Resumo: O direito constitucional assegura a todos um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Transformar positivamente a realidade é objetivo do Estado de direito, e as atividades inerentes à tributação podem atuar nesse sentido. O ICMS, em uma feição extrafiscal, consoante lei que preveja a destinação de receita para um fim específico, encerra ferramental oportuno a estimular o desenvolvimento ambiental sustentável. Daí a denominação de “ecológico”. O artigo em voga investiga e analisa esse mote.
Palavras-chave: Meio Ambiente Equilibrado. Tributação. ICMS Ecológico.
Abstract: The constitutional law ensures everyone an ecologically balanced environment. Positively transform the reality is objective rule of law, and the inherent taxation activities can act accordingly. The ICMS, in a extrafiscal feature, depending on the law providing for the allocation of revenue for a specific purpose, contains timely tools to stimulate sustainable environmental development. Hence the name "green". The article investigates and analyzes in vogue this motto.
Keywords: Balanced Environment. Taxation. Green VAT.
Sumário: 1) Introdução; 2) Entendendo o ICMS; 3) Sistema tributário versus preservação do meio ambiente; 4) ICMS ecológico; 5) Considerações finais; Referências.
1 – Introdução
“A natureza é um doce guia, mas não mais doce do que prudente e justa” M. de Montaigne [1]
“A natureza só é comandada se é obedecida” F. Bacon [2]
A Constituição Federal, em seu artigo 225, é bastante clara: “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Tal comando é norma fundamental, verdadeira diretriz a balizar a proteção ambiental em nosso país, institucionalizando a lídima preocupação com a fauna, a flora e os recursos naturais, determinando aos entes federados responsabilidades e a edificação de políticas públicas para o atendimento desses fins, adequando a realidade nacional às exigências internacionais, e o principal, fixando como meta estatal a qualidade de vida dos brasileiros.
No entanto, a teoria destoa da prática, e não é de hoje, haja vista que o ideal desenvolvimentista perseguido pelas nações sempre incluiu a busca incessante por investimentos produtivos e financeiros como meios alavancadores do crescimento, aptos a gerar divisas e empregos, mantendo um próspero e, aparentemente sem limites, ciclo econômico. Com isso o ideal ecológico acabou por ceder espaço para novas indústrias, para a expansão do comércio e dos serviços, para a extração e transformação de matérias-primas, para a construção de toda uma infraestrutura, enfim, para as oportunidades que o capital oferecia. Nesse ínterim, as cidades, por serem os locais onde as pessoas vivem e se realizam, não poderiam permanecer inertes em face do panorama evolutivo, com seus territórios sofrendo transformações econômicas que passaram a se chocar diretamente com a preservação do meio ambiente. Em suma, o país crescia e os integrantes da Federação perseguiram essa fórmula de desenvolvimento, renegando a um segundo plano a preocupação ecológica.
O advento do século XXI inicia a necessária revolução, pois o planeta começava a reclamar atitudes nesse sentido. Não havia mais como persistir no velho caminho, como garantir o sustento da vida humana nesse quadro de uso irracional e de degradação das condições ambientais. Então, temas como sustentabilidade, correta destinação do lixo, reciclagem, preservação de florestas e de recursos hídricos, aquecimento global, redução do consumo, dentre outros, galgaram a um patamar de real importância na sociedade contemporânea, não podendo mais serem desprezados pelo Poder Público quando de eventuais reformas legislativas.
Todavia, fato é que as municipalidades carecem, muitas vezes, de recursos mínimos para efetivação dessa práxis ecológica, isso quando não podem dar atenção para além do que legalmente lhes é exigido em matéria ambiental. Dentro desse novo paradigma de desenvolvimento, comprometido com um meio ambiente sustentável, sucede a reforma do aparato tributário em resposta ao reclame ecológico, passando-se a utilizar de um imposto como o ICMS, e a parcela deste que é dedicada aos municípios, via transferência de recursos, como instrumento de promoção e de estímulo à criação e manutenção de boas práticas ambientais.
E é simples assim, pois municípios que preservam o meio ambiente, consoante o estabelecido em lei estadual, começam a ser recompensados com maiores repasses, numa dupla função extrafiscal de caráter compensador e incentivador, desenhando uma inédita arquitetura na distribuição de recursos, verticalizando políticas incentivadoras, permitindo que o afluxo de numerário viabilize que as cidades possam reservar parte de seus territórios e de seus esforços à preocupação com um meio ambiente equilibrado, tornando-os agentes dessa transformação.
Este trabalho, enquanto pequena contribuição à análise do instituto do ICMS ecológico, é a oportunidade de volver olhos para a dinamicidade que o Direito Tributário possui no dia-a-dia das pessoas. Explica-se: vários estados já se adaptaram a essa realidade, e assistiram a ascensão de um curioso dilema a respeito de quem merece receber mais recursos, se o município que produz bens e serviços a enriquecer o PIB estadual, ou o município que zela um bem público relevante e impossível de quantificar financeiramente, dada sua relevância estratégica para o nosso futuro, qual seja o nosso meio ambiente. Desse modo, o texto, buscará sintetizar o que é e no que se baseia tal forma de se pensar a redistribuição dos recursos oriundos do ICMS, e os efeitos que está tendo na contemporaneidade brasileira. Essa é a proposta, onde, a partir da investigação científica e da respectiva pesquisa bibliográfica, almeja-se delinear e explicitar esse instrumento fiscal a serviço da preservação ecológica, contribuindo para o debate e a disseminação dessa ideia.
2 – Entendendo o ICMS
O artigo 3º, do Código Tributário Nacional (CTN), estabelece que “tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. A Constituição Federal de 1988 estabeleceu, em seu artigo 145, que são três as espécies tributárias: impostos, taxas e contribuições de melhoria. E os artigos 148, 149 e 195 regulam os empréstimos compulsórios e as contribuições sociais.
Alvo de nosso estudo, a definição de imposto insurge no artigo 16, do CTN, que diz: “Imposto é tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte”. Estes são o típico exemplo de tributos não vinculados, pois, na hipótese de incidência dos impostos, não figura nenhuma ação estatal.
“Esse retorno, em função dos impostos, será realizado através da prestação dos serviços públicos indivisíveis: segurança, manutenção das forças armadas, do aparelho estatal como um todo etc. O que caracteriza o imposto é não haver uma contraprestação específica, na forma de um serviço estatal, individualmente para a pessoa que o paga; mas os recursos advindos dos impostos deverão ser carreados sob a forma de serviços públicos (não divisíveis e prestados direta e proporcionalmente ao contribuinte que o paga, mas gerais e prestados ao conjunto da sociedade” (DIFINI, 2008, p. 26)
O ICMS “É um imposto estadual que incide sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, previsto no art. 155 da Constituição Federal, e regulamentado pela LC. N.º 87/96” (FARAGE; FILHO, 2007, p. 06, apud, MIRANDA, 2010).
Caroline Faria (2009) detalha:
“O ICMS, Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços, pode ser cobrado por cada Estado e pelo Distrito Federal sobre a movimentação de mercadorias e serviços de um Estado para outro, entre municípios ou ainda sobre a importação de mercadorias e prestação de serviços no exterior. O imposto é cobrado das pessoas físicas ou jurídicas inscritas no Cadastro de Contribuintes do ICMS. Porém, mesmo quem não é inscrito no Cadastro tem que pagar o ICMS quando fizer qualquer importação mesmo que eventual e sem intuito comercial.
Criado pela Constituição Federal de 1888, o ICMS é regulamentado de acordo com a lei complementar N.O 87/1996 (Lei Kandir) que contém suas normas gerais, e pelas leis complementares 92/1997, 99/1999 e 102/2000. A aplicação do ICMS também pode depender da legislação tributária de cada Estado que pode determinar, por exemplo, como os recursos do ICMS podem ser aplicados além de determinar quais as alíquotas aplicáveis para cada mercadoria/serviço que devem obedecer ao chamado “critério de essencialidade” segundo o qual mercadorias/serviços considerados essenciais (arroz, feijão, etc.) devem ter uma tributação menor que outros considerados supérfluos (exemplo: cigarros).
