Resumo: A efetividade dos direitos fundamentais ocorre por meio de políticas públicas elaboradas e executadas pela Administração Pública, a qual possui discricionariedade para defini-las. Um dos instrumentos para concretização de tais políticas é o planejamento orçamentário, realizado por meio do Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias, Lei Orçamentária Anual e ainda o Orçamento Participativo.Portanto, diante da omissão ou arbitrariedade do Poder Público, o cidadão poderá demandar política pública judicialmente, ocorrendo assim a intervenção do Judiciário. Não é incomum o Poder Público alegar, diante de direito exigido,a insuficiência de recursos para satisfazer a obrigação. Entretanto, quandoversar sobre mínimo existencial, que seria o mínimo indispensável para garantir vida com dignidade, sua aplicação deve ser imediata. Nesse diapasão, existe a possibilidade de recepcionar a reserva do possível quando não lesaro mínimo existencial, visto que o Judiciário deverá se orientar nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade e a consequente análise do planejamento orçamentário.
Palavras-chaves: Direitos fundamentais. Planejamento orçamentário.Mínimo existencial. Reserva do possível.Razoabilidade.Proporcionalidade
Abstract: The effectivenessof fundamental rightsoccursthrough policies developedandimplementedbythePublicAdministration, whichhasdiscretionto define them. Oneoftheinstrumentstoachievethesepolicies isthe budget planning, conductedbytheMulti-YearPlan, the Budget Guidelines Law, Annual Budget Law andalsotheParticipatory Budget. Therefore, beforetheomissionorarbitrarinessofgovernment, citizenscan sue in courtpolicy, thusleadingto judicial intervention. ClaimstheGovernmenton legal insufficiencyofresourcesrequiredtomeettheobligation. Sowhenbeaboutexistentialminimum, whichwouldbetheminimumrequiredtolive a decentlife, yourapplication must beimmediate. In thisvein, thereisthepossibilityofreceivingthebooking as possiblewhilenotaddressingtheexistentialminimum, sincethejudiciary must beguidedontheprinciplesofreasonablenessandproportionalityandthesubsequentanalysisof budget planning.
Keywords: Fundamental rights. Budget planning. Existentialminimum. Reservationpossible.Reasonableness. Proportionality
Sumário: 1. Das dimensões e da efetividade dos direitos fundamentais 1.1. Breve Histórico1.2. Dimensões ou Gerações?1.2.1. Os direitos fundamentais de primeira dimensão1.2.2. Os direitos fundamentais de segunda dimensão1.2.3. Os direitos fundamentais de terceira dimensão1.3. Da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais2. Da discricionariedade administrativa na formulação de políticas públicas 2.1Conceito de Administração Pública2.2. Vinculação e discricionariedade2.3. Políticas Públicas3.Do planejamento orçamentário 3.1. Orçamento público e planejamento3.2. Instrumentos básicos de planejamento3.2.1. Orçamento Participativo (OP)3.2.2. Plano Plurianual (PPA)3.2.3.Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO)3.2.4. Lei Orçamentária Anual (LOA)3.3. Receitas e despesas no orçamento4. Reserva do possível versus Mínimo existencial: o confronto orçamentário nas políticas públicas sob o viés da concretização de direitos fundamentais 4.1. O princípio da reserva do possível4.2. A garantia do mínimo existencial4.3. Posição do STF4.4.Os princípios da razoabilidade e proporcionalidade como limitadores das decisões judiciais5. Considerações finais.
Introdução
Os direitos humanos são aclamados e protegidos internacionalmente, e como impacto deste clamor, garantiu-se no Brasil, por meio de muitas lutas sociais, os direitos fundamentais, agora reconhecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988. Direitos que ganharam atenção de diversos doutrinadores no decorrer dos anos, especificamente quanto a dimensão de cada direito e a sua efetividade.
Assim, tornou-sedever dos Poderes Executivo e Legislativoa promoção e garantia dos direitos fundamentais, com a implementação por meio de políticas públicas. Debate-se aefetividade dos direitos fundamentais,tema este sempre atual no cotidiano da população brasileira e da ciência jurídica.Todavia, a concretização desses direitos, ainda encontra dificuldades para sua realização, ao passo que, expande-se a judicialização de diversas demandasem áreas da sociedade como saúde e educação.
Consequentemente, surgem as discussões envolvendo a legitimidade do Judiciário em intervir nas políticas públicas, visto que por omissão do Poder Público essa intervenção se faz necessária, ao amparo da visão neoconstitucionalista, pela qualo Judiciário deve atuar da defesa da Constituição, não havendo violação à separação dos poderes.
Para aprofundamento da discussão, faz-se necessário mencionar a discricionariedade da Administração Pública ao implementar políticas públicas, pois essa discricionariedade contém limites que devem ser respeitados tanto pela Administraçãoquanto pelo Judiciário diante da demanda referente a ato discricionário.
Ademais, surge a complexa e polêmica questão quanto aos princípios da reserva do possível e do mínimo existencial, sendo este entendido como o conjunto mínimo de direitos necessariamente efetivados para se manter uma vida digna, e aquele entendido como a insuficiência de recursos disponíveis para concretização dos direitos fundamentais.A partir desse confronto emana a relevância do adequado planejamento orçamentário, tanto para a Administração ao garantir o mínimo existencial, quanto ao judiciário ao analisar a hipótese da reserva do possível, que nem sempre será acolhida.
O instituto do planejamento orçamentário é primeiramente adotado no Brasil pela Lei 4.320/64, e posteriormente na Constituição da República de 1988, mas, agora, com uma estrutura mais dinâmica, dividido em Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei Orçamentária Anual. A seguir, promulga-se a Lei Complementar 101/2000, Lei de Responsabilidade Fiscal, que fiscaliza e exige maior eficácia na aplicação e mais compromisso na elaboração do orçamento.
Postas essas premissas, antes de entrarmos no problema propriamente dito, é preciso estabelecer algumas considerações preliminares fundamentais para o presente estudo, qual seja,a efetividade dos direitos fundamentais, a Administração Pública e sua discricionariedade nas políticas sociais e a relevância do planejamento orçamentário.
1. Das dimensões e da efetividade dos direitos fundamentais
1.1. Breve Histórico
A sociedade mundial evidenciou, nas últimas décadas, a importância dos direitos humanos, de forma a repercutir na sociedade brasileira. Nascidas principalmente na luta contra a ditadura brasileira de 1964, as lutas sociais ganharam forças influenciadas por este consenso mundial, do qual se extraiu que os direitos humanos deveriam ser os princípios fundamentais para uma vida livre, digna e justa em sociedade.
Promulgada em 1988, a Constituição da República Federativa do Brasil[1]veio democraticamente atender aos anseios da sociedade brasileira, tendo como escopo os Direitos Fundamentais enraizados nos Direitos Humanos.
Nesse sentido Antonio Maués e Paulo Weylsustentam:
“A pauta mais importante estabelecida pelas Constituições, para lograrem esse objetivo, são os direitos fundamentais. Ao reconhecê-los como direitos inalienáveis de todos os cidadãos e cidadãs, o Estado incorpora o conteúdo dos direitos humanos ao seu ordenamento jurídico e se compromete a dispor de um conjunto de meios e instituições para garanti-los. Assim, os direitos humanos não são compreendidos como criações do Estado, mas como obra da própria sociedade que, por meio de seus representantes, estabelece os direitos que fundamentam e legitimam o Estado”(MAUÉS; WEYL, 2007, p. 109)
Os direitos fundamentais consequentemente têm como essência a proteção e reconhecimento da dignidade humana, pois quando positivados o poder público tem o dever de garantir tais direitos, sendo assim, torna-se limitada e vinculada a liberdade para sua atuação, pois a partir de então o Estado deverá priorizá-los, ao invés das vontades particulares do governo.
No dizer de Canotilho citado por Moraes, ainda nessa linha de pensamento:
“Os direitos fundamentais cumprem a função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva: (1) constituem, num plano jurídico-objectivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual; (2) implicam, num plano jurídico-subjectivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa).” (CANOTILHO apud MORAES, 2012, p. 28)
José Afonso da Silva (2012) questiona a dificuldade em conceituar os direitos fundamentais, visto a ampliação e transformação destes no envolver histórico, e assim designaram-se várias expressões, tais como: direitos naturais, direitos humanos, direitos do homem, direitos individuais, direitos públicos subjetivos, liberdades fundamentais, liberdades públicas e direitos fundamentais do homem.
Alguns autores conceituam direitos fundamentais como sendo:
“Direitos públicossubjetivos de pessoas (físicas ou jurídicas), contidos em dispositivos constitucionais e, portanto, que encerram caráter normativo supremo dentro do Estado, tendo como finalidade limitar o exercício do poder estatal em face da liberdade individual.” (MARTINS, 2007, p. 53).
Carl Schimitt (apud BONAVIDES, 2012, p. 579) ensina que são aqueles “direitos que receberam da Constituição um grau mais elevado de garantia ou de segurança; ou são imutáveis ou pelo menos de mudança dificultada, a saber, direitos unicamente alteráveis mediante lei de emenda à Constituição”.
Portanto, José Afonso da Silva(2012) defende que a expressão mais adequada é “direitos fundamentais do homem” que é a limitação imposta pela soberania popular aos poderes constituídos do Estado, com o objetivo de concretizar as garantias de uma convivência digna, livre e igual para todas as pessoas, e ainda demonstra a luta popular para a conquista definitiva a efetividade desses direitos.
Conclui-se que os direitos fundamentais são direitos garantidos constitucionalmente, que deverão ser o escopo do poder Estatal em sua atuação, do qual sempre buscará a sua plena efetivação com o intuito de permitir uma vida digna ao cidadão.
É possível, para fins de entendimento, apresentar uma classificação constitucional dos direitos e garantias fundamentais: Direitos e Garantias Individuais e Coletivos (art. 5º); Direitos Sociais (art. 6º a 11); Direitos de Nacionalidade (art. 12); Direitos Políticos (art. 14) e os Direitos de Criação, Organização e Participação em Partidos Políticos (art.17).
Atualmente os direitos fundamentais são classificados em três gerações, mas já é comum alguns doutrinadores versarem sobre direitos de quarta, quinta, sexta e sétima geração.
De acordo com Alexandre de Moraes (2012) as gerações são classificadas temporalmente em primeira geração (CR, arts. 5º e 14); segunda geração (CR, arts. 6º, 7º, 205); terceira geração (CR, art. 225) e quarta geração (CR, arts. 1º e 3º). Com os fenômenos da globalização, genética e cibernética há autores classificando quinta, sexta e até sétima gerações.
1.2. Dimensões ou Gerações?
Os direitos fundamentais sofreram diversas transformações históricas cronológicas, do qual a doutrina denomina como “gerações”. Essa expressão foi utilizada pela primeira vez no ano de 1979, pelo jurista KarelVasak, proferindo-a na aula inaugural no Curso do Instituto Internacional dos Direitos do Homem, em Estrasburgo. Mas atualmente tem-se preferido por alguns doutrinadores utilizar o termo “dimensões” por se considerar um processo evolutivo, cumulativo e de complementaridade em cada dimensão, ao passo que, a terminologia geração dá uma ideia de substituição, exclusão da geração anterior.
Surgem então duas correntes, a geracionista e a dimensionista. Para os doutrinadores que defendem a corrente geracionista, utilizam essa terminologia para apresentar um quadro evolutivo e não significa que há um caráter desconexo e superativo sob cada uma das gerações, esses direitos surgem em momentos históricos diferentes. Já para os dimensionistas, o termo “gerações” representou um incidente de percurso. Para essa corrente não existe um processo de hierarquização entre as dimensões, ambas estão inseridas na transformação social (SILVA, R., 2010).
Nesse sentido, a corrente geracionista considera-se uma “exclusão” cumulada de direitos anteriores, enquanto a dimensionista implica complemento, acúmulo e manutenção de direitos humanos adquiridos historicamente, pelo que é a nomenclatura que passamos a adotar nesta pesquisa.
1.2.1.Os direitos fundamentais de primeira dimensão
Os direitos fundamentais de primeira dimensão surgem tendo como principal fundamento a liberdade, que foram os primeiros direitos a serem estabelecidos pela Constituição da República, apresentam-se como tais os direitos civis: inviolabilidades do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, todas as pessoas sãoiguais perante a lei (CR, art. 5º) e os direitos políticos, estes determinados pela soberania popular, pelo sufrágio universal, pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e pelos instrumentos de democracia direta (CR, art. 14).
“Os direitos da primeira geração ou direitos da liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado.” (BONAVIDES, 2012, p. 582)
Ocorre uma nítida separação entre Sociedade e Estado, que se faz necessária para que sejam realmente reconhecidos os direitos de liberdade do indivíduo face ao poder estatal. De forma que a autonomia e a independência do individuo é garantida diante do Estado e dos membros políticos, assim reconhecidos como direitos individuais. Essa divisão entre Estado e Sociedade é marca histórica das revoluções burguesas, no sentido de limitar o poder autocrático e arbitrário do antigo regime monárquico. Mas importa ressaltar que o movimento contrário, ou seja, a identificação do Estado com a Sociedade surge ao mesmo tempo, já que a soberania do rei é substituída pela soberania do povo, e a soberania de Deus é substituída pela soberania da Nação.
1.2.2. Os direitos fundamentais de segunda dimensão
Os direitos civis e políticos não foram suficientes para garantir o direito à liberdade e igualdade, ao passo que, o liberalismo levou a uma grande exploração do proletariado e consequentemente um aumento nos problemas sociais.
O Estado, por sua vez, a fim de reduzir a decadência das vítimas da sociedadeliberal-capitalista,reconheceu e passou a garantir os direitos de segunda geração, os chamados direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividade. São os direitos à educação, à saúde, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à previdência social, à proteção da maternidade e da infância, à assistência dos desamparados (CR, art. 6º). Registra Bonavides (apud DUARTE, 2011, p.34) que estes direitos “nasceram abraçados ao princípio da igualdade, do qual não se podem separar, pois fazê-lo equivaleria a desmembrá-lo da razão de ser que os ampara e estimula”, e assim permitir o mínimo para uma vida digna através de uma melhor distribuição de riquezas.
Os direitos sociais protegem a dignidade da pessoa humana[2] que é núcleo essencial de todos os direitos fundamentais, e dessa vez o Estado é obrigado a garantir tais direitos, ou seja, agora lhe é imposta uma prestação positiva (atuação) capaz de proporcionar o desenvolvimento do ser humano.
“A segunda dimensão dos direitos fundamentais refere-se às prestações positivas sociais, ou seja: há clamor pela prestação de serviços estatais que visem erradicar ou diminuir as desigualdades sociais favorecendo a consagração da aclamada justiça social, para que seja materializada a igualdade forma criada pelo sistema liberal.” (SILVA JÚNIOR, 2010, p.1)
Juntamente aos direitos sociais surgem as liberdades sociais que seriam os direitos dos trabalhadores à sindicalização, à greve,às férias, ao repouso semanal remunerado, à limitação de jornada, garantia do salário mínimo, entre várias outras conquistas.
Como assinala Luciana Gaspar Melquíades Duarte (2011), essa fase foi importante para o resgate da dignidade humana e de distribuição de renda, pois dentro do modelo de Estado capitalista a renda se concentra nas mãos dos empresários tendo como fim o lucro, mas os direitos sociais são custeados com o tributo arrecadado daqueles que concentram riquezas, consequentemente provendo a justiça social.
1.2.3. Os direitos fundamentais de terceira dimensão
A terceira dimensão é caracterizada pelos direitos de solidariedadee fraternidade, não com mais interesse em proteger os direitos individuais e coletivos, mas sim em proteger a humanidade em um ambiente de transindividualidade. Neste viés se enquadra o direito à paz, ao meio ambiente (CR, art. 225), à comunicação e a propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade.
Paulo Bonavides leciona:
“Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira geração tendem a cristalizar-se no fim do século XX enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo, ou de determinado Estado. Tem primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta. Os publicistas e juristas já o enumeram com familiaridade, assinalando-lhe o caráter fascinante de coroamento de uma evolução de trezentos anos na esteira da concretização dos direitos fundamentais. Emergiram eles da reflexão sobre temas referentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade.” (BONAVIDES, 2012, p. 586)
Alexandre de Moraes (2012), acerca do assunto, ensina que a terceira dimensão engloba o direito a um meio ambiente equilibrado, uma saudável qualidade de vida, ao progresso, à paz, à autodeterminação dos povos e outros direitos difusos, coletivos e transindividuais.
Segundo Sarlet tais direitos têm:
“Caráter preponderantemente defensivo e poderiam enquadrar-se, na verdade, na categoria dos direitos da primeira dimensão, evidenciando, assim, a permanente atualidade dos direitos de liberdade, ainda que com nova roupagem e adaptados ás exigências do mundo contemporâneo.”(SARLET apud DUARTE, 2011, p. 36)
Os direitos fundamentais de terceira dimensão têm nível internacional em sua proteção, tanto que atualmente têm-se celebrado tratados internacionais, com intuito de proteger alguns desses direitos mundialmente como o meio ambiente[3]. Pautam-se na qualidade de vida das pessoas, no uso de informática, nas ameaças concretas em função de danos ao meio ambiente, na manutenção de patrimônios considerados da humanidade.
Paulo Bonavides (2012) admite que a descoberta e a formulação de novos direitos é e será sempre um processo sem fim, e quando um sistema de direitos se faz conhecido e reconhecido, abrem-se novas regiões da liberdade que devem ser exploradas.
Então, percebe-se que para concretização dos direitos fundamentais de terceira dimensão é necessário uma participação e contribuição mútua entre os países, pois esses direitos são de interesse de toda à humanidade, independente de raça, religião ou classe social.
1.3. Da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais
A partir da máxima efetividade das normas constitucionais, ao amparo do §1º, art. 5º, CRFB/88, é dever do Estado a garantia e promoção dos direitos fundamentais constitucionalmente reconhecidos. Assim sendo, não se pode abster ao seu cumprimento, mesmo diante da escassez de recursospúblicos,devendoprivilegiar os direitos considerados essenciais e que fundamentam a Constituição da República, ou seja, aqueles decorrentes do princípio da dignidade da pessoa humana.
A Constituição da República estabeleceu em seu artigo 2º, que o Legislativo, Executivo e Judiciário são Poderes da União independentes e harmônicos entre si. Portanto, cada um desses Poderes possui sua competência e atribuições, e ambos exercem controle um sobre o outro com o fim de se evitar abusos e violação aos direitos fundamentais.
Segundo Oswaldo Canela Junior:
“E assim a teoria da separação dos poderes (art. 2º da CF brasileira) muda de feição, passando a ser interpretada da seguinte maneira: o Estado é uno e uno é seu poder. Exerce-o seu poder por meio de formas de expressão (ou Poderes). Para racionalização da atividade estatal, cada forma de expressão do poder estatal exerce atividade específica, destacada pela Constituição. No exercício de tais funções é vedada às formas de expressão do poder estatal interferência recíproca: é este o sentido da independência dos poderes.” (CANELA JUNIOR apud GRINOVER, 2011, p. 128)
Além de independentes, os poderes devem ser harmônicos entre si para se alcançar os objetivos fundamentais. Ainda segundo Oswaldo Canela Júnior (apud GRINOVER, 2011, p. 129) “cabe ao Poder Judiciário investigar o fundamento de todos os atos estatais a partir dos objetivos fundamentaisinseridos na Constituição” (art. 3º da CR).
“Quanto a dimensão objetiva dos direitos fundamentais, significa dizer que, se o Judiciário deve utilizá-los para realiza o controle de constitucionalidade das normas infraconstitucionais, o Executivo e o Legislativo devem pautar suas ações segundo as balizas por eles ditadas (eficácia irradiante dos direitos fundamentais).Outrossim, o Estado passa a ter o dever de proteção desses direitos, razão pela qual sua atividade deve ser direcionada nesse sentido.” (LAGE, p. 153, 2011)
Nesse sentido ainda defende Clémerson Merlin Cléve:
“Pois bem, esses princípios, esses objetivos, esses direitos fundamentais, vinculam os órgãos estatais como um todo. Vinculam, evidentemente, o Poder Executivo, que haverá de respeitar os direitos de defesa, e ao mesmo tempo propor e realizar as políticas públicas necessárias à satisfação dos direitos prestacionais. Vinculam o Legislador, que haverá de legislar para, preservando esses valores e buscando referidos objetivos, proteger os direitos fundamentais, normativamente, assim como, eventualmente, fiscalizando a atuação dos demais poderes. E, por fim, vincula também o Poder Judiciário que, ao decidir, há, certamente, de levar em conta os princípios, os objetivos e os direitos fundamentais. Os agentes públicos brasileiros estão comprometidos, estão absolutamente vinculados a esses parâmetros constitucionais, ou seja, a Constituição desde logo retirou do mundo político, da esfera da disputabilidade política, aquilo que é nuclear para nós, os integrantes da comunidade republicana brasileira.”(CLÉVE, 2003, p. 3)
Portanto, o Estado por meio da atuação da Administração Pública, “deve gerir corretamente a receita arrecadada, custeando seus serviços e concretizando os direito fundamentais” (FARO, 2012, p. 5)consequentemente colocando em prática as políticas públicas e assim se esperaaaplicação de forma correta dos recursos públicos.
Quando o Estado não garantir as condições mínimas para que as pessoas possam se desenvolver e tenham chances reais de assegurar por si próprias a dignidade, ou seja, faltar vontade política, ou mesmo por arbitrariedade ou omissão, constitui violação ao principio da dignidade da pessoa, um fundamento do Estado, podendo o cidadão reivindicar judicialmente a prestação equivalente.
A visão neocontitucionalista trata da separação dos poderes defendendo a ideia de que o Judiciário é responsável por defender a Constituição, então ao se perceber que ela está sendo violada, deve-se fazer valer o que nela consta.
Lenza trata o neoconstitucionalismo da seguinte forma:
“Dentro de uma nova perspectiva dada ao constitucionalismo, que se convencionou denominar de neoconstitucionalismo, constitucionalismo pós-moderno ou pós-positivista, há que se reconhecer a legitimidade do Poder Judiciário para intervir na consecução de políticas públicas, uma vez que se busca, dentro dessa nova realidade, não mais apenas atrelar o constitucionalismo à ideia de limitação do poder público, mas, acima de tudo, buscar a eficácia da Constituição, deixando o texto de ter um caráter meramente retórico e passando a ser mais efetivo, especialmente diante da expectativa de concretização dos direitos fundamentais.” (LENZA apud BARROS, 2012, p.1)
É nesse cenário que emerge o movimento de Controle Judicial das Políticas Públicas, pelo qual o Judiciário, diante da omissão ou ineficácia na efetivação do Poder Público, intervirá afim de que direitos fundamentais sejam efetivamente conferidos ao indivíduo.
“E no que diz respeito à legitimidade democrática, importa deixar claro que o Judiciário atua, de certa maneira, como um poder contra-majoritário em defesa dos direitos das minorias. De outro ângulo, o devido processo legal, a motivação e recorribilidade das decisões, a publicidade de suas manifestações e a vinculação à Constituição parecem constituir meios distintos de atribuição de legitimidade à esfera de atuação do Judiciário.” (CLEVE, 2003, p. 6/7)
Mas “para que seja legítima, a atuação judicial não pode expressar um ato de vontade própria do órgão julgador, precisando sempre reconduzir-se a uma prévia deliberação majoritária, seja do constituinte, seja do legislador”. (BARROSO, 2008, p. 1).
Cabe ao Judiciário garantir o cumprimento das leis ao caso concreto, analisando os preceitos constitucionais, permitindo assim que qualquer cidadão ao demandar tenha garantido seus direitos, exigindo desta maneira o cumprimento pelo Poder Público.
Assim sendo não há que se falar em violação doprincipio da separação dos poderes, pois o Judiciário tem o dever de atuar assegurando os direitos expressos na Constituição da República, que por sua vez não irá implementar ou executar as políticas públicas, mas fazer valer as leis quando ocorrer omissão ou prestação precária do Poder Público. Contudo, o juiz deverá se pautar, diante do caso concreto, nos princípios do mínimo existencial e da reserva do possível em que este último caberá análise do planejamento orçamentário para a consecução de determinada demanda.
A escassez de recursos não pode ser apresentada como justificativa genérica, devendo ser analisado cada caso concreto, permitindo que o Poder Público justifique com provas cabíveis a impossibilidade e que realmente o seu plano orçamentário está cumprindo com os princípios e direitos constitucionais.
Entende-se que, primariamente, cabe a Administração Pública a consolidação dos direitos fundamentais, portanto colocará em prática sua discricionariedade para consecução de políticas públicas, sempre priorizando tais direitos devida sua relevância e proteção constitucional, a fim de garantir o bem-estar da coletividade.
Infere-se que na omissão ou ação precária do Poder Executivo em relação a efetividade dos direitos fundamentais, é direito-dever do Poder Judiciário intervir nessas questões, sem que isso se apresente como violação da separação de poderes.
2. Da discricionariedade administrativa na formulação depolíticas públicas
2.1. Conceito de Administração Pública
Inicialmente definiremos o vocábulo a ser utilizado neste contexto. Hely Lopes Meirelles (2006) diz que seriam as formas técnicas apropriadas: administração pública grafada em minúsculas indica atividade administrativa ou função administrativa; se registrada em maiúsculas, Administração Pública, significa Estado.
DefineaindaqueAdministração Pública é, pois, todo o aparelhamento do Estado preordenado a realização de serviços, visando à satisfação das necessidades coletivas. (MEIRELLES,2006).
Na concepção de José Afonso da Silva:
“Administração Pública é o conjunto de meios institucionais, materiais, financeiros e humanos preordenados à execução das decisões políticas. Essa é uma noção simples de Administração Pública que destaca, em primeiro lugar, que é subordinada ao Poder político, em segundo lugar, que é meio e, portanto, algo de que se serve para atingir fins definidos e, em terceiro lugar, denota os seus dois aspectos: um conjunto a serviço do Poder político e as operações, as atividades administrativas.”(SILVA, 2012, p. 656)
Na visão de Reinaldo Moreira Bruno (2008, p. 32) a Administração Pública “tem o dever de atuar na defesa, na manutenção, na conservação e no aprimoramento dos bens e interesses da sociedade”.
Define-se Administração Pública como um conjunto de órgãos instituídos a exercerem atividades administrativas, colocando em prática os objetivos do governo, ou seja, do Poder Político, mas, sobretudo gerir os bens e os interesses da sociedade na busca de satisfazer as necessidades da coletividade.
A Administração Pública inclui os Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios sendo que sua atividade administrativa abrange planejar, dirigir, comandar, como também executar. E vale ressaltar que seus atos sempre serão pautados nos princípios constitucionais de observância obrigatória que são os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, presentes no artigo 37 da Constituição e entre vários outros esparsos pelo texto constitucional.
Dessa forma, o Poder Públicodeverá seguir todos os preceitos do Direito e da moral, e ainda nesse viés obedecer todas as instruções previstas em lei, ou seja, só lhe é permitido fazer o que a legislação autoriza, diferentemente da administração privada, em que tudo é permitido com exceção do que a lei o proíbe (MEIRELLES, 2006, p.88)[4].Partindo deste pressuposto pode-se distinguir “atos vinculados” e “atos discricionários”.
2.2. Vinculação e discricionariedade
A Administração Pública dispõe de poderes que lheimpõe agir de forma vinculada oupermite decidir como agir de forma discricionária, cujo fundamento se encontra no princípio da legalidade. Só poderá fazer o que a lei permite, ou seja, todo e qualquer ato por parte daquela exige regulamentação legal.
Vinculados são os atos administrativos praticados conforme a lei prescreve, permitindo um único comportamento, ou seja, não há liberdade para opção ou decisão, restando ao poder público somente cumprir os preceitos legais.
Segundo Celso Antonio Bandeira de Mello (apud BRUNO, 2008, p.123), atos administrativos vinculados “são aqueles que a Administração pratica sob a égide de disposição legal que predetermina antecipadamente adotado na situação descrita em termos de objetividade absoluta”.
Discricionários são os atos administrativos praticados conforme uma das opções prescritas em lei, ou seja, a lei deixa uma margem de liberdade para agir ou decidir, a autoridade poderá optar por uma das soluções possíveis, válidas perante a norma.
Nesse mesmo sentido de Maria Sylvia Zanella di Pietro (2013, p. 220) defende que “o poder da Administração é discricionário porque a adoção de uma ou de outra solução é feita segundo critérios de oportunidade, conveniência, justiça, equidade, próprios da autoridade, porque não definidos pelo legislador”.
Cabe ressaltar que a discricionariedade nunca é total, dado que todo ato está vinculado à lei, inclusive no que diz respeito à finalidade, que sempre deverá ser pública, e a competência que será indicada em lei. (GASPARINI, 2012).
Juliana Maia Daniel (2011) defende a ideia de que a discricionariedade é uma opção legislativa,poisdiante da impossibilidade de prever várias situações concretas e qual o comportamento deve ser tomado pelo agente, o legislador optou por conceitos indeterminados.A finalidade só poderá ser atingida a partir da atribuição dessa margem de liberdade ao agente estatal, analisando a situação concreta, podendo adotar o comportamento plenamente adequado. “Em decorrência disso, a Administração Pública não pode, por simples ato administrativo, conceder direitos de qualquer espécie, criar obrigações ou impor vedações aos administrados, para tanto depende de lei.” (PIETRO, 2013. p.65)
O ideal positivista seria que a lei regulasse minuciosamente cada ato administrativo, mas diante desta impossibilidade, devido aos inúmeros casos concretos que podem surgir ante o administrador, o legislativo lhe permite escolha regulando minuciosamente somente os casos que compreendeu serem de maior relevância. Pois diante do fato e da realidade que o caso concreto ocorrer será possível identificar se há interesse social e coletivo. Mesmo que em uma dada situação haja ausência total de regulação normativa, o agente estatal deverá fundamentar seus atos na Constituição, ao passo que ela permite uma direção permanente e ainda estabelece sua forma de atuação. Assim sendo os direitos fundamentais servem de parâmetro para controle da discricionariedade,vedando que a discricionariedade seja fundamento para decisões que atendam ineficientemente a coletividade.
Ultrapassando ou contrariando os limites traçados pela lei, a decisão do Poder Público passa ser arbitrária, ou seja, contrária à lei, assim o ato pode ser anulado pela própria Administração ou pelo Judiciário.
Nesse sentido Hely Lopes Meirelles defende:
“Erro é considerar-se o ato discricionário imune à apreciação judicial, pois só a Justiça poderá dizer da legalidade da invocada discricionariedade e dos limites de opção do agente administrativo. O que o Judiciário não pode é no ato discricionário, substituir o discricionarismo do administrador pelo do juiz. Não pode, assim, “invalidar opções administrativas ou substituir critérios técnicos por outros que repute mais convenientes ou oportunos, pois essa valoração” é privativa da Administração. Mas pode sempre proclamar as nulidades e coibir os abusos da administração.”(MEIRELLES, 2006, p.120-121).
Para Maria Sylvia Zanella DiPietrocaberá ao Poder Judiciário examinar a moralidade dos atos administrativos:
“Não cabe ao magistrado substituir os valores morais do administrador público pelos seus próprios valores, desde que uns e outros sejam admissíveis como válidos dentro da sociedade; o que ele pode e deve invalidar são os atos que, pelos padrões do homem comum, atentam para orientar a atitude do juiz. Não é possível estabelecer regras objetivas para orientar a atitude do juiz.”(DI PIETRO, 2013, p. 227)
Então, perante o controle pelo Poder Judiciário com relação aos atos vinculados não se tem dúvida que caberá sua apreciação se esta está em conformidade ou não com a lei, assim se estabelecendo o controle de legalidade. Mas com relação aos atos discricionários, o Judiciário deve respeitar a discricionariedade administrativa, de forma que não pode invalidar ou substituir a escolha feita pela Administração desde que ela não tenha agido arbitrariamente.Portanto, não cabe ao Judiciárioavaliar a conveniência e oportunidade em determinado ato, mas sim sua legalidade e se este extrapolou os limites da discricionariedade.
A discricionariedade administrativa ocorre também no campo das políticas públicas, no qual o Estado tem liberdade para definir quais políticas garantirão a efetivação dos direitos fundamentais arrolados na Constituição. Nesse aspecto, a discricionariedade lhe permite selecionar as prioridades na elaboração da peça orçamentária, sendo este o principal instrumento a ser utilizado pela Administração para concretização das políticas públicas.
2.2. Políticas Públicas
Alguns autores defendem a ideia de que política pública nada mais é que uma prestação estatal positiva, do qual o Poder Público tem livre-arbítrio para defini-las. Fábio Konder Comparato (apud SILVA, R., 2010, p. 145) faz uma importante observação; “que uma das grandes insuficiências da Teoria dos Direitos Humanos é o fato de não se haver ainda percebido que o objeto dos direitos econômicos, sociais e culturais é sempre uma política pública”. Seguindo a observação feita por Comparato, mais atual é a concepção de que o principal objeto para concretização dos Direitos Fundamentais se dará por meio de uma política pública, ao passo que pela grande relevância de tais direitos no ordenamento jurídico, cabe a Administração priorizá-los a fim de promover o bem-estar da sociedade.
O interesse por políticas públicas tem crescido gradativamente, embora não ainda da forma esperada, mas é perceptível o aumento do controle judicial sobre elas, como também o interesse de grupos organizados como sindicatos, associação de moradores na defesa de seus direitos e ainda a inclusão da análise de política pública como disciplina em alguns cursos (FARAH, 2011), de forma que essa visão sob as políticas públicas tem se expandido.Nesse aspecto ainda se faz necessário conceituar o que são políticas públicas para melhor entendimento.
Maria Paula Dallari Bucciassimdiscorre sobre Políticas Públicas:
“Políticas públicas é uma locução polissêmica cuja conceituação só pode ser estipulativa. Isto porque, como entendem Pierre Muller e Yves Surel, uma política pública é um construto social e um construto de pesquisa. A delimitação das fronteiras de uma política pública tem sempre um componente aleatório.(…)
Outro elemento a causar perplexidade no conceito de política pública, formulado no âmbito da sociologia política e de difícil transposição para o direito, são as omissões, que também podem integrar a política pública. Seja a omissão do governo intencional, seja resultado de impasse político ou consequência da não execução das decisões tomadas, ainda assim a atitude do governo e da Administração, num quadro conjuntural definido, pode constituir uma política pública. Para Muller e Surel, toda política pública se caracteriza pelas contradições, e, mais do que isso, há um ‘caráter intrinsecamente contraditório de toda política’.
Como categoria analítica, as políticas públicas envolveriam sempre uma conotação valorativa; de um lado, do ponto de vista de quem quer demonstrar a racionalidade da ação governamental, apontando os vetores que a orientam; de outro lado, da perspectiva dos seus opositores, cujo questionamento estará voltado à coerência ou à eficiência da ação governamental. Essa dimensão axiológica das políticas públicas aparece nos fins da ação governamental, os quais se detalham e concretizam em metas e objetivos.”(BUCCI, 2006, p. 251-252)
Rodolfo de Camargo Mancuso assenta o entendimento de Bucci, de que a conduta omissiva da Administração Pública também pode se considerar política pública.
“Política Pública pode ser considerada como a conduta comissiva ou omissiva da Administração Pública, em sentido largo, voltada à consecução de programa ou meta previstos em norma constitucional ou legal, sujeitando-se ao controle jurisdicional amplo e exauriente especialmente no tocante à eficiência dos meios empregados e à avaliação dos resultados alcançados.” (MANCUSO apud FERRARESI, 2010, p. 491)
Para Flávio Barcellos Guimarães a definição de Política Pública seria:
“Um conjunto de ações estudado, planejado e organizado pelo governo, com ou sem a participação dos setores privado e não governamental, voltado para resolução de problemas específicos ou simplesmente para o desenvolvimento da sociedade.”(GUIMARÃES, 2010, p. 15)
Por fim, considera-se política pública um conjunto de ações e omissões, “não se confunde com ato ou norma, mas é uma atividade que resulta de um conjunto de atos e normas” (DUARTE, 2011, p. 71), a fim de atingir o cumprimento das metas estabelecidas pelo governo (nacional, estadual ou municipal), que serão sempre embasadas nas demandas oferecidas pela sociedade, assim busca-se alcançar o bem-estar social e o interesse público.
As políticas públicas são instrumentos imprescindíveis para efetivação dos direitos fundamentais previstos na Constituição de 1988, sendo que a competência para sua formulação se dá pelos Poderes Legislativo e Executivo, mas sua implementação compete ao Executivo.Suaprincipalfinalidadeé promoveros objetivos arrolados no artigo 3º da Constituição Federal: a) construir uma sociedade livre, justa e solidária; b) garantir o desenvolvimento nacional; c) erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; d) promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Nessa direção, asseveraGibertoBercovici que:
“O fundamento das políticas públicas está na necessidade de concretização dos direitos dos cidadãos através das prestações positivas do Estado, de tal forma que a principal política pública será o desenvolvimento nacional o qual deverá ser harmonizado com as demais. Assim, do desenvolvimento econômico e social aliado à eliminação das desigualdades sociais far-se-á a síntese dos objetivos históricos nacionais.” (BERCOVICIapud SILVA, 2010, p. 147/148)
Luciana Gaspar Melquíades Duarte (2011) ensina que as políticas públicas de longo prazo, que ultrapassam a duração de um mandato, sobretudo, devem estarconsubstanciadas em lei por meio de programas, de forma que o interesse público tenha a estabilidade necessária para sua manutenção, não estando sujeita ao individualismo político, ou seja, a interesses partidários.
“O processo de efetivação das políticas públicas desdobra-se em três momentos; o primeiro seria o da sua formulação, quando são apresentados os pressupostos materiais e jurídicos da ação, constatadas as necessidades sociais, contrapostos os interesses em conflito, fixados os objetivos para, enfim, ser definida uma estratégia de ação. O segundo momento é o da execução ou intervenção, quando são implementadas as medidas materiais e financeiras para sua consecução; e o terceiro, o da avaliação, oportunidade em que são analisados os efeitos sociais e jurídicos das escolhas efetuadas, considerando os fundamentos apresentados.” (DUARTE, 2011, p. 73)
Quanto à formulação prévia das políticas públicas, além decompetir aos Poderes Executivo e Legislativo, ela também pode ocorrer por meio de grupos ou pessoas que participarão deste processo de decisão, como partidos políticos e associações, embora por diversas vezes os interesses podem colidir. Estes grupos devem se mobilizar e se munir de argumentos que convençam a Administração Pública a instituir as políticas por eles defendidas.
Uma das formas de consolidar os programas das políticas públicas em leisé por meiodo planejamento orçamentário, que é subdividido constitucionalmenteem Plano Plurianual (PPA), Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e Lei Orçamentária Anual (LOA), os quais serão instituídas por meio de um planejamento governamental. Outra forma de formulação prévia instituída pela própria Administração, geralmente pelos Municípios, é o Orçamento Participativo (OP), no qual se permite a participação da população no processo de decisão, em que serão definidas quais ações serão implantadas na peça orçamentária,qualseja,no PPA, na LDO e na LOA. É a oportunidade oferecida ao cidadão de escolher, ou até mesmo pressionar o poder público a dar primazia às reais necessidades por eles apresentadas.
3. Do planejamento orçamentário
3.1. Orçamento público e planejamento
O orçamento público é objeto essencial no cotidiano da Administração Pública, pois possibilita ao administrador eficiência e eficácia na gestão e aplicação dos recursos recebidos. Em primórdios de estudos,Aliomar Baleeiro define:
“Orçamento é ato pelo qual o Poder Legislativo prevê e autoriza ao Poder Executivo, por certo período e em pormenor, as despesas destinadas ao funcionamento dos serviços públicos e outros fins adotados pela política econômica ou geral do país, assim como a arrecadação das receitas já criadas em lei.”(BALEEIROapud FURTADO, 2009, p. 41)
Diante da escassez de recursos e das diversas demandas que surgem na sociedade, é necessária a capacidade de gestão. O orçamento permite um bom gerenciamento, ao passo que direciona a destinação final do gasto público, qual seja o atendimento das necessidades da população.
José de Ribamar Caldas Furtado faz uma análise a partir de sua conceituação de orçamento público:
“Orçamento público é o instrumento através do qual os cidadãos, por intermédio de lei aprovada por seus representantes no Parlamento, fixam a despesa e prevêem a receita para o período de um ano, a partir da determinação dos serviços públicos que serão prestados pelo Estado e dos demais objetivos da política orçamentária, bem como da definição de quais, e de que forma, setores da sociedade financiarão a atividade estatal.
Cabe analisar os elementos desse conceito:
a) Instrumento através do qual os cidadãos, por intermédio de lei aprovada por seus representantes no Parlamento, (…). Indica que o orçamento é o ato do Poder Legislativo, não obstante a competência privativa do Chefe do Poder Executivo para apresentar o projeto orçamentário. (…)
b) fixam a despesa e prevêem a receita (…). Diz-se previsão de receitas porque o Estado não tem domínio absoluto sobre os recebimentos que irá efetuar em tempo futuro, uma vez que depende de terceiros (os contribuintes) para a concretização da receita orçada; fala-se em fixação de despesas porquanto a realização da despesa depende exclusivamente do Poder Público, que tem controle irrestrito sobre os gastos públicos;
c) para o período de um ano, (…). Expressa a periodicidade do orçamento público que em regra geral, é anual;
d) a partir da determinação dos serviços públicos que serão prestados pelo Estado e dos demais objetivos da política orçamentária, (…). Significa que o tamanho e as funções atribuídas ao Estado é que determinam a dimensão do orçamento público;
e) bem como da definição de quais, e de que forma, setores da sociedade financiarão a atividade estatal. Refere-se ao escalonamento da carga tributária imposta pelo Estado nas diversas categorias de contribuintes, necessárias para prover as despesas públicas, bem como aos tipos de incidência tributária, e ainda às outras fontes de recursos orçamentários.”(FURTADO, 2009, p. 42-43)
Com a edição da Lei nº 4.320/64 foi estabelecido o orçamento-programa, o qual “estatui normas gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal”. Já existia previsão legislativa exigindo a elaboração e cumprimento do orçamento e conseguinte certo nível de planejamento, masnapromulgação da Constituição de 1988ampliou-se o sentido e alcance de orçamento paraumplanejamento orçamentário mais estruturado.
Dessaforma, a Constituição acrescentou uma estrutura a ser seguida, integrando instrumentos de planejamento: Plano Plurianual (PPA), Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e Lei de Orçamentária Anual (LOA). Em seu artigo165 prevê as regras básicas do PPA, da LDO e da LOA; no artigo 166 em que a LDO e a LOA só poderão ser emendadas se estiverem compatíveis com o PPA; no artigo 167 ela veda execuções de investimentos que ultrapassem o exercício financeiro, quando não houver previsão no PPA; e no artigo 35, § 2º, inciso I, do Ato de Disposições Constitucionais Transitórias dispõe sobre os prazos de elaboração e aprovação do projeto de lei do PPA, da LDO e da LOA.
José Afonso da Silva (2012) considera que a Constituição instituiu um sistema orçamentário efetivamente moderno, permitindo a implantação de um sistema integrado de planejamento do orçamento-programa, fundamentado em planos e programas estruturalmente estabelecidos segundo o plano plurianual.
Percebe-se a preocupação que o Constituinte originário teve com o planejamento orçamentário, visto que, somente através de um bom planejamento é que se pode alcançar uma boa administração e a concretização dos objetivos fundamentais da Constituição da República.
Osvaldo Canela Junior (2011, p. 230) diz que o orçamento-programa representa uma evolução do conceito de orçamento à luz do Estado Social e defende que “eventual insuficiência de recursos não pode constituir elemento de estagnação na concessão de direitos fundamentais, mas vetor de conduta das formas de expressão do poder estatal para a prospecção futura de recursos”.
Para Sérgio Paulo Villaça e Sílvia Butters de Campos, o termo planejamento significa:
“A definição de meios e recursos para atingir objetivos, determinados em função do estudo de uma situação que se pretende mudar. De forma um pouco mais ampla, vai traduzir um conjunto de ações que envolvem apreciação de problemas e perspectivas,a previsão de medidas com vistas à consecução de determinados fins, face aos recursos disponíveis; a avaliação e a correção permanentes dessas ações, na busca de resultados mais amplos e de maior alcance, voltados para a melhoria das condições de vida.” (VILLAÇA; CAMPOS apud FURTADO, 2009, p. 51)
Ressalta Nilton de Aquino Andrade que:
“A prática do planejamento tem como objetivo corrigir distorções administrativas, alterar condições indesejáveis para a coletividade, remover empecilhos institucionais e assegurar a viabilização de objetivos e metas que se pretende alcançar. Considerando tratar-se de uma das funções da administração, o planejamento é indispensável ao administrador público responsável. Nesses aspectos, planejar é essencial, é o ponto de partida para a administração eficiente e eficaz da máquina pública, pois a qualidade do mesmo ditará os rumos para a boa ou má gestão, refletindo diretamente no bem-estar da população.” (ANDRADE, 2008b, p. 1)
O fato é que o planejamento orçamentário permite que os anseios e carências da coletividade sejam priorizados, impede que a Administração defina suas ações durante a execução, considerando apenas o próprio interesse[5], garante que não se gaste mais do que as receitas previstas, permitindo assim um equilíbrio entre receitas e despesas, e principalmente busca transparência nas ações governamentais, sendo uma das exigênciasprevistasno artigo 1º, §1º da Lei Complementar 101/2000, Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF):
“Art. 1º Esta Lei Complementar estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, com amparo no Capítulo II do Título VI da Constituição.
§1º A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições (…).” (BRASIL, 2005, p. 13)
A LRF visa coibir a má aplicação de recursos estatais com formulação de instrumentos de controle na atividade contábil e orçamentária, inclusive responsabilizando o agente público por seus atos durante todo seu mandato, diante disso deverá gerir com seriedade o planejamento orçamentário e seu cumprimento, pois poderá ser responsabilizado administrativa, civil e criminalmentepor irregularidades identificadas.
A seguir abordaremos especificamente os instrumentos básicos para elaboração do planejamento orçamentário, sendo eles o PPA, LDO, LOA e o OP como instrumento de participação popular.
3.2. Instrumentos básicos de planejamento
3.2.1. Orçamento Participativo (OP)
O Orçamento Participativo vem sendo usado por alguns Municípios, embora ainda haja certa resistência por parte de outros, nos quais predomina o interesse político. A participação popular ainda é pequena no OP, porém, tende a crescer à medida que os cidadãos se derem conta da sua importância.
Foi por meio das iniciativas populares que os atores sociais tiveram grande poder de influências, tanto que se reconheceu no artigo 14 da Constituição de 1988 a iniciativa popular como iniciadora dos processos legislativos, garantindo-se um instrumento de exercício direto do poder político democrático. (AVRITZER,2002). Deste processo de iniciativa popular revelou-se a importância da participação dos cidadãos no planejamento orçamentário.
No Brasil, a ideia de orçamento participativo surgiu, pela primeira vez, na cidade de Porto Alegre, Estado do Rio Grande do Sul, através de propostas feitas por associações comunitárias. (AVRITZER, 2002)
A União da Associação dos Moradores de Porto Alegre (UAMPA), depois de proposto pelo prefeito Alceu de Deus Collares a participação popular em sua administração, respondeu-lhe nos seguintes termos:
“O mais importante na Prefeitura é a arrecadação e a definição de para onde vai o dinheiro público. É a partir daí que vamos ter ou não verbas para o atendimento das reivindicações das vilas e bairros populares. Por isso queremos intervir diretamente na definição do orçamento municipal e queremos controlar a sua aplicação.” (UAMPAapud AVRITZER,2002 , p.8)
Nesse sentido o Portal da Transparência do Governo Federal dá a seguinte definição a orçamento participativo:
“O orçamento participativo é um importante instrumento de complementação da democracia representativa, pois permite que o cidadão debata e defina os destinos de uma cidade. Nele, a população decide as prioridades de investimentos em obras e serviços a serem realizados a cada ano, com os recursos do orçamento da prefeitura. Além disso, ele estimula o exercício da cidadania, o compromisso da população com o bem público e a co-responsabilização entre governo e sociedade sobre a gestão da cidade.”(BRASIL, 2013, p.1)
Valdemir Pires descreve as razões pelas quais justificam a participação popular:
“As razões que justificam a intervenção cidadã nos assuntos orçamentários e financeiros dos governos (mais facilmente nos locais do que nos intermediários e superior do federalismo) são: 1) a melhoria das políticas públicas e dos serviços públicos, buscando-se que sejam planejados, priorizados e executados com transparência, eficiência e diálogo com os segmentos sociais e regiões geográficas interessados; 2) um relacionamento estado-sociedade que aprofunde a democracia para além da representativa tradicional, resultando em convivência política de maior qualidade; 3) quando necessário, principalmente em países pobres e/ou marcados por desigualdades sociais, promoção da redistribuição da renda por meio da política fiscal (investimentos, serviços e políticas focadas nas camadas mais prejudicadas pela concentração da renda e da riqueza).” (PIRES, 2013, p.1)
O orçamento participativo é essencial para a constituição de um planejamento orçamentário, visto que terá como alicerce as reais necessidades da população, uma vez que se presume que o Poder Público tenha conhecimento da realidade para definir qual política pública deve ser priorizada. A Administração Pública tem conhecimento, sem dúvida, da previsão de receitas e despesas já fixadas pela Administração, com base em exercícios anteriores e ainda da realidade que assola a população, masainda falta maior interesse político para realizar as ações necessárias. O OP permite ainda maior transparência dos atos administrativos e facilita a posterior cobrança por parte da coletividade, como também do Poder Legislativo, que tem papel preponderante neste processo.
3.2.2. Plano Plurianual (PPA)
O governo federal, estadual ou municipaltem como instrumento de planejamento o Plano Plurianual (PPA), de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo (art. 165, inciso I, CR) e que será executado em período de quatro anos. O PPA será elaborado no primeiro ano de mandato e começará a ser executado no exercício financeiro seguinte, ou seja, no próximo ano, de forma que atingirá o primeiroexercício financeiro do próximo mandato. É o momento em que se transformam em lei todas as promessas feitas durante campanha eleitoral e com isso concretizar os interesses da coletividade.
A Constituição da República, em seu artigo 165 estabelece regras básicas para elaboração do PPA:
“Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:
I – o plano plurianual; (…)
§ 1º A lei que instituir o plano plurianual estabelecerá, de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada.”(BRASIL, 2012, p.101)
Diretrizes“são um conjunto de princípios e critérios os quais devem orientar a execução dos programas de governo” (FURTADO, 2009, p. 95), orientações que irão nortear as ações do governo durante sua execução, a fim de alcançar seus objetivos e buscando uma melhor qualidade de vida à população.
Nilton de Aquino Andrade defende;
“São “bússolas” que dão rumo ao planejamento e são os resultados principais ou maiores, em longo prazo, que necessitaram se desenvolvidos e que se pretendem alcançar. São, pois, o conjunto de programas, ações e de decisões orientadoras dos aspectos envolvidos no planejamento, sendo ainda o nível mais abstrato para formulação geral do plano de governo.” (ANDRADE, 2008a, p.22)
Os programas de governo são instrumentos das diretrizes que serão executados através de ações, visando solucionar o problema ou atender demanda da sociedade.
Os objetivossão os resultados que se concretizam através de programasnaqualestarão inseridas as ações governamentais destinadas a alcançar os anseios da população.
“Quanto ao sentido da palavra “objetivos” inserida na norma constitucional, eles expressam os problemas diagnosticados que se pretende combater e superar e as demandas existentes que se espera atender, consistindo basicamente na definição dos programas de governo, descrevendo a sua finalidade com concisão e precisão.”(ANDRADE, 2008b, p.24)
Já as metas da Administração Pública “são a mensuração das ações de governo para definir quantitativa e qualitativamente o que se propõe ser atendido e qual parcela da população se beneficiará com a referida ação”. (ANDRADE, 2008a, p. 23). É a especificação e quantificação física e financeira que permite mensurar custos, acompanhar e avaliar o PPA e os resultados alcançados.
O artigo 25 da lei 4.320/1964 traz a definição de metas:
“Art. 25. Os programas constantes do Quadro de Recursos e de Aplicação de capital sempre que possível serão correlacionados a metas objetivas em termos de realização de obras e de prestação de serviços.
Parágrafo único. Consideram-se metas os resultados[6] que se pretendem obter com a realização de cada programa” (grifo nosso).
Os programas e as metas governamentais é que irão permitir a consecução das políticas públicas e consequentemente a concretização dos objetivos fundamentais.
Furtadoesclareceaindaos conceitos de despesas de capital, despesas decorrentes das despesas de capital e programas de duração continuada.
“Despesas de capital, que se contrapõem às despesas correntes[7], são aquelas relacionadas com a implantação e expansão de serviços públicos; caracterizam-se por provocar aumento no patrimônio público. Exemplos: investimentos, tais como: construção de estradas, hospitais, escolas.
Despesas decorrentes das despesas de capital são as de manutenção, conservação e funcionamento que, durante a vigência do plano, passarão a ser necessárias como consequência dos investimentos e não estão incluídas dentre as classificadas como programas de duração continuada. Exemplo: despesa com pessoal necessária para o funcionamento do hospital que será construído;
Programas de duração continuada são aqueles que, com execução prevista para o período superior a um exercício financeiro, resultam em prestação de serviços diretamente à comunidade, excluídas as ações de manutenção administrativa (despesas com pessoal, etc.), o pagamento de benefícios previdenciários e os encargos financeiros. Exemplo: programa Bolsa Família do governo federal”.(grifo nosso) (FURTADO, 2009, p.95-96).
3.2.3. Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO)
A LDO é considerada o elo entre o PPA e a LOA, está previsto no artigo 165, inciso II da Constituição da República, a qual em seu §2º define que a LDO deverá compreender as metas e prioridades da Administração Pública, para o exercício financeiro subsequente, de modo que irá orientar a elaboração da LOA. A LDO será anual,irádispor sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento.
Com o advento da Lei de Responsabilidade Fiscal, a importância da LDO aumentou significativamente, epassou a exaltar ainda equilíbrio entre receitas e despesas durante a execução do orçamento; critérios e formas de limitação de empenhos para se cumprir as metas fiscais e do resultado primário e nominal, criar formas de limites de gastos com pessoal, de dívidas, além de outras situações que podem afetar o equilíbrio das contas públicas. (ANDRADE, 2008a).
“Na LDO são definidas as diretrizes que orientarão a Administração na elaboração da proposta orçamentária e na sua execução, sendo selecionadas dentre diversas ações governamentais constantes no PPA aquelas que serão prioritárias durante a elaboração da LOA e da sua execução, compatibilizando-as com os recursos públicos arrecadados, proporcionando assim condições para que as demandas específicas da sociedade sejam priorizadas e realizadas.” (ANDRADE, 2008b, p. 73)
Assim a LDO tem como escopo o planejamento e o acompanhamento das contas públicas, buscando sempre o equilíbrio entre receitas e despesas, ou seja, evitar ou reduzir o endividamento do setor público. São definidas as diretrizes que orientarão o Executivo, na elaboração e execução da peça orçamentária (LOA), responsabilidade dos departamentos de planejamento e de contabilidadenacorreta elaboração da LOA.
Durante a elaboração da LDO serão retiradas do PPA as prioridades que estarão posteriormente estabelecidas na LOA, pois “as prioridades da LDO definem critérios para eleição de quais ações serão detalhadas no orçamento anual até o nível de elemento despesa” (ANDRADE, 2008a, p. 28). Então, reportando-se ao PPA a Administração Pública se orientará definindo quais programas e ações serão prioridades, para logo serem executadas no próximo orçamento anual.
Outro aspecto importante na Lei de Diretrizes Orçamentária é apresentação de metas fiscais (assunto que não adentraremos a fundo, por se tratar mais necessariamente de dados contábeis), que é obrigatória para todos os Municípios, sendo que sua não apresentação implicará em penalidade para o Chefe do Poder Executivo.
Nas metas fiscais, que serão encaminhadas como anexo, estarão estabelecidos:
– “As metas anuais, em valores correntes e constantes, relativas a receitas, despesas, resultados nominal e primário e montante da dívida pública para o exercício a que se refere e para os dois subsequentes;
– Avaliação do cumprimento das metas relativas ao ano anterior;
– Demonstrativo das metas anuais, instruído com memória e metodologia de cálculo que justifiquem os resultados pretendidos, comparando-as com as fixadas nos três exercícios anteriores e evidenciando a consistência delas com as premissas e os objetivos da política econômica nacional;
– Evolução do patrimônio líquido, também nos últimos três exercícios destacando a origem e a aplicação dos recursos obtidos com a alienação de ativos;
– Avaliação da situação financeira e atuarial dos regimes próprios de previdência;
– Demonstrativo da estimativa e compensação da renúncia de receita e da margem de expansão das despesas obrigatórias de caráter continuado.” (ANDRADE, 2008a, p. 30)
Trata-se de um relatório que permitirá o equilíbrio das contas públicas. O projeto orçamentário deverá ser elaborado com base em valores reais e não poderá fazer um orçamento meramente ilustrativo sem estabelecer verdadeiramente tais metas, pois o gestor não conseguirá executá-lo, visto que, se as receitas, despesas, resultados nominal e primário e montante da dívida públicaforem fictícias, na execução das ações correr-se-á o risco de não haver recursos suficientesou ainda gerar o endividamento do ente público, consequentemente não se alcançando o equilíbrio das contas.
3.2.4. Lei Orçamentária Anual (LOA)
A Lei Orçamentária Anual é compatível com o PPA e a LDO, e está estabelecida no artigo 165, inciso III, da Constituição da República. Deve serelaborada pelo Poder Executivo uma proposta orçamentária que, depois de aprovada pelo Poder Legislativo, converterá em Lei Orçamentária Anual.
A elaboração da LOA é anual, como o próprio nome já demonstra, sendo que sua execução se dará no exercício financeiro subsequente a sua aprovação, na qual são previstas as receitas e fixadas as despesas que o governo pretende realizar.
A LOA permite a consecução de vários orçamentos:ofiscal, o de investimento e o da seguridade social, conforme disposto no art. 165, § 5º, da CR:
“Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:(…)
§ 5º A lei orçamentária anual compreenderá:
I – o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo poder público;
II – o orçamento de investimento das empresas em que a união, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto;
III – o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo poder público.” (BRASIL, 2012, p. 101)
“Contudo, alguns Estados e grande maioria dos Municípios brasileiros têm apresentado em suas leis orçamentárias apenas o orçamento fiscal.” (ANDRADE, 2008b, p. 146).
José Afonso da Silva ensina que:
“Cumpre observar que, à vista do disposto nos incisos I e III, poderá haver duplicidadede previsão, porque ambos exigem que sejam abrangidos nos dois orçamentos indicados “órgãos da administração direta ou indireta”, bem como “fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público”. Corre-se o risco de distorções orçamentárias com esse método, mediante dupla avaliação de uma coisa só.” (SILVA, 2012, p. 738-739)
Atualmente o orçamento público é denominado orçamento-programa, como já demonstrado anteriormente, visa considerar todos os custos dos programas e ações no momento de sua elaboração. O orçamento vai discriminar as despesas, demonstrando em quê e para quêos recursos serão direcionados, como também quem são os responsáveis pela execução dos programas. (ANDRADE, 2008a).
Dessa forma, a LOA é o detalhamento de cada uma das etapas constantes no PPA e que foram priorizadas na LDO. Um aspecto de grande relevância na contabilidade pública é que só lhe é permitido realizar despesas que já foram previamente autorizadas, por isso a exigência legal de planejar o orçamento mais próximo da realidade possível, pois nãoé legítimo “inventar” despesas durante a execução do orçamento, uma vez que obrigatoriamente ela deverá está prevista.
Para a construção de um planejamento que realmente atendaàs necessidades da sociedade éindispensávelautilização,de maneira equilibrada e responsável, tanto de meios técnicos com base em fatos, receitas e despesas reais, quantocomprometimentopolítico, representado pelas propostas de governo durante período eleitoral.
3.5. Receitas e despesas no orçamento
Cabe ainda mencionar as receitas e as despesas, visto que é impossível o planejamento orçamentário sem tais previsões.
Na concepção de Nilton de Aquino Andrade (2008b, p. 145)areceita pública é“um conjunto de ingressos monetários aos cofres públicos, provenientes de várias fontes e fatos geradores, que formam as disponibilidades financeiras com as quais a Fazenda Pública pode dispor para o financiamento das despesas públicas”. Ora, são todos os recursos financeiros, previstos legalmente, que acrescem o patrimônio da Administração Pública.
Portanto a despesa pública corresponde o conjunto de gastos incorridos pelo Estado com o objetivo precípuo de prestar serviços públicos aos cidadãos (FURTADO, 2009, p. 157). Por sua vez, as despesas realizadas podem promover a materialização das políticas públicas.
“Do ponto de vista orçamentário, a receita é bem mais simples, tanto na elaboração como na execução. Sua classificação é por fontes (origens) e leva em consideração se são próprias ou transferidas de outro governo. Sua execução é privativa de órgãos fazendários, inclusive com carreiras próprias de servidores, geralmente muito mais bem remunerados que os demais do mesmo governo, e com certo grau de sigilo, especialmente quando envolve contribuintes em dívida com o fisco.
A despesa, por ter maior importância, é classificada por vários critérios, sendo os mais importantes os por funções, subfunções, programa, natureza da despesa e elementos, levando a uma codificação mais complexa e de mais difícil aplicação, gerando, inclusive, diferentes interpretações para alguns dos seus componentes.”(SANTOS, 2001, p. 11).
Tanto as receitas quanto as despesas possuem suas classificações que não nos cabe o mérito de analisá-las neste momento, mas é relevante destacar a importância da previsão de receitas e da fixação de despesas para a execução orçamentária.
A execução orçamentária é a movimentação do orçamento público durante o exercício, na qual as receitas previstas serão arrecadadas, para que se possam realizar as despesas fixadas, porém só poderão ser efetivadas depois de empenhadas. Assim, a execução orçamentária da despesa passa por três fases: empenho[8], liquidação[9] e pagamento da despesa (FURTADO, 2009), mas antes de tudo deverão estar previstas na LOA.
Também é identificadaa execuçãofinanceiraqueé a disponibilidade de caixa da Administração, ou seja, as receitas arrecadadas e as despesas já pagas.
No tocante a LRF, ela trouxe maior rigidez ao cumprimento do orçamento, impondo um planejamento que deve ser realizado concretamente, servindo como instrumento de controle do endividamento do Poder Público.
4. Reserva do possível versus mínimo existencial: o confronto orçamentário nas políticas públicas sob o viés da concretização de direitos fundamentais
4.1. O princípio da reserva do possível
É pacífica a concepção de que para que o Estadoefetive políticas públicas énecessário, em primeiro lugar, disponibilidade de recursos públicos, eis que se esbarra na chamada reserva do possível, sendo uma das principais justificativas da Administração para sua omissão, isto é, a alegação de que não existemrecursos suficientes para implementação de tais políticas.
O princípio da reserva do possível surgiu na Alemanha, onde muitas das decisões proferidas pela Corte Constitucional Federal da Alemanha tinham como argumento as limitações econômicas, na qual os direitos sociais ficariam à mercê de condições financeiras para assegurar sua satisfação.
“As respostas do Poder Público para justificar as limitações de políticas públicas e a impossibilidade de atendimento das reivindicações formuladas pela sociedade, inclusive buscadas judicialmente no que se relaciona aos Direitos Fundamentais, tem adotado como base a reserva do possível, que na sua concepção estabelece alguns parâmetros que subsidiam as decisões, as escolhas procedidas pelos Poderes nas suas atribuições e competências constitucionais.” (SILVA, R., 2010, p. 188)
Cesar Augusto Alckmin Jacob demonstra que depois de vasculhar decisões judiciais e doutrinas no Brasil a respeito da reserva do possível, encontrou três posições:
“(1) Os defensores do argumento, seja qual for o direito discutido, velando pelo cumprimento rigoroso dos orçamentos, (2) os que não aceitam tal alegação em hipótese alguma, por entenderem se tratar de questão de somenos importância diante da realização dos direitos humanos, e, por fim, (3) quem aceite o argumento de reservas, nos casos em que, por exercício de ponderação de valores, o direito pleiteado não deva se sobrepor a necessidade de previsão orçamentária da despesa decorrente da sua concessão.” (JACOB, 2011, p. 250)
Portanto, há estudiosos que defendem a reserva do possível, sendo priorizado o cumprimento do orçamento, como também aqueles que acreditam ser o orçamento menos importante que realizar os direitos humanos, e por último os que acreditam que a depender do direito ele poderá ser concedido mediante previsão orçamentária.
Paulo Sérgio Duarte da Rocha Júnior citado por Ada Pellegrini (apud 2011) defende em sua dissertação de mestrado que o Poder Público, além de alegar, deverá provar a falta de recursos, na qual será aplicada por analogia a inversão do ônus da prova (artigo 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor) ou, ainda, a quem cabe o ônus da prova (artigo 333, CPC), sendo aquele que mais próximo estiver dos fatos ou tiver mais facilidade de prová-los.
Ingo Wolfgang Sarlet apresenta uma dimensão tríplice para sustentar a reserva do possível:
“a) A efetiva disponibilidade fática dos recursos para a efetivação dos direitos fundamentais; b) a disponibilidade jurídica dos recursos materiais e humanos, que guarda íntima conexão com a distribuição das receitas e competências tributárias, orçamentárias, legislativas e administrativas, entre outras, e que, além disso, reclama equacionamento, notadamente no caso do Brasil, no contexto do nosso sistema constitucional federativo; c) já na perspectiva (também) do eventual titular de um direito a prestações sociais, a reserva do possível envolve o problema da proporcionalidade da prestação, em especial no tocante à sua exigibilidade e, nesta quadra, também da sua razoabilidade.” (SARLET; FIGUEIREDO, 2013, p. 30)
Essa dimensão tríplice que Sarlet sustenta, serve como ferramenta a ser aplicada a reserva do possível, sempre orientados por princípios constitucionais para garantia dos direitos fundamentais, não se admitindo assim, o princípio como um obstáculo para efetivar tais direitos, mas possibilitando sua compreensão para melhor aplicabilidade.
“A reserva do possível deve ser utilizada como critério de ponderação, integrante da realidade fática, visto que já reconhecido enquanto princípio, no ordenamento jurídico, e, portanto, influencia na aplicação do Direito, no âmbito de competência de cada um dos Poderes; Judiciário, Executivo e Legislativo.” (SILVA, R., 2010).
Ada Pellegrini Grinover (2011) resguarda que depois de comprovada a insuficiência de recursos e de falta de previsão orçamentária, o Judiciário determinará que na próxima proposta orçamentária o Poder Público fará constar a verba necessária para implementação da política pública. E se ainda persistir o descumprimento, o Judiciário também determinará a obrigação de fazer consistente na implementação da política pública, visto que, não sendo vinculante a lei orçamentária, permite o remanejamento de verbas (artigo 461, § 5º do CPC), poderá ainda o juiz sub-rogar pessoas para cuidar do cumprimento de tais obrigações.
Cabe destacar que o Judiciário, baseando sua argumentação na reserva do possível, poderá condenar a Administração “a duas obrigações de fazer: a inclusão no orçamento da verba necessária ao adimplemento da obrigação; e à obrigação de aplicar a verba para o adimplemento da obrigação” (GRINOVER, 2011, p.138).
Portanto é impossível referir-se a reserva do possível, sem se lembrar dos orçamentos públicos, mais precisamente do planejamento orçamentário, que é estabelecido pela Constituição, que a partir desta ganhou maior importância e ainda o máximo de atenção na fiscalização a partir da LRF.
Contudo, a reserva do possível encontra contra-argumento no mínimo existencial, princípio este que apresenta maior relevância e determina aplicação imediata.
4.2. A garantia do mínimo existencial
A dignidade da pessoa humana constitui-se em um dos fundamentos daRepública Federativa do Brasil, pois contemplado no artigo 1º, inciso III, da Constituição, de tal modo que sua aplicabilidade imediata impõe-sepreferencialmente como garantia de concretizar os objetivos fundamentais arrolados no artigo 3º da CR.
Luiz Roberto Barroso (2010, p. 41) defende que a dignidade humana é um valor moral, que se tornou um valor fundamental dos Estados democráticos em geral, e hoje, absorvido pelo Direito, éreconhecido como um princípio jurídico.
A dignidade humana é inerente e inafastável a todo ser humano independente de raça, sexo, classe social ou religião, sendo que o Estado deve buscar continuamente a garantia de uma vida digna a toda sociedade, senão não o há que se falar em igualdade e liberdade. Assim conforme prevê o artigo 5º, § 1º da CR, “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”, ou seja, quanto se tratar da dignidade da pessoa humana, sendo este um princípio que define demais direitos, não pode o Poder Público eximir-se de garantir sua aplicação imediata, principalmente pelo seu valor constitucional.
Os direitos fundamentais, a serem implementados por meio de políticas públicas, “apresentam um núcleo central, ou núcleo duro, que assegure o mínimo existencial imprescindível para garantir a dignidade humana”(GRINOVER, 2011, p. 132). Portanto, quando há o descumprimento deste núcleo central, é possível a imediata judicialização, permitindo a intervenção do Judiciário para correção ou implementação de políticas públicas (GRINOVER, 2011).
Partindo deste pressuposto Ana Paula de Barcellos afirma que:
“O chamado mínimo existencial, formado pelas condições materiais básicas para a existência, corresponde a uma fração nuclear da dignidade da pessoa humana à qual se deve reconhecer a eficácia jurídica positiva ou simétrica. (…) o mínimo existencial que ora se concebe é composto de quatro elementos, três materiais e um instrumental, a saber: a educação fundamental, a saúde básica, a assistência aos desamparados e o acesso à justiça (grifo nosso). Repita-se, ainda uma vez, que esses quatro pontos correspondem ao núcleo da dignidade da pessoa humana a que se reconhece eficácia jurídica positiva e, a fortiori, o status de direito subjetivo exigível diante do Poder Judiciário.”(BARCELLOSapudTORRES, 2013, p. 70)
Ingo Sarlet menciona o núcleo essencial, em mesmo sentido que o núcleo central ou duro apontado por Ada Pelllegrini, e o vincula ao princípio da dignidade da pessoa humana e o mínimo existencial:
“Que tal núcleo essencial encontra-se diretamente vinculado ao princípio da dignidade da pessoa humana, notadamente (…) ao conjunto de prestações materiais indispensáveis para uma vida com dignidade (grifo nosso) (…). Além disso, a noção de mínimo existencial, compreendida, por sua vez, como abrangendo o conjunto de prestações materiais que asseguram a cada indivíduo uma vida com dignidade, que necessariamente só poderá ser uma vida saudável, que corresponda a padrões qualitativos mínimos, nos revela que a dignidade da pessoa atual como diretriz jurídico-material tanto para a definição do núcleo essencial, quanto para a definição do que constitui a garantia do mínimo existencial, que, na esteira de farta doutrina, abrange bem mais do que a garantia da mera sobrevivência física, não podendo ser restringido, portanto, à noção de um mínimo vital ou a uma noção estritamente liberal de um mínimo suficiente para assegurar o exercício das liberdades fundamentais (grifo nosso). Em se partindo do pressuposto que as prestações estatais básicas destinadas a garantir uma vida digna para cada pessoa constituem, inclusive, parâmetro necessário para a justiciabilidade dos direitos sociais prestacionais, no sentido de direitos subjetivos definitivos que prevalecem até mesmo em face de outros princípios constitucionais como é o caso da "reserva do possível"(Grifo nosso) [e da conexa reserva parlamentar em matéria orçamentária] e da separação dos poderes, apenas para referir os que têm sido mais citados na doutrina, resulta evidente – ainda mais em se cuidando de uma dimensão negativa (ou defensiva) dos direitos sociais (e neste sentido não apenas dos direitos a prestações) – que este conjunto de prestações básicas não poderá ser suprimido ou reduzido (para aquém do seu conteúdo em dignidade da pessoa) nem mesmo mediante ressalva dos direitos adquiridos, já que afetar o cerne material da dignidade da pessoa (na sua dupla dimensão positiva e negativa) continuará sempre sendo uma violação injustificável do valor (e princípio) máximo da ordem jurídica e social.” (SARLET, 2006, p. 15)
Para tanto, é necessária a formulação de políticas públicas a fim de alcançar o mínimo existencial, ou seja, dar primazia à dignidade da pessoa humana para a composição das mesmas. O mínimo existencial é então o mínimo necessário para se viver uma vida digna, e além das prestações básicas já citadas por Barcellos, alguns autores apresentam uma visão mais alargada incluindo ainda o saneamento básico, a tutela do ambiente, o acesso a uma alimentação básica e vestimentas, e a garantia de uma moradia. Não obstante, se observa a difícil tarefa em definir quais prestações estarão incluídas no mínimo existencial, visto que as opiniões ainda divergem.
