Resumo: Trata-se de trabalho destinado à análise da condição do nascituro no ordenamento civilista pátrio, bem como da existência ou não de personalidade jurídica ao mesmo. Verificação das teorias que definem o momento da aquisição da personalidade. Apresentação de alguns direitos conferidos ao nascituro.
Palavras-chave:Nascituro, personalidade jurídica, direitos assegurados.
Abstract: This is work for the analysis of the condition of the unborn child in order civilist paternal as well as the existence of legal personality to it. Verification of theories that define the time of acquisition of the personality. Presentation of some rights to the unborn child.
Keywords: Unborn. Legal personality. Rights guaranteed.
Sumário:1 Introdução. 2 Do Nascituro. 2.1 Início da Pessoa Natural. 2.2 Teorias sobre o início da personalidade e o tratamento jurídico reservado ao nascituro. 2.3 Direitos do nascituro. 2.3.1 Direito à vida. 2.3.2 Direito ao alimentos. 2.3.3 Direito a danos morais. 2.3.4 direito ao reconhecimento e a filiação. 3 Conclusão. 4 Referências.
1 Introdução
A proposta do presente artigo é analisar a condição do nascituro perante o ordenamento pátrio vigente considerando a legislação infraconstitucional, bem como a Magna Carta de 1988.
Neste sentido, busca-se em primeiro momento compreender o início da pessoa natural, bem como da personalidade jurídica dos indivíduos.
Ademais, considerando as diversas contradições encontradas na interpretação do artigo segundo do Código Civil de 2002 necessário se faz conhecer as diversas teorias que surgiram a fim de solucionar o impasse sobre a existência ou não de personalidade jurídica ao nascituro.
Por fim, merece destaque o estudo dos direito que são assegurados àqueles concebidos, mas ainda não nascidos.
2 Do nascituro
2.1 Início da pessoa natural
Definir o momento do início da pessoa natural é de extrema importância, visto que este início também marcará começo da personalidade jurídica. Cumpre salientar que após a Constituição Federal de 1988, a dignidade da pessoa humana passou a ser considerada o fundamento precípuo da República Federativa do Brasil, merecendo, por tanto, destaque o estudo da pessoa natural.
Pessoa natural ou pessoa física é o ser humano, a saber, o homem – independente do sexo. Neste sentido preceitua (FARIAS; ROSENVALD, 2012, p. 297): “A pessoa Natural é gente, é o ser humano com vida, aquele ente dotado de estrutura biopsicológica, pertencente à natureza humana”.
Cumpre dizer que todo ser humano é dotado de personalidade jurídica – capacidade de contrair direitos e obrigações – é o que afirma o artigo 1º do Código Civil de 2002.
Não obstante a isso, marcar com exatidão a ocasião que inaugura a vida é tarefa complexa e objeto de grandes discussões doutrinárias.
Com relação ao assunto, o artigo segundo do Código Civil em vigor trata:“A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção os direitos do nascituro”.
Desta feita, observa-se que pelo ordenamento vigente considera-se como marco inicial da personalidade jurídica, bem como da pessoa natural o nascimento com vida. No entanto, resguardam-se,de certa forma,os direitos do nascituro.
O nascimento ocorre quando há a separação da criança do ventre materno, independente da forma do parto, se normal ou por via cirúrgica. Contudo, somente considera-se nascido com vida aquele que respirou, mesmo que durante pouco tempo e que, em seguida, tenha falecido. Sobre isso preleciona (FARIAS; ROSENVALD, 2012, p. 300):
“Nascido é o feto separado do corpo da mãe (natural ou artificialmente). Comprova-se o nascimento com vida através da presença de ar nos pulmões, pela respiração, por meio de procedimento médico denominado docimasia hidrostática de Galeno ou dicimasia pulmonar.”
Vale registrar que em outras legislações, além do nascimento com vida é necessário o preenchimento de outros requisitos. Na Espanha, por exemplo, só será considerada pessoa aquele que tiver forma humana e que permanecer vivo, por ao menos vinte e quatro horas. Já na França, exige-se que aquele que veio ao mundo seja apto para a vida.Considera-se inapto àquele que tem a falta de órgãos essenciais, sem os quais se torna impossível se manter vivo.
