Resumo: O presente estudo utiliza definições legais, entendimentos doutrinários e posicionamentos jurisprudenciais para definir o direito do consumidor e conceitos das demais matérias, nos seus aspectos relevantes à matéria ora abordada. A finalidade é estudar a ilegalidade das cobranças adicionais em razão do pagamento através de cartão de crédito e esclarecer sobre os direitos dos consumidores, utilizando para tanto os princípios doutrinários, o código de defesa do consumidor e a portaria n° 118/94 do Ministério da Fazenda.
Palavras-chave: Relação de consumo, direitos do consumidor, cartões de crédito, cobranças adicionais.
Abstract: This study uses statutory definitions, understandings doctrinal and jurisprudential positions to define consumer law concepts and the other matters in their aspects relevant to the matter addressed herein. The purpose is to study the legality of the charges due for payment by credit card and clarify consumer rights, using both the doctrinal principles on consumer protection code and regulation n ° 118/94 of the Ministry of Finance..
Keywords: Value of consumption, consumer rights, credit cards charges.
Sumário: Introdução. 1. Definição de relação de consumo: consumidor, fornecedor, produtos e serviços. 2. Princípios de proteção ao consumidor. 3. Teoria do risco do negócio: risco, custo, benefício. 4. Formas de pagamento: pagamento através de cartão de crédito. 5. Análise da legalidade das cobranças adicionais em pagamentos através de cartão de crédito. Conclusão. Referências.
Introdução
A busca pela rapidez, praticidade e maquinação das coisas não deixou de lado o mercado de consumo, de forma que envolveu eficientemente as formas de pagamento, buscando oferecer ao consumidor agilidade, segurança e ao fornecedor modernidade e controle de suas vendas. Assim, tem sido interessante para fornecedores, bem como consumidores, aderirem ao cartão de crédito como forma de selar negócios.
O tema ora abordado versa sobre um assunto de interesse de todo consumidor, pois, com o avanço da tecnologia, bem como a melhoria do padrão de vida dos brasileiros, o uso do cartão de crédito está cada vez mais comum, desta forma, é de suma importância para todos que utilizam desse meio de pagamento compreender bem sobre o seu funcionamento, bem como entender quais são os seus direitos, de forma que possam praticar o consumo de forma consciente.
O uso do cartão de crédito envolve todo um sistema, logo, trata-se de uma cadeia entre administrador, fornecedor e, por fim, consumidor, o que demonstra alguma complexidade por detrás de sua imagem tão acessível. Isso significa que o cartão de crédito chegou às mãos de todos, mas nem sempre o consumidor compreende totalmente como ele funciona e quais cláusulas compõe seu contrato.
Este estudo, fundado em pesquisa bibliográfica, visa esclarecer ao consumidor sobre o uso do cartão de crédito, deixando-o ciente sobre a ilegalidade da cobrança adicional em razão de pagamento através de cartão de crédito. Para tanto define relação de consumo e os princípios que a cercam, aponta ainda aspectos relativos ao fornecedor, quais sejam: aborda a teoria do risco, define quais as formas de pagamento e analisa a adesão pelos fornecedores aos pagamentos através de cartões de crédito. Para finalizar, expõe e discute os dispositivos legais que abraçam essa relação, especialmente os que constam no Código de Defesa do Consumidor.
1. Definição de relação de consumo: Consumidor, fornecedor, produtos e serviços.
Para tratar do direito do consumidor, a lei 8.078/90 que disciplina a matéria, explica de forma detalhada, o que é relação de consumo, apontando quem é o consumidor e o fornecedor, tendo em vista a necessidade de compreender a definição de cada um deles para que nos casos concretos seja fácil a identificação do papel de cada um.
Rizzato Nunes afirma que o Código de Defesa do Consumidor incide em toda relação que puder ser caracterizada como de consumo e essa se dará sempre que for composto em um dos polos por um consumidor, e, no outro polo, o fornecedor, ambos tratando de produtos ou serviços[1].
Consumidor é toda pessoa que figura em uma relação consumerista como aquela para quem o serviço é prestado ou o produto é direcionado. Consoante o caput do art. 2° do Código de Defesa do Consumidor: “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final[2]”.
Para entender a definição do artigo mencionado é preciso estudar o conceito de destinatário final, segundo os autores Antônio Herman Benjamim e Claudia Lima Marques, esse nada mais é do que quem retira um produto do mercado ao adquirir ou simplesmente utilizá-lo, aquele que finaliza a cadeia de produção e não aquele que utiliza o bem para continuar a produzir ou na cadeia de serviço[3].
A definição é melhor delineada da seguinte forma: “Destinatário final é aquela pessoa, física ou jurídica que adquire ou se utiliza de produtos ou serviços em benefício próprio, ou seja, é aquele que busca a satisfação de suas necessidades através de um produto ou serviço, sem ter o interesse de repassar este serviço ou esse produto a terceiros[4]”.
Foi possível compreender que a relação de consumo exige a presença do consumidor e do fornecedor, o que nos leva também a almejar sua caracterização. Nesse sentido, um conceito plausível é a de Filomeno: “Entende-se todo comerciante ou estabelecimento que abastece ou fornece habitualmente uma casa ou um outro estabelecimento dos gêneros e mercadorias necessárias a seu consumo. E, nesse sentido, por certo, que são compreendidos todos quanto propiciem a oferta de bens e serviços do mercado de consumo, de molde a entender às suas necessidades, pouco importando a que titulo, tendo relevância a distinção[5]”.
