Resumo: O presente artigo apresenta um breve histórico do Novo Código de Processo Civil, Lei n. 13.105, 16 de março de 2015, apontando a aproximação do Direito Brasileiro com o sistema da Common Law. O objetivo principal consiste em fazer uma abordagem acerca dos pressupostos recursais genéricos no sistema processual brasileiro, trazendo comparações com a legislação anterior, apresentando algumas críticas e questionamentos apontados pela doutrina, bem como demonstrando expectativas para o futuro do sistema recursal no Brasil. A pesquisa pautou-se pelo método de investigação dedutivo, onde doutrina, legislação e jurisprudência foram adotados como procedimento técnico.
Palavras-chave: Recursos. Pressupostos recursais. Novo Código de Processo Civil
Abstract:This paper presents a brief history of The New Civil Lawsuit Code, Law n. 13105, March 16, 2015, indicating the approach of the Brazilian Law with the Common Law System. The main purpose is to approach the general appellate assumptions in the Brazilian legal system, doing comparisons with the previous legislation with some criticism and questions raised by the doctrine as well as demonstrating to the future of the appeal system in Brazil. The research was guided by deductive research method where the doctrine, legislation and jurisprudence have been adopted as a technical procedure.
Keywords: Resources. Appellate assumptions. The New Civil Lawsuit Code
Sumário: Introdução. 1. Aproximação do sistema da Commow Law. 2. Pressupostos genéricos de admissibilidade dos recursos. 2.1. Aspectos gerais e o juízo de admissibilidade recursal. 2.2. Classificação dos pressupostos recursais. 3. Pressupostos intrínsecos. 3.1. Cabimento (recorribilidade e adequação). 3.2. Legitimidade para recorrer. 3.3. Interesse recursal. 4. Pressupostos extrínsecos. 4.1. Preparo – art. 1.007 do NCPC.4.2. Tempestividade do recurso. 4.3. Regularidade formal. 4.4. Inexistência de fato impeditivo ou extintivo do direito de recorrer. Conclusão
Introdução
Nas últimas décadas, o Código de Processo Civil em vigor, instituído pela Lei nº 5869, promulgada em 11 de janeiro de 1973, sofreu inúmeras reformas pautadas na ideia de efetividade e na celeridade do processo.
Desde o início da chamada “reforma do CPC”, com a edição da Lei 8.592/94 (que modificou dispositivos sobre o processo de conhecimento e o processo cautelar, introduzindo explicitamente no CPC o instituto da tutela antecipada), vieram várias e importantes alterações à legislação processual brasileira, dentre as quais destacamos: Leis 10.252/01, 10.352/01 e 10.444/02, que constituíram, segundo Cândido Rangel Dinamarco, “A Reforma da Reforma”, e as Leis 11.232/05, 11.276/06, 11.277/06, 11.280/06 e 11.441/2007.
Assim, diante de inúmeras reformas, decorrentes da própria evolução da sociedade brasileira, o código foi tornando-se assistemático, anacrônico e em descompasso com o atual desenvolvimento da sociedade, razão pela qual surgiu a necessidade de elaboração de uma nova legislação processual, mais moderna e que possibilitasse um processo mais célere e efetivo. Segundo Paulo Sanseverino (2015), “uma das principais características de um código de processo é ele ser sistemático, orgânico, para não atrapalhar a sua correta aplicação”.
Embora houvesse quem entendesse que o Código de Buzaid, vigente desde 1973 não precisasse de atualização, prevaleceu a posição de que, em razão das mais de 80 reformas, era chegada a hora de elaborar um Novo Código de Processo Civil. [1]
Deste modo, em 2009, começaram os estudos para a modernização do CPC quando o Senado Federal criou uma comissão com renomados juristas, presidida pelo ministro Luiz Fux, com o intuito de criar uma nova legislação processual, tendo como um dos principiais objetivos dar efetividade a garantia constitucional da duração do processo por prazo razoável, tornando o sistema processual mais simples e racional.
Assim, em 08 de julho de 2010, o anteprojeto do Novo Código de Processo Civil foi apresentado ao Senado Federal, sob o nº 166/10. Em 15 de dezembro do mesmo ano, o projeto de lei foi aprovado e remetido à Câmara dos Deputados, sob nº 8046/10, onde veio a ser aprovado no dia 26 de março de 2014.
De acordo com a exposição de motivos: “O novo Código de Processo Civil tem o potencial de gerar um processo mais célere, mais justo, porque mais rente às necessidades sociais e muito menos complexo .”