2.2 TEORIAS SOBRE O INÍCIO DA PERSONALIDADE E O TRATAMENTO JURÍDICO RESERVADO AO NASCITURO
A palavra nascituro é originária do latim nasciturus e significa aquele que ainda há de nascer. Logo, pode-se afirmar que nascituro é o ser que, embora concebido, ainda se encontra no ventre materno.
Não se pode, todavia, confundir nascituro com concepturo, uma vez que o último ainda não foi concebido. Trata-se da prole eventual, o filho que alguém ainda terá. A este, pode-se reservar alguns benefícios, como por exemplo, bens em testamento, conforme aduz o artigo 1.799, inciso I, do Código Civil de 2002.
Ponto que merece destaque no estudo do tratamento jurídico quanto ao nascituro é em relação a sua natureza jurídica, já que no cenário doutrinário ainda existe bastante nebulosidade e controvérsias.
Diante disso e considerando as contradições constantes no art. 2º do Código Civil de 2002, que condiciona o início da personalidade ao nascimento com vida, mas assegura que os direitos do nascituro devem ser garantidos, três teorias surgiram. Teoria Concepcionista, teoria condicionalista e teoria natalista.
O artigo 2º do Código Civil assevera: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.
No que concerne as teorias supra mencionadas, veja-se: para a os adeptos da teoria concepcionista, que possui forte influência do direito francês, a personalidade jurídica é adquirida antes mesmo do nascimento, desde o momento da concepção. Logo, os direitos do nascituro não estão à mercê da existência ou não de nascimento com vida.
Defendem essa corrente brilhantes estudiosos, tais como: Pontes de Miranda, Flávio Tartuce, Francisco Amaral e outros.
Necessário trazer à baila a significação de concepção, bem como quando se verifica tal momento?
A concepção pode ser conceituada como o encontro do espermatozoide com o óvulo, ocorrendo à fecundação. Marca, por tanto o início do período gestacional. Para os adeptos desta primeira teoria, a personalidade se inicia neste dado momento.
Como forma de sedimentar suas convicções os concepcionistas afirmam que somente aquele que é detentor de personalidade jurídica é capaz de ter direitos. Sendo assim, sabendo-se que as leis vigentes asseguram certos direitos àquele ainda não nascido, conclui-se que o mesmo possui sim personalidade jurídica.
Exemplos de direitos destinados ao ainda não nascido encontram-se previstos nos artigos 124, 124, 126, 127 e 128 do Código Penal Brasileiro. Tais artigos trazem a previsão do crime de aborto, estando este crime descrito no título “Crimes contra a pessoa”.
Ora, se o aborto encontra-se classificado nos crimes quanto à pessoa, pode-se dizer que o nascituro é considerado tal, tendo assim personalidade jurídica.
Conclui-se, por tanto, que o feto tem direito à vida, sendo sujeito passivo em um eventual crime de aborto, recebendo desde a concepção personalidade jurídica.
Em se tratando da teoria da personalidade condicional, seus defensores afirmamque a personalidade jurídica do nascituro inicia-se da concepção, no entanto, fica vinculada,arraigada a uma condição ou situação suspensiva, o nascimento com vida. Aduz Gonçalves (2011, p. 103): “(…) sustenta que o nascituro é pessoa condicional, pois a aquisição da personalidade acha-se sob a dependência de condição suspensiva, o nascimento com vida (…)”.
Há doutrinadores que afirmam não ser esta uma teoria isolada, própria, mas tão somente um desdobramento da teoria natalista, uma vez que assim como esta, também considera que a personalidade jurídica inicia-se com o nascimento com vida.
Destacam-se como adeptos desta segunda teoria os doutos Washington de Barros Monteiro e Fábio Ulhoa Coelho. Em relação a isso destaca-se:
Fábio Ulhoa Coelho apud (FARIAS; ROSENVALD, 2012, p.302): “a condição para que o nascituro seja sujeito de direito, isto é, tenha seus direitos legalmente protegidos, é a de que venha a nascer com vida”.
Por fim, a teoria natalista, adotada pelo Brasil, baseando-se no art. 2º do CC/2002. Seus adeptos (Silvio Rorigues, Arnold Wald) defendem que a personalidade civil inicia-se a partir do nascimento com vida, não existindo qualquer direito antes deste evento. Há, no entanto, mera expectativa de direito.
Com relação a isso adverte (PAMPLONA FILHO; ARAÚJO,2007): “Nascendo com vida, adquirirá personalidade e será titular em plenitude de direitos e obrigações, incluindo os de natureza patrimonial”.