Acerca da acepção de consumidor, recentemente o Superior Tribunal de Justiça se posicionou de forma que a estende, tornando-a mais ampla a demarcação do que é consumidor. O Egrégio Tribunal entendeu que a utilização de produto ou serviço para fins de trabalho e não apenas para consumo direto também caracteriza a aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor, porém lembra o tribunal que essa questão não se dá de forma geral, pois se deve observar o caso concreto a fim de identificar se há vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica, elementos esses essenciais para asseverar a qualidade de consumidor[6].
O art.3º do Código de Defesa do Consumidor versa sobre produto e serviço, o primeiro: “é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial”, o segundo: “é qualquer atividade fornecida do mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”. O produto seria, portanto, o objeto da relação de consumo, independendo de sua forma e, o serviço, consistiria na prestação, que, por artefato principal tem a ação fornecida, i.e, o serviço prestado[7].
2. Princípios de proteção ao consumidor.
Vários princípios servem como base para orientar o aplicador do direito no momento da interpretação da lei consumerista, isso porque a lei não funciona sozinha, ela busca alicerces para que no momento do estudo do caso concreto tenha-se um sistema para adequar a legislação às situações reais.
Os princípios da lei n° 8.078/1990 são: dignidade da pessoa humana, proteção à vida, saúde e segurança, transparência, harmonia, vulnerabilidade, liberdade de escolha, intervenção do Estado, boa-fé e igualdade nas contratações[8]. No entanto, ora estudaremos apenas alguns deles que estão diretamente ligados com o tema em tela, incluindo a hipossuficiência do consumidor.
A dignidade da pessoa humana encontra arrimo na Constituição Federal/1988, segundo Rizzato Nunes “é a garantia fundamental que ilumina todos os princípios e normas e que, então, a ela devem respeito, dentro do sistema constitucional brasileiro[9]”.
O principio da transparência se comunica com o princípio da informação, de maneira que possibilite a oportunidade que o consumidor tem de conhecer os produtos e os serviços que lhe são oferecidos, dessa forma, quando se tratar de contrato, significa o direito do consumidor de ter conhecimento prévio de seu conteúdo[10].
A boa-fé está disciplinada no artigo 4° do Código de Defesa do Consumidor, a qual trata-se da boa-fé objetiva. Consoante Rizzato Nunes: “pode ser definida como sendo uma regra de conduta, isto é, o dever das partes de agir conforme certos parâmetros de honestidade e lealdade, a fim de estabelecer o equilíbrio nas relações de consumo.[11]”.
Desta feita, a boa-fé alude acerca do respeito mútuo entre as partes nas relações de consumo, considerando a desigualdade própria da relação, a exigência de que a boa-fé seja objetiva é uma regra de postura para que aqueles que estão em posição privilegiada respeitem as cláusulas dos diversos contratos e tenham posicionamento digno.
A vulnerabilidade, como o próprio nome denuncia, representa a condição de fraqueza do consumidor, quer dizer que, o consumidor pode ser influenciável já que existe uma diferença clara entre o destinatário final e o fornecedor. Esse tem o domínio dos meios para a produção e detém o poder de garantir ou não da segurança dos produtos e serviços, enquanto aquele é ignorante aos fatores além da aparência do produto[12].
O ilustre doutrinador Rizzato Nunes ensina que a vulnerabilidade decorre de dois aspectos, quais sejam: de ordem técnica e a de cunho econômico. Nesse diapasão, a vulnerabilidade técnica se dá a partir da falta de conhecimento do consumidor a respeito dos meios técnicos e administrativos para a fabricação, distribuição de produtos e prestação de serviços que o fornecedor detém[13].
Já a vulnerabilidade econômica trata da pouca capacidade econômica do consumidor quando comparada com a condição do fornecedor. A regra geral é que o consumidor será sempre economicamente mais delicado[14].
Além disso, podemos falar também da hipossuficiência do consumidor. Sua terminologia quer dizer: “pessoa de escassos recursos econômicos, de pobreza constatada, que deve ser auxiliada pelo Estado, incluindo-se assistência jurídica” [15].
Ainda sobre a hipossuficiência, alega Fábio Tartuce que: “O conceito de hipossuficiência vai além do sentido literal das expressões pobres ou sem recursos, aplicáveis nos casos de concessão dos benefícios da justiça gratuita, no campo processual. O conceito de hipossuficiência consumerista é mais amplo, devendo ser apreciado pelo aplicador do direito caso a caso, no sentido de reconhecer a disparidade técnica ou informacional, diante de uma situação de desconhecimento, conforme reconhece a melhor doutrina e jurisprudência[16]”.
No entanto, vale destacar que a vulnerabilidade decorre da caracterização do consumidor, não importando a situação econômica ou social, visto que já é considerável vulnerável somente por ser consumidor. Nesse sentido, todo consumidor é vulnerável, mas nem todo consumidor é hipossuficiente[17].
Ainda com ligação direta à vulnerabilidade, temos o princípio da liberdade de escolha. Esse princípio encontra fundamento na Constituição Federal, nos artigos 1°, III; 3°, I e 5°, caput, entre outros, e, denota que o consumidor é detentor do direito de tomar suas decisões optando por uma ou várias escolhas sem perigo de que seja obrigado a limitar seus desígnios[18].
Por fim, insta ressaltar também a importância do princípio da igualdade nas contratações, que se respalda na Constituição Federal no princípio da isonomia. Ensina Rizatto Nunes: “o fornecedor não pode diferenciar os consumidores entre si. Ele está obrigado a oferecer as mesmas condições a todos os consumidores. Admitir-se-á apenas que se estabeleçam certos privilégios aos consumidores que necessitam de proteção especial, como, por exemplo, idosos, gestantes e crianças[19]”.
3. Teoria do risco do negócio: Risco, custo, benefício.
A constituição Federal reza em seu artigo 170 que, entre outras, a ordem econômica é fundada pela livre iniciativa[20]. Neste âmbito, é permitido para aqueles que desejam praticar atividades, sejam elas quais forem, respeitadas as exigências legais, possam ser assegurados à existência digna, conforme os ditames da justiça social.