Destarte, no dia 16 de março de 2015, depois de muita discussão e debates, foi instituído o Novo Código de Processo Civil, Lei n. 13.105, com entrada em vigor após um ano de sua publicação, sendo este o primeiro Código de Processo Civil brasileiro elaborado em regime democrático.
1. Aproximação do sistema da Commow Law
O direito brasileiro, historicamente seguidor do direito romano-germânico, ou seja, pertencente à família da Civil Law, visando obter mais racionalidade e celeridade no processo, bem como garantir mais isonomia e segurança jurídica aos jurisdicionados, passou a adotar alguns institutos da Common Law, sistema adotado na Inglaterra e nos Estados Unidos,.
Assim, o novo diploma legal trouxe inovações importantes ao processo como um todo[2]. Destarte, não obstante muitas dessas alterações e novidades mereçam destaque, vamos focar este trabalho no sistema recursal, mais precisamente nos pressupostos recursais.
No novo CPC, o sistema recursal sofreu importantes modificações, reforçando a questão da observância dos precedentes jurisprudenciais, aproximando ainda mais o modelo processual brasileiro ao sistema da Common law.
Dentre as características da Common law, podemos destacar que, nesse sistema, a grande fonte do direito é a jurisprudência, daí a importância e a obrigatoriedade dos precedentes jurisprudenciais.
O ministro Luiz Fux, em recente entrevista concedida à ESA OAB/SP, didaticamente esclareceu o sentido do que seria a força dos precedentes: “se todos são iguais perante a lei, todos tem que ser iguais perante a jurisprudência” (FUX, 2015).
Assim, conforme apresentado na exposição de motivos do novo Código, “a jurisprudência do STF e dos Tribunais Superiores deve nortear as decisões de todos os Tribunais e Juízos singulares do país, de modo a concretizar plenamente os princípios da legalidade e da isonomia”. Contudo, para que essa recomendação tenha eficácia, é necessário que os Tribunais mantenham sua jurisprudência razoavelmente estável.
Nesse sentido, dispõe o artigo 926 do novo CPC: “Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.§ 1o Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante.§ 2o Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação.”
Percebemos, portanto, que princípios constitucionais têm um papel de destaque no novo sistema processual, como, por exemplo, a segurança jurídica e a isonomia. Nesse ponto, a exposição de motivos assevera o quanto segue: “Todas as normas jurídicas devem tender a dar efetividade às garantias constitucionais, tornando “segura” a vida dos jurisdicionados, de modo a que estes sejam poupados de “surpresas”, podendo sempre prever, em alto grau, as consequências jurídicas de sua conduta. Se, por um lado, o princípio do livre convencimento motivado é garantia de julgamentos independentes e justos, e neste sentido mereceu ser prestigiado pelo novo Código, por outro, compreendido em seu mais estendido alcance, acaba por conduzir a distorções do princípio da legalidade e à própria idéia, antes mencionada, de Estado Democrático de Direito. A dispersão excessiva da jurisprudência produz intranqüilidade social e descrédito do Poder Judiciário. A tendência à diminuição do número de recursos que devem ser apreciados pelos Tribunais de segundo grau e superiores é resultado inexorável da jurisprudência mais uniforme e estável.Proporcionar legislativamente melhores condições para operacionalizar formas de uniformização do entendimento dos Tribunais brasileiros acerca de teses jurídicas é concretizar, na vida da sociedade brasileira, o princípio constitucional da isonomia.”
2. Pressupostos genéricos de admissibilidade dos recursos
Diante dessa breve introdução, passaremos à análise dos pressupostos recursais no Novo CPC, esclarecendo que, no presente estudo, abordaremos apenas os pressupostos recursais genéricos, ou seja, aqueles que são exigidos e aplicáveis a toda e qualquer espécie de recurso. Lembrando que, por serem genéricos, podem ser dispensados pela legislação, como, por exemplo, a dispensa do preparo nos embargos de declaração. Além disso, importante mencionar que a legislação processual poderá exigir outros pressupostos, específicos para cada recurso. (MOREIRA, 2003, p. 484).
Conhecer os pressupostos de admissibilidade dos recursos em sua formulação genérica é relevante, tendo em vista que estes nos fornecem o roteiro a ser seguido tanto pelo recorrente, quando da interposição, quanto pela autoridade encarregada do juízo de admissibilidade (PARIZ, 2015).