Para consagração do mínimo existencial e consequentemente uma vida digna não se resta necessário somente garantir a sobrevivência física ou mínimo vital como define Sarlet (2011), mas também condições dignas e com certa qualidade, permitindo o desenvolvimento da personalidade e fruição de suas liberdades fundamentais.
Conclui Sarlet:
“É preciso frisar, por outro lado, que também no que diz com o conteúdo do assim designado mínimo existencial, bem como no que diz com a sua proteção e implementação, existe uma gama variada de posicionamentos no que diz com a atuação do Poder Judiciário nesta seara, de tal sorte que tal temática aqui não será especificamente examinada. De outra parte, mesmo que não se possa adentrar em detalhes, firma-se posição no sentido de que o objeto e conteúdo do mínimo existencial, compreendido também como direito e garantia fundamental, haverá de guardar sintonia com uma compreensão constitucionalmente adequada do direito à vida e da dignidade da pessoa humana como princípio constitucional fundamental. Neste sentido, remete-se à noção de que a dignidade da pessoa humana somente estará assegurada – em termos de condições básicas a serem garantidas pelo Estado e pela sociedade – onde a todos e a qualquer um estiver assegurada nem mais nem menos do que uma vida saudável (grifo nosso).”(SARLET, 2011, p.7)
Contudo, não se faz necessária previsão legal sobre o mínimo existencial, visto que a promoção à vida e a dignidade da pessoa humana como princípios, são resguardados pela Constituição, que por si só já constituem o núcleo essencial que assegura o mínimo existencial. Sarlet (2011) ainda alerta que embora os direitos sociais abarquem algumas dimensões do referido princípio, não podem e não devem ser considerados como o núcleo essencial, mas por sua vez não impede que os direitos sociais sejam interpretados à luz do mínimo existencial, tal premissa parte da ideia de que nem todos os direitos sociais fazem parte do mínimo existencial, como por exemplo, o direito à greve.
Kazuo Watanabe explica o porquê da conceituação do princípio:
“A adoção do conceito de mínimo existencial é feita para possibilitar a tutela jurisdicional imediata, sem a necessidade de prévia ponderação do Legislativo ou do Executivo por meio de política pública específica, e sem a possibilidade de questionamento, em juízo, das condições práticas de sua efetivação, vale dizer, sem sujeição à cláusula da “reserva do possível”.” (WATANABE, 2011, p. 218)
As jurisprudências dos tribunais comungam que “onde esteja em jogo o mínimo existencial é inadmissível invocar a reserva do possível (RE N. 482.611, Santa Catarina, Rel. Min. Celso de Mello).”(BRASIL, 2010).
Do Recurso Especial n. 1.185.474-SC relatado pelo Min. Humberto Martins extrai-se a seguinte afirmativa:
“Aqueles direitos que estão intimamente ligados à dignidade humana não podem ser limitados em razão da escassez quando esta é fruto das escolhas do administrador. Não é por outra razão que se afirma que a reserva do possível não é oponível à realização do mínimo existencial”. (BRASIL, 2010)
Consequentemente, esse núcleo central prevalece mesmo diante do princípio da reserva do possível, ou seja, ante o mínimo existencial o Poder público não poderá abster-se de garanti-lo e ainda o Judiciário não poderá acatar a reserva do possível como justificativa cabível para não consecução de política pública. Admitir-se que “possa o Estado alegar qualquer espécie de obstáculo ou dificuldade de ordem material (…) será o mesmo que admitir que alguém possa continuar vivendo em estado de indignidade” (WATANABE, 2011, p. 218) consentindo assim, afronta aos fundamentos da nossa Constituição.
4.3. Posição do STF
No decorrer do presente artigodefendeu-se a relevância direcionada aos direitos fundamentais na Constituição da República, sendo dever do Estado a garantia e promoção dos referidos direitos por meio de políticas públicas. Cada poder da União está incumbido de responsabilidade nos limites de sua competência a participar deste processo, qual seja garantir a efetividade dos direitos fundamentais.
Cabe àAdministração Pública a formulação e execução de políticas públicas, sempre almejando o bem-estar social. Um dos instrumentos essenciais para criar e consequentemente concretizar as políticas públicas é o planejamento orçamentário, com o intuito de se evitar o endividamento da Administração e alcançar o equilíbrio entre receitas e despesas.
Repisa-se que diante da omissão ou arbitrariedade do Poder Público na efetivação dos direitos anteriormente mencionados, o Poder Judiciário terá legitimidade para intervir e garantir a sua efetivação, contudo, sem ultrapassar os limites legítimos da discricionariedade da Administração.
Como demonstrado anteriormente, a Administração deverá garantir o mínimo existencial ao cidadão, logo, não poderá se valer da reserva do possível neste caso.
Nesse viés, vale apresentar o voto do Ministro Celso de Mello, a respeito da intervenção do Poder Judiciário no controle de políticas públicas, na ADPF n. 45-9, que assim se pronunciou:
“É certo que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do Poder Judiciário e nas desta Suprema Corte, em especial – atribuição de formular e de implementar políticas públicas (JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, ‘Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976’, p. 207, item n. 05, 1987, Almedina, Coimbra), pois nesse domínio, o encargo reside, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo. Tal incumbência, no entanto, embora ema bases excepcionais, poderá atribuir-se ao Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático. Cabe assinalar, presente esse contexto – consoante já proclamou esta Suprema Corte –que o caráter programático das regras inscritas no texto da Carta Política ‘não pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei do Estado’ (grifo nosso)(…)
Não deixo de conferir, no entanto, assentadas tais premissas, significativo relevo ao tema pertinente à ‘reserva do possível’ (STEPHEN HOLMES/CASS R. SUNSTEIN, ‘The CostofRights’, 1999, Norton, New York), notadamente em sede de efetivação e implementação (sempre onerosa) dos direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste, prestações estatais positivas concretizadoras de tais prerrogativas individuais e/ou coletivas. (…)
A meta central das Constituições modernas, e da Carta de 1988 em particular, pode ser resumida, como já exposto, na promoção do bem-estar do homem, cujo ponto de partida está em assegurar as condiçõesde sua própria dignidade, que inclui, além da proteção dos direitos individuais, condições materiais mínimas de existência. Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o mínimo existencial), estar-se-ão estabelecendo exatamente os alvos prioritários dos gastos públicos. Apenas depois de atingi-los é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em que outros projetos se deverá investir. O mínimo existencial, como se vê, associado ao estabelecimento de prioridades orçamentárias, é capaz de conviver produtivamente com a reserva do possível.(grifo nosso)
Vê-se, pois, que os condicionamentos impostos, pela cláusula da ‘reserva do possível’, ao processo de concretização dos direitos de segunda geração – de implantação sempre onerosa -, traduzem-se em um binômio que compreende, de um lado, (1) a razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público e, de outro, (2) a existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as prestações positivas dele reclamadas. (grifo nosso) (…)
É que, se tais Poderes do Estado agirem de modo irrazoável ou procederem com a clara intenção de neutralizar, comprometendo-a, a eficácia dos direitos sócias, econômicos e culturais, afetando, como decorrência causal de uma injustificável inércia estatal ou de um abusivo comportamento governamental,aquele núcleo intangível consubstanciadorde um conjunto irredutível de condições mínimas necessárias a uma existência digna e essenciais à própria sobrevivência do indivíduo, aí então, justificar-se-á, como precedentemente já enfatizado – e até mesmo por razões fundadas em um imperativo ético-jurídico -, a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido injustamente recusada pelo Estado.”(BRASIL, 2004)
Portanto percebe-se que a posição do STF, representada pelo Ministro, é de que são necessários alguns requisitos para intervenção do Judiciário, por conseguinte, esses limites deverão ser respeitados pelos magistrados em suas decisões, quais sejam: (1) o limite fixado pelo mínimo existencial a ser garantido ao cidadão; (2) a razoabilidade da pretensão deduzida em face do Poder Público e (3) a existência de disponibilidade financeira do Estado para efetivação dos direitos fundamentais reclamados.
Ante tudo que foi exposto, temos problematizado a limitação do Poder Judiciário em suas decisões, ao passo que o princípio do mínimo existencial que permite a garantia da dignidade da pessoa humana terá sempre relevância diante de qualquer situação.Porémquando invocado o princípio da reserva do possível em determinada circunstância que não se faz referência ao mínimo existencial, o juiz deverá ponderar sua decisão fundamentando-a em dados técnicos, qual seja, o planejamento orçamentário, na qual segue, pautado nos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.
4.4. Os princípios da razoabilidade e proporcionalidade como limitadores das decisões judiciais
Embora na prática por algumas vezes os princípios da razoabilidade e proporcionalidade sejam utilizados como sinônimos, eles não o são, motivo pelo qual possuem características específicas e diferenciadas. Em verdade, é necessária a aplicação da proporcionalidade para se aferir a razoabilidade, ou seja, para se definir se o ato foi realmente razoávelseráimprescindívelempregar o princípio da proporcionalidade.
Para a compreensão do tema, é indispensável adefiniçãoinicial do princípio da razoabilidade.Partindo deste pressupostoJosé dos Santos Carvalho Filho (2010, p.42) define que “razoabilidade é a qualidade do que é razoável, ou seja, aquilo que se situa dentro de limites aceitáveis, ainda que os juízos de valor que provocaram a conduta possam dispor-se de forma uma pouco diversa”, ao passo que a violação deste se leva a acreditar na violação do princípio da legalidade. Mas, emboraemdeterminadas circunstâncias a valoração de razoabilidade possa ser interpretada de forma diversa, deve-se orientar naquilo que seja razoável ao homem médio, e é claro, também nos requisitos legais estabelecidos.
Para tanto, todos os Poderes estão suscetíveis à aplicabilidade do princípio da razoabilidade, visto que seus atos devem ser razoáveis e ponderados, inclusive da Administração Pública diante de seus atos discricionários. “A falta de razoabilidade é puro reflexo da inobservância de requisitos exigidos para a validade da conduta” (CARVALHO FILHO, 2010, p. 43),de tal modo que o Judiciário diante do caso concretodeverá ser sensato em suas decisões, se submetendo também para todos os efeitos ao princípio da proporcionalidade.
Para Ada Pellegrini (2011, p. 133) o princípio da proporcionalidade significa, “a busca do justo equilíbrio entre os meios empregados e os fins a serem alcançados” (grifo nosso).
Carvalho Filho diz que:
“O grande fundamento do princípio da proporcionalidade é o excesso de poder, e o fim a que se destina é exatamente o de conter atos, decisões e condutas de agentes públicos que ultrapassem os limites adequados, com vistas ao objetivo colimado pela Administração, ou até mesmo pelos Poderes representativos do Estado.”’ (CARVALHO FILHO, 2010, p. 44-45)
Ocorre que, para se constituir o princípio da proporcionalidade,revestiram-node três subprincípios cumulativos, quais foram, a adequação ou conformidade, que exige que o meio e o fim empregados sejam compatíveis; a necessidade ou exigibilidade[10], é imprescindível a medida menos gravosa ou onerosa para se alcançar o fim propugnado; e por fim a proporcionalidade em sentido estrito (restrito), quando existe a valoração das vantagens e desvantagens a serem almejados. E, nessa linha de raciocínio, José Joaquim Gomesesclarece:
“O princípio da conformidade ou adequação impõe que a medida adotada para a realização do interesse público deve ser apropriada à prossecução do fim ou fins a ele subjacentes. Consequentemente, a exigência de conformidade pressupõe a investigação e a prova de que o ato do poder público é apto para e conforme os fins justificativos da sua adoção. Trata-se, pois, de controlar a relação de adequação medida-fim.(…)
O princípio da exigibilidade, também conhecido como ‘princípio da necessidade’ ou da ‘menor ingerência possível’, coloca a tónica na ideia de que o cidadão tem direito à menor desvantagem possível. Assim, exigir-se-ia sempre a prova de que, para a obtenção de determinados fins, não era possível adotar outro meio menos oneroso para o cidadão.(…)
c) Princípio da proporcionalidade em sentido restrito
Quando se chegar a conclusão da necessidade e adequação da medida coactiva do poder público para alcançar determinado fim, mesmo neste caso deve perguntar-se se o resultado obtido com a intervenção é proporcional à ‘carga coactiva’ da mesma. Está aqui em causa o princípio da proporcionalidade em sentido restrito, entendido como princípio da ‘justa medida’. Meios e fim são colocados em equação mediante um juízo de ponderação, como o objectivo de se avaliar se omeio utilizado é ou na desproporcionado em relação ao fim. Trata-se, pois, de uma questão de ‘medida’ ou ‘desmedida’ para se alcançar um fim: pesar as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim.”(GOMESapud GRINOVER, 2011, p. 133).
