Resumo: A criação de uma nova lei de drogas estabelece que usuários e dependentes de drogas passem a receber tratamento diferenciado do que é dado aos traficantes no país. A nova lei tem como uma das principais alterações que quem adquirir guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo drogas para consumo pessoal, sem autorização legal, não poderá mais ser preso. Portar a droga será caracterizado uma infração sui generis análoga à contravenção, conduta que foi despenalizada. O infrator estará sujeito a medidas educativas, aplicadas por juizados especiais criminais. Diferentemente, os traficantes continuam sendo julgados pelas Varas de Entorpecentes, com o tempo mínimo de prisão aumentado de três para cinco anos. Dita também a lei o tempo máximo de reclusão permanece em 15 anos. Para o financiador do tráfico, as penas são maiores: variam entre 8 e 20 anos de prisão. Para aqueles que são usuários ou dependentes, poderá haver advertência sobre os efeitos da droga, prestação de serviços à comunidade e participação em programas ou cursos educativos. No caso das duas últimas medidas, o prazo máximo é de cinco meses. Em caso de reincidência, esse prazo sobe para 10 meses. Pode também ocorrer um aconselhamento verbal pelo juiz e até mesmo aplicação de multa àquele usuário ou dependente que se recusar, sem justificativa, a cumprir as medidas educativas impostas.
Palavras-chave: Lei de Drogas. Penalidade reduzida. Prestação de serviços à comunidade.
Introdução
O combate às drogas por meio da lei vigente no passado deixou de apresentar resultados desejáveis à sociedade. As medidas que se tomaram perderam sua eficácia com o passar do tempo. Deixou também de alcançar o seu objetivo a fiscalização e a repressão ao tráfico. Percebendo que os mecanismos tradicionais de repressão e educação deixaram de apresentar resultados desejáveis em sua luta contra o tráfico de drogas ilegais, a justiça decidiu realizar mudanças no texto da Lei de Drogas, a fim de assegurar o direito individual de alguém manter a sua dignidade. Além disso, estas mesmas mudanças deveriam garantir a pacificidade entre os membros da sociedade, respeitando o direito ao bem-estar da coletividade.
O reconhecimento dessa necessidade causou uma mudança radical na forma de analisar os problemas que surgiram por causa das drogas. Por meio de uma mudança de perspectiva, buscaram-se formas alternativas por meio da Justiça Restaurativa, que visa a livrar o usuário do vício e permitir que ele exerça sua autodeterminação, expressando seu direito à sua dignidade, conforme estabelecido pela Constituição Federal.
Assim, no dia 23 de agosto de 2006, foi instituída a Lei n. 11.343, que foi chamada de “Nova Lei de Drogas”, e passou a vigorar em 8 de outubro de 2006. Esta nova lei visa a descriminalizar o agente usuário de drogas que causam dependência. Declara a nova lei que, não podendo ser provado que o infrator traficava a droga que estava em seu poder, à criminalização deve ser suspensa, não mais sendo privado de sua liberdade o indivíduo que for encontrado portando drogas para consumo próprio. No lugar da privação da liberdade, medidas educativas serão impostas.
Entretanto, a nova lei levanta muitos questionamentos. Por que descriminalizar o usuário infrator? Como reconhecer a quantidade ideal que torna o infrator apenas um usuário, e não um traficante? Ao mesmo tempo, outros legisladores afirmam que a nova lei não descriminalizou os usuários de drogas, apenas despenalizou a conduta. Como identificar o ápice da questão? Que tipo de penalidade alternativa funciona para os casos em questão? A prática do uso de drogas para consumo é crime, contravenção ou seria uma infração sui generis?
Os objetivos gerais da presente monografia busca esclarecer os pontos relativos à Nova Lei de Drogas, Lei n 11.343, e está dividida em cinco partes.
A primeira parte apresenta a introdução, seguido pela segunda parte, que trará à luz a evolução da legislação no Brasil, destacando as Ordenações Filipinas, o Código Criminal do Império, seguido pelo Código penal de 1890. Apresenta o conceito de drogas do ponto de vista médico e jurídico.
