais.”[5]
Portanto, para serem constitucionais, a lei ou o ato normativo devem atender aos citados requisitos. Os materiais ou substanciais dizem respeito ao objeto da lei ou do ato normativo. Já os formais referem-se à observância do processo legislativo para as leis ou atos normativos.
Deste modo, o preceito terá a consequência da inconstitucionalidade formal ou substancial, conforme não corresponda aos pressupostos formais ou materiais, respectivamente.
2.1. Da (In)constitucionalidade Material
Na época presente, em face de fatores socioeconômicos, habitam na vida da maior parte dos cidadãos determinadas informações que devem ser mantidas em sigilo, sendo obrigação de o Estado garantir essa necessidade das que lhe forem confiadas.
Esta garantia encontra respaldo na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, incisos X e XII, conforme transcrição abaixo: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito a vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade, nos termos seguintes: (…) X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (…) XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; (…).”
Avaliando a finalidade do legislador ao compor os dispositivos anteriormente transcritos, pode-se constatar que o sigilo bancário deve ser compreendido como um dever imposto às instituições bancárias, de não divulgar informações acerca das movimentações financeiras de seus clientes.
Tal compreensão ocorre, sobretudo, ao se considerar as informações bancárias como parte da vida privada das pessoas e, assim, passíveis de serem protegidas contra a sua exposição.
Na corroboração deste entendimento, leciona Alexandre Moraes: “Com relação a esta necessidade de proteção à privacidade humana, não podemos deixar de considerar que as informações fiscais e bancárias, sejam as constantes nas próprias instituições financeiras, sejam as constantes na Receita Federal ou organismos congêneres do Poder Público, constituem parte da vida privada da pessoa física ou jurídica.” [6]
A inviolabilidade do sigilo de dados (art.5º, XII) complementa o direito à intimidade e vida privada (art.5º, x), sendo as duas previsões de defesa da privacidade regidas pelo princípio da exclusividade, o qual visa assegurar ao indivíduo, como menciona Alexandre de Moraes citando Tercio Ferraz Júnior: "[…] sua identidade diante dos riscos proporcionados pela niveladora pressão social e pela incontrastável impositividade do poder público. Aquilo que é exclusivo é o que passa pelas opções pessoais, afetadas pela subjetividade do indivíduo e que não é guiada nem por normas nem por padrões objetivos. No recôndito da privacidade se esconde, pois a intimidade. A intimidade não exige publicidade porque não envolve direitos de terceiros. No âmbito da privacidade, a intimidade é o mais exclusivo dos seus direitos.” [7]
Nesse contexto, o dispositivo que institui a penhora on-line, ao possibilitar a perquirição de créditos, direitos de créditos, ou, de ativos financeiros, desnudando a intimidade financeira dos indivíduos, encontra-se eivado da mácula da inconstitucionalidade substancial, uma vez que o seu conteúdo é contrário ao art. 5º, incisos X e XII da atual Constituição Federal.
Conclusão
Frente às considerações sobre a penhora on-line, nesta ocasião, expostas, observa-se que este sistema apresenta desconformidades com a Constituição Federal, uma vez que viola o seus art. 5°, incisos X e XII. Todavia, em consequência da morosidade existente no judiciário, é incontestável se considerar tal instituto como um grande benefício à execução, pois este, ao abreviar o procedimento de constrição judicial, garante desburocratização e celeridade ao trâmite do processo.
Tendo-se em vista essa conjuntura, devem-se realizar esforços, por parte dos operadores do direito, para que este instituto permaneça em nosso ordenamento jurídico, porém aperfeiçoado, pois não se pode incrementar agilidade na prestação jurisdicional, em detrimento dos preceitos constitucionais.
O aprimoramento da Justiça é imperioso para que se possa alcançar a almejada pacificação social. Nesse intuito, novas tecnologias serão sempre bem vindas, na medida em que sofram os necessários ajustes, a fim de que não se coloque em xeque a ordem constitucional.
Informações Sobre o Autor
Aline Schneider
Advogada militante professora especialista em Direitos Fundamentais e Direito do Consumidor pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS