Resumo: Com a atual economia globalizada, os agentes econômicos têm a necessidade de se fortalecerem e se manterem no mercado que está cada vez mais competitivo. Nesse sentido, surgem os atos de concentração, que podem ser benéficos ou não num sistema de livre concorrência. Pensando nisso, é que algumas autoridades concorrenciais começaram a exigir prévia notificação quando da concentração para casos específicos, com o objetivo de avaliar a potencial ou real infração à ordem econômica, que poderá culminar em dominação de mercado, coordenação de preços, entre outras formas de concorrência desleal. Ocorre que muitos agentes tentam burlar essa exigência legal e concluem sua operação para depois notificar o órgão regulador. Essa prática, vedada por lei, denomina-se gunjumping ou “queima da largada”.
Palavras-chave: DIREITO CONCORRENCIAL. NOTIFICAÇÃO DE ATOS DE CONCENTRAÇÃO VULTOSOS. AUSÊNCIA. PRÁTICA DE GUN JUMPING. INFRAÇÃO À ORDEM ECONÔMICA.
Abstract: With today's global economy, economic agents have the need to strengthen and remain on the market that is increasingly competitive. In this sense, there are acts of concentration, which can be beneficial or not a system of free competition. Thinking about it, is that some antitrust authorities began to require advance notice when the concentration for specific cases, in order to assess the potential or actual violation of the economic order, which may lead to market domination, price coordination, among other forms of Unfair rivalry. It happens that many agents try to circumvent this legal requirement and concluded its operation to then notify the regular organ. This practice, prohibited by law, is called gun jumping or "burn the start."
Keywords:competition law. Notification of concentration bulky acts. Absence. Practiceofgunjumping. Breachofeconomicorder.
Em outubro desse ano, foi noticiada a terceira maior fusão da história entre as empresas líderes do mercado cervejeiro: AB InBev (líder de mercado) e SABMiller (vice-líder de mercado).
Notícias dão conta de que a proposta ofertada pela AB InBev para a compra da companhia britânica seria de mais de US$ 100 bilhões e, juntas, essas empresas produziriam cerca de um terço da cerveja mundial.
Por esse motivo, caso o acordo entre as cervejeiras prospere, será necessária a aprovação dos órgãos de concorrência dos países onde estas atuam.
No Brasil, um ato de concentração de grande porte como o anunciado, antes de concretizado, necessita obrigatoriamente de autorizaçãodo Conselho de Defesa Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Esta obrigatoriedade consta da lei antitruste brasileira (Lei n. 12.529/11), em seu artigo 88, que prescreve:
Art. 88. Serão submetidos ao Cade pelas partes envolvidas na operação os atos de concentração econômica em que, cumulativamente:
I – pelo menos um dos grupos envolvidos na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais); e
II – pelo menos um outro grupo envolvido na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais).
O objetivo dessa análise antes da finalização da operação é avaliar se aquele ato de concentração será prejudicial ou não para a concorrência brasileira, antes dela entrar no mercado, de forma a não prejudicar o consumidor, conforme a leitura do parágrafo 5º do supramencionado artigo[1].
Pela lei, as partes envolvidas no ato de concentração não podem mais praticar a integração de seus negócios antes de submeter a operação à análise prévia do Cade.
Caso isso ocorra, é verificado o chamado gunjumping ou “queimada largada”, conduta anticoncorrencial punida com multa, possibilidade das partes terem o seu negócio declarado nulo ou, ainda, sofrer eventual investigação por prática de cartel, dependendo da natureza dos atos de consumação.[2]
De acordo com o parecerista Dr. Daniel Gustavo Santos Roque, “evidencia-se a ocorrência do gunjumping quando se identifica a existência de integração prematura entre os agentes econômicos participantes de determinada operação antes de sua aprovação pela autoridade antitruste, caracterizada por meio da transferência ou usufruto de ativos, de valores mobiliários com direito de voto, troca indevida de informações sensíveis ou mesmo a prática de quaisquer outros atos possam caracterizar o exercício de influência, pela empresa adquirente, sobre aquela a ser adquirida com a realização da operação” (grifo nosso)[3].
O Cade já teve oportunidade de analisar questões envolvendo atos de concentração vultosos e a ausência de sua comunicação.