A terceira parte apresenta a Nova Lei de Drogas, especialmente ao seu artigo 28, a forma como o mesmo tem sido aplicado, os pontos positivos e negativos desta lei, segundo a opinião de legisladores. Apresenta também o conceito de narcotráfico, que ajudará na identificação do que pode ser considerado como ideal para o julgamento de um usuário de drogas. Destaca os tipos penais objetivos e subjetivos e os sujeitos. Além disso, trará à tona a questão da descriminalização, se existe ou não a possibilidade do usuário de drogas ser descriminalizado pela nova lei.
Já os objetivos específicos são apresentados na quarta parte, onde destaca o tratamento dado ao usuário frente à nova legislação. A quinta parte destacará a metodologia utilizada na elaboração deste trabalho, seguido pela conclusão, juntamente com a opinião deste autor a respeito do assunto, a fim de esclarecer o seu posicionamento quanto às questões trazidas à tona pela Nova Lei de Drogas.
Evolução histórica da legislação no brasil
O problema das drogas tem se apresentado como uma constante à nossa sociedade. Independentemente da classe social na qual a pessoa se encontra, os transtornos são consideráveis, problema esse que não respeita nem mesmo faixa etária.
A existência do problema se dá em todos os países do mundo. Ao se assistir aos noticiários de televisão e de rádio, ao se ler manchetes de jornais, constata-se que o tráfico e o consumo de drogas alcançam as partes mais recônditas do mundo. A sociedade se depara com tantos casos de usuários de drogas.
Famílias têm sido dilaceradas pelo consumo descontrolado de entorpecentes, onde jovens de alta sociedade, ou não, buscam todas as formas de conseguir seu objetivo e a satisfação do seu prazer advindo do consumo de drogas. Crianças cada vez mais jovens passam a fazer parte desse universo de consumo e troca de produtos que levam o indivíduo a ceifar sua vida.
Em nível mais alto, traficantes não poupam esforços para levar sua produção a todas as rodas da vida, de todos os lugares, trazendo verdadeiro problema para os órgãos representantes da justiça, o que nos leva a acreditar que uma solução está longe de ser visualizada.
A posse de drogas sempre esteve em evidência pelas leis estabelecidas no país como sendo crime formal. Entretanto, algumas alterações na lei vêm sendo realizadas com o objetivo de descriminalizar a condição de consumidor de droga em caráter pessoal, que é o objetivo final desta monografia.
Olhando para trás, pode-se perceber que a legislação tem sempre sido desfavorável ao consumo de substâncias tóxicas, e isto foi feito por meio de várias leis e convenções internacionais criadas durante os anos. Por exemplo: os doutrinadores Greco Filho; Rassi (2007, p.1), tecendo comentários sobre a progressão da lei de drogas, destacam várias leis, ordenações e vários códigos que existiram. Senão vejamos:
“As Ordenações Filipinas (1603), em seu título 89 dispunham, “Que ninguém tenha em casa rosalgar, nem o venda, nem outro material venenoso”. Tais ordenações eram uma compilação jurídica que sofria as influências do Direito Romano, do Canônico e do Germânico, considerados a base do Direito Português.”
Às Ordenações Filipinas seguiu-se o Código Criminal do Império do Brasil (1830), que, segundo Greco Filho; Rassi (2007, p. 1), “não tratou da matéria, mas o Regulamento, de 29 de setembro de 1851, disciplinou-a ao tratar da polícia sanitária e da venda de substâncias medicinais e de medicamentos”
Logo a seguir, houve o Código Penal de 1890, que buscava viabilizar novas percepções acerca da ordem social bem como criar mecanismos de administração dessa ordem. Este código considerava crime “expor à venda ou ministrar substâncias venenosas sem legítima autorização e sem formalidades previstas nos regulamentos sanitários” (GRECO FILHO; RASSI, 2007, p. 2). Mas este dispositivo deixou de apresentar suficiência no combate à onda de tóxicos que invadiu o país após 1914. Por causa disso, foi criado, a seguir, “o Decreto nº 4.294, de 6 de julho de 1921 […], que depois foi modificado pelo Decreto nº 15.683, seguindo-se regulamento aprovado pelo Decreto n. 14.969, de 3 de setembro de 1921” (GRECO FILHO; RASSI, 2007, p. 2).