Entretanto, a Constituição Federal determina que 25% do ICMS arrecadado pelo Estado seja repassado aos municípios. Sendo que desses 25%, ¾, no mínimo, ou 75% devem ser distribuídos aos municípios na proporção do valor adicionado fiscal (VAF) e os outros ¼ , (25%) de acordo com o que dispuser a lei estadual. Veja gráfico abaixo para entender melhor:”
Pela Constituição Federal, cabe a lei que institui o imposto estabelecer normas referentes à sua aplicação e extensão. Como visto na citação acima, a Lei Complementar (LC) nº. 87, de 1996, veio atender ao reclame do dispositivo constitucional. Robinson Sakiyama Barreirinhas (2006, p.466), apresenta, de forma bastante didática, as normas gerais relativas ao ICMS, dita regra-matriz de incidência:
“Critério material: (i) Realizar operações relativas à circulação de mercadorias; (ii) prestar serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação; (iii) promover a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior; (iv) prestar serviços no exterior; (v) prestar serviços, não incluídos na competência dos Municípios, com fornecimento de mercadorias; e (vi) adquirir em licitação mercadorias ou bens apreendidos ou abandonados (art. 155, II e § 2º, IX, da CF, art. 4º, III, da LC 87/1996). Critério espacial: Território do Estado (ou Distrito Federal) tributante. Critério temporal: Momento (i) da saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte, (ii) do início da prestação de serviços tributados, (iii) das prestações onerosas de serviços de comunicação (art. 12, da LC 87/1996). Critério pessoal: Sujeito ativo […] [é o] Estado em que se dá a operação de circulação de mercadoria ou a prestação do serviço. Sujeito passivo […] é quem realiza a operação ou presta o serviço tributado, ou quem importa o bem ou serviço (art. 4º da LC 87/1996). Critério quantitativo: Base de cálculo: valor da operação, preço do serviço ou valor total da importação (incluídos outros impostos) (art. 13 da LC 87/1996). Alíquotas: fixadas pela lei estadual. Senado pode fixar alíquotas mínimas e máximas. Senado fixa as alíquotas interestaduais” (art. 155, § 2º, IV e V, da CF).
Toda a disciplina relativa ao VAF (valor adicionado fiscal), critérios técnicos, forma de apuração, prazos para recursos e datas de repasse, encontra disciplina na Lei Complementar 63/90, em atendimento ao comando contido no artigo 161, I da Constituição Federal. Hugo de Brito Machado (2009, p. 363), reconhece que “o ICMS é tributo de função predominantemente fiscal. É fonte de receita bastante expressiva para os Estados e para o Distrito Federal. Tem sido, todavia, utilizado também com função extrafiscal”. Em suma, segundo o eminente jurista, o imposto em tela, embora com fim arrecadatório, poderá ser seletivo em razão de certas mercadorias ou serviços, respeitados os limites legais, assumindo uma parcela de extrafiscalidade.
3 – Sistema tributário versus preservação do meio ambiente
A modernidade acha-se às voltas com uma séria problemática, qual seja a discussão em torno dos desequilíbrios ambientais causados pela atuação humana no espaço terrestre e na exploração dos recursos naturais. Atitudes a serem tomadas como formas de evitar, prevenir, minimizar ou reparar a vasta extensão de danos causados e/ou potencialmente lesivos são estudadas ao redor do planeta, e o Direito, enquanto ciência, não fica de fora.
A tributação, essencial à manutenção do aparato estatal, e tão presente na vida em sociedade, pode inferir um novo paradigma nesse sentido, haja vista a extrafiscalidade presente em certos impostos. Para o jurista Anselmo Henrique Cordeiro Lopes, extrafiscalidade “é signo que designa o manejo da tributação com o fim de induzir o comportamento dos agentes econômicos”.
Colacionamos, aqui, o conceito de Paulo de Barros Carvalho (2008):
“A experiência jurídica nos mostra, porém, que vezes sem conta a compostura da legislação de um tributo vem pontilhada de inequívocas providências no sentido de prestigiar certas situações, tidas como social, política ou economicamente valiosas, às quais o legislador dispensa tratamento mais confortável ou menos gravoso. A essa forma de manejar elementos jurídicos usados na configuração dos tributos, perseguindo objetivos alheios aos meramente arrecadatórios, dá-se o nome de extrafiscalidade”.
Anselmo Henrique Cordeiro Lopes (2008) diz que:
“De modo compatível, mas não idêntico, com conceitos anteriores, a portuguesa Cláudia Dias Soares entende serem impostos ambientais, em sentido próprio, aqueles destinados à preservação ambiental, e, em sentido impróprio, aqueles destinados à recomposição ambiental [102]. Por sua vez, diz-nos o tributarista espanhol Pedro M. Herrera Molina, com base no Modelo de Código Tributário Ambiental para a América Latina, que, para que esteja presente um tributo ambiental, "el hecho imponible debe tipificar las actividades que ocasionan el daño ambiental o generan el gasto público ambiental" [103]. Tem-se aqui o conceito de tributo ambiental em sentido estrito, isto é, o tributo que incide sobre atividade poluente, de modo a desincentivá-la. Vê-se, aqui, que, em sentido estrito, o tributo ambiental seria sempre um "tributo proibitivo".
De fato, este último conceito parece ser o mais adequado para uma definição stricto sensu. Tributo ambiental – ou verde – deve ser entendido, em sentido estrito, como aquele que tem em sua hipótese de incidência um fato econômico negativamente impactante ao meio ambiente, devendo sua base de cálculo, por sua vez, quantificar esse fato indesejado. Como já dissemos antes, a extrafiscalidade ambiental não serve ao propósito de determinar o conceito de tributo puramente ambiental, visto que não há nenhum tributo puramente fiscal ou extrafiscal, sendo ambos elementos finalísticos presentes, em maior ou menor grau, em todos os tributos.
A extrafiscalidade ambiental, porém, serve para definir o conceito de tributo ambiental em sentido amplo. Neste lato sensu, toma-se por tributo ambiental aquele que é informado por finalidade extrafiscal ambiental, independentemente de incidir sobre atividade poluente ou ambientalmente indesejável. Aqui incluem-se os "tributos premiais", que visam ao incentivo de atividades ambientalmente benéficas ou responsáveis. Em geral, essa extrafiscalidade manifesta-se na alíquota do tributo, que é maior ou menor em razão da compatibilidade ambiental do fato econômico previsto na hipótese de incidência.
Como se pode perceber, o elemento definidor do tributo ambiental em sentido estrito é a hipótese de incidência, a qual é confirmada pela base de cálculo, enquanto que o elemento marcante do tributo ambiental em sentido amplo é sua alíquota, que é maior ou menor em razão não da hipótese de incidência geral, mas sim da qualidade do fato econômico que é previsto genericamente por esse elemento da regra-matriz.
Embora se possa pensar que o tributo ambiental em sentido estrito seja mais importante do que o em sentido amplo, essa ilação não é verdadeira. A introdução de externalidades positivas ambientais (que são efeitos socialmente positivos gerados pelo agente econômico sem a apropriação de seu resultado) nas atividades dos contribuintes somente pode ser operada por meio da tributação promocional, a qual se dá em tributos ambientais em sentido amplo. Já as externalidades negativas (que são efeitos negativos marginais da atividade econômica não-contabilizados no processo produtivo como custo da empresa, acabando por resultar em custo social e ambiental) podem ser imputadas à empresa por meio de tributo ambiental em sentido estrito ou de tributo ambiental em sentido amplo. Noutros termos, podemos dizer que a tributação proibitiva (que incorpora à empresa as externalidades ambientais negativas) pode tanto ser introduzida por meio de tributo ambiental em sentido estrito, quanto por meio de tributo ambiental em sentido amplo, enquanto que a tributação promocional (que premia a externalidade ambiental positiva) só é introduzida por meio de tributo ambiental em sentido amplo.
Em verdade, interessa-nos mais os tributos ambientais em sentido amplo do que os em sentido estrito, porquanto permitem maior flexibilidade do Estado na atividade de influenciar os agentes a adotar decisões econômicas adequadas ao propósito de proteção do meio ambiente, compatibilizando-se esse interesse social e difuso com a liberdade individual do empreendedor, a quem ainda se reserva um campo de livre arbítrio. No âmbito desse conceito amplo, abrem-se mais possibilidades ao legislador, o qual, como bem lembram Fábio Fraga Gonçalves e Janssen Hiroshi Murayama, poderá aproveitar tributos já existentes para promover a tributação ambiental. É o que asseveram os referidos autores:
"O Poder Público poderá aproveitar tributos já existentes e introduzir na legislação específica um viés de extrafiscalidade destinado ao preenchimento da finalidade ambiental, até mesmo porque a tributação ecológica não deve representar aumento da carga tributária. A majoração das alíquotas em determinadas ocasiões deve ser contrastada com a adoção de benefícios fiscais para aqueles que passarem a agir com maior responsabilidade sócio-ambiental”.
Andressa Veronique Pinto Gusmão (2003), também aborda essa questão:
“Ademais da previsão constitucional, a defesa do meio ambiente demanda o abandono da antiquada visão antropocêntrica do direito por uma visão mais realista e adequada medida protetiva, amparada no inovador princípio do protetor-recebedor como forma de proteção do capital social e ecológico”. Prossegue, afirmando que, “não obstante a existência de inúmeros instrumentos legais a disposição em nosso país, a questão ambiental continua a ser tratada de forma pouco efetiva, não só no âmbito governamental, mas, principalmente, pelos atores sociais que muitas das vezes ignoram os direitos e deveres que lhes competem. […] Orientados pelo princípio do protetor-receptor, constituem uma importante forma de transferir recursos ou benefícios da parte que se beneficia diretamente da natureza para a parte que auxilia na conservação do meio ambiente.
São exemplos de tais benefícios: a transferência de recursos financeiros; o favorecimento na obtenção de crédito; a garantia de acesso a mercados e programas especiais; a isenção de taxas e impostos e a disponibilização de tecnologia e capacitação, entre outros.
Sem ressalvas, pode-se afirmar serem os instrumentos de compensação ou prêmios por serviços ambientais uma forma de estímulo para a utilização sustentável do meio ambiente, interesse vital para a população global.”
Como se infere do acima reproduzido, a tributação pode sim figurar ativamente na verticalização de políticas incentivadoras, através do viés extrafiscal de determinados impostos, redistribuindo as receitas públicas de maneira a igualmente abranger o conceito ecológico e, até mesmo, inaugurando a redefinição do conceito capitalista por intermédio de um simples questionamento: o que é mais relevante hoje, o desenvolvimento a qualquer custo ou a sustentabilidade e a premiação de práticas que visem a preservação da fauna e da flora? Assiste-se, portanto, à mescla entre tributação e direito ambiental. Primafacie, o Direito Tributário terá alcançado um estágio visado por todo aparato jurídico nacional, qual seja a pacificação social e a revitalização da cidadania.
4 – ICMS ecológico
Dentre os termos em voga na atualidade, prepondera o “ambientalismo”, que, consoante o Dicionário Houaiss, significa o “conjunto de idéias, ideologia ou movimento em defesa da preservação do meio ambiente”. A ecologia, em seu complexo de sentidos, diz respeito às diferentes maneiras como a sociedade interpreta e se relaciona com o meio físico e natural que a cerca. A gestão ambiental, por sua vez, encerra a persecução de formas objetivas e ativas de “planejar, coordenar, controlar e formular ações para alcançar objetivos estabelecidos para um determinado local, sendo uma importante prática para alcançar o equilíbrio dos diversos ecossistemas” (THEODORO et al., 2004, apud NASCIMENTO et al., 2011, p. 1). Quintas (2006, apud, NASCIMENTO et al., 2011, p. 2) diz que este conceito “deriva de um processo de mediação de interesses e conflitos entre os atores sociais que atuam no meio físico-natural, definindo e redefinindo como os atores através de suas praticas alteram a qualidade do meio ambiente e distribuem custos e benefícios decorrentes de suas ações”.
Visto isso, conforme citado, dos “atores sociais” emergem políticas públicas em resposta aos anseios da coletividade e às necessidades prementes relativas aos desafios ecológicos trazidos pelo século XXI. De fato, a regulação das ações governamentais e o direcionamento dos recursos para a promoção do bem estar por intermédio da resolução de problemas relacionados com o meio ambiente não é mais tão somente um discurso vazio, ganhando status de prioridade e passando a reverberar em toda e qualquer discussão que pretenda repensar o modo como o ser humano encara e utiliza a natureza, patrimônio, verdadeiro ativo, rara preciosidade a integrar as metas de desenvolvimento de qualquer nação.
Na opinião de Adriano Celestino Ribeiro Barros (2007):
“O modelo do Sistema Tributário Nacional a partir da Magna Carta de 1988 não é apenas uma maneira dos entes políticos arrecadarem receitas para gerir a “máquina estatal”. Os impostos devem fomentar as atividades voltadas à preservação ambiental. A titularidade desse direito a uma qualidade de vida saudável é ao mesmo tempo de cada um e de todos, pois o conceito ultrapassa a esfera do indivíduo para repousar na coletividade.”
Nesse ínterim, e tendo em vista que os tributos são, no correto dizer de Luiz Felipe Silveira Difini (2008, p.17), a forma hodierna de se “obter os recursos necessários para regular o funcionamento do Estado”, depreende-se que, ao construir qualquer vertente de política pública direcionada ao fim ecológico, recursos serão precisos e haverão de fazer a diferença nesse caso específico. Logo, um imposto de competência estadual, o ICMS, sigla para o “imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e serviços”, o qual representa a maior receita dos estados, e, não raro, de muitos municípios, já que 25% do produto de sua arrecadação é a eles distribuído, poderá encerrar solução oportuna para a questão ambiental, integrando, positivamente a gestão ambiental.
Conforme esse diapasão, até como forma de viabilizar políticas públicas mais eficientes e amplamente voltadas às atividades de preservação do meio ambiente, estados passaram a incorporar uma inédita metodologia no seio de suas legislações pertinentes à repartição do ICMS para com os municípios, e tais critérios, predominantemente ecológicos, começam a mudar a face dos índices de rateio para a receita pública, e, em alguns casos, vem sendo utilizado como espécie de incentivo financeiro àquelas cidades que priorizaram a preservação dos recursos naturais.
Explicamos melhor. O Título VII, “Da Ordem Econômica e Financeira”, da Constituição Federal, em seu Capítulo I, artigo 170, VI, determina: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: […] VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;”. O artigo 225, da Carta Magna, diz que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Pelo texto legal, depreende-se que o direito ao desenvolvimento deve observar a segurança e a conservação do meio ambiente.
O artigo 3º, da Lei nº 6938/1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, retrata que “Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I – meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;”.
Como lido, a legislação garante a todos um meio ambiente saudável, e, portanto, a sustentabilidade é o critério em voga para a persecução desse direito constitucionalmente assegurado. Logo, a adoção pelos estados de leis que viabilizem a justa recompensa aos municípios que mantém áreas verdes conservadas ou que implementem políticas voltadas à preservação ambiental nada mais traduz do que a busca em se atingir o que a nossa Constituição já preconiza como direito inerente à cidadania.
Nesse sentido, a reforma do aparato tributário procurando atender a esse reclame ecológico é válido e traduz a preocupação com as futuras gerações. E, perseguindo esse pensamento, o ICMS verde ou ecológico vem refletir tal mudança conceitual.
O artigo 158, da Constituição Federal, assevera que “pertencem aos Municípios: […] IV – vinte e cinco por cento do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação: I – três quartos , no mínimo, na proporção do valor adicionado nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, realizadas em seus territórios; II – até um quarto, de acordo com o que dispuser lei estadual ou, no caso dos Territórios, lei federal.”. Eis o fundamento para a implantação do ICMS ecológico, em outras palavras, dos 25% a que os municípios têm direito de repasse do imposto, 75%, ou três quartos, desse valor refere-se ao chamado VAF (Valor Adicionado Fiscal), espécie de medida ligada à proporcionalidade da participação da cidade na circulação de produtos e serviços do estado, e os demais 25%, um quarto, é de livre disposição para que lei estadual venha a fixar o critério de distribuição dos recursos.
5 – Considerações finais
A reforma tributária é tema recorrente do noticiário político e econômico pátrio, e muitas são as razões para isso, haja vista a injusta e desmedida tributação do setor produtivo e dos cidadãos, contudo, requer, a partir da análise do instituto do ICMS ecológico, uma redefinição de prioridades e de conceitos.
Falar em redução de carga tributária, em justiça fiscal, em pacificação arrecadatória são temas recorrentes, entretanto cabe acrescer a essa celeuma a questão ambiental, necessária à atualidade e ao futuro de nosso país. Preservar o que existe é dever de todos, sendo inclusive assegurado constitucionalmente, uma vez que um meio ambiente saudável propicia ganho expressivo em qualidade de vida, oportuniza novos negócios, aprimora processos produtivos, agrega valores à coletividade, enfim, somente traz benefícios para os envolvidos.
Logo, propostas como o ICMS verde redirecionam nossos olhares a uma situação em que o peso dos impostos assume a posição de abrir mais um canal de retorno social, válido e amplamente perceptível, daí que os estados federados tendem a viabilizar sua implantação pelo propósito e pela dinamicidade que o imposto assume.
Disponível em: https://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7949. Acesso em 19/09/2011.
Informações Sobre o Autor
Thiago Nóbrega Tavares
Advogado Especialista em Direito Tributário e Mestre em Ciências Jurídicas