Resumo – Uma das formas de se materializar o princípio do contraditório e da ampla defesa é por meio da motivação das decisões. A decisão judicial, hoje, é uma das formas que o Estado tem de prestar contas á sociedade e as partes envolvidas no litígio, bem como pacificar as relações sociais. Com essas decisões as partes do processo vão compreender os motivos que levaram o julgador àquela solução. Para que o juiz de a resposta ao pleito que lhe foi submetido ele deve fundamentar de forma lógica os seus motivos. A falta de motivação ou a falta de objetividade leva a nulidade do ato decisório.
Palavras-Chave – livre convencimento; juiz; motivação; decisões.
Abstract – One of the way to materialize the principle of the contradictory and broad defense It is through motivation of decisions. the court decision, today, is one way that the state has to account to society and the parties involved in litigation, well as pacify social relations. With those decisions the parts of process vain understand the reasons that led the judge to that decision. Order for the judge of the response the demand brought before it he should logically justify their reasons. The lack of motivation or lack of objectivity takes the nullity of the decision-making act.
Keywords – free conviction; judge; motivation; decisions.
Sumário: Introdução. 1. O princípio do livre convencimento motivado ou da persuasão racional. 2. O livre convencimento motivado e o acesso à justiça. 3. A importância da fundamentação judicial. 4. Consequências da ausência de fundamentação. Conclusão. Referências.
Introdução
Historicamente o princípio do livre convencimento do juiz surgiu após a Revolução Francesa de 1789. Antes, os julgadores decidiam de acordo com seus interesses até mesmo contra legem. Por esta razão, viu-se a necessidade de maior segurança e transparência das decisões, estabelecendo-se regras para avaliação das provas.
O princípio em questão veio erigido no art. 131 do CPC e no art. 93, IX da CF bem como no artigo 10º da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “Artigo X: Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir sobre seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele”.
O sistema de valoração das provas não foi sempre assim, ao longo da história surgiram formas distintas, sendo que a doutrina apresenta três sistemas: a) critério positivo legal; b) livre convicção; c) persuasão racional ou livre convencimento motivado.
No primeiro as provas possuem valores tarifados, cabendo ao juiz apenas a aplicação da norma. Segundo o que nos ensina Greco Filho (2003, p. 228), o juiz seria obrigado a decidir de acordo com pesos probatórios previamente legais. Tal sistema foi amplamente utilizado nas Ordenações do Reino, especialmente em matéria criminal.
No caso da “livre convicção” o julgador não está vinculado a qualquer regra legal, julgará livremente conforme sua consciência. Esse sistema ainda é utilizado nos julgamentos do júri popular, pois bastam que os jurados respondam “sim” ou “não” aos quesitos apresentados, sem qualquer necessidade de fundamentação ou apresentação das razões que o levaram a decidir dessa ou de outra maneira.
O sistema adotado pelo Código é intermediário, segundo Greco Filho (2003, p. 229), porque admite a livre apreciação da prova, mas vincula essa apreciação aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, mesmo que não alegados pela parte, e, ademais, exige a indicação na sentença dos motivos racionais que formaram o convencimento do juiz. Daí o nome de sistema da persuasão racional.
É com base nesta liberdade limitada do julgador adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro que o presente artigo vai realizar uma análise crítica do sistema.
1. O princípio do livre convencimento motivado ou da persuasão racional
O princípio do livre convencimento motivado, adotado pelo sistema processual brasileiro, vem para afastar o sistema da intima convicção – adotado apenas no rito do Júri – e o sistema da prova tarifada.
Essa é a lição de clássica doutrina:
“Adotou o CPC, no que se refere à avaliação da prova, o princípio da livre convicção motivada ou persuasão racional. Embora tenha o juiz plena liberdade para aceitar ou não o resultado da prova, que não tem o valor pré-fixado, necessário que a decisão a respeito seja acompanhada de fundamentação. Não têm aplicação, portanto, os princípios da prova legal ou tarifada, segundo os quais o valor encontra-se previamente determinado em lei, e da íntima convicção, que dispensa motivação do julgador”. (BEDAQUE, apud MARCATO, 2008, p. 386).
Segundo o Princípio do Livre Convencimento, o magistrado tem liberdade quando da avaliação das provas produzidas no processo desde que fundamente o porquê chegou àquele resultado.
Assim dispõe Tucci (1987, p.16):
“[…] sem a incumbência de ater-se a um esquema rígido ditado pela lei (sistema da prova legal), o juiz monocrático, bem como o órgão colegiado, ao realizar o exame crítico dos elementos probatórios, tem a faculdade de apreciá-los livremente, para chegar à solução que lhe parecer mais justa quanto à vertente fática.”
Em virtude da adoção do principio acima, o magistrado poderá julgar de acordo com o seu livre convencimento os fatos trazidos e produzidos no processo. Esta liberdade acha limites na impossibilidade de julgamento contrário às provas trazidas aos autos, isto, para evitar a volta ao arbítrio.
Neste sentido, importante o comentário de Nery Júnior (2004, p. 519):
“O juiz é soberano na análise das provas produzidas nos autos. Deve decidir de acordo com o seu convencimento. Cumpre ao magistrado dar as razões de seu convencimento. Decisão sem fundamentação é nula pleno jure (CF 93 IX). Não pode utilizar-se de fórmulas genéricas que nada dizem. Não basta que o juiz, ao decidir, afirme que defere ou indefere o pedido por falta de amparo legal; é preciso que diga qual o dispositivo de lei que veda a pretensão da parte ou interessado e porque é aplicável no caso concreto.”
O Supremo Tribunal Federal tem jurisprudência firmada de que o sistema do livre convencimento motivado é que predomina em nosso país. Vejamos:
“Vige em nosso sistema o princípio do livre convencimento motivado ou da persuasão racional, segundo o qual compete ao Juiz da causa valorar com ampla liberdade os elementos de prova constantes dos autos, desde que o faça motivadamente, com o que se permite a aferição dos parâmetros de legalidade e de razoabilidade adotados nessa operação intelectual. Não vigora mais entre nós o sistema das provas tarifadas, segundo o qual o legislador estabelecia previamente o valor, a força probante de cada meio de prova” (RHC 91.161, Relator o Ministro Menezes Direito, DJe 25.4.2008).
Apesar de não existirem dúvidas quanto à aplicação desse sistema em nosso ordenamento jurídico, a liberdade do juiz em formar sua convicção não é tão ampla como entendido por alguns.
Segundo o que nos ensina Didier Jr (2011, p. 40), o juiz, não obstante aprecie as provas livremente, não segue as suas impressões pessoais, mas tira a sua convicção das provas produzidas, ponderando sobre a qualidade e a força probante destas; a convicção está na consciência formada pelas provas.
Didier Jr (2011) destaca ainda que a liberdade na apreciação das provas está sujeita a certas regras quanto à convicção, que fica condicionada: a) aos fatos nos quais se funda a relação jurídica; b) às provas destes fatos colhidas no processo; c) às regras legais de prova e às máximas de experiência; d) e aos critérios da racionalidade (não podendo decidir com base em questões de fé, por exemplo).
Consolidando este entendimento, o professor Theodoro Jr (2007, p.476) cita alguns parâmetros que o magistrado deve se ater:
“a) embora livre o convencimento, este não pode ser arbitrário, pois fica condicionado às alegações das partes e às provas dos autos; b) a observância de certos critérios legais sobre provas e sua validade não pode ser desprezada pelo juiz (arts. 335 e 366) nem as regras sobre presunções legais; c) o juiz fica adstrito às regras de experiência, quando faltam normas legais sobre as provas, isto é, os dados científicos e culturais do alcance do magistrado são úteis e não podem ser desprezados na decisão da lide; d) as sentenças devem ser sempre fundamentadas, o que impede julgamentos arbitrários ou divorciados da prova dos autos”.
Já o doutrinador Greco Filho (2003, P. 229) fala que a apreciação probatória apresenta a dupla vantagem de permitir que o juiz extraia as sutilezas dos meios probantes apresentados, com a liberdade de interpretação, e, ao mesmo tempo, o obriga, justificando o seu convencimento, a apresentar uma solução lógica para o problema probatório, evitando, assim, o arbítrio ou uma solução potestativa.
Nota-se que o magistrado está vinculado às provas presentes nos autos, sendo que delas retira sua convicção. Todavia, não se deve perder de vista que o julgador possui seus princípios de vida firmados, e certamente esses também influenciam nas decisões tomadas já que ele é imparcial e não neutro. Contudo, ainda que possam conduzir a determinada decisão, não devem ser tomados como fundamentos, pois se assim fosse causaria séria insegurança jurídica.
“[…] a convicção está na consciência formada pelas provas, não arbitrária e sem peias, e, sim, condicionada a regras jurídicas, a regras de lógica jurídica, a regras de experiência, tanto que o juiz deve mencionar na sentença os motivos que a formaram. […] Há liberdade no sentido de que o juiz aprecia as provas livremente, uma vez que na apreciação não se afaste dos fatos estabelecidos, das provas colhidas, das regras científicas, regras jurídicas, regras da lógica, regras da experiência” (KNIJNIK, 2001, p.03).
De outra baila, vale lembrar, contudo, que nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça o juiz não precisa acolher com primazia determinada prova, é possível que ele analise todas as provas em igualdade. O fato do magistrado não acolher determinada tese aventada não quer dizer que ele não esteja cumprindo com o seu dever de motivar.
“PROCESSO CIVIL. SENTENÇA. MOTIVAÇÃO. LAUDO PERICIAL. NÃO-ADSTRIÇÃO. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. CULPA E NEXO CAUSAL. REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICA. ENUNCIADO N. 7 DA SÚMULA⁄STJ. RECURSO ESPECIAL. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. RECURSO NÃO-CONHECIDO. I – Inadmissível em nosso sistema jurídico se apresenta a determinação ao julgador para que dê realce a esta ou aquela prova em detrimento de outra. O princípio do livre convencimento motivado apenas reclama do juiz que fundamente sua decisão, em face dos elementos dos autos e do ordenamento jurídico. (…)” (REsp 400.977⁄PE, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 21⁄03⁄2002, DJ 03⁄06⁄2002 p. 212)
“DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. OFENSA INDIRETA À CONSTITUIÇÃO. DESNECESSIDADE. UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. SUSCITAÇÃO DO INCIDENTE. MOMENTO. ANTES DO JULGAMENTO DO RECURSO. VINCULAÇÃO DO TRIBUNAL. INEXISTÊNCIA. SENTENÇA. FUNDAMENTAÇÃO. LIVRE CONVENCIMENTO DO JUIZ. DIREITO COMERCIAL. MARCA. DESUSO. PROIBIÇÃO DE IMPORTAÇÃO DO PRODUTO. MOTIVO DE FORÇA MAIOR CADUCIDADE. INEXISTÊNCIA. – O não acolhimento das teses contidas no recurso não implica em negativa de prestação jurisdicional, tampouco em deficiência de fundamentação, pois ao julgador cabe apreciar a questão conforme o que ele entender relevante à lide. Não está o Tribunal obrigado a julgar a questão posta a seu exame nos termos pleiteados pelas partes, mas sim com o seu livre convencimento, consoante dispõe o art. 131 do CPC, utilizando-se dos fatos, provas, jurisprudência, aspectos pertinentes ao tema e da legislação que entender aplicável ao caso. (…)” (REsp 1071622⁄RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16⁄12⁄2008, DJe 03⁄02⁄2009).
Como forma de controle a valoração judicial da prova que surgem os princípios do contraditório e o duplo grau de jurisdição, temas que serão analisados no tópico seguinte.
2. O livre convencimento motivado e o acesso à justiça
O sistema da livre apreciação motivada da prova pelo magistrado proporciona também aos jurisdicionados maior acesso à justiça, isso porque, não existe como regra, um rol taxativo de provas capazes de conceder ou não o direito alegado pelas partes.
O magistrado analisando a situação do caso concreto e dificuldade da parte provar os fatos constitutivos alegados poderá inverter a regra geral de produção de provas. Essa situação é bastante comum em ações que se discutem direitos do consumidor, tanto que algumas situações já estão até previstas em lei, como é o caso do art. 6º, VIII d código de defesa do consumidor.
3. A importância da fundamentação judicial.
Conforme já destacado acima, prevalece no direito processual brasileiro o sistema da persuasão racional ou livre convencimento motivado (art. 131 do CPC).