Com o passar do tempo, a situação ia se modificando, e a criação de novas leis e decretos ia se tornando necessária. Por isso, em seguida, passou a vigorar o Código Penal de 1940, que “fixou as normas gerais para cultivo de plantas entorpecentes, e para a extração, transformação e purificação de seus princípios ativos terapêuticos” (GRECCO FILHO; RASSI, 2006, p. 2), buscando-se também a repressão ao uso de substâncias que causam dependência física ou psíquica.
Ainda assim, certas alterações às leis aqui mencionadas tornaram-se necessárias para que fosse feito o ajuste às novas realidades do período. De acordo com Greco Filho; Rassi, “criou-se, então a Lei n. 5.726/71, que dispôs sobre medidas preventivas e repressivas ao tráfico e uso de substâncias entorpecentes ou que determinem dependência física ou psíquica” (GRECO FILHO; RASSI, 2007, p. 3).
Apesar de todo esforço empregado na criação de leis inibidoras do consumo e tráfico de drogas, percebe-se que a luta se torna mais ferrenha a cada dia, pois, ao mesmo tempo em que se criam mais leis no combate às drogas, mais formas de violá-las são criadas. Após a criação da Lei n. 5.726/71, percebeu-se que necessitava-se de uma mudança. Dessa forma, a Lei acima citada foi substituída pela Lei n. 6.368/76, de 21 de outubro de 1976, que tratava da expulsão de estrangeiro que praticasse o tráfico de entorpecentes.
Ainda de acordo com Greco Filho; Rassi (2006, p. 3), foi criada a Lei n. 10.409/2002, que “pretendeu, enquanto projeto, substituir a Lei nº 6.368/76 integralmente, mas dada a péssima qualidade no aspecto da definição do crime, o Poder Executivo teve que vetar todo o Capítulo III “dos crimes e das penas”.
Greco Filho; Rassi (2006) passam, então, a mostrar que, em 2006, criou-se a Lei 11.343/2006, que revogara a anterior, com o intuito de melhorar a sua eficácia e aplicabilidade no que tange ao tráfico ilícito de entorpecentes no tocante ao tratamento penal relativo aos usuários e dependentes de droga, com punições mais severas aos demais tipos penais.
Esta lei recebera apoios devidos para a sua promulgação, tratando dos princípios e diretrizes que guiam a atividade de prevenção do uso indevido de drogas, mas as considerações no que tange à legislação antidroga em vigor serão oportunamente mais aprofundadas nos capítulos posteriores.
Desta feita, para que se possa compreender qualquer lei que estabeleça a proibição ou permissão do consumo de produtos entorpecentes, precisa-se buscar entender o que significa a palavra “droga”. Buscaram-se várias fontes de definição, de acordo com o exposto abaixo.
De acordo com a Enciclopédia Wikipédia online, pode-se definir droga como sendo:
“Droga (do francês drogue, provavelmente do neerlandês droog, ‘seco, coisa seca’), narcótico, entorpecente ou estupefaciente são termos que denominam substâncias químicas que produzem alterações dos sentidos. ‘Droga’, em seu sentido original, é um termo que abrange uma grande quantidade de substâncias, que pode ir desde o carvão à aspirina. Contudo, há um uso corrente mais restritivo do termo, remetendo a qualquer produto alucinógeno (ácido lisérgico, heroína etc.) que leve à dependência química e, por extensão, a qualquer substância ou produto tóxico (tal como o fumo, álcool etc.) de uso excessivo, sendo um sinônimo assim para entorpecentes” (WIKIPÉDIA, 2013).