Logo, para os concordantes desta teoria o nascituro não possui personalidade jurídica.
2.3 Direitos do nascituro
Em que pese às divergências constantes entre as teorias vistas, todas se coadunam no sentido de entender que o nascituro começa a possuir ao menos alguns direitos desde a concepção. Seja de maneira condicionada, como na teoria da personalidade condicional, seja em formato de expectativas de direito, como na natalista ou de forma plena, como no caso da teoria concepcionista.Absurdo seria entendimento contrario. Que negasse qualquer existência de direitos. Ora, existe um ser sendo gerado, que se mexe que se alimenta, que merece ter um período gestacional saudável, bem como uma vida pós uterina de qualidade.
Em se tratando da concepção, observa-se que o termo abrange diversos significados a depender da linha de pensamento defendida. No entanto, o pensamento majoritário defende que a concepção, como anteriormente citado, tem o mesmo sentido de fecundação, quando o espermatozoide encontra o óvulo ou gameta feminino. Nota-se que a legislação não resguarda qualquer direito ou expectativa ao espermatozoide e ao óvulo. Somente o faz quando da concepção ou fecundação, em que, então, o art. 2º do Código Civil de 2002 coloca a salvo o nascituro.
2.3.1 Direito à vida
O direito à vida está elencado no rol dos direitos fundamentais e encontra-se previsto de maneira genérica no caput do artigo 5º da Magna Carta de 1988.
Em relação a tal direito Lenza (2008, p. 595) afirma: “O direito à vida, previsto de forma genérica no art. 5º, caput, abrange tanto o direito de não ser morto, privado da vida, portanto, o direito de continuar vivo, como também o direito de ter uma vida digna”.
Nota-se que o direito à vida é o mais importante dos direitos assegurados ao homem, pois sem ele nenhum outro vem a existir.
O homem é o destinatário principal das leis. O Estado deve sempre buscar o bem comum do povo. Ora, se não existe homem, se não existe vida, não existe povo e por consequência não há razão de se constituir um Estado.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) também garante proteção á vida da criança e do adolescente: “Art. 7º – A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência”.
Além do ECA, outros dispositivos infraconstitucionais resguardam a vida do nascituro. Este é o caso da legislação penal que ao criminalizar a pratica do aborto preserva o direito à vida de forma indireta – artigos 124, 125, 126 e 127 do Código Penal.
Neste ponto cumpre salientar que no crime de aborto considera-se sujeito passivo o feto, o nascituro. Surge então nova contradição com o artigo 2º do Código Civil, uma vez que se o nascituro não possui personalidade jurídica também não poderia ser considerado sujeito passivo de um crime, já que nem mesmo pessoa é.
Ainda com relação ao aborto vale dizer que o mesmo em alguns casos é admitido, contudo trata-se de exceção a regra da preservação da vida. Tais casos estão expressos de forma taxativa no artigo 128 do Código Penal.
Logo, o que se vislumbra é que tanto a legislação constitucional quanto a infraconstitucional preocupa-se com a preservação da vida, elevando tal direito ao patamar dos direitos fundamentais.
Por fim, nota-se que o direito a vida não visa apenas garantir a existência do individuo. Vai além disso, uma vez que encontra-se estritamente ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana. Aborda que todo homem deve viver de forma digna, com acesso a todos os instrumentos necessários para que se tenha qualidade de vida.
Sendo assim, é garantia constitucional que o nascituro nasça com vida e que reúna condições dignas para seu crescimento e desenvolvimento durante o período intrauterino e pós uterino.
2.3.2 Direito aos alimentos
Trata-se de direito consagrado a pouco tempo pela legislação brasileira, e visa proteger a dignidade do nascituro.
A atual Constituição da República Federativa do Brasil traz um rol de direitos considerados fundamentais, essenciais ao ser humano, devendo o Estado proporcioná-los através de suas políticas. Dentre tais direitos destaca-se a vida, alimentação e saúde.
Esses direitos precisam ser efetivados de modo a garantir o total desenvolvimento do feto. A lei dos alimentos gravídicos surge não apenas como meio de materializar o direito a dignidade, mas também como forma de criar mecanismos a fim de atingir os objetivos propostos pela Constituição Cidadã.