A esse respeito afirma o ilustre doutrinador Rizzato Nunes: “Uma das principais características da livre iniciativa é o risco. Uma das características principais da atividade econômica é o risco. Os negócios implicam em risco. Na livre iniciativa a ação do empreendedor está aberta simultaneamente ao sucesso e ao fracasso[21]”.
É sabido que investimentos sofrem riscos e que o fornecedor investe, tendo assim um considerável custo, porém também é claro que esses são compensados pelos lucros que podem ser absolvidos da atividade. Assim, entende o autor supracitado: “a redução da margem de risco a baixos níveis (isto é, a aplicação máxima no estudo de todas as variáveis) eleva o custo a valores astronômicos, inviabilizando o projeto econômico. Em outras palavras, o custo para ser suportável, tem que ser definido na relação com o benefício. Esse outro binômio custo-benefício tem que ser considerado[22]”.
Na mesma oportunidade o doutrinador informa que o que importa para o Código de Defesa do Consumidor é que o produto ou serviço seja prestado com qualidade “… dentro dessa estratégia geral dos negócios, como fruto da teoria do risco, um item específico é o que está intimamente ligado à sistemática normativa adotada pelo CDC. É aquele dirigido à avaliação da qualidade do produto e do serviço, especialmente voltados para a adequação, finalidade, proteção à saúde, segurança e durabilidade” [23].
Com isso, percebe-se que o fornecedor arca com o risco de sua atividade, portanto, é justificável a compensação pelo perigo que corre diariamente pelo lucro que recebe. Dessa maneira, no caso concreto, há que se observar que o fornecedor deve oferecer o produto ou o serviço no mercado dentro dos princípios e normas estipuladas no Código de Defesa do Consumidor, e, no momento em que houver falhas por parte do mesmo, este não pode alegar o prejuízo como forma de eximir-se do resultado do seu negócio.
4. Formas de pagamento: Pagamento através de cartão de crédito.
Seguindo uma sequência lógica, pode-se presumir que após a produção, o produto ou serviço será colocado no mercado para ser disponibilizado. Caracteriza-se como elemento final dessa cadeia o adimplemento da dívida pelo destinatário final. Leciona Ré Baqueta que: “… o adimplemento consiste no término da relação obrigacional, e pode se dar através do pagamento direto ou indireto. O pagamento direto é o fim almejado pelas partes que, de boa-fé, celebram a avença. Objetiva-se que o devedor (solvens) da prestação realize-a exatamente como pactuada com o credor (accipiens), de acordo, inclusive, com o tempo e o local combinado. Todavia, existem outros meios de pagamento, denominados indiretos ou especiais, que buscam, de outra maneira que não a originariamente convencionada, extinguir a obrigação”. [24]
Segundo Guimarães, o pagamento é a “prestação daquilo que é objeto de dívida: uma das formas de extinção da obrigação.[25]” Com a definição ora mencionada, podemos classificar o pagamento realizado cotidianamente pelo consumidor como pagamento direto, pois, normalmente, é pactuado no ato do negócio entre as partes e, no instante seguinte, o pagamento celebra o encerramento da obrigação etc.
Para o mercado de consumo, as formas de pagamento significam a parte mais importante do acordo, visto que simbolizam o instante em que o fornecedor recebe o benefício pelo investimento feito ao disponibilizar sua mercadoria. Assim, priorizam a busca pela facilidade, investindo na tecnologia para que os auxiliem, de forma a favorecer os dois lados da relação de consumo, de maneira que além do dinheiro em espécie, possam existir as opções de pagamento através de cartões de crédito e débito, cheque, crediário, boleto bancário.
Sobre o pagamento, Rizzato Nunes lembra que: “… o preço de qualquer produto (ou serviço) é sempre “preço à vista”. Não existe “preço a prazo”. O que ocorre é “pagamento do preço feito a prazo”. Não se deve, nem se pode confundir o preço do produto ou do serviço com sua forma de pagamento. Pagar à vista é diferente de pagar a prazo, mas o preço é o mesmo nas duas hipóteses[26].
O caso em tela estudará a forma de pagamento através de cartão de crédito. Para iniciar o assunto, procura-se entender um pouco sobre sua definição e origem: “Cartão de crédito – Cartão fornecido por empresas especializadas que permitem a seu portador, legalmente identificado, adquirir bens ou utilizar-se de serviços, apenas com sua apresentação, sem pagamento no ato. Esse pagamento seria feito em um determinado prazo, após a compra ou a prestação de serviço. O primeiro cartão de crédito foi criado por Frank MCNamara, em 1950, nos Estados Unidos: Era o Diners Club (usado para refeições em restaurantes, inicialmente), o qual chegou ao Brasil em 1956, trazido pelo empresário Horácio Klabin”[27].
Hoje em dia, a grande maioria dos cartões de crédito é emitida por administradoras associadas aos bancos, ou pelos próprios bancos, que estabeleceram suas empresas próprias de cartões de crédito. Via de regra, obrigam-se os bancos para auxiliar as operações empresariais, logo é um meio seguro de transportar dinheiro e um fator de crédito, viabilizando a obtenção de mercadorias e serviços, sem dispor de dinheiro mediante financiamento[28].
Ainda sobre o parágrafo anterior, tem-se: “o titular do cartão tem a possibilidade de adquirir mercadorias e serviços sem ter que desembolsar dinheiro. O cartão de crédito é uma modalidade de pagamento, que pode ser eletrônica ou não. Quem o detém, tem a possibilidade de fazer compras a crédito, ou seja, comprar agora e pagar no futuro mediante um boleto bancário. De forma geral, a empresa que emite o cartão associa-se a um banco ou a outra instituição financeira, com o compromisso com o financiamento do crédito aberto para os titulares dos cartões. O cartão de crédito tem por característica ter um “plafond”, que significa limite de crédito. É uma categoria de crédito “revolving”, logo o crédito renova-se à ordem que o cliente vai saldando as dívidas. Quando a dívida é liquidada volta a ter o plafond inicial total, podendo utilizar na medida em que desejar[29]“.
Nelson Abrão leciona que o cartão de crédito é “um documento comprobatório de que seu titular goza de um crédito determinado perante certa instituição financeira, o qual o credencia a efetuar compras de bens e serviços a prazo e saques de dinheiro a título de mútuo” [30].
Os ensinamentos de Waldo Fazzio Júnior define cartão de crédito de forma a ser “um conjunto de relações jurídicas instrumentais destinadas a aperfeiçoar os negócios pela simplificação e segurança que confere às transações: facilita a compra e garante o fornecedor” [31].
Em relação à velocidade da relação de consumo, aguardada hodiernamente, é factível apreciar que com o cartão de crédito o consumidor impede entrevistas inoportunas e apresentação de garantias, o que o torna uma incontestável ferramenta de crédito. O ilustre doutrinador Waldo Fazzio Júnior reza que “graças ao cartão de crédito, o empresário não desperdiça seu tempo e dinheiro em cogitações sobre as condições de solvência do adquirente” [32].
O doutrinador Fran Martins frisa que: “na realidade, a utilização dos cartões de crédito é apenas um meio fácil para a realização de natureza comercial, principalmente a compra e venda e a prestação de serviços. O cartão, em si, é apenas uma pequena peça de plástico, de tamanho uniforme, tendo impresso e em relevo certos dizeres – nome do organismo emissor, número em código do portador, data da emissão, período de validade, nome e assinatura do portador – que tem a natureza de um documento de identificação. Não é, na realidade, um título de crédito desprovido que está das características de abstração e livre circulação, não tendo, igualmente, valor por si mesmo. Como cartão de identificação, credencia o portador na aquisição de bens ou prestação de serviços mediante sua simples apresentação, com a singularidade de que o pagamento das despesas será realizado em uma época posterior e a uma pessoa diversa do vendedor”[33].
Já Waldo Fázzio Júnior diz que “ao pagar o preço de um bem ou serviço, uma pessoa não precisa, necessariamente, pagar em dinheiro ou por meio de cheque. Pode fazê-lo mediante a assinatura de uma nota de consumo e a apresentação de um cartão de crédito. Em determinado prazo contratual, pagará o valor à empresa que lhe emitiu o cartão, que, por sua vez, pagará o fornecedor[34]”.
Waldo Fázzio Júnior alude que: “o cartão de crédito compreende três elementos, quais sejam: a) a empresa emissora que, concedendo-o ao comprador e pagando o fornecedor, intermedia e facilita a compra e venda; b) o titular do crédito (portador aderente ou usuário) pessoa credenciada pela empresa emissora, mediante o pagamento de taxa anual, que adquire bens ou serviços do fornecedor; e c) o fornecedor ou vendedor empresário que, filiado à empresa emissora, vende produtos ou mercadorias, ou presta serviços ao usuário, recebendo daquela o respectivo valor[35]”.
O esquema de cartão de crédito depreende o emissor, o titular do cartão e o fornecedor. O emissor, usualmente é uma instituição financeira, ou banco, que se situa como um intercessor entre o titular do cartão e o fornecedor de bens ou serviços. O emissor, é aquele que em substituição de uma referida quantia, se sujeita a celebrar os pagamentos pelo titular do cartão. O titular do cartão de crédito, igualmente invocado de beneficiário ou aderente é aquele preparado pelo emissor a se aproveitar, do cartão para aquisições de bens ou serviços[36].
Já o fornecedor ou vendedor é aquele que se implica a vender produtos ou prestar serviços, e que sustentam um contrato de filiação com o emissor, organizando as relações entre ambos. Em razão deste contrato é que o emissor se implica a bancar o fornecedor, mesmo antes de auferir do comprador os dispêndios feitos com os cartões de crédito.
O sistema de cartão de crédito é um contrato complexo, composto de diversas submodalidades contratuais, sejam elas: a) de financiamento pelo emissor do cartão ao credenciar o usuário; b) de compra e venda pelo usuário; c) de cessão de crédito pelo fornecedor à emissora do cartão; d) de prestação de serviços do emissor ao usuário e ao fornecedor[37].
A partir dessas submodalidades contratuais surgem diversas obrigações, tais como: a) a obrigação do emissor de pagar as dívidas contraídas pelos titulares dos cartões de créditos, sob o risco do não reembolso. Isso certamente decorre do instituto do Direito Civil chamado de cessão de crédito; b) o pagamento antecipado pelo emissor do cartão de crédito ao empresário fornecedor do bem ou serviço; c) o direito do emissor de cobrar do titular do cartão de crédito; d) a obrigação do titular o cartão de crédito pagar ao emissor o valor das compras auferidas pela utilização o cartão[38].
Na verdade, tais obrigações constituem uma promessa de aquisição de créditos futuros, onde é permitido ao empresário fornecedor, ingressar em juízo contra o emissor do cartão de crédito caso esse recuse o devido pagamento, e também é permitido ao emissor ingressar em juízo contra o titular do cartão de crédito quando este se tornar inadimplente[39].
Trata-se de um contrato misto e um documento comprobatório que geram direitos e obrigações, pelo fato de aglutinar vários contratos. É possível esclarecer que no sistema de cartão de crédito há uma relação jurídica trilateral, pois abrange três contratos, conforme explica Waldo Fázzio Júnior[40].
Não é da técnica jurídica, para este caso, dizer que é uma relação jurídica trilateral, pois consoante o instituto das obrigações, previstas em nosso Direito Civil, o vocábulo em expressão indica a presença de três obrigações e não de três contratos. Acreditamos ser mais técnico dizer que o sistema de cartão de credito é uma relação jurídica poli lateral, pois se estabelecem várias obrigações com a conclusão de três contratos. Um contrato entre o titular do cartão de crédito e a empresa emissora, um contrato entre a empresa emissora e o fornecedor e um contrato entre o fornecedor e o usuário[41].
O documento assinado pelo titular no momento da solicitação do cartão de crédito é apenas uma minuta do contrato. O contrato completo, com todas as condições, fica registrado no Cartório de Registro de Títulos e Documentos, geralmente na cidade da sede da matriz da administradora, sendo apenas referido nas últimas cláusulas do contrato de solicitação[42].
O artigo 46, do Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.070/90, garante que: "os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada à oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance" [43].
A orientação mais honesta seria que a administradora, espontaneamente, fornecesse uma cópia do contrato registrado em cartório no momento da assinatura da solicitação do cartão. Há até julgados dizendo que a declaração de conhecimento do contrato completo dispensa a assinatura da solicitação: “Embargos do devedor. Cartão de crédito. A declaração de ter recebido cópia do contrato registrado em cartório público, cujos termos o embargante aceitou e ratifica, dispensa a assinatura no contrato padrão, onde estão estabelecidas as condições de funcionamento do sistema, às quais fica sujeito o aderente[44]”.
Na prática, na maioria das vezes, o titular não tem acesso ao contrato completo, e, quando o solicita, pode encontrar severos óbices na sua obtenção.
Nos dias atuais, o cartão de crédito é muito importante, posto que incentiva a circulação da moeda, impulsiona o comércio e o desenvolvimento econômico, não exige provisão de fundos, o financiamento é facilitado, dispensa a necessidade de prévia habilitação do cliente perante uma instituição financeira antes de cada compra, possibilita saques de emergência e tem ampla aceitação no comércio, facilitando inclusive em compras no exterior[45].
Maria Bernadete Miranda (2010) leciona que: “o cartão de crédito é um documento que atesta a existência de um crédito em favor de seu portador”. É também um contrato de adesão típico, tal como descreve o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 54, pois as cláusulas são impostas unilateralmente pela administradora, sem que o titular possa influir substancialmente em seu conteúdo. Portanto, suas cláusulas devem ser interpretadas restringindo-se o princípio da autonomia da vontade, no sentido de reequilibrar a hipossuficiência do titular[46].
No contrato entre o emissor e o fornecedor, temos as seguintes relações: a) o fornecedor terá que pagar uma taxa de filiação ao emissor; b) o emissor deverá pagar ao fornecedor o valor da fatura; c) o fornecedor é obrigado a dar quitação ao titular do cartão assim que ele assinar a nota fiscal; d) o fornecedor deverá pagar ao emissor uma comissão que variada sobre o valor da fatura; e) o fornecedor se compromete perante o emissor a comunicar se o valor da despesa é maior do que o limite do crédito e também a autenticidade da assinatura[47].
No contrato entre o emissor e o fornecedor, a administradora se obriga a pagar ao fornecedor as despesas efetuadas pelo portador, até um determinado limite, independente de falta de provisão, insolvência ou oposição do titular do cartão. De outro lado, o fornecedor se obriga a aceitar os cartões, fazendo as vendas ou prestações de serviços, sem qualquer acréscimo nos preços, dando quitação ao titular do cartão, no ato em que este assina a nota de venda ou serviço[48].
Muito se tem discutido na doutrina acerca da natureza jurídica deste contrato. Para uns, é promessa de fato de terceiro; para outros, estipulação em favor de terceiro. Alguns o veem como uma sub-rogação convencional, outros ainda como uma comissão mercantil. Há ainda aqueles que o classificam como contrato de mandato em nome do titular. Enganam-se, pois a dívida paga pela administradora é própria, materialmente diferente aquela contraída pelo titular junto à administradora. Prova disto é que suas condições de pagamento e até seu valor podem ser diferentes dos originais[49].
Na verdade, a administradora paga uma dívida própria, assumida no contrato com o titular, e não uma dívida cedida pela afiliada. A administradora não assume a posição do titular, nem da afiliada, mas se submete a um regime peculiar, em virtude dos contratos assumidos com o titular e suas afiliadas[50].
Entre o fornecedor e o titular do cartão, temos as seguintes relações: a) o fornecedor não pode recusar-se a receber o pagamento com o cartão; e b) quem irá responder pelos vícios do produto ou pela qualidade do serviço será o fornecedor[51].
Podemos dizer que se trata de um contrato pelo qual a afiliada entrega um bem ou presta um serviço ao titular, que promete, em troca, adimplir suas obrigações para com a administradora, para que esta pague o preço à afiliada. Assim, se a administradora recusa o pagamento pela dívida contraída pelo titular junto à afiliada, devido ao fato de esta não ter verificado no momento da compra que o cartão estava cancelado, resta à afiliada a cobrança direta ao titular, como em um contrato de compra e venda[52].
Por outro lado, se a afiliada não entrega o bem, ou este é defeituoso, o titular deve cobrar diretamente daquela. Nos contratos, deve-se constar cláusula de irresponsabilidade da emissora pela qualidade, quantidade e preços dos bens ou serviços[53].