De acordo com a enciclopédia acima citada, droga é toda e qualquer substância, mesmo natural ou sintética, que, introduzida no organismo, modifica suas funções. Ainda, entre outras fontes de definição, encontram-se Greco Filho; Rassi, (2006, p. 11, apud Di Mattei), que definem entorpecente como sendo:
“Venenos que agem eletivamente sobre o córtex cerebral, suscetíveis de provocar agradável ebriedade, de serem ingeridos em doses crescentes sem determinar envenenamento agudo ou morte, mas capazes de gerar estado de necessidade tóxicas, graves e perigosos distúrbios de abstinência, alterações somáticas e psíquicas profundas e progressivas”
Ainda, Souza (2007, p.10), corroborando essa definição, afirma:
“Destaque-se que a Lei n. 11.343/06 substituiu a expressão "prevenção e repressão ao tráfico ilícito e uso indevido de substâncias entorpecentes ou que determinem dependência física ou psíquica" da ementa e do art. 1º da Lei n. 6.368/76, pela expressão "repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas e define crimes”.
Assim, o conceito e a nomenclatura atual apontam para a palavra droga como sendo o termo apropriado para definir o entorpecente que causa alterações psíquicas, de acordo com a legislação nacional.
Ponto de vista médico
Embora, o conceito de droga passe por várias definições, destacam-se três, a saber: a definição geral, que foi oferecida acima, o ponto de vista médico sobre a matéria, e, logo após, a definição jurídica.
Do ponto de vista médico, de acordo com Focchi (2008, p. 5), médico psiquiatra pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, “droga é qualquer substância que, ao ser usada, altera o comportamento do indivíduo e induz à auto-administração – ou seja, o indivíduo que usou vai querer usar novamente”.
O mesmo médico declara que as drogas que se enquadram nessa definição são álcool, cigarro, maconha, cocaína, heroína, LSD, entre outras mais, que a cada dia vem sendo inserida no meio social, tanto no âmbito nacional quanto no internacional, e que são cada vez mais usadas hoje em dia, e os problemas provocados pelo seu uso são cada vez mais graves no mundo todo. O uso de algumas dessas drogas é permitido (são as drogas lícitas, como o álcool e o cigarro). As outras, como maconha e cocaína, não são permitidas por lei (são as drogas ilícitas).
Apresentando a visão legal sobre o assunto, Greco Filho e Rassi (2006, p. 10) apresentam as denominações legais. Utilizando-se da Lei 10.409/2002, em seu artigo 1º, parágrafo único, afirmam:
“Após ser repetida a ementa da lei, o artigo 1º dispõe em seu parágrafo único que para seus fins, entenda-se inclusive os criminais, consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União. O conceito legal está de acordo com aquele apresentado pela doutrina. A qualificação jurídica de droga, segundo a doutrina, é toda substância natural ou sintética, suscetível de criar: a) um efeito sobre o sistema nervoso central; b) uma dependência psíquica ou física; c) um dano á saúde pública e social”.
Reforçando o argumento já citado, Greco Filho; Rassi, destacando a norma penal em branco, afirmam que o artigo 1º, em seu parágrafo único define droga como “as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo”, tendo a lei tornado os delitos de tráfico de entorpecentes e correlatos em norma penal em branco, da mesma forma que ocorreu com a lei nº 6.368/76.
Assim, percebe-se que as definições acima citadas apresentam similaridades entre si, embora a forma em que a mesma é vista apresente aspectos legais diferentes. O lado social da definição é diferente do lado médico e ao mesmo tempo, do lado jurídico, sendo que este último apresenta definições, mas também precisa lidar com o lado legal da violação da lei. Parte-se, então, para uma melhor compreensão da lei antidroga 11.343/2006.