2.1. Aspectos gerais e o juízo de admissibilidade recursal
Primeiramente, cumpre destacar que, os pressupostos de admissibilidade recursal, também chamados de requisitos de admissibilidade dos recursos, são diferentes dos requisitos de admissibilidade da ação ou da tutela jurisdicional, embora possa ser estabelecida certa analogia entre uns e outros.
“Em linhas gerais, os pressupostos de admissibilidade consistem em obstáculos (condições) que devem ser superados para permitir o julgamento do mérito das razões recursais” (FRANZÉ, 2011, p. 147).
Diante deste conceito, nota-se que o julgamento dos recursos é bipartido, ou seja, antes de apreciar o mérito recursal, deve ser examinado uma série de requisitos, que compõem o chamado juízo de admissibilidade. Nessa primeira etapa, verifica-se se os pressupostos de admissibilidade foram preenchidos e, assim, se as razões recursais serão conhecidas ou não. Segundo Araken de Assis (2001) "quando admissível o recurso, mercê do cumprimento desses requisitos, se diz que ele é conhecido; inadmissível, ele é não conhecido".
Somente após superado esse juízo de admissibilidade, e sendo conhecidas as razões recursais, passa-se à análise do mérito pelo juízo “ad quem”, cuja decisão dará provimento ou não provimento ao recurso.
Nesse ponto, o novo CPC já traz uma inovação quanto ao juízo de admissibilidade da apelação.
Conforme dispõe o artigo 1.010, § 3o, todo juízo de admissibilidade da apelação passará a ser feito no segundo grau, ou seja, não haverá mais juízo de admissibilidade no órgão a quo. “NCPC – art. 1.010. […] § 3o Após as formalidades previstas nos §§ 1o e 2o, os autos serão remetidos ao tribunal pelo juiz, independentemente de juízo de admissibilidade.”
Uma das justificativas para essa alteração está no advento do processo digital. Quando da elaboração do CPC de 1973, todos os processos eram físicos, assim, justificava-se fazer o juízo de admissibilidade no órgão a quo a fim de que não fossem enviados ao tribunal processos eivados de evidentes causas de inadmissibilidade, como, por exemplo, na hipótese de flagrante intempestividade.
Todavia, diante do processo digital, onde não há mais o transporte físico dos autos, ou seja, não há o trânsito dos autos, nos parece mais racional e célere, que esse juízo de admissibilidade seja feito no órgão ad quem, evitando-se, assim, a interposição de outros recursos. Em outras palavras, com o juízo de admissibilidade sendo feito no órgão ad quem, teremos o fim da interposição do agravo de instrumento contra a decisão que inadmitiu a apelação, bem como o fim do agravo que discutia os efeitos em que a apelação fora recebida, simplificando, portanto, o sistema recursal pátrio.
Contudo, essa alteração não foi bem aceita de forma unânime. Alguns questionam se os Tribunais estariam, de fato, preparados para receber todos os recursos de apelação sem o filtro realizado no juízo ad quem, ventilando a hipótese de que referida alteração traria uma sobrecarga aos Tribunais gerando, assim, maior morosidade no julgamento dos recursos.
No entanto, entendemos que uma efetiva mudança no sistema processual brasileiro não se dará exclusivamente com a entrada em vigor de uma nova legislação que priorize a observância dos princípios constitucionais, como a celeridade, a isonomia e a segurança jurídica. É necessário, muito além disso, uma mudança cultural, bem como a reestruturação de todo Poder Judiciário.
Assim, os tribunais deverão se reorganizar a fim de que consigam absorver essa nova função, qual seja, a realização do juízo de admissibilidade da apelação.
2.2. Classificação dos pressupostos recursais
Feita essa primeira abordagem acerca do julgamento bipartido dos recursos e do juízo de admissibilidade recursal, passamos à classificação dos pressupostos recursais.
Em primeiro lugar, cumpre destacar que não há uniformidade na doutrina quanto à classificação desses pressupostos. No presente trabalho, adotamos a sistematização proposta por Barbosa Moreira, que separa os pressupostos recursais em intrínsecos e extrínsecos. Essa classificação, não obstante seja criticada por alguns, é utilizada pela maioria da doutrina.
Assim, “para José Carlos Barbosa Moreira, os pressupostos devem ser divididos em extrínsecos (relativos ao exercício do direito de recorrer) e intrínsecos (inerentes à própria existência do direito de recorrer)” (FRANZÉ, 2011, P. 147).