O leading case sobre gunjumping no direito brasileiro ocorreu em meados de 2013, quando da aquisição de parte acionária da Petrobrás pela OGX em consórcio para exploração de óleo e gás na bacia de Santos.
A respeito do assunto, ouve manifestação do CADE através de consulta da Superintendência-Geral do CADE (Parecer nº 182/2013), com a finalidade de analisar a legalidade do ato de concentração entre as empresas PETROBRÁS e OGX.
Conforme a redação do parecer supracitado, “nesse ponto, o § 2º do artigo 108 do Regimento Interno do CADE é elucidativo quando, ao regulamentar o tema, destaca a vedação à prática dos seguintes atos – todos de caráter exemplificativo – antes da apreciação final da operação pelo CADE:
a) Transferências de ativos;
b) Influência de uma parte sobre a outra;
c) Troca de informações sensíveis que não seja estritamente necessária para a celebração do instrumento formal que vincule as partes.[4]”
A conclusão do parecer foi no sentido de reconhecimento de ato de concentração ilegal – gunjumping -, por ter a compradora – no caso OGX – participado efetivamente nas decisões a serem tomadas pela vendedora – PETROBRÁS – antes mesmo da aprovação da operação, incidindo na modalidade “troca de informações sensíveis”. Foram aplicadas às empresas envolvidas as sanções prescritas nos parágrafos 3º e 4º do artigo 88 da Lei n. 12.529/11.
A decisão do CADE destacou que "a infração de gunjumping é sempre de uma gravidade elevada, mesmo nos casos em que as operações consumadas precocemente não levantem preocupações concorrenciais, uma vez que tal prática representa desafio frontal ao próprio regime de controle prévio de estruturas estabelecido pela Lei nº 12.529/11"[5].
Ainda impõe destacar que a prática de gunjumping pode ocasionar aabertura de processo administrativo para apurar a conduta, podendo resultar na imposição de pena de multa que pode variar entre 0,1% e 20% do faturamento bruto das partes envolvidas no ano anterior à instauração do processo, no setor de atividades afetado pela conduta, conforme prescreve o artigo 37 da Lei n. 12.529/11[6].
Por fim, e importante consignar que, a anulação do negócio jurídico objeto de gunjumping vem sendo flexibilizado pelo Cade, quando da celebração de Acordo de Previsão de Reversibilidade de Operação – APRO.
Isto aconteceu no caso da Goiás Verde Alimentos Ltda. e a Brasfrigo Alimentos Ltda. por efetuarem uma operação de venda de ativos sem a prévia comunicação exigida.
Por haver assinado um Acordo de Previsão de Reversibilidade de Operação[7] em janeiro de 2012, o Cade preferiu firmar um novo acordo com as empresas a anular os atos. Dessa forma, o plenário aprovou um Acordo de Controle em Concentração (ACC), mantendo o contrato assinado em outubro de 2012 como válido[8].
Todavia, essa não é a primeira decisão em que o CADE realiza o procedimento APRO ao invés de anular de plano o ato de concentração, conforme prevê a lei. Casos como Sadia e Perdigão, Brasil Telecom e Oi e Webjet e Gol, são exemplos de casos em que houve o firmamento do contrato de reversibilidade, sendo que no caso da Webjet e Gol, tal acordo foi posteriormente revogado por conta da aprovação da operação de concentração entre as empresas.
Entretanto, não devemos entender a realização de APRO como uma regra, e sim, como uma exceção.
O conselheiro-relator Paulo Furquim fez questão de destacar que o APRO tem como objetivo a proteção do cenário existente no momento e não se confunde com uma tendência de deliberação por parte do órgão antitruste. "O APRO reflete um estado bastante preliminar das informações que estão no CADE. É uma cautela do CADE", avisa o conselheiro[9].
Diante deste cenário, cabe-nos aguardar as próximas decisões do Cade, consignando apenas que a notificação prévia exigida pela lei antitruste brasileira para atos de concentração vultosos é ferramenta hábil para defesa da concorrência e elementar para garantir ao consumidor seus direitos básicos garantidos pela Constituição pátria.
Informações Sobre o Autor
Gabriela Gruber Sentin
Advogada. Especialista em Direito Tributário pelo IBET