O art. 93, IX da Constituição Federal, alterado em 2004 pela Emenda Constitucional n. 45, passou a prever como direito das partes que todas as decisões sejam fundamentas, sob pena de nulidade.
A motivação das decisões judiciais é uma obrigação do julgador e direito das partes que esperam uma decisão justa, evitando-se decisões arbitrárias sem fundamentação legal e constitucional.
Segundo Didier Jr (2011, p. 292) a garantia da motivação das decisões judiciais possui natureza de direito fundamental do jurisdicionado. Sendo que a exigência da motivação tem dupla função: endoprocessual e exoprocessual ou extraprocessual.
Fala-se numa função endoprocessual, quando a fundamentação permite que as partes, conhecendo as razões que formaram o convencimento do magistrado, possam saber se foi feita uma análise apurada da causa, a fim de controlar a decisão por meio dos recursos cabíveis, bem como para que os juízes de hierarquia superior tenham subsídios para reformar ou manter essa decisão.
Já numa função exoprocessual ou extraprocessual, a fundamentação viabiliza o controle da decisão do magistrado pela via difusa da democracia participativa, exercida pelo povo em cujo nome a sentença é pronunciada.
Segundo Greco Filho (2003, p. 200) a obrigação de fundamentar permite às partes aferir que a convicção foi realmente extraída do material probatório constante dos autos e também que os motivos levam logicamente à conclusão. Essa garantia não só assegura o exame cuidadoso dos autos, mas também permite que, em grau de recurso, se faça o eventual reexame em face de novos argumentos apresentados.
Portanto, a fundamentação da decisão dará subsídios ao magistrado para aferir a qualidade da atividade jurisdicional prestada.
“O dever de fundamentar as decisões, ao mesmo tempo em que é um consectário de um Estado Democrático de direito, é também uma garantia. Quando o jurisdicionado suspeitar que o magistrado decidiu contra a lei, desrespeitando direitos fundamentais ou extrapolando suas funções institucionais, deverá buscar na fundamentação desta decisão subsídios para aferir a qualidade da atividade jurisdicional prestada”. (NOJIRI, 1999, p. 68).
Essas duas funções englobam todos os princípios que norteiam o devido processo legal, trazendo segurança jurídica àqueles que buscam o poder judiciário, uma vez que saberão, pelas razões apresentados na decisão, se sua situação foi analisada individualmente, e se necessária for, levá-la a uma reanálise por meio de recursos.
A segurança jurídica é um dos principais objetivos buscados na elaboração de uma decisão judicial. Veja um importante conceito de segurança trazido abaixo que traduz um dos objetivos do magistrado:
“Já ao termo segurança envolve a idéia de garantia contra o acaso. Uma tranqüilidade que resulta da certeza de que não há qualquer perigo a temer. […] a segurança jurídica provém do fenômeno da positivação do direito, da elaboração das normas jurídicas escritas, postas pelo poder competente. A segurança é, portanto, resultado das normas e instituições jurídicas”. (STAMFORD, 2000, p. 99).
Na opinião de Stamford (2000, p. 101), “a segurança não está nas fontes, na estrutura normativa, nas condições de validade da norma jurídica, mas antes, nos modelos, no conteúdo material das fontes, no procedimento, no plano de eficácia”.
Deve-se destacar que na função endoprocessual, o magistrado em sua fundamentação deve considerar tanto os argumentos apresentados pela parte vencedora quando as razões que levaram ao não acolhimento da tese vencida. Trata-se, neste caso, da aplicação do princípio do contraditório sob a perspectiva substancial.
O princípio do contraditório, previsto expressamente na Constituição de 1988, art. 5º, LV, segundo o que nos ensina Didier Jr (2011) deve ser entendido e aplicado em duas dimensões: formal e substancial.
A dimensão formal corresponde à garantia da parte de ser ouvida, de participar do processo (conteúdo mínimo desse princípio), ou seja, de ter a oportunidade de se manifestar sobre os fatos e provas apresentadas por todos aqueles que participam do processo.