No entanto, assim como alguns autores discordam da eleição do poder de recorrer como critério divisor dos pressupostos recursais, nos parece mais adequado separar esses pressupostos levando-se em consideração o pronunciamento judicial recorrido, e não o poder de recorrer (FRANZÉ, 2011, P. 148).
Desde modo, levamos em consideração decisão recorrida para determinar os pressupostos intrínsecos, e os demais fatores, alheios à decisão, para estabelecer os pressupostos extrínsecos.
Assim, os pressupostos intrínsecos, inerentes ao aspecto interno do pronunciamento judicial recorrido, são 3, a saber:
a) Cabimento
b) Legitimidade para recorrer
c) Interesse recursal
Já os pressupostos extrínsecos, fatores externos à decisão recorrida, são:
a) Preparo
b) Tempestividade do recurso
c) Regularidade formal
d) Inexistência de fato impeditivo ou extintivo do direito de recorrer
3. Pressupostos intrínsecos
Como já apontado anteriormente, “esta categoria de pressupostos está mais relacionada ao aspecto interno da própria decisão recorrida e, por isso, são verificáveis por meio do conteúdo e da forma do pronunciamento impugnado” (FRANZE, 2011, p. 149).
A doutrina destaca as semelhanças existentes entre os pressupostos recursais intrínsecos e as condições de admissibilidade do exame de mérito da ação. Contudo, embora haja semelhanças, são institutos distintos. Conforme leciona Luís Henrique Barbante Franzé (2011, p. 150) citando Tereza arruda Alvim Wambier, os pressupostos de admissibilidade recursal são endoprocessuais, ou seja, referem-se a critérios localizados dentro do processo, enquanto as condições da ação estão localizadas em uma órbita pré-processual.
3.1. Cabimento (recorribilidade e adequação)
Segundo os ensinamentos de Nelson Nery Junior, para que o recurso satisfaça esse pressuposto do cabimento, é necessária a existência de 2 fatores, quais sejam:
a) recorribilidade, ou seja, que exista a previsão legal do recurso, que o recurso esteja previsto na lei; e
b) adequação, isto é, que o recurso seja adequado à espécie, já que a lei prevê um recurso determinado para atacar cada pronunciamento judicial.
A recorribilidade decorre do princípio da taxatividade, segundo o qual é necessário que haja a expressa definição legal de cada recurso. Em outras palavras, o rol dos recursos é taxativo, ou seja, é numerus clausus, de sorte que recurso é somente aquele previsto em lei, não se podendo criar um recuso por interpretação analógica ou extensiva, nem por norma estadual ou regimental.
Nesse ponto é importante fazer uma comparação do artigo 496 do atual CPC, com o artigo 994 do NCPC.
Analisando esse quadro comparativo, verificamos que a maioria dos recursos foi mantida. Percebemos, também, que houve um desmembramento do agravo, bem como a supressão da modalidade “retido”[3], bem como a exclusão dos embargos infringentes.
Portanto, temos agora um rol taxativo com 9 espécies de recursos cabíveis no processo civil brasileiro.
Em relação à adequação, significa que cada pronunciamento judicial deve ser atacado por um remédio específico.
Nesse ponto, destacamos os seguintes princípios:
a) princípio da unirrecorribilidade ou unicidade, segundo o qual para cada decisão impugnada há apenas um único recurso cabível, cabendo à parte escolher o recurso adequado;
b) princípio da instrumentalidade das formas e princípio da fungibilidade recursal, segundo os quais se o ato alcançar sua finalidade, não deve ser decretada sua nulidade, admitindo-se a conversão e o recebimento de um recurso por outro, no caso de equívoco justificado da parte e desde que não tenha havido erro grosseiro ou má-fé do recorrente, além da preclusão do prazo para sua interposição. Percebemos, portanto, que estes princípios exigem um menor grau de formalismo do processo e, deste modo, contribuem para a rápida solução do litigio. Segundo a doutrina, a fungibilidade dos recursos seria a concretização do princípio da instrumentalidade das formas, lembrando que o processo não é um fim em si mesmo, mas um meio de se garantir a efetividade da justiça e a pacificação social.
3.2. Legitimidade para recorrer
A legitimidade recursal pode ser facilmente compreendida com a seguinte indagação: “Quem pode recorrer”?.
No CPC em vigor, a resposta para essa questão está no artigo 499, enquanto no NCPC, encontramos essa resposta no artigo 996, ambos in verbis:
“Art. 499. O recurso pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério Público.
§ 1º Cumpre ao terceiro demonstrar o nexo de interdependência entre o seu interesse de intervir e a relação jurídica submetida à apreciação judicial.