Nova lei de drogas nº 11.343/2006
No dia 23 de agosto de 2006, foi instituída a Lei nº 11.343, que foi chamada de “Nova Lei de Drogas”, e passou a vigorar em 8 de outubro de 2006. Conforme declaram Bacila; Rangel (2007, p. 1):
“Nova Lei de Drogas – Título 1, Disposições Preliminares. Art. 1º. Esta Lei institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – SISNAD; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, e atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas e define crimes.
Parágrafo único. Para fins desta Lei, consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependências, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União.”
Com essa pequena introdução, apresentam-se os tópicos que serão discutidos nesta Nova Lei, destacando-se os tipos penais, ou mesmo a criação do Sistema Nacional de Políticas Públicas. A lei buscou retirar do usuário ou dependente de drogas a estigmatização. Ensinam Bacila; Rangel (2007, p. 2) que:
“A Lei aumentou as penas para os crimes equiparados ao tráfico, mas diminuiu as conseqüências penais para os usuários de drogas, mas que nada disso pretende solucionar a violência em torno das drogas.”
Declara a Lei em seu artigo 2º:
“Ficam proibidas, em todo o território nacional, as drogas, bem como o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, ressalvada a hipótese de autorização legal ou regulamentar, bem como o que estabelece a Convenção de Viena, das Nações Unidas, sobre Substâncias Psicotrópicas, de 1971, a respeito de plantas de uso estritamente ritualístico-religioso.
Parágrafo único. Pode a União autorizar o plantio, a cultura e a colheita dos vegetais referidos no caput deste artigo, exclusivamente para fins medicinais ou científicos, em local e prazo predeterminados, mediante fiscalização, respeitadas as ressalvas supramencionadas” (BACILA; RANGEL, 2007, p. 2).
Destacando a questão da proibição e regra, Amaury Silva ensina “que, no que diz respeito à definição de drogas acima oferecida, preceitua-se sua proibição como regra em todo o território nacional, e tal impedimento alcança não apenas a droga em si como produto final, mas, também, a matéria-prima utilizada em todas as fases da fabricação do produto final, devendo ser consideradas as fases desde o nascimento da planta, passando por todas as etapas até a fase de exploração.
Destaca ainda Silva (2008, p. 54) que, concernente às ressalvas à Lei.
“Constituem as exceções que exorbitam à diretriz da proibição. Devem ser entendidas como situações numerus clausus (número restrito), sendo inviável a ampliação das hipóteses por força da interpretação, pois se trata de expressa restrição”.
E a própria Lei estabelece as exceções, e justifica a utilização do produto, apenas tendo como fundamento e finalidade aqueles estabelecidos por legislação específica. Silva (2008, p. 54) ensina sobre as exceções permitidas pela Lei, na exceção instituída pelo regulamento, e afirma que “o regulamento é necessário para disciplinar o alcance da exceção legal específica trazida pelo parágrafo único do mencionado artigo” e, assim, destaca que as exceções são apenas legais.
Faz-se apropriado que se realize uma revisão do conteúdo do texto da lei supracitada, conforme pontos de vista e teorias de Renato Marcão, Mestre em Direito Penal. Suas considerações nos levam ao caput da Lei, onde se percebe que as penas cominadas no art. 28 são mais brandas que aquelas previstas no art. 16 da Lei n. 6.368/76. Assim, aqui a Nova Lei retroage para alcançar fatos consumados antes de sua vigência, por força do disposto no art. 5º, XL, da Constituição Federal, e do art. 2º, parágrafo único, do Código Penal, com inegáveis reflexos na execução penal (MARCÃO, 2007, p.2).
A Lei 11.343/2006 e seus tipos penais.
A Lei prevê a aplicação de penas ao indivíduo envolvido com o consumo ou tráfico de drogas, podendo a pena ser aplicada de forma isolada ou cumulativa para o usuário ou dependente. Bacila; Rangel apontam que as penas acima mencionadas são “a) advertência sobre os efeitos das drogas; b) prestação de serviços à comunidade; c) medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo” (BACILA; RANGEL, 2007, p. 39), e que estas podem ser aplicadas por juiz de forma isolada ou em conjunto, conforme já se mencionou.