O contrato entre titular e administradora pode ser cancelado em várias situações, a pedido de qualquer das partes. O titular pode pedir o cancelamento quando lhe aprouver e a administradora, pelo inadimplemento do titular, ou caso seja ultrapassado o limite mensal de crédito. O cartão deve ser cancelado também em caso de extravio ou de falsificação. Em todos os casos, o cancelamento é informado através de um boletim, distribuído pela administradora às afiliadas. Modernamente, a tradicional lista negra vem sendo substituída por um aparelho eletrônico, interligado à rede de computadores da administradora, que informa imediatamente se o cartão está em plena validade naquele momento[54].
5. Análise da legalidade das cobranças adicionais em pagamentos através de cartão de crédito.
O artigo 39 do Código de defesa do consumidor versa que “é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: V – exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva, e, X – elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços[55]”.
O mencionado artigo, nos incisos citados, preocupa-se em proibir práticas abusivas que encaminham o fornecedor ao enriquecimento sem causa, baseado numa extorsão exagerada em relação ao consumidor. Sobre esse assunto afirma Flávio Tartuce que: “a prática de alteração do preço sem motivo representa afronta à boa-fé objetiva e às justas expectativas depositadas no negócio de consumo. Como é notório não se podem aceitar atos praticados pelos fornecedores e prestadores com o intuito de surpreender os consumidores em relação ao originalmente contratado, situação típica do abuso de direito não tolerado pelo sistema consumerista.[56]“.
Tratado do tema em que especificamente se aborda, a fim de identificar a legalidade de cobrança adicional em compras de cartão de crédito, tem-se a portaria n° 118 de 1994 do Ministério da Fazenda, que dispõe sobre a emissão de carnês, duplicatas e faturas, inclusive as emitidas por administradora de cartão de crédito, em URV. Assim, a portaria afirma que: “I – não poderá haver diferença de preços entre transações efetuadas com uso do cartão de crédito e as que são em cheque ou dinheiro”[57].
Essa portaria é clara em afirmar que cartões de crédito, cheques e dinheiro em espécie são sinônimos, sendo todos eles pagamentos imediatos, tidos como à vista. Insta ressaltar que cartões de débito estão incluídos neste rol, tendo sua característica de pagamento instantâneo acentuada.
Ao contrário do que entende Rizatto Nunez, (o doutrinador afirma que não deve haver diferença nem em pagamentos parcelados e que preço e forma de pagamento são coisas distintas) essa situação não se enquadra para pagamentos parcelados, pois a demora para o recebimento do valor garante ao fornecedor alguma compensação e o consumidor que escolhe tal forma de pagamento é beneficiado pelo alongamento do tempo[58].
Neste diapasão, disciplina o decreto lei 5.903 de 20 de setembro de 2006, no art. 3o: “o preço de produto ou serviço deverá ser informado discriminando-se o total à vista. Parágrafo único. No caso de outorga de crédito, como nas hipóteses de financiamento ou parcelamento, deverão ser também discriminados: I – o valor total a ser pago com financiamento; II – o número, periodicidade e valor das prestações; III – os juros; e IV – os eventuais acréscimos e encargos que incidirem sobre o valor do financiamento ou parcelamento” [59].
É também o que entende a jurisprudência, vejamos: “DIREITO DO CONSUMIDOR – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – DECISÃO TERMINATIVA EM APELAÇÃO CÍVEL – DECRETO FEDERAL Nº 5903/2006 APLICADO PELO PROCON ESTADUAL – OBSCURIDADE SANADA – EMBARGOS PARCIALMENTE PROVIDOS – DECISÃO UNÂNIME.1.DECRETO FEDERAL Nº 5903/2006: O DECRETO 5903/2006 não veda a cobrança diferenciada para o pagamento à vista e a prazo. O consumidor tem o direito ao preço diferenciado quando da compra à vista e a prazo. 2.Embargos parcialmente providos para sanar a obscuridade.3.Unanimidade de votos[60].
Como fora estudado no presente texto é crescente o uso de cartão de crédito como grande facilitador, na qualidade de forma de pagamento. No tópico quatro (4) deste estudo, observa-se também que há uma relação obrigacional entre fornecedor e administradora de cartão de crédito, o que acontece com o crescimento das transações econômicas, logicamente, o fornecedor pagará mais caro pela escolha de utilização do cartão de crédito.
Dessa forma, acabou por se tornar costumeiro que comerciantes repassem ao consumidor as tarifas de sua responsabilidade.
Consequentemente: “… é inadmissível penalizar o consumidor de acordo com a forma de pagamento oferecida. Como desculpa, alguns comerciantes alegam o pagamento de taxas às administradoras pelo aluguel da máquina e do porcentual previsto sobre cada operação. Ora, se o comerciante instalou a máquina para potencializar as vendas, ele não pode repassar esse custo ao cliente, até porque o volume de vendas sabe-se que é consideravelmente maior quando disponibilizado o pagamento no cartão. Isso sem mencionar o fator segurança, pois, diferente do cheque, o cartão de crédito garante o recebimento” [61].
Neste sentido, os órgãos de proteção ao consumidor entendem que: “Os Procons destacaram que os custos com as administradoras de cartão de crédito permitem ao empresário o crescimento de sua clientela. As vendas com descontos correspondem aos reais preços dos produtos, desprovidos dos acréscimos aos que utilizam cartão de crédito. Sustentaram que não se deve confundir preço com forma de pagamento e que o cartão de crédito oferece a certeza do pagamento. Salientaram, por fim, que a prática do preço diferenciado configura abuso”[62].