§ 2º O Ministério Público tem legitimidade para recorrer assim no processo em que é parte, como naqueles em que oficiou como fiscal da lei.
Art. 996. O recurso pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério Público, como parte ou como fiscal da ordem jurídica.
Parágrafo único. Cumpre ao terceiro demonstrar a possibilidade de a decisão sobre a relação jurídica submetida à apreciação judicial atingir direito de que se afirme titular ou que possa discutir em juízo como substituto processual.”
Nesse ponto, embora tenha havido uma pequena alteração na redação do dispositivo, conclui-se que os legitimados recursais continuam os mesmos, sendo eles:
a) A parte vencida, que não se refere apenas ao autor ou réu, mas também ao assistente, ao denunciado, ao chamado, entre outros, como, por exemplo, o juiz na exceção de suspeição.
b) O terceiro prejudicado, que, conforme o parágrafo único do artigo 996, deverá “demonstrar a possibilidade de a decisão sobre a relação jurídica submetida à apreciação judicial atingir direito de que se afirme titular ou que possa discutir em juízo como substituto processual”
c) O Ministério publico, seja tanto atuando como parte ou quanto fiscal da ordem jurídica.
Ao contrário do cabimento, cujo rol é taxativo, o rol dos legitimados recursais é meramente exemplificativo, ou seja, pode haver outros legitimados, como, por exemplo, o chamado amicus curiae, além de outros que, porventura, venham a participar do processo de forma indireta.
3.3. Interesse recursal
Segundo José Carlos Barbosa Moreira (2003, p. 295), são necessários dois pressupostos para configurar o interesse recursal, a saber:
a) necessidade, eis que o recurso deverá ser o único meio para a obtenção do resultado pretendido pelo recorrente.
b) utilidade, tendo em vista que o recurso deve subtrair ou ao menos atenuar o gravame, trazendo, assim, um resultado prático mais vantajoso para o recorrente
Em outras palavras, o interessado deve vislumbrar, na interposição do recurso, alguma utilidade que somente poderá ser obtida através da via recursal, fazendo-se necessário para tanto que a parte interessada em recorrer tenha sofrido algum prejuízo jurídico em decorrência do pronunciamento judicial a ser atacada ou tenha ficado insatisfeita com tal decisão.
4. Pressupostos extrínsecos
Os pressupostos extrínsecos são fatores alheios à decisão impugnada, ou seja, “não guardam relação com o conteúdo do pronunciamento recorrido (são atinentes a fatores externos) e, por essa razão – em regra – se referem aos aspectos posteriores ao pronunciamento impugnado” (FRANZE, 2011, p. 148).
4.1. Preparo – art. 1.007 do NCPC
O preparo consiste no pagamento de todas as despesas necessárias, previstas em lei, para a interposição do recurso.
O não pagamento do preparo implica em deserção e é causa de inadmissibilidade do recurso. Segundo Marinoni e Arenhart (2006, p. 528), a deserção consiste na “sanção aplicada para o não adimplemento das despesas relativas à tramitação dos recursos”.
No NCPC o preparo está disciplinado no artigo 1.007, in verbis:
“Art. 1.007. No ato de interposição do recurso, o recorrente comprovará, quando exigido pela legislação pertinente, o respectivo preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, sob pena de deserção.
§ 1o São dispensados de preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, os recursos interpostos pelo Ministério Público, pela União, pelo Distrito Federal, pelos Estados, pelos Municípios, e respectivas autarquias, e pelos que gozam de isenção legal.
§ 2o A insuficiência no valor do preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, implicará deserção se o recorrente, intimado na pessoa de seu advogado, não vier a supri-lo no prazo de 5 (cinco) dias.
§ 3o É dispensado o recolhimento do porte de remessa e de retorno no processo em autos eletrônicos.
§ 4o O recorrente que não comprovar, no ato de interposição do recurso, o recolhimento do preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, será intimado, na pessoa de seu advogado, para realizar o recolhimento em dobro, sob pena de deserção.
§ 5o É vedada a complementação se houver insuficiência parcial do preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, no recolhimento realizado na forma do § 4o.
§ 6o Provando o recorrente justo impedimento, o relator relevará a pena de deserção, por decisão irrecorrível, fixando-lhe prazo de 5 (cinco) dias para efetuar o preparo.
§ 7o O equívoco no preenchimento da guia de custas não implicará a aplicação da pena de deserção, cabendo ao relator, na hipótese de dúvida quanto ao recolhimento, intimar o recorrente para sanar o vício no prazo de 5 (cinco) dias.”