Já a dimensão substancial do contraditório diz respeito ao “poder de influência” da participação da parte na decisão do magistrado. Significa não apenas a participação (formal), mas a capacidade de inferir de alguma forma na decisão do magistrado.
Segundo Didier Jr (2011, p. 56) “o contraditório não se efetiva apenas com a ouvida da parte; exige-se a participação com a possibilidade, conferida à parte, de influenciar no conteúdo da decisão”.
Nesse sentido, o magistrado deve explicar as razões que o levou a decidir, expor os motivos que o levou a acolher as provas do vencedor e o porquê de não acolher as do perdedor.
Daí o princípio do livre convencimento motivado, cabendo ao julgador analisar racionalmente as provas e os argumentos apresentados pelas partes, considerando as teses apresentadas e explicando as razões que o levaram a acolher ou não cada uma delas.
Didier Jr (2011, p. 84) fala ainda do princípio da cooperação, mais adequado para uma democracia. Para ele, a “decisão judicial é fruto da atividade processual de cooperação, é resultado das discussões travadas ao longo de todo o arco do procedimento”.
Nesse sentido, apesar da liberdade judicial em proferir sua decisão, o magistrado não deve surpreender as partes com sentenças, ainda que de acordo com o sistema processual e material vigentes, não proporcionou antecipadamente às partes uma discussão sobre a tese que levou à decisão final.
Destaca-se ainda que o julgador tem que “ingressar no exame da situação concreta posta à sua decisão, e não limitar-se a repetir os termos da lei, sem dar as razões do seu convencimento” (NERY JR, p. 176, apud DIDIER JR, 2011, p. 311).
Deve-se lembrar que “A falta de fundamentação não se confunde com fundamentação sucinta. Interpretação que se extrai do inciso IX do art. 93 da CF/1988.” (HC 105.349‑AgR, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 23‑11‑2010, Segunda Turma, DJE de 17‑2‑2011.)
Agora, se todas as decisões devem ser fundamentadas, isso não quer dizer que “basta ter uma fundamentação” (STRECK, 2013, p. 83).
No voto do Min. Gilmar Mendes do MS 24.268/04, que tomou como base a jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão, ele expôs o direito-dever fundamental de as decisões serem fundamentadas. Afirmou que o cidadão que entra em juízo tem:
a) direito de informação (Recht auf Information) que obriga o órgão julgador a informar a parte contrária dos atos praticados no processo sobre os elementos dele constantes;
b) direito de manifestação (Recht auf Aussirung), que assegura ao defensor a possibilidade de manifestar-se oralmente ou por escrito sobre os elementos fáticos e jurídicos constantes do processo.
c) direito de ver seus argumentos considerados (Recht auf Berucksichtigung), que exige do julgador capacidade, apreensão e isenção de ânimo (aufnahmefahigkeit und aufnahmebereitschaft) para contemplar as razões apresentadas.
Decisões que apenas se prestam a transcrever acórdãos ou súmulas sem uma análise das questões jurídicas do caso concreto, sem informar as razões que levam a aplicação desse ou daquele precedente judicial pode ser considerada como não fundamentada.
Tanto que no projeto do novo Código de Processo Civil, texto aprovado pela Câmara Federal em 27.11.2013, no art. 499, §1º consta o seguinte:
“§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;
II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;
III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento”.
Como se verifica, o novo CPC, que consagra a importância dos precedentes judiciais, traz expressamente a relevância da fundamentação das decisões judiciais não conforme o julgador acredita ser suficiente (simplesmente por acreditar correto), mas juridicamente motivada, não deixando de considerar as decisões já proferidas pelos Tribunais Superiores.
Considerando que o nosso país possui um grande número de tribunais e juízes decidindo diariamente sobre temas, muitas vezes, bastante semelhantes, para se evitar decisões muito discrepantes, passará a utilizar-se ainda mais dos precedentes judiciais, como forma de uniformização das decisões e garantia da isonomia e segurança jurídica, daí a importante que as decisões sejam corretamente fundamentadas.
No livro “O que é isto – decido conforme a minha consciência”? de Lenio Luiz Streck, há uma crítica ao juiz solipsista, aquele que decide, não segundo a Constituição, mas segundo a sua consciência (ou vontade) apenas. Segundo o autor, a decisão não seria um simples ato de vontade, deve ser adequada à Constituição e não à consciência do interprete.