Sendo assim, se a autoridade encarregada da aplicação da pena percebe que o usuário experimentou a droga, mas não é dependente, existe a possibilidade de ser dada apenas uma advertência. Mas tudo pode depender da forma como o magistrado entender o problema, podendo acontecer que ele decida aplicar todas as sanções de uma vez.
A forma atual de criminalizar o indivíduo classifica o usuário como aquele que adquire, guarda, tem em depósito, porta ou traz consigo para uso próprio. Nesse caso, a aquisição, conforme Bacila; Rangel (2007, p. 44) ‘pode ser a qualquer título, gratuito ou oneroso. Nesse verbo o tipo é instantâneo, pois a consumação é atingida com a obtenção da coisa’. Assim sendo, isto é diferente do que acontece nos outros casos, que seja a guarda, o transporte ou o porte, onde a punição existe para todos os outros casos, conforme previsto no art. 33 da Lei n. 11.343/2006.
Quanto a este tipo penal, Bacila; Rangel (2007, p. 46) declaram que:
“O tipo subjetivo é constituído do dolo, constituindo este na vontade de ter a posse da droga nas formas dos verbos descritos no tipo. Porém, além de dolo, deve existir o elemento subjetivo consistente na vontade de ter a droga para uso pessoal.”
Neste caso, se assim não for, a pessoa estaria incidindo na figura do tráfico. Precisaria haver o elemento psíquico, que configura o desejo de consumir a droga, e não traficá-la.
Analisando estes dois tipos de pena, deve-se sempre buscar a correta compreensão da finalidade prevista na mente do agente para que não se avalie o suspeito segundo estigmas ou meta-regras, que têm induzido muitos representantes da lei a cometer enganos gravíssimos.
Tipo de narcotráfico
Após o estabelecimento da Lei 11.343/2006, a palavra narcotráfico ganhou uma nova definição, embora as mesmas condutas típicas tenham sido mantidas. Percebe-se que o legislador alterou as penas por um lado e lançou luz sobre novas figuras de delito.
Referente a esta definição, Guimarães (2006, p. 56) ensina que:
“A forma fundamental do crime de tráfico de drogas, descrito no caput do presente artigo, compreende dezoito verbos que indicam as condutas típicas que, prima facie, vão muito mais além do seu significado etimológico. Tráfico, portanto, ganha um sentido jurídico-penal muito mais amplo do que o comércio ilegal: a expressão abrangerá desde os atos preparatórios às condutas mais estreitamente vinculadas à noção lexical de tráfico. Isto indica que a intenção do legislador penal continua como sendo a de oferecer uma proteção penal mais ampla ao bem jurídico tutelado”.
Procura esclarecer o autor que a aplicação da Lei 11.343/2006 visa a determinar que o narcotráfico não exige, em sua necessidade, atos de comércio. Confirma Guimarães (2006, p. 56), em jurisprudência:
“Apelação criminal. Tráfico de entorpecentes. Substância apreendida na posse do acusado juntamente com instrumentos utilizados para esse fim.
O crime de tráfico de entorpecentes, previsto no artigo 12 da Lei 6.368/76, não exige à sua configuração a venda de substância tóxica a terceiros. Basta à sua consumação a posse, guarda ou depósito dessa mesma substância. In: AP. Crim. 00.0219-7, de Florianópolis, rel. Dês. Genésio Nolli” (RJTJSP 70/371).
Entretanto, houve decisão em sentido contrário, conforme cita Guimarães (2006, p. 81).:
“Tráfico de entorpecentes. Falta de provas da comercialização. Desclassificação do art. 12 para artigo 16 da Lei 6.368/76.
(…) a quantidade apreendida não basta, por si só, ao reconhecimento da traficância, e nem mesmo o fato de estar acondicionada em tabletes envoltos por invólucros plásticos.
