Resumo: O presente trabalho se propõe a analisar em a concretização dos princípios processuais nas relações familiares a partir da adoção da teoria dinâmica do ônus da prova no Direito de Família. Para tanto, serão ponderados conceitos sobre o ônus da prova e o regramento de distribuição estática; a teoria dinâmica do ônus da prova e a sua relação com os princípios processuais; e a teoria dinâmica de distribuição do ônus da prova e o Direito de Família. A pesquisa bibliográfica toma por fundamento autores como Didier Jr., Braga e Oliveira, Giorgis, dentre outros.
Palavras-chave: Ônus da prova; Distribuição; Princípios Processuais; Família.
Abstract: This study aims to analyze in the achievement of procedural principles in family relations from the adoption of the dynamic theory of the burden of proof in family law. Therefore, they are weighted concepts about the burden of proof and the static distribution rules; the dynamic theory of burden of proof and its relationship with the procedural principles; and the dynamic theory of distribution of the burden of proof and the Family Law. The literature takes on grounds authors like Didier Jr., Braga and Oliveira, Giorgis, among others.
Keywords: Burden of proof; Distribution; Procedural Principles; Family.
Sumário: Introdução. 1. O ônus da prova e o regramento de distribuição estática. 2. Teoria Dinâmica do ônus da Prova e sua relação com os Princípios Processuais. 3. A Teoria Dinâmica de Distribuição do Ônus da Prova e o Direito de Família. Considerações finais. Referências.
INTRODUÇÃO
A distribuição do ônus da prova no processo civil brasileiro, disposta no art. 333 do CPC, estabelece que compete, em regra, a cada uma das partes o ônus de fornecer os elementos de prova das alegações de fato que fizer. A parte que alega deve buscar os meios necessários para convencer o juiz da veracidade do fato deduzido como base da sua pretensão/exceção, afinal é a maior interessada no seu reconhecimento e acolhimento.
A regra estabelecida pelo CPC leva em consideração três fatores: a) a posição da parte na causa – se autor ou réu; b) a natureza dos fatos em que funda sua pretensão/exceção; c) e o interesse em provar o fato. Desta forma, ao autor cabe o ônus da prova do fato constitutivo do seu direito e ao réu a prova do fato extintivo, impeditivo ou modificativo deste.
A teoria clássica de distribuição do ônus da prova distribuindo prévia e abstratamente o encargo probatório, sem levar em consideração as peculiaridades e particularidades do caso concreto. Por isso, nem sempre a parte que possui o encargo probatória, prévia e abstratamente distribuído, apresenta condições de atender a esse ônus que lhe foi rigidamente atribuído, o que pode vir a inviabilizar o desfecho efetivo e equânime da demanda.
Em contraposição ao regramento estático de distribuição do ônus da prova, foi desenvolvido pela doutrina e adotado pela jurisprudência pátria a teoria dinâmica da distribuição do ônus da prova, que propõe novo paradigma para a distribuição do encargo probatório, de forma a se contemplar as peculiaridades e particularidade do caso concreto, a partir da atribuição do encargo probatório à parte que apresenta maiores e melhores condições na produção/apresentação.
A aplicação da teoria da carga dinâmica da prova denota destacada relevância nas relações familiares, nas quais os processos judiciais apresentam peculiar dificuldade na produção de provas. Neste ramo do direito, que se destina ao regramento da própria vida privada, mas que busca a tutela de direitos personalíssimo, a dinamicidade na norma jurídica aplicável é preponderante, sendo, por vezes, imprescindível para solver a lide.
O presente trabalho busca analisar a concretização dos princípios processuais nas relações familiares a partir da adoção da teoria dinâmica do ônus da prova no Direito de Família. Para tanto, a partir da pesquisa bibliográfica, discorreu-se sobre: o ônus da prova e o regramento de distribuição estática; a teoria dinâmica do ônus da prova e a sua relação com os princípios processuais; e a teoria dinâmica de distribuição do ônus da prova e o Direito de Família.
1. O ônus da prova e o regramento de distribuição estática
O ônus da prova, segundo Fredie Didier Jr.[1], constitui encargo atribuído à parte, sem cujo desempenho se põe em situação de desvantagem perante o direito. Não se trata de obrigação, mas de imperativos do próprio interesse que acarretam em poderes processuais concedidos à parte para aferir a possibilidade de escolha de algum comportamento que atinja a meta buscada por sua ação.
Discorre-se na doutrina sobre a existência de dois sentidos atribuídos aos ônus da prova. Em um primeiro sentido, o ônus da prova seria uma regra de conduta dirigida às partes, que indica quais os fatos que a cada uma incumbe provar, chamada de ônus subjetivo. Conduto, é possível que as provas produzidas sejam insuficientes para elucidar os fatos envolvidos na lide, sendo, ainda assim, imposto ao magistrado o dever de julgar. Daí emerge o segundo sentido, o ônus objetivo, regra de julgamento dirigida ao juiz que indica qual das partes deverá suportar os riscos advindos do mau êxito na atividade probatória, que resultaria em decisão desfavorável[2].
A despeito dessa distinção, concebe-se, a rigor, que o órgão judicial deve se preocupar como aspecto objetivo do ônus da prova, e não com seu aspecto subjetivo, pois o que importa é o resultado da instrução e sua avaliação e julgamento pelo magistrado, e não a conduta das partes na instrução.
E isto porque a finalidade da prova é permitir a formação da convicção quanto à existência dos fatos da causa, não tendo a prova um fim em si mesma ou fim moral e filosófico. Tendo em vista a assertiva de que a finalidade da prova é convencer o juiz, pode-se dizer que ele é o seu principal destinatário, pois é quem precisa ser cientificado da verdade quanto aos fatos, para que possa decidir, considerando-se, desta forma, as partes como destinatários indiretos, pois elas também precisam se convencer da verdade, para que acolham a decisão.
Destarte, ônus da prova orienta quem responderá pela ausência de prova de determinado fato. Trata-se, pois, de regras de julgamento de aplicação subsidiária, porquanto somente incidem se não houver prova do fato ensejador do direito pleiteado envolvido na lide.
Alinhando ao entendimento, dispõe Humberto Theodoro Junior[3] que:
“Esse ônus consiste na conduta processual exigida da parte para que a verdade dos fatos por ela arrolados seja admitida pelo juiz. Não há um dever de provar, nem à parte contrária assiste o direito de exigir a prova do adversário. Há um simples ônus, de modo que o litigante assume o risco de perder a causa se não provar os fatos alegados dos quais depende a existência do direito subjetivo que pretende resguardar através da tutela jurisdicional. Isso porque, segundo máxima antiga, fato alegado e não provado é o mesmo que fato inexistente”.
O CPC, em seu art. 333, estabelece que, em regra, compete a cada uma das partes o ônus de fornecer os elementos de prova das alegações de fato que fizer. Ao distribuir o ônus da prova, o CPC levou em consideração três fatores: a posição da parte na causa; a natureza dos fatos em que funda sua pretensão; e o interesse em provar o fato. Desta forma, ao autor cabe o ônus da prova do fato constitutivo do seu direito e ao réu a prova do fato extintivo, impeditivo ou modificativo deste mesmo direito (art. 333, CPC).
Vê-se, assim, que adotou o nosso CPC uma concepção estática do ônus da prova, que é distribuído a priori, sem a observância das peculiaridades do caso concreto. Tal regramento se revela insatisfatório no contexto da dinâmica processual, visto que desconsidera as particularidades do direito material inserto e a realidade dos fatos envoltos na lide, ganhando força, contemporaneamente, a teoria da distribuição dinâmica da prova.
2. Teoria Dinâmica do ônus da Prova e sua relação com os Princípios Processuais
A Teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova surgiu na Argentina, tendo como principais autores Jorge w. Peryano e Augusto M. Morello. Estes, conforme dispõe Wilson Alves (WILSON ALVES APUD FREDIE DIDIER, 2009, pg. 93), passaram a defender a repartição dinâmica do ônus da prova, tomando por base os princípios da veracidade, boa-fé, lealdade e solidariedade, a partir da concepção de que seria necessário levar em consideração as circunstâncias do caso concreto para se atribuir o ônus àquele que tivesse mais condições de satisfazê-lo, impondo-se atuação probatória à parte que mais tem possibilidades de produzi-la.
Lastreada no axioma de que a prova incumbe a quem, pelas circunstâncias do caso concreto, detém as melhores condições de produzi-la, inaugura paradigma que rompe a visão estática da mera distribuição, não mais importando o prévio e abstrato encargo, a posição da parte, ou a qualidade do fato, mas a concretude do caso, a natureza do fato a demonstrar, de forma que o encargo seja assumido por quem tem melhores condições de produção da prova na instrução processual[4].
O objetivo desta teoria é promover a igualdade, em sentido material, das partes. Busca evitar que uma das partes tenha o ônus de uma prova diabólica, aquela prova de impossível produção.
Em suma, a teoria propõe que o encargo na produção probatória não deve ser repartido prévia e abstratamente, mas casuisticamente; que a distribuição do ônus não pode ser estática e inflexível, mas dinâmica; que pouco importa a posição assumida pela parte na causa; e que é irrelevante a natureza do fato ser provado – se constitutivo, modificativo, impeditivo ou extintivo do direito – ou o interesse em prová-lo, mas, sim, quem tem mais possibilidades de fazer a aprova.
Permanece o magistrado como principal destinatário e gestor das provas, contudo, com poderes instrutórios ainda maiores, pois está entre suas atribuições avaliar qual das partes possui melhores condições de produzir a prova no caso concreto. Por isso, encontra concretude na teoria o princípio dispositivo (ou da livre investigação ou apreciação das provas ou do ativismo judicial), conforme coloca José Carlos Teixeira Giorgis[5], asseverando que o dinamismo contribui para que a demanda atinja sua máxima finalidade.
Para Izabella Naccaratti André Friedrich[6], que toma por fundamento lições de Suzana Santi Cremasco, podem ser considerados como fundamentos dessa teoria os deveres de igualdade, lealdade, solidariedade, boa fé objetiva processual, devido processo legal, acesso à justiça e efetividade do processo, visão cooperatória e publicista do processo civil, busca pela verdade real e obtenção de um resultado justo. Nessa linha, afirma que a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova se propõe a facilitar a produção de provas necessárias ao delineamento dos fatos controvertidos no processo, conduzindo ao aprimoramento da formação do convencimento do magistrado, de modo a se alcançar a efetividade e a justiça da decisão a ser proferida, tendo por base os princípios pilares do processo civil contemporâneo.
Segundo esta linha, acrescenta Fredie Didier Jr.[7] que a doutrina acolhe a concepção da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova a partir de uma interpretação sistemática de nossa legislação processual, sendo ela decorrente dos seguintes princípios:
“a) Princípio da igualdade (art. 5°, caput, CF, e art. 125, I, CPC), uma vez que deve haver uma paridade real de armas das partes no Processo, promovendo-se um equilíbrio substancial entre elas, o que só será possível se atribuído o ônus da prova àquela que tem meios para satisfazê-lo;
b) Princípio da lealdade, boa-fé, e veracidade (art. 14, 16, 17, 18 e 125, II, CPC), pois nosso sistema não admite que a parte aja ou se omita, de forma ardilosa, no intuito deliberado de prejudicar a contraparte, não se valendo de alegações de fato e provas esclarecedoras;
c) Princípio da solidariedade com o órgão judicial (arts. 339, 340, 342, 345, 355, CPC), pois todos têm o dever de ajudar o magistrado a descortinar a verdade dos fatos;
d) Princípio do devido processo legal (art. 5°, XIV, CF), pois um processo devido é aquele que produz resultados justos e equânimes;
e) Princípio do acesso à justiça (art. 5°, XXXV, CF), que garante a obtenção de tutela jurisdicional justa e efetiva.”
Importa destacar que a teoria da carga dinâmica não se confunde com a inversão do ônus da prova. Veja-se que a teoria da carga dinâmica é aquela na qual o magistrado, por meio de decisão, atribui o ônus da prova à parte que, no caso concreto, revele ter as melhores condições de produzi-la, enquanto que a inversão do ônus da prova, decorre de previsão expressa da lei e pressupõe a existência de uma responsabilidade, a princípio, atribuída a uma das partes, e, uma vez preenchidos os requisitos legais, é transferido o encargo à parte contrária.
Desta forma, para que a inversão ocorra, não é necessário que o juiz analise as circunstâncias do caso concreto e decida sobre a inversão; com o preenchimento dos requisitos legais, deverá incidir a inversão, sendo esta última prevista no art. 6º, VIII, do CDC, que condiciona sua incidência à verossimilhança da alegação ou hipossuficiência.
Tem-se, assim, que o art. 333, CPC deve ser concebido e interpretado à luz dos princípios que informam o processo civil cooperativo e igualitário, de maneira a se consolidar uma visão solidarista do ônus da prova, que viabiliza a justa e adequada tutela do direito material, em superação aos paradigmas individualistas e patrimonialistas.
O Novo Código de Processo Civil, Lei 13.105/2015, em seu art. 373, §1˚, prevê a aplicação da Teoria da Carga Dinâmica:
“Art. 373. O ônus da prova incumbe:
I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;
II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
§ 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa, relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova contrária, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada. Neste caso, o juiz deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.
§ 2º A decisão prevista no § 1º deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.
§ 3º A distribuição diversa do ônus da prova também pode ocorrer por convenção das partes, salvo quando:
I – recair sobre direito indisponível da parte;
II – tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.”
Desta forma, entrando em vigor o Novo Código Civil, em determinados casos, a norma autorizará que o magistrado atribua o ônus da prova à outra parte, quando haja impossibilidade ou excessiva dificuldade em cumprir o encargo. Entretanto, apesar do juiz passar a poder distribuir o encargo da produção probatória segundo as particularidades da causa, mediante decisão fundamentada, a regra geral de distribuição (estática) do ônus da prova fica mantida, havendo, em verdade, a previsão da flexibilização da teoria probatória pelo Novo CPC.
3. A Teoria Dinâmica de Distribuição do Ônus da Prova e o Direito de Família
A teoria dinâmica de distribuição do ônus da prova vem sendo adotada pela jurisprudência pátria, antes mesmo de sua previsão no Novo Código de Processo Civil, em atendimento à militância da doutrina pátria.
O caso emblemático extraído dos julgados de muitos dos nossos tribunais em que acolhe a teoria aqui em exame é o da responsabilidade civil de profissional liberal, principalmente do médico, vez que este, quando demandado, apresenta, de regra, melhores condições de trazer ao processo prova de regularidade de sua conduta no exercício da atividade[8].
O Superior Tribunal de Justiça, perfilhando com o entendimento, vem aplicando a teoria da carga dinâmica do ônus da prova, senão vejamos:
“PROCESSUAL CIVIL. PENHORA. DEPÓSITOS EM CONTAS CORRENTES. NATUREZA SALARIAL. IMPENHORABILIDADE. ÔNUS DA PROVA QUE CABE AO TITULAR. 1. Sendo direito do exequente a penhora preferencialmente em dinheiro (art. 655, inciso I, do CPC), a impenhorabilidade dos depósitos em contas correntes, ao argumento de tratar-se de verba salarial, consubstancia fato impeditivo do direito do autor (art. 333, inciso II, do CPC), recaindo sobre o réu o ônus de prová-lo. 2. Ademais, à luz da teoria da carga dinâmica da prova, não se concebe distribuir o ônus probatório de modo a retirar tal incumbência de quem poderia fazê-lo mais facilmente e atribuí-la a quem, por impossibilidade lógica e natural, não o conseguiria. 3. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.” (REsp 619.148/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 20/05/2010, DJe 01/06/2010)
No Direito de Família não é diferente. De acordo com Fredie Didier Jr.[9], subsistem decisões que seguem essa orientação em causas de família, sobretudo nas ações de alimentos, impondo ao alimentante o ônus de provar seus rendimentos, fazendo menção o autor à decisão proferida na Apelação Cível n.° 70005993449, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, e na Apelação Cível 7004756425, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS.
A adoção da teoria no Direito de Família tem importância especial por duas vertentes típicas desse ramo do direito, quais sejam a peculiaridade da prova e feição intervencionista do juiz de família. Nas demandas familiares a dificuldade probatória é marcante, sendo necessária a atuação do magistrado de maneira mais incisiva e ativa, em vias do ativismo judicial, para que se possa elucidar os contornos da demanda e a veracidade dos fatos, com fins de se tutelar os direitos pleiteados.
Não se pode negar que nas relações de família subsiste um caráter dinâmico (não estático) na norma jurídica aplicável, uma vez que se destina ao regramento da própria vida privada, submetendo-se aos movimentos sociais e valorativos que lhe imporão constante evolução e mutação, de acordo com as variáveis temporais e espaciais, para atender às exigências humanas. Destaque-se, ainda, nos inúmeros casos concretos, a existência de interesses cuja prevalência axiológica supera a privacidade no que tange à concretização da dignidade do homem.
Além do conhecimento técnico, as lides de família exigem do jurista sensibilidade para compreender que as suas peculiaridades tornam mais difícil a captação e a própria produção de prova. O que se vislumbra da simples análise de casos como a estipulação de alimentos para um genitor profissional liberal, a investigação de paternidade, a disputa de guarda de um filho, a destituição do poder familiar de um dos genitores. Em qualquer dos casos elencados é possível se depara com a prova diabólica, passível de desconstituição a partir da aplicação da teoria dinâmica do ônus da prova.
Sobre a necessidade da aplicação da teoria da dinâmica do ônus da prova no Direito de Família e consagração do ativismo judicial em busca da concretização dos direitos tutelado nesse ramo do direito dispõe Giorgis[10]:
“Embora veneração ao dogma das garantias constitucionais, sempre ressaltado por benquisto núcleo de operadores jurídicos e que coloca a mudez como conduta legal e democrática do decisor, não proclama heresia o entendimento que abraça versão contrária nas questões de família e nas transgressões penais.
É que ali o juiz dispõe de poderes e atribuições que não são próprios aos outros julgadores, e se ampliam c om outra índole investigatória na busca firme e direta da verdade escondida nos fatos; deixa de ser mero condutor do debate, como deseja o sistema dispositivo, para intervir c om prudência e parcimônia na devassa da causa.
O juiz moderno não é expectador inerte ou convidado de pedra, como ensina a literatura, mas está munido de faculdades que permitem imiscuir-se no comando de diligências que favoreçam a persuasão, sem ficar refém da apatia dos litigantes. (…)
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça observa que na fase atual do Direito de Família não se justifica o fetichismo de normas ultrapassadas em detrimento da verdade real, tendo o julgador a iniciativa probatória quando presentes razões de ordem pública e igualitária, como nas ações de estado; ou quando o juiz se encontre hesitante c om o contexto produzido, ou haja significativa desproporção econômica ou sócio-cultural entre os demandantes.”
Desta forma, a adoção da teoria dinâmica do ônus da prova nas relações familiares vem promover a igualdade das partes, em sentido material, de forma a se privilegiar os princípios basilares do processo civil na tutela dos direitos de família, direitos personalíssimos, em regra.
Considerações finais
O Código de Processo Civil vigente, tomando por fundamento a teoria estática do ônus da prova, estabelece que ao autor cabe o ônus da prova do fato constitutivo do seu direito e ao réu os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor, distribuindo prévia e abstratamente o encargo probatório.
Em contrapartida, consolida-se na doutrina e jurisprudência, tendo sido objeto de positivação legislativa no Novo CPC, teoria desenvolvida com fito em romper o paradigma da distribuição estática, a teoria dinâmica da distribuição do ônus da prova, que leva em consideração o processo em sua concreta realidade, ou seja, com todas as suas particularidades e peculiaridades, de maneira a se atribuir o encargo probatório à parte que, perlas circunstâncias fáticas, tiver melhores condições de promover a elucidação dos fatos envoltos na lide, independentemente de sua posição no processo.
O Novo Código de Processo Civil traz previsão expressa de aplicação da teoria da carga dinâmica das provas em seu art. 373, o que ratifica a concepção contemporânea de processo.
A adoção da teoria dinâmica do ônus da prova nas relações familiares apresenta importância diferencial, o que se explica pelo fato do Direito de Família apresentar duas vertentes típicas: a peculiaridade da prova e feição intervencionista do juiz de família. Diante do caráter dinâmico das relações de família, prescinde de dinamicidade a norma jurídica aplicável, tanto a de direito material quanto a de direito processual, uma vez que se destina ao regramento da própria vida privada.
Destarte, a aplicação da referida teoria nas ações de família reflete a busca de concretização de princípios basilares do processo civil, a exemplo dos princípios da igualdade, da lealdade, da boa-fé, da solidariedade, do devido processo legal, do acesso à justiça, da livre investigação e apreciação das provas, com fito em se alcançar resultados judiciais mais efetivos e equânimes.
Informações Sobre o Autor
Sheila Santos Rolemberg
Advogada. Bacharela em Direito pela Universidade do Estado da Bahia. Pós-graduada em Direito Civil e Processo Civil pela Portal Ciclo. Advogada