Isso porque, “quando o interprete decide como lhe convém, já não há direito; há, apenas, o direito dito pelo interprete” (STRECK, 2013, p. 38)
O sistema da persuasão racional vem consagrar a importância da motivação racional das decisões judiciais, embasada principalmente na Constituição Federal e nos princípios que ali estão dispostos, não se podendo aceitar sentenças embasadas em questões meramente políticas ou por pressão da mídia.
4. Consequências da ausência de fundamentação.
A fundamentação das decisões é um dever e garantia fundamental. Neste sentido, Piero Calamandrei (p. 143): “A fundamentação da sentença é sem dúvida uma grande garantia de justiça, quando consegue reproduzir exactamente, como num levantamento topográfico, o itinerário lógico que o juiz percorreu para chegar à sua conclusão, pois, se esta é errada, pode facilmente encontrar-se, através dos fundamentos, em que altura do caminho o magistrado desorientou“.
Diante disto, a discussão reside em saber qual a natureza jurídica da decisão que não tem fundamentação.
Faltando os elementos exigidos pela Constituição Federal e pelo código de processo civil, a decisão será nula.
Neste sentido, Wambier (2004, p. 335):
“…três são as “espécies de vícios intrínsecos das sentenças, que se reduzem a um só, em última análise: 1. ausência de fundamentação; 2. deficiência de fundamentação; e 3. ausência de correlação entre fundamentação e dispositivo. Todos são redutíveis à ausência de fundamentação e geram nulidade da sentença. Isto porque ‘fundamentação’ deficiente, em rigor, não é fundamentação, e, por outro lado, ‘fundamentação que não tem relação com o decisório também não é fundamentação: pelo menos não o é daquele decisório!”
Para alguns doutrinadores, Didier Jr (2011, p. 302), “a decisão sem motivação é uma não-decisão, inexistente. Sendo caso de nulidade a motivação insuficiente”.
O processualista considerada a motivação, tendo em vista a matriz constitucional da exigência, um elemento estrutural necessário dos provimentos jurisdicionais; uma decisão judicial somente pode ser considerada como tal se puder ser controlada – e a exigência de motivação tem exatamente esta finalidade; a motivação é pressuposto da “jurisdicionalidade”.
A percepção de que a motivação também cumpre um papel extraprocessual (submeter o exercício do poder ao controle da sociedade) leva à conclusão, afirma o autor, de que a sentença sem motivação não integra o conteúdo mínimo indispensável para que se reconheça um exercício legítimo da função jurisdicional. Muito embora reconheça as controvérsias teóricas sobre as decisões inexistentes, diz que não se poderia dar a esse vício (de natureza constitucional e que diz respeito à própria noção de “jurisdicionalidade”) o mesmo tratamento dado a outros defeitos da decisão, submetidos a recurso por provocação das partes.
Seguindo o entendimento de que a decisão sem motivação seria inexistente, é que se critica na linha do pensamento de Lenio Streck a utilização dos Embargos de Declaração para correção muitas vezes de sentenças sem fundamentação ou até mesmo contraditória ao dispositivo.
Ainda quanto a consequência pela ausência de fundamentação destaca-se uma segunda corrente que considera o vício da falta de motivação como apto a autorizar, no máximo, o ajuizamento de ação rescisória.
Didier Jr (2011, P. 302) destaca como defensor dessa corrente Nojiri (1998, p. 109) que afirma, como base na segurança jurídica, que mesmo ciente da importância do dever de fundamentar as decisões judiciais a falta de fundamentação implica decisão anulável por recurso ou rescindível no prazo de dois anos após o ajuizamento da ação rescisória.
Dessa segunda corrente filia-se Didier Jr (2011, p. 303) afirmando que a motivação é elemento que legitima a decisão, deixa-a conforma a Constituição. Uma decisão sem fundamentação é designada de ilegítima, espúria, absurda, autoritária etc., porém é inegável que ela é uma decisão.