À vista disso, a jurisprudência decide na mesma acepção ora apresentada, pode-se notar a seguir: “RECURSO ESPECIAL – AÇAO COLETIVA DE CONSUMO – COBRANÇA DE PREÇOS DIFERENCIADOS PRA VENDA DE COMBUSTÍVEL EM DINHEIRO, CHEQUE E CARTAO DE CRÉDITO – PRÁTICA DE CONSUMO ABUSIVA – VERIFICAÇAO – RECURSO ESPECIAL PROVIDO. I – Não se deve olvidar que o pagamento por meio de cartão de crédito garante ao estabelecimento comercial o efetivo adimplemento, já que, como visto, a administradora do cartão se responsabiliza integralmente pela compra do consumidor, assumindo o risco de crédito, bem como de eventual fraude; II – O consumidor, ao efetuar o pagamento por meio de cartão de crédito (que só se dará a partir da autorização da emissora), exonera-se, de imediato, de qualquer obrigação ou vinculação perante o fornecedor, que deverá conferir àquele plena quitação. Está-se, portanto, diante de uma forma de pagamento à vista e, ainda, pro soluto (que enseja a imediata extinção da obrigação); III – O custo pela disponibilização de pagamento por meio do cartão de crédito é inerente à própria atividade econômica desenvolvida pelo empresário, destinada à obtenção de lucro, em nada referindo-se ao preço de venda do produto final. Imputar mais este custo ao consumidor equivaleria a atribuir a este a divisão de gastos advindos do próprio risco do negócio (de responsabilidade exclusiva do empresário), o que, além de refugir da razoabilidade, destoa dos ditames legais, em especial do sistema protecionista do consumidor; IV – O consumidor, pela utilização do cartão de crédito, já paga à administradora e emissora do cartão de crédito taxa por este serviço (taxa de administração). Atribuir-lhe ainda o custo pela disponibilização de pagamento por meio de cartão de crédito, responsabilidade exclusiva do empresário, importa em onerá-lo duplamente (in bis idem) e, por isso, em prática de consumo que se revela abusiva; V – Recurso Especial provido”[63].
A decisão acima salienta o atributo do pagamento à vista do cartão de crédito e demonstra que após o pagamento com o cartão de crédito o fornecedor passará a tratar da venda apenas com a administradora, apontando que o ato do pagamento, necessariamente, encerra o negócio entre consumidor e fornecedor. Além disso, trata do risco do negócio, assunto já abordado, quando lembra que os custos em razão de pagamentos através de cartões de crédito são advindos da atividade, mera consequência, que, por sua vez, não pode ser imputada o consumidor, pois esse já paga à administradora a taxa devida referente às transações realizadas. Em suma, a deliberação dita como abusiva à diferenciação de preço para operações realizadas através de cartão de crédito.
Seguindo a mesma linha de raciocínio, temos a nota técnica 103, do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), vinculado ao Ministério da Justiça, que quando consultado por lojistas sobre a possibilidade da cobrança adicional, afirma: “o posicionamento deste DPDC é pela impossibilidade dessa prática. De fato, a partir do momento em que o estabelecimento comercial oferece outras formas de pagamento que não o dinheiro em espécie, a imposição de qualquer limite ás mesmas reveste-se de abusividade, por afronta a um dos princípios norteadores das relações de consumo: a boa-fé. O fornecedor (em geral, o comerciante) viola tal princípio, ao impor, por exemplo, repasse de custo a algumas operações, sob o argumento de que de outra forma inviabilizar-se-ia o negocio, o que ocorre quando cobra um preço diferenciado em relação às compras feitas no cartão de crédito” [64].
A Associação Brasileira de Proteção ao Consumidor (PROTESTE) através de linguagem usual e acessível explica o assunto: “o valor à vista deve ser igual para todos os meios de pagamento, seja dinheiro, cheque, cartão de crédito ou débito, conforme esclarece a coordenadora institucional da PROTESTE, Maria Inês Dolci. O consumidor não pode ser prejudicado porque o lojista quer compensar os custos que tem para disponibilizar essa forma de pagamento. Se o lojista optou por trabalhar com o cartão como um dos meios de pagamento, deve negociar as condições com as administradoras”[65].
Diante de todo o exposto, podemos intuir que o consumidor tem seus direitos garantidos pelo código de defesa do consumidor e vários princípios que asseveram sua proteção, dentre eles a dignidade da pessoa humana que no caso em tela é a primeira coisa a se observar no sentido de preservar o consumidor na sua qualidade de humano, garantido que o respeito à pessoa dele seja verificada. Já o princípio da transparência garante o acesso do consumidor através do fornecedor a respeito dos produtos e serviços por ele oferecidos, se estendendo essa interpretação ao valor dos produtos e serviços, pois o consumidor tem o direito de conhecer o preço dos bens antes de adquiri-los. Já os princípios da vulnerabilidade e hipossuficiência, princípios afins, faz compreender que o fornecedor está em posição privilegiada e que o consumidor pode evocar essa questão no intuito de ter seus direitos respeitados.
Outro aspecto que faz parte do conjunto na análise do objeto abordado é a teoria do risco, que utilizando por base a opinião de todos os autores mencionados, faz achar que o fornecedor não pode passar para o consumidor ônus que abarcam seu risco e beneficio, pois esses fatores são automaticamente aceitos, conscientemente, por aquele que disponibiliza o produto ou serviço no ato em que passa a integrar o mercado financeiro.
Enlaçando todas essas acepções, é notório que na discussão sobre a legalidade da cobrança adicional em razão do uso de cartão de crédito, o argumento vencedor é o que preza pela ilegalidade, considerando a abusividade da prática. Pelos vários dispositivos legais que fundam esse posicionamento, pode-se entender como a real solução para o problema que embasou a presente abordagem.
A Proteste estimula que sejam rejeitados preços diferentes: “se a loja diferenciar o pagamento com cartão o consumidor deve recusar a proposta e comprar o produto em outro local. O cliente que usa o cartão tem o mesmo direito daquele que utiliza dinheiro. Caso se sinta lesado, pode denunciar aos órgãos de defesa do consumidor” [66].