Conforme disposto no caput, o preparo continua sendo imediato e deve ser comprovado pelo recorrente no ato de interposição do recurso, sob pena de deserção, exatamente como dispõe o caput do art. 511 do CPC/73.
De acordo com § 2º, do art. 1.007 do NCPC, caso o recorrente não efetue o preparo no valor correto, ou seja, quando houver insuficiência no valor do depósito, antes de aplicar a pena de deserção, o recorrente será intimado para complementar o valor, no prazo de 5 dias. Todavia, nesse ponto, não há nenhuma novidade, eis que no CPC em vigor também há a previsão legal desta complementação para o recorrente sanar o vício da insuficiência do preparo.
A novidade está prevista no § 4o , pois em caso de inexistência de preparo o recorrente será intimado para pagar, ou seja, não haverá a deserção imediatamente, ao contrário do que ocorre no CPC/73, em que a pena de deserção é aplicada imediatamente em caso de inexistência do preparo. Todavia, nessas hipóteses, haverá uma penalidade ao recorrente, que deverá pagar o valor em dobro justamente por não tê-lo feito no prazo legal. Além disso, nesse caso, não haverá mais a possibilidade de complementação do valor em caso de insuficiência do preparo, segundo previsão do § 5º.
Importante destacar, portanto, a diferença existente entre a insuficiência do preparo (hipótese em que há um recolhimento a menor e, assim, o recorrente será intimado para complementar o valor correto) e a ausência de preparo (hipótese em que não houve qualquer pagamento e o recorrente será intimado para recolher o valor em dobro).
Destacamos que essa inovação do § 4o se justifica, em primeiro lugar, porque a ausência de preparo constitui um vício sanável. Além disso, um dos principais objetivos do novo diploma legal, priorizando o princípio da instrumentalidade das formas, é justamente alcançar o máximo aproveitamento do processo visando obter um julgamento de mérito.
No entanto, essa inovação poderia ensejar a seguinte dúvida: no caso de recolhimento em dobro das custas de preparo, havendo êxito no recurso, com o provimento total e consequente inversão da sucumbência, as custas em dobro poderiam ser cobradas pelo vencedor ao vencido? Embora o NCPC não traga nenhuma estipulação quanto a essa questão, não nos parece possível a cobrança do valor em dobro, já que o vencido deve arcar somente com as custas normais do processo, sendo que o pagamento em dobro do preparo se dá por desídia exclusiva do recorrente, não podendo, portanto, ser imputado à parte sucumbente (LEMOS, 2015).
Ainda na questão do preparo, o § 3o do art. 1.007, dispõe expressamente sobre a dispensa do recolhimento do porte de remessa e retorno no processo em autos eletrônicos. O porte de remessa e retorno dos autos é espécie do gênero preparo. No entanto, a dispensa desse recolhimento se justifica tendo em vista que, com o processo digital, não há mais o transporte físico do autos, de sorte que tais custas perderam sua razão de ser.
Por fim, o § 7o trata do equívoco no preenchimento da guia de recolhimento recursal, autorizando a correção do seu preenchimento no prazo de 5 dias, tornando esta hipótese um vício plenamente sanável, ao contrário do que entendiam os tribunais superiores.[4]
Segundo Vinicius Silva Lemos (2015), “alguns recursos não têm a necessidade do pagamento das custas processuais para sua interposição, pelo simples fato de não ensejarem uma revisão, um novo julgamento em si. Os embargos de declaração entram nessa isenção justamente por ter a intenção de se reparar um erro, sanar uma dúvida sobre a decisão, não tendo como finalidade primordial a revisão do julgamento em si. Já os Agravos Internos não têm a necessidade das custas processuais pelo fato de somente terem o intuito de revisar a decisão monocrática, mas sim, de provocar o julgamento colegiado do recurso que foi impossibilitado pelo juízo monocrático do relator.”
4.2. Tempestividade do recurso
A tempestividade significa que todo recurso tem um prazo para sua interposição sob pena de preclusão, ou seja, o recurso deve ser interposto dentro do prazo previsto na lei. Trata-se de um instituto cuja importância está intimamente relacionada à segurança jurídica, pois impede que as questões processuais permaneçam indefinidamente em aberto.
No CPC de 1973, não havia uniformidade em relação ao prazo recursal, havendo prazos de 15 dias, 10 dias ou 5 cinco dias para a interposição dos diferentes recursos.