A Lei 11.804/08,garante o direito ao recebimento dos alimentos gravídicos e foi sancionada pelo então presidente Luís Inácio Lula da Silva. Teve publicação em seis de novembro de dois mil e oito. Referida lei, ao ser criada, possuía doze artigos. Contudo, seis deles foram vetados.
Cumpre mencionar que os alimentos gravídicos são destinados ao nascituro, embora recebidos por sua genitora. Visam arcar com as despesas resultantes do período gestacional e as advindas após o decurso do parto. Neste sentido corrobora o entendimento deNogueira;Tesechuk:
“Alimento gravídicos se trata de verba de caráter alimentar, o qual valor destinam-se as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, do momento da concepção ao parto, até mesmo as referentes à alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais necessidades prescritivas e terapêuticas os quais são indispensáveis a gestante, de acordo com o que o médico julgue necessário e que o juiz considere adequado.”
Ainda sobre o tema, Maria Berenice Dias(2008) afirma que alimento gravídico é aquele que “concede à gestante o direito de buscar alimentos durante a gravidez.”
Logo, pode-se dizer que apesar de o nascituro não ser considerado pessoa, tão pouco possuir personalidade jurídica na esfera cível, é possível que sua genitora pleiteie direitos na qualidade de sua curadora ou tutora. Para tanto, é imprescindível que a criança já tenha sido concebida.
Nota-se, no entanto, que a fixação dos alimentos não induz ao reconhecimento da paternidade. Contudo, para se solicitar os alimentos gravídicos é necessário que a demonstração de indícios suficientes da paternidade. Conforme ensinamentos de Farias; Rosenvald (2012, p. 307): “Para fixação dos alimentos gravídicos a parte interessada deverá demonstrar indícios de paternidade, afinal não haveria como se exigir, nesse momento, a comprovação efetiva da paternidade”.
A finalidade precípua dos alimentos gravídicos é preservar a vida da mãe e do feto, de forma que reúna as condições necessárias para um nascimento saudável. Isto é o que preceitua o artigo 2º da lei 11.804/08:
“Os alimentos de que trata esta Lei compreenderão os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes à alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes.
Parágrafo único. Os alimentos de que trata este artigo referem-se à parte das despesas que deverá ser custeada pelo futuro pai, considerando-se a contribuição que também deverá ser dada pela mulher grávida, na proporção dos recursos de ambos.”
Desta forma, nota-se que a legislação ordinária trouxe grande inovação, atribuindo direitos aquele ainda não nascido. E mais, permitindo que sua genitora ingresse com ação o representando, como se já nascido fosse, mas ainda plenamente incapaz.
Sendo assim, a lei acaba por considerar o nascituro como sujeito de direitos e, por conseguinte e de certa forma, pessoa.
2.3.3 Direito a danos morais
Todo aquele que causa prejuízos a outro tem o dever de indenizar. Com relação a isso Carvalieri Filho (2010, p.3,4) aduz: “A responsabilidade civil opera a partir do ato ilícito, com o nascimento da obrigação de indenizar, que tem por finalidade de tornar indemne o lesado, colocar a vítima na situação em que estaria sem a ocorrência do fato danoso”.
Desta forma, havendo alguma lesão, seja na ordem material ou moral, deve o causador do dano repará-lo de maneira que a situação volte a ser como antes, antes do acontecimento do dano.
Nota-se que o dano causado cria uma situação desequilíbrio na esfera jurídica e, devido a isso, precisa ser reparado.
Logo, pode-se afirmar que a função principal da reparação do dano é retomar, reconstruir o equilíbrio uma vez existente.
No que concerne ao dano moral, este tem sido definido pela maior parte da doutrina de maneira negativa, ou seja, o que não for dano material é dano moral. Assim, sua definição é dada via exclusão. Em abordagem sobre esta visão, afirma Carvalieri Filho (2010, p. 82):
“Há os que partem de um conceito negativo, por exclusão, que, na realidade, nada diz. Dano moral seria aquele que não tem caráter patrimonial, ou seja, todo dano não material. Segundo Savatier, dano moral é qualquer sofrimento que não é causado por uma perda pecuniária.”