Essa ideia apontada pela organização voltada para o consumidor seria uma busca de solução para a presente problemática. Para que se tire do mercado o hábito dessa prática é preciso que o consumidor passe a demonstrar conhecimento sobre a matéria e a denotar sua discordância. Além disso, é preciso que o consumidor denuncie e que a partir daí os órgãos de proteção ao consumidor efetivem sua função.
Dessa maneira, interessante seria que os responsáveis pela efetivação da proteção consumerista desenvolvessem políticas publicas com caráter educativo para que os lojistas/comerciantes entendessem o caráter ilegal da postura e tivessem acesso à informação sobre as consequências para aqueles que insistirem em tirar vantagens manifestadamente excessivas dos consumidores. E, finalmente, fosse planejada e colocada em prática uma política de fiscalização permanente para que houvesse punição no intuito de findar essa prática.
Conclusão
Com o avanço da tecnologia muitas áreas tem sofrido crescimento e não foi diferente com algumas áreas jurídicas, como por exemplo: o direito do consumidor. Com o aumento do consumo evoluíram as formas de pagamento, assim como o estimulo ao desenvolvimento e a agilidade, oferecendo aos consumidores a praticidade.
Dessarte, mesmo compreendendo o período de modernidade é preciso compreender os conceitos de consumidor, fornecedor, produtos e serviços para que seja possível abarcar quais partes constituem a relação de consumo. A partir desse entendimento foi possível compreender que existem alguns princípios que protegem o consumidor, como a dignidade da pessoa humana, a transparência, a boa-fé, a vulnerabilidade e a hipossuficiência, dentre outros.
A partir dos mencionados alicerces, pode-se discutir sobre a teoria do negócio, onde se observa que ao entrar no mercado, o fornecedor tem consciência do custo que envolve para disponibilizar o produto ou o serviço e, também, do beneficio que terá no que tange aos lucros obtidos através do preço ofertado, de forma que as despesas com os ganhos da atividade fazem parte do risco assumido pelo fornecedor ao entrar no mercado de consumo.
Acerca das relações consumeristas, o pagamento é parte importante de sua composição, sendo a forma de encerramento de uma negociação, por ser elemento de tradição dos negócios jurídicos. As formas de pagamento podem-se dar de várias formas: à vista, boleto bancário, crediário e cartão de crédito, dentre outras.
A relação que envolve cartão de crédito é composta por três componentes, sendo eles o: emissor, o titular do cartão e o fornecedor. No contrato firmado entre a administradora e o fornecedor existe uma série de obrigações, dentre elas as tarifas que obrigam o lojista a pagar pelas operações realizadas. No entanto, em contrapartida o fornecedor tem a certeza de que receberá o valor vendido, pois a administradora compromete-se a pagar aquele valor, arcando com todo o risco.
Diante da compreensão da forma que funciona o cartão de crédito, questiona-se a licitude que o fornecedor cobra em relação ao valor diferenciado para pagamentos através de cartão seja ele de crédito ou de débito. Em estudo aprofundado entende-se que o artigo 39 do Código de Defesa do consumidor em consonância com a portaria 118/1994 do Ministério da Fazenda proíbem esse tipo de prática. Isso porque o primeiro dispositivo coíbe que sejam aferidas, do consumidor, vantagens excessivas, assim como veda que sejam praticados aumentos de preços injustificáveis. A segunda norma é clara em afirmar que pagamento realizado através de cheques e cartões de crédito se assemelham aos pagamentos realizados através de dinheiro em espécie, sendo todos eles formas de pagamento à vista. Logo, ambos os dispositivos legais informam que é defeso diferenciação nas citadas formas de pagamento.
No mesmo sentido entende a jurisprudência no Recurso Especial n° 1.133.410, o Superior Tribunal de Justiça reafirma a força dos diplomas legais mencionados e informa que o custo tido pelo fornecedor é risco de sua atividade, que deve ser arcada tão somente por ele.
Essa situação, porém não se aplica no caso de pagamentos parcelados, nessa condição a jurisprudência define que é permitida a diferenciação de valores, nos termos da legislação vigente.
Nota-se que o consumidor, na condição de hipossuficiente e vulnerável, sejam técnica ou economicamente, quando comparados ao fornecedor é protegido de práticas abusivas. Assim, não pode o fornecedor impor ao consumidor pagamento de tarifas que não são de sua responsabilidade quando existe a portaria do Ministério da Fazenda que coíbe a diferenciação entre pagamentos realizados através de cheques, cartões de crédito ou débito e dinheiro em espécie. Vale salientar, que mesmo que o fornecedor coloque avisos informando a diferenciação, esta permanecerá na sua qualidade de ilegal.
O presente estudo chega à conclusão que não só é ilegal, mas também é abusiva a diferenciação de preços para produtos ou serviços adquiridos através de cartão de crédito. Alcança-se assim o objetivo de esclarecer o consumidor que o mesmo poderá questionar seu direito sempre que o fornecedor tentar lhe induzir o pagamento de um adicional sob a justificativa de que o excesso no valor se dá em razão da porcentagem que paga em razão das transações.
Sendo assim, o ideal seria que houvesse informação de largo alcance, campanhas de conscientização para que tanto o fornecedor quanto o consumidor fossem orientados sobre suas posturas no ato do pagamento e em seguida que fosse aplicada uma política eficiente de fiscalização, pois somente dessa forma, as normas escritas se tornam eficazes, contribuindo para um país livre de práticas abusivas, aonde os direitos dos consumidores são respeitados.
Informações Sobre os Autores
André Guilherme Lima
Advogado graduado pela Faculdade de Direito de Caruaru
Valéria Sales Miguel da Silva
Advogada pós-graduada em direito do consumidor pela Universidade Mauricio de Nassau graduada na Faculdade de Direito de Caruaru/PE.