A condenação por tráfico de substância entorpecente exige prova segura e concludente da comercialização não sendo suficiente a mera presunção. Havendo qualquer dúvida, deve prevalecer a solução mais favorável ao agente, ou seja, a desclassificação para a infração mais branda (Lei 6.368/76, artigo 16).” TACRIM/PR – 3º Cerim. – AP. 131.169-9, Rel. Desig. Leonardo Lustosa, vencido relator originário Renato Neves Barcellos – j. em 22.06.1999, m.v.).
Para imposição da pena, é importante conhecer a definição de sujeito do crime. São estabelecidos dois tipos de sujeito, a saber: sujeito ativo e sujeito passivo.
De acordo com Mirabete (1999, p. 22), “Sujeito ativo do crime é aquele que pratica a conduta descrita na lei, ou seja, o fato típico. Só o homem, isoladamente ou associado a outros (co-autoria ou participação), pode ser sujeito ativo do crime”.
O conceito engloba tanto o que pratica o núcleo do tipo penal, quanto o co-autor ou partícipe, que participam de forma indireta da ação da prática delituosa. Nas palavras de Mirabete (1999, p. 2):
“O sujeito ativo do crime pode receber, conforme a situação processual ou o aspecto pelo qual é examinado, o nome de agente, indiciado, acusado, denunciado, réu, sentenciado, condenado, recluso, detento (nas normas processuais) e criminoso ou delinquente” (como objeto das ciências penais).
Buscando a definição de sujeito passivo, Haddad (2002, p.7) ensina:
“Sujeito passivo, no Direito Penal, é o titular do bem jurídico lesado ou ameaçado pela conduta criminosa. Nada impede que, em um delito, dois ou mais sujeitos passivos existam: desde que tenham sido lesados ou ameaçados em seus bens jurídicos referidos no tipo, são vítimas do crime”.
Existem dois tipos de sujeito passivo: o formal, ou seja, o Estado, na condição de vítima da prática delituosa por parte do sujeito ativo; e o sujeito passivo material, que é o titular do bem tutelado.
A nova Lei de Drogas modificou o controle penal estabelecido pela Lei 11.343/2006. Entretanto, as mudanças não se resumiram apenas ao conteúdo escrito, que abandonou certas definições. Nesse sentido, o ex-procurador geral de Justiça de Santa Catarina, Leal (2007, p. 1) ensina que:
“(…) de maior significado penal foi, sem, dúvida a opção por uma Política Criminal de rejeição da prisão como instrumento válido de resposta punitiva à conduta do consumidor de drogas. Assim é que, de conformidade com o disposto no § 2º, do art. 48, tratando-se de consumidor, "não se imporá prisão em flagrante, devendo o autor do fato ser imediatamente encaminhado ao juízo competente". Portanto, em hipótese alguma, o usuário de drogas poderá ser levado à prisão.”
Ao se descrever o tipo penal, manteve-se uma proximidade com a anterior, referida no artigo 16 da Lei 6.368/76, entretanto, a referência principal enfoca o uso pessoal de drogas, ausente de autorização ou em discordância com a determinação legal. Leal (2007, p. 1) cita o novo texto da lei, nos seguintes termos:
“Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido a uma das seguintes penas:
I – advertência sobre os efeitos das drogas; II -prestação de serviços à comunidade; III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.”
Reportando ao art. 33 da Lei n. 11.343/2006, temos uma adição de verbos, como se segue:
“Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar” (LEI 11.343/2006).
Buscando a explicação de cada um dos itens mencionados na lei supracitada, Guimarães (2006, p. 60) explica que remeter implica em:
“Enviar, expedir algo para alguém. Diferentemente das condutas anteriormente analisadas, aqui, na situação de remeter, a ação ocorrerá dentro do País, através de qualquer forma, inclusive, v.g., pelo correio.”