Destaca que a Constituição expressamente atribui a sanção de invalidade à decisão não-motivada. Para que esta sanção seja aplicada, é necessário que o ato (decisão) contenha um defeito (ausência de fundamentação). Traz a lição de Pontes de Miranda (apud DIDIER JR, 2011, p. 303) “defeito não é falta. O que falta não foi feito. O que foi feito, mas tem defeito existe. O que não foi feito não existe, e, pois, não pode ser defeito”.
Conclui afirmando que, para que um ato seja defeituoso, primeiro ele tem que ser, tem que existir e, somente se existente, pode conter algum vício. Trata-se de vício gravíssimo, que pode ser conhecido de ofício e permite a sua invalidade mediante o ajuizamento da ação rescisória. Nesse sentido caminham as decisões do Supremo Tribunal Federal.
Vale lembrar que em alguns casos a jurisprudência do Supremo não considera ausência de fundamentação a remissão aos fundamentos da sentença, a manutenção do pronunciamento do relator em vez de lavrar o acórdão, ou que necessariamente se pronuncie sobre todas as alegações das partes. Vejamos:
“A dispensa da lavratura do acórdão (RICNJ, art. 103, § 3º), quando mantido o pronunciamento do relator da decisão recorrida pelo Plenário, não traduz ausência de fundamentação. CNJ: competência restrita ao controle de atuação administrativa e financeira dos órgãos do Poder Judiciário a ele sujeitos.” (MS 25.879‑AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 23‑8‑2003, Plenário, DJ de 8‑9‑2006.)
O § 5º do art. 82 da Lei 9.099/1995 faculta ao Colégio Recursal do Juizado Especial a remissão aos fundamentos adotados na sentença, sem que isso implique afronta ao art. 93, IX, da CRFB (MS 25.936‑ED, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 13‑6‑2007, Plenário, DJE de 18‑9‑2009) (revista consultor juridico, on line).
Fundamentação do acórdão recorrido. Existência. Não há falar em ofensa ao art. 93, IX, da CF, quando o acórdão impugnado tenha dado razões suficientes, embora contrárias à tese da recorrente.” (AI -AgR 475945 RS; Relator CEZAR PELUSO; Julgamento: 24/05/2005.
Portanto, uma decisão sem fundamentação é nula, sendo necessário que o magistrado profira outra substitutiva para cumprir com a garantia constitucional da fundamentação das decisões.
Conclusão
O principio do livre convencimento motivado é corolário do sistema da persuasão racional.
Este sistema intermedeia o sistema da intima convicção (adotado excepcionalmente no Júri) e o sistema da prova tarifada – que ainda é encontrado em alguns artigos do código de processo penal.
É no art. 131 do CPC bem como no art. 93, IX da Constituição Federal que é encontrada a base legal deste principio.
A Constituição estabelece que o juiz deve motivar todas as suas decisões, sob pena de nulidade.
A motivação serve não apenas para trazer racionalidade às decisões e evitar o arbítrio anteriormente vigente como também para prestar contas à sociedade.
É por isto que este princípio é considerado como um direito fundamental adstrito já que esta garantia do livre convencimento não é do juiz, mas da sociedade.
A fundamentação das decisões judiciais é direito fundamental das partes, cabendo ao juiz, em observâncias aos princípios do contraditório e ampla defesa analisar as razões apresentadas pelas partes.
O STF, órgão de cúpula do judiciário já sedimentou o entendimento de que a motivação das decisões é um postulado inafastável, pois atua limitando o poder estatal e, consequentemente, o arbítrio. Além de atribuir a característica citada, a suprema corte também atribuiu a motivação das decisões uma forma de respeito e proteção das liberdades públicas.
Como o livre convencimento dá uma margem de liberdade ao magistrado é importante estabelecer limites à interpretação judicial, seguindo-se princípios constitucionais e legais interpretativos.
Vê-se que é com base na motivação das decisões que o poder judiciário prestará contas ao povo – legitimo detentor do poder – solucionando os conflitos e trazendo com isto, a paz social, objetivo de criação do Estado.
Informações Sobre o Autor
Ricardo Fachin Cavalli
Advogado; Pós-Graduado em Direito Constitucional pela UNESC – Faculdades Integradas de Cacoal; Pós-Graduando em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera – UNIDERP; Bacharel em direito pelo Centro Universitário Luterano de Ji-Paraná – ULBRA