No entanto, a fim de simplificar o sistema recursal, o NCPC unificou os prazos recursais em 15 dias, com exceção feita aos Embargos de Declaração, cujo prazo para oposição continua sendo 5 dias, conforme disposto no artigo 1.003, § 5o: in verbis: “Excetuados os embargos de declaração, o prazo para interpor os recursos e para responder-lhes é de 15 (quinze) dias.”
Já o novo artigo 219 traz uma importante modificação quanto à contagem do prazo, determinando que, em relação aos prazos processuais, serão computados apenas os dias úteis, ao contrário do CPC em vigor que estabelece a contagem em dias corridos.
“Art. 219. Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis.
Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se somente aos prazos processuais.”
Essa alteração era uma antiga reinvindicação da advocacia e traz um conforto maior para o advogado que, assim como qualquer trabalhador, tem direito ao descanso semanal, garantia importante, inclusive, para manutenção da saúde.
Algumas pessoas questionaram essa inovação sob o argumento de que a contagem de prazos somente em dias úteis não contribuiria para a celeridade do processo. No entanto, a morosidade do processo não está relacionada à forma de contagem dos prazos processuais, mas a outras questões mais complexas. Assim, o novo método de contagem dos prazos poderá, de fato, delongar a resolução do mérito em alguns dias, mas nada que comprometa a solução do litigio dentro de um prazo razoável.
Outra questão importante em relação à tempestividade é o novo tratamento dado ao recurso prematuro, aquele interposto antes da publicação da decisão recorrida.
Havia na doutrina e na jurisprudência brasileira grande controvérsia em relação a esse tema, sendo que esse debate vinha se intensificando a partir do uso cada vez maior no dia a dia forense de novas tecnologias que passaram a permitir às partes o conhecimento do conteúdo das decisões judiciais antes mesmo da intimação formal (BALEEIRO NETO, 2015).
“Assim, não são raros os casos em que o conhecimento da decisão e a elaboração e protocolo do correspondente recurso se dão antes mesmo da intimação, gerando discussões quanto à tempestividade, tendo em vista nem ter se iniciado o prazo para interposição. (BALEEIRO NETO, 2015).
No entanto, os Tribunais Superiores, levando em consideração um formalismo exagerado e irracional, utilizando da chamada jurisprudência defensiva, firmaram entendimento no sentido de não conhecerem dos recursos prematuros, inclusive com elaboração de súmula pelo STJ nesse sentido.[5]
Todavia, o NCPC põe fim nessa controvérsia, dispondo no artigo 218, § 4o que qualquer ato processual (e não apenas recursos) praticado antes do início do respectivo prazo será considerado tempestivo.
Essa alteração, que inclusive torna inócua a Súmula n. 418 do STJ, traz mais lógica e racionalidade ao processo e está em consonância com os princípios norteadores do NCPC, eis que não é possível penalizar a parte que age de boa-fé, visando garantir a celeridade do processo.
Outrossim, o NCPC, no art. 1.024, § 5º, traz uma regra específica quanto aos recursos interpostos antes da interrupção do prazo decorrente da oposição de embargos declaratórios:
“Art. 1.024. […]
§ 5o Se os embargos de declaração forem rejeitados ou não alterarem a conclusão do julgamento anterior, o recurso interposto pela outra parte antes da publicação do julgamento dos embargos de declaração será processado e julgado independentemente de ratificação.”
Segundo Diogenes baleeiro Neto (2015), essas alterações, embora ainda não estejam em vigor, devem resultar em modificações no entendimento jurisprudencial vigente, bem como na revogação dos enunciados sumulados contrários ao novo regime, antes mesmo de encerrado o prazo da vacatio legis previsto para o novo Código.
4.3. Regularidade formal
Por este requisito, o recurso só será admitido se o procedimento utilizado para sua interposição pautar-se nos critérios descritos em lei, ou seja, a lei impõe determinados requisitos com relação à forma de interposição de cada recurso que devem ser observados, sob pena de inadmissibilidade.
No NCPC esse requisito está previsto no artigo 997: “Cada parte interporá o recurso independentemente, no prazo e com observância das exigências legais.”
Jose Carlos Barbosa Moreira ensina que, em sentido amplo, os requisitos da regularidade formal consistem na forma escrita e nos fundamentos do recurso. Araken de Assis, por sua vez, adverte que, além dos pressupostos genéricos da regularidade formal, existem outros que deverão ser atendidos em cada caso especifico.