Não obstante a isso outros conceitos, baseados na Constituição Federal de 1988 tem surgido. Esses, com base no princípio da dignidade da pessoa humana. Dividem-se em dano moral em sentido estrito e dano moral em sentido amplo. Vaja-se o que Carvalieri Filho (2010, p.82, 84) entende:
“Em sentido estrito, dano moral é violação do direito à dignidade. E foi justamente por considerar a inviolabilidade da intimidade, da vida privada da honra e da imagem corolário do direito à dignidade que a Constituição inseriu em seu art. 5º, V e X, a plena reparação do dano moral. (…) em sentido amplo, envolve esses diversos graus de violação dos direitos da personalidade, abrange todas as ofensas à pessoa, considerada esta em suas dimensões individual e social, ainda que sua dignidade não seja arranhada.”
Assim, o dano moral nada mais é que a ofensa a direitos e valores impalpáveis arraigados à individualidade humana, cujo conteúdo, ao menos por um dado momento, não pode ser expresso monetariamente.
Nessa esteira, o dano moral não está, via de regra, ligado à existência de uma perturbação de cunho psicológico. Obviamente que o dano ocasionado, na maioria das vezes, será acompanhado de sentimentos como tristeza, humilhação, inferioridade. No entanto, o fato é que o dano se caracterizatão somente pela transgressão a quaisquer dos direitos relativos à personalidade, mesmo que isso não cause a vítima transtornos psíquicos. Corroborando com este entendimento Andrade (2004, p. 19) afirma: “O dano moral, portanto, é a violação, em si, de qualquer um dos direitos da personalidade, ainda que em seus aspectos mais íntimos, mas não a lágrima”.
Sendo assim, independente da vítima vir a sofrer ou não com a agressão ela tem direito de ver seus danos reparados, uma vez que se trata de violação aos direito garantidos constitucionalmente e ainda infra constitucionalmente. Mesmo que ela não tenha potencial consciência da gravidade da ofensa seu direito permanece intacto. Logo, é totalmente admissível o reconhecimento do dano moral às crianças, enfermos em estado vegetativo e inclusive ao nascituro.
Ora, o nascituro embora não nascido ainda já possui alguns direitos preservados (a lei põe a salvo – art. 2º do Código Civil de 2002), dentre eles o direito à vida e outros descrito como direitos da personalidade.
Quanto a isso, aduz Farias; Rosenvald (2012, p. 305/306):
“De fato, é induvidoso o reconhecimento ao nascituro dos direitos necessários para que venha a nascer vivo (direitos da personalidade), enfim, dos direitos ligados à sua condição essencial para adquirir personalidade, tais como o direito a reclamar alimentos, à assistência pré-natal e à indenização por eventuais danos causados pela violação de sua imagem (como no exemplo de uma clínica de assistência pré-natal que explora a imagem da ultrassonografia) ou de sua honra. Já há, inclusive, precedente judicial no Superior Tribunal de Justiça reconhecendo a possibilidade de dano moral ao nascituro, em tais hipóteses, confirmando a tese aqui defendida.”
2.3.4 Direito ao Reconhecimento e a Filiação
O nascituro goza de direitos à filiação, bem como de reconhecimento desde a sua concepção. Desta forma, a criança, embora não nascida, deve adquirir todos os direitos como se já nascido fosse. Sobre isso afirma Farias; Rosenvald (2012, p. 306): “Registre-se, ainda, que é reconhecido ao nascituro o direito ao reconhecimento de sua filiação, garantindo-se-lhe a perfilhação, como expressão da sua própria personalidade”.