Sobre a questão da preparação, define-se que preparar “tem o significado de aprontar, obter algo por meio de operações químicas ou físicas. Como se sabe, algumas substâncias são obtidas a partir da composição de outros produtos”. (GUIMARÃES, 2006, p. 60). Segundo o autor:
“Produzir tem o significado de fabricar, criar. Vai distinguir do verbo preparar porque, nesse caso, já há uma aptidão do produto para servir ao uso, enquanto que o ato de produzir envolverá um processo criativo.
Fabricar tem significado muito próximo ao das figuras acima expostas, mas, dando a impressão de que o legislador quis abarcar a generalidade de ações que envolvem o narcotráfico, pouco preocupando-se com o significado lexical dos termos empregues.
Adquirir tem o significado de obter, conseguir, ganhar, comprar, portanto, ocorrendo tanto a título gratuito como a oneroso.
Vender tem o significado de alienar, ceder por um certo preço, trocar por dinheiro ou por outro elemento economicamente apreciável, inclusive a droga, ou, qualquer substância ou produto capaz de causar dependência física ou química;
Expor à venda tem o significado de pôr à vista, mostrar a compradores, apresentar, oferecer a título oneroso;
Oferecer é mais abrangente que a outra figura, porque incluía dádiva, a título gratuito;
Ter em depósito tem o significado de guardar em nome de terceiro, reter;
Transportar tem o significado de conduzir ou levar de um lugar a outro, quer um nome próprio, quer representando terceiro, diferenciando-se de trazer consigo pelo fato de que, nesta situação, a substância é conduzida pelo próprio indivíduo.”
Assim, a nova Lei de Drogas é detalhada por Guimarães (2006). Todas as situações devem ser levadas em conta, analisadas friamente, para que não se incorra no erro de um prejulgamento sobre o que realmente está ocorrendo, e assim, apresentar-se um julgamento justo.
Um item de relativa importância em sua compreensão é a questão do transporte da droga. Para um julgamento acertado, precisa-se entender o que configura um transporte ilícito de droga. Por isso, Guimarães (2006, p. 61) assim apresenta sua classificação:
“Delito de transporte ilícito de entorpecentes se consuma quando do início do transporte.
1. Cuidando-se de infração permanente que, além de sua repercussão por configurar crime contra a saúde pública, foi perpetrada em diversos territórios abrangidos por mais de uma jurisdição, faz-se aplicável a regra ínsita no art. 71 do Código Penal Civil, formando-se a competência pela prevenção;
2. Por ser o transporte ilícito de entorpecente delito de caráter permanente, consuma-se o crime desde quando se inicia o ato de transportar e não somente quando da apreensão da droga;
3. Também, por ser delito de caráter permanente, se estendida sua perpetração a mais de uma jurisdição prevento é o primeiro juiz que, sendo competente pela b] natureza da infração, toma conhecimento da causa, praticando qualquer ato processual (…)”.
Entretanto, no que diz respeito à aplicação da lei, certos preceitos devem ser levados em consideração. E tais conceitos se encontram descritos na mesma lei, conforme destacados por Bacila; Rangel (2007, p. 42), in verbis:
“§ 2º. Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.
a) a descriminalização formal, de jure ou em sentido estrito, que em alguns casos sinaliza o desejo de outorgar um total reconhecimento legal e social ao comportamento descriminalizado, como por exemplo no caso da relação homossexual entre adultos, do aborto consentido e do adultério. Outras vezes esse tipo de descriminalização responde a uma ‘apreciação que difere do papel do Estado em determinadas áreas’, ou a uma valoração diferente dos Direitos Humanos que levam o Estado a abster-se de intervir, deixando em muitos casos a resolução desse fato em si mesmo indesejável às pessoas diretamente interessadas” (SALIBA; BRAGA FILHO, (2007, p. 3).
Entende-se, então, que a descriminalização formal é a que retira o caráter criminoso do fato, mas não o retira do âmbito do Direito penal, conforme o autor acima descreve. Ainda, corroborando com o assunto, o Doutor em Direito Gomes (2006, p