4.4. Inexistência de fato impeditivo ou extintivo do direito de recorrer
Trata-se de pressupostos negativos do recurso, que impedem seu processamento.
Segundo Nelson Nery Júnior (1997), estes fatores nada têm a ver com a decisão que se pretende impugnar em si mesma considerada, razão pela qual colocamos a inexistência deles como requisito extrínseco de admissibilidade dos recursos (NERY JUNIOR, 1997).
Os fatos extintivos consistem na renúncia (CPC/73 art. 502 e NCPC art. 999) e na aquiescência (CPC/73 art. 503 e NCPC art. 1.000), enquanto o fato extintivo consiste na desistência do recurso (CPC/73 art.501 e NCPC art. 998)
Em relação a esses pressupostos negativos não tivemos alterações, mantendo-se as disposições anteriores.
A renúncia consiste na manifestação da parte vencida no sentido de não interpor o recurso e pode ser expressa, quando a parte declara que abre mão do direito de recorrer, ou tácita, quando deixa o prazo do recurso se exaurir. Trata-se de ato jurídico unilateral e não depende da autorização da parte contrária nem tampouco de homologação judicial.
A aquiescência (aceitação do ato decisório), que assim como a renúncia pode ser expressa ou tácita, se verifica quando a parte se conformar com o julgamento desfavorável, ou seja, ocorre quando a parte pratica ato incompatível com a vontade de recorrer.
Por fim, a desistência do recurso é ato jurídico pelo qual a parte desiste do recurso já interposto. Assim como a renúncia, não depende de anuência da outra parte nem de homologação judicial. No entanto, há uma diferença cronológica com a renúncia, pois na desistência o recurso já fora apresentado e a parte desiste do mesmo, enquanto na renúncia ainda não houve a interposição do recurso.
Conclusão
Diante do presente trabalho, podemos concluir que o NCPC sofreu modificações importantes no sentido de se obter maior proximidade com o sistema da Common Law, que tem na jurisprudência sua principal fonte do direito, daí a relevância dos precedentes jurisprudenciais.
Outrossim, após uma leitura atenta do Novo Código de Processo Civil e de sua Exposição de Motivos percebemos que os princípios constitucionais têm um papel de destaque no novo sistema processual, como, por exemplo, a segurança jurídica, a isonomia, a duração do processo por prazo razoável, entre outros.
Na parte relativa aos pressupostos genéricos de admissibilidade recursal visualizamos algumas alterações pontuais e importantes, mas sem que houvesse uma ruptura com o sistema anterior. Houve, na verdade, um aperfeiçoamento e uma atualização, numa tentativa do legislador de simplificar o sistema recursal brasileiro, por exemplo, com a unificação dos prazos recursais.
Ademais, priorizando princípios constitucionais, e no intuito de aproveitar ao máximo o processo, a fim de se obter um julgamento de mérito, imprimiu-se mais racionalidade ao sistema recursal, pondo fim a controvérsias outrora existentes, como é o caso do novo tratamento dado ao recurso prematuro, bem como diante da possibilidade de intimação do recorrente para realizar o pagamento do preparo em dobro na hipótese de ausência do recolhimento das custas recursais.
Estamos vivendo um momento histórico de transição e, embora ainda tenha muitas dúvidas, também tenho muita esperança de que haverá uma melhora na prestação da tutela jurisdicional, tornando o processo mais célere, mais racional e trazendo mais segurança jurídica aos jurisdicionados.
Assim, sem qualquer pretensão de esgotar o tema, esperamos que essas breves considerações ajudem na compreensão da nova sistemática dos pressupostos genéricos de admissibilidade recursal e levantem futuras reflexões e debates sobre o assunto.
ALVIM, Rafael. Parte Geral e princípios constitucionais no CPC 2015. Disponível em: < http://www.cpcnovo.com.br/blog/2015/04/01/parte-geral-e-principios-constitucionais-no-cpc-2015/> Acesso em: 26 jul. 2015.
SANSEVERINO, Paulo. Novo CPC exigirá aprofundamento da análise dos recursos repetitivos. 31 de maio de 2015. Entrevista concedida à Revista Consultor Jurídico. Disponível em: http://conjur.com.br/2015-mai-31/entrevista-paulo-tarso-sanseverino-ministro-stj. Acesso em 15 jun. 2015.
Informações Sobre o Autor
Taís Cristina Carrero Zequini Martini
Advogada; Mestranda em Direito pelo Centro Universitário Eurípides de Marília – UNIVEM– Marília/SP