Julgados do Supremo Tribunal Federal fortalecem este entendimento. Exemplo disso é o caso Glória Trevis, que assegurou o direito do nascituro em realizar o DNA, mesmo com a opinião contrária da genitora. Vejamos:
“Reclamação. Reclamante submetida ao processo de Extradição n.º 783, à disposição do STF. 2. Coleta de material biológico da placenta, com propósito de se fazer exame de DNA, para averiguação de paternidade do nascituro, embora a oposição da extraditanda. 3. Invocação dos incisos X e XLIX do art. 5º, da CF/88. 4. Ofício do Secretário de Saúde do DF sobre comunicação do Juiz Federal da 10ª Vara da Seção Judiciária do DF ao Diretor do Hospital Regional da Asa Norte – HRAN, autorizando a coleta e entrega de placenta para fins de exame de DNA e fornecimento de cópia do prontuário médico da parturiente. 5. Extraditanda à disposição desta Corte, nos termos da Lei n.º 6.815/80. Competência do STF, para processar e julgar eventual pedido de autorização de coleta e exame de material genético, para os fins pretendidos pela Polícia Federal. 6. Decisão do Juiz Federal da 10ª Vara do Distrito Federal, no ponto em que autoriza a entrega da placenta, para fins de realização de exame de DNA, suspensa, em parte, na liminar concedida na Reclamação. Mantida a determinação ao Diretor do Hospital Regional da Asa Norte, quanto à realização da coleta da placenta do filho da extraditanda. Suspenso também o despacho do Juiz Federal da 10ª Vara, na parte relativa ao fornecimento de cópia integral do prontuário médico da parturiente. 7. Bens jurídicos constitucionais como "moralidade administrativa", "persecução penal pública" e "segurança pública" que se acrescem, – como bens da comunidade, na expressão de Canotilho, – ao direito fundamental à honra (CF, art. 5º, X), bem assim direito à honra e à imagem de policiais federais acusados de estupro da extraditanda, nas dependências da Polícia Federal, e direito à imagem da própria instituição, em confronto com o alegado direito da reclamante à intimidade e a preservar a identidade do pai de seu filho. 8. Pedido conhecido como reclamação e julgado procedente para avocar o julgamento do pleito do Ministério Público Federal, feito perante o Juízo Federal da 10ª Vara do Distrito Federal. 9. Mérito do pedido do Ministério Público Federal julgado, desde logo, e deferido, em parte, para autorizar a realização do exame de DNA do filho da reclamante, com a utilização da placenta recolhida, sendo, entretanto, indeferida a súplica de entrega à Polícia Federal do "prontuário médico" da reclamante”.(STF – Rcl-QO: 2040 DF , Relator: NÉRI DA SILVEIRA, Data de Julgamento: 20/02/2002, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 27-06-2003 PP-00031 EMENT VOL-02116-01 PP-00129)
Já em relação ao parentesco, esse também se constatará a partir da concepção e não com o nascimento.
Desta forma, o feto já possui direito a filiação estando no ventre materno. No entanto, para que tal direito se consolide haverá de consignar a filiação em testamento ou mesmo se valer de escritura pública.
O procedimento do reconhecimento “antecipado”, antes do nascimento, acontece com maior frequência nos casos em que há grande chance do genitor vir a falecer, por possuir alguma doença em quadro clínico grave, ou nos casos em que ele, o pai, fique impossibilitado de expressar seu desejo pelo reconhecimento.
Cumpre ressaltar que o reconhecimento pode ser solicitado por qualquer dos genitores em nome do nascituro.
Por fim, a paternidade poderá ser demonstrada por todos os meios de prova em direito admitidas, cabendo inclusive à realização de exame de DNA. Caso seja necessária a realização de aludido exame, será colhido material da placenta. O exame somente poderá ser realizado a partir da nona semana de gestação.
3 Conclusão
Através da abordagem, buscou-se analisar a importância de se definir o marco inaugural da personalidade civil, bem como verificar quais as prospecções que este assunto acaba por refletir ao nascituro.
Vislumbrou-se que apesar do ordenamento civilista adotar a teoria natalista – que afirma que o início da personalidade se dá com o nascimento com vida – o artigo segundo possui redação um tanto quanto nebulosa, pois assegura desde a concepção os direitos do nascituro.
Desta feita, vê-se que tanto a Constituição Federal de 1988, quanto algumas legislações infraconstitucionais têm buscado a satisfação, preservação e a garantia de uma gestação equilibrada, saudável, que ao final resulte no nascimento de uma criança saudável.
Além disso, consagra-se como fundamento da República Federativa do Brasil o princípio da dignidade da pessoa humana, sendo o nascituro destinatário dos cuidados do Estado, como se pessoa natural fosse.
A vida é um direito fundamental de todos, inclusive daqueles que ainda não chegaram a nascer. A partir desse direito outros tantos surgem, notadamente os relativos à personalidade, dentre os quais destacam-se: imagem, honra, integridade, e outros.
Por fim, percebeu-se com o presente trabalho, que parte considerável dos doutrinadores tem considerado o nascituro sujeito de direitos, sendo que o nascimento com vida, apenas aperfeiçoa a existência dos direitos a ele destinados. Prova disto é a possiblidade do feto pleitear alimentos gravídicos, filiação e até mesmo danos morais.
Informações Sobre o Autor
Jamily Bonisson Abreu Brunetti Lourenço
Bacharela em Direito pela Faculdade Capixaba de Nova Venécia. Pós Graduada em Direito Civil pela Universidade Anhanguera