É notório que o princípio da razoabilidade surgiu voltado para a lógica, a interpretação jurídicae como pressuposto de ponderaçãode outros princípios, enquanto o princípio da proporcionalidade é objetivo, material e visa balancear valores, como a segurança, a justiça e a liberdade. (CARVALHO FILHO, 2010)
Destarte, o princípio da proporcionalidade impõe controle sobre os atos discricionários da Administração que exigem intervenção do Judiciário para que se consiga alcançar a justa harmonia na escolha e aplicação dos direitos do particular ou da coletividade, logo, serve como instrumento de proteção dos direitos fundamentais.Ademais recordamSarlet e Figueiredo:
“Que a proporcionalidade haverá de incidir na sua dupla dimensão como proibição do excesso e de insuficiência, além de, nesta dupla acepção, atuar sempre como parâmetro necessário de controle dos atos do poder público, inclusive dos órgãos jurisdicionais, igualmente vinculados pelo dever de proteção e efetivação dos direitos fundamentais.”(SARLET; FIGUEIREDO, 2013, p. 33)
Com relação ao Poder judiciário, João Batista Lopes citado por Ada Pellegrine leciona:
“Pelo princípio da proporcionalidade o juiz, ante o conflito levado aos autos pelas partes, deve proceder à avaliação dos interesses em jogo e dar prevalência àquele que, segundo a ordem jurídica, ostentar maior relevo e expressão. (…) Não se cuida, advirta-se de sacrificar um dos direitos em benefício do outro, mas de aferir a razoabilidade dos interesses em jogo à luz dos valores consagrados no sistema jurídico.”(LOPES apud GRINOVER, 2011, p. 136)
Nesse sentido, os tribunais têm aplicado em suas decisões:
“APELAÇÃO CÍVEL N. 244.253-5/2-00
(…) O princípio da proporcionalidade visa a inibir e a neutralizar o abuso do Poder Público no exercício das funções que lhe são inerentes (Grifo nosso), notadamente no desempenho da atividade de caráter legislativo. (…) Um juízo definitivo sobre a proporcionalidade ou razoabilidade da medida há de resultar da rigorosa ponderação entre o significado da intervenção para o atingido e os objetivos perseguidos pelo legislador. (BRASIL, 2004)
REsp. n. 503.028/SP
Em voto proferido pela Min. Eliana Calmon em mandado de segurança impetrado pelo Ministério Público, no qual era exigido do Município de São Paulo vaga em creche para duas crianças de três anos, com expressa indicação da creche que deveria receber os menores, ou seja, a Creche Municipal de Vila Basiléia: (…) Conforme os novos paradigmas do Direito Administrativo, não se pode mais tolerar o entendimento de que ao Poder Judiciário não cabe imiscuir-se nas questões orçamentárias da municipalidade, mas também não é possível impor aos órgãos públicos obrigação de fazer que importe gastos, sem que haja rubrica própria para atender à determinação. É preciso ter o bom senso de entender que os recursos são insuficientes para atender aos deveres municipais, especialmente após a CF/88. Ademais, ainda devem os ordenadores de despesa atender os ditames da Lei de Responsabilidade Fiscal. Tendo em conta os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, a imposição de obrigações de fazer a ser imposta aos diversos poderes nas esferas federal, estadual e municipal exige moderação, a partir do cuidado quando da elaboração das políticas públicas e orçamentárias (grifo nosso). O MINISTÉRIO PÚBLICO mostrou que o município tem obrigação, sendo direito de todas as crianças exigirem o cumprimento dela. Entretanto, não demonstrou as condições de realização dessas obrigações, nem se foram olvidadas de modo próprio, por desídia, leviandade.”(BRASIL,2004)
Assim sendo, faz-se necessárioa intervenção do Judiciárioqueao analisar determinada demandavaler-se-ádoprincípio da proporcionalidadeparaavaliar se o ato discricionário do Poder Público foi não razoável, assim o juiz deverá pautar sua análise e decisão no mencionado princípio, a fim de se alcançar a razoabilidade. Portanto, sendo necessário analisar o planejamento orçamentário, como objeto de ponderação, conseqüentemente observando os subprincípios da adequação, necessidade e da proporcionalidade em sentido restrito, para se obter decisão razoável.Nesse viés:
“REsp 510598 / SP – Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA ARTIGOS 54 E 208 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. MATRÍCULA E FREQÜÊNCIA DE MENORES DE ZERO A SEIS ANOS EM CRECHE DA REDE PÚBLICA MUNICIPAL.(…)
4. A consideração de superlotação nas creches e de descumprimento da
Lei Orçamentária Municipal deve ser comprovada pelo Município para que seja possível ao órgão julgador proferir decisão equilibrada na busca da conciliação entre o dever de prestar do ente público, suas reais possibilidades e as necessidades, sempre crescentes, da população na demanda por vagas no ensino pré-escolar.”(BRASIL, 2008).
A possibilidade de o Judiciárioconsiderar o orçamento público pode ocorrer através de comprovação pelo Município, como tambémpor meio de diálogo com gestor, ou ainda, se valer de avaliações de profissionais técnicos especializados em planejamento governamental, área esta que pode ocorrer do magistrado não deter conhecimentos suficientes para proferir uma sentença justa e equilibrada. E que esteprofissionaltenha uma capacidade técnica satisfatória para realizar o remanejamento de verbas, sem comprometer a consecução de outras políticas públicas, com relevância tanto quanto às políticas demandadas, que também deverão ser implementadas no referido orçamento.
Conclusão
Depois de toda pesquisa realizada conclui-se que os direitos fundamentais foram reconhecidos e garantidos pela Constituição da República por força política e social e passaram a ser protetores da dignidade da pessoa humana,sendo dever do Estado Democrático de Direito promover e garantir a efetividade de tais direitos, portanto, devem ser priorizados na atuação de cada Poder, ao passo que, cada um deve desempenhar sua competência a fim de defendê-los para que possivelmente consigam realizar os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.
Se é dever do Estado a promoção e garantia dos direitos fundamentais, esse papel resta direcionado aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, cada um limitado a sua competência e atribuição, mastodos exercendo fiscalização um sobre o outro com o fim de evitar abusos e violação aos direitos fundamentais (Art. 2º da CR). Inicialmente compete ao Executivo e Legislativo criar políticas públicas para alcançar a efetividade desses direitos, mas cabe somente ao Executivo a execução das políticas, que por vezes justifica sua omissão com fundamento na escassez de recursos. Diante da omissão ou arbitrariedade do Poder Público é direito do cidadão pleitear judicialmente a prestação pretendida. Eis que surge o conflito de queaintervenção do Judiciário seria violação da separação dos poderes, mas a visão neoconstitucionalistadefende ser o Judiciário defensor da Constituição, ao passo que, ao vê-la violada deve-se fazer prevalecer a letra constitucional e assegurar a sua eficácia.
No tocante a Administração Pública, que é um conjunto de órgãos instituídos a satisfazer as necessidades da coletividade, seus atos podem ser vinculados e discricionários, sendo que osprimeirosdevem ser praticados conforme a lei prescreve, enquanto ossegundosa lei lhe permite certa liberdade para agir ou decidir. Repisa-se que a discricionariedade não permite arbitrariedade, pois todos os atos discricionários deverão ser fundamentados na Constituição e na legislação infraconstitucional pertinente. O Judiciário somente intervirá se houver demonstrado que a Administração extrapolou seus limites de discricionariedade, não lhe sendo legítimo, invalidar ou substituir a escolha a feita, sob pena de, aí sim, incorrer em ingerência indevida.
Notou-se que gradativamente tem aumentado o interesse por políticas públicas, tanto pelo próprio Poder Público, como pela população representada por grupos sociais, sendo esta a principal forma de se concretizar os direitos fundamentais. Política Pública é um conjunto de ações da Administração, por meio de programas, a fim de se alcançar as promessas feitas no período eleitoral, como também as demandas da população à luz dos direitos constitucionais fundamentais.
As políticas públicas devem ser prioridade governamental, pois é por meio delas que se tornam atingíveis os objetivos fundamentais. Para tanto é necessário um planejamento governamental, oplanejamento orçamentário. O planejamento orçamentário foi subdivido pela Constituição da República em Plano Plurianual (PPA) para ser executado no exercício financeiro seguinte no período de quatro anos, Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) composta pelas metas e prioridades a ser executado no exercício financeiro de um ano e orientará a (LOA) e a Lei Orçamentária Anual (LOA) na qual serão previstas todas as receitas e fixadas todas as despesas,a real execução do orçamento público. Ainda há o Orçamento Participativo, uma participação popular direta no planejamento orçamentário.
Reforça-se a efetiva evolução no instituto do orçamento público, tanto na sua formulação como na sua execução. Embora a Lei 4320/64 já estabelecesse um planejamento orçamentário, houve grande avanço com a Constituição de 1988. Soma-se a Lei de Responsabilidade Fiscal, a qual obriga o gestor a cumprir o que foi planejado, determinando um compromisso no momento da elaboração do plano de governo. No planejamento devem ser inseridas as prioridades da coletividade e as políticas públicas necessárias, sendo que a participação popular por meio do OP permite que o delineamento das políticas com maior clareza e valor democrático.
Não há como negar o problema da concretização dos direitos fundamentais, por chegarem a ponto de necessária intervenção judicial, que pode ser tanto por falta de planejamento, como também por insuficiência de recursos, ou ainda omissão ou arbitrariedade do poder público.
Conclui-se que o mínimo existencial em hipótese alguma deve se submeter a reserva do possível, pois aquele define um núcleo central de direitos fundamentais, portanto, sua aplicação deve ser imediata. Esse núcleo central é o mínimo que o Poder Público deve garantir, priorizando-o principalmente no seu planejamento orçamentário. O cidadão não pode ficar sempre a mercê das escolhas do gestor, e não ter garantido o mínimo existencial é indubitavelmente desumano. Embora haja divergências quanto quais são os direitos que definem o mínimo existencial, conclui-se que deverá ser analisado o caso concreto e a cada caso.
É necessário compreender melhor aaplicabilidade da reserva do possível. Nesse sentido, a Administração, em cada caso concreto, deverá comprovar essa insuficiência, e o juiz deverá se amparar nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, tanto para analisar se a Administração utilizou tais princípios, quanto para definir sua decisão. Para alcançar decisão razoável, deverá pautar-se também na proporcionalidade, evitando-se excessos ou carências na decisão.Deveráempregar ainda os subprincípios da adequação, da necessidade e proporcionalidade em sentido estrito cumulativamente. Consequentemente, deverá analisar o orçamento, podendo ser o próprio juiz, se entender ter capacidade técnica para isso, ou então um profissional técnico.A partir disso poderá determinar obrigação de fazer à Administração, que poderá ser a inclusão de política públicana próxima proposta orçamentária ou então o adimplemento da obrigação, visto que depois da análise poderá encontrar a verba suficiente, ou então, por meio remanejamento de verbas, sem prejudicar outras políticas públicas.
Informações Sobre os Autores
Eva Aparecida Reis
Pós graduanda em Gestão Pública – Controle com Foco em Resultados pela Escola de Contas do Tribunal de Contas do Estado De Minas Gerais – TCE/MG
Lucas Rogerio Sella Fatala
Mestre em Direito Fundamentais. Especialista em Direito Processual. Professor de Direito Público da FACHI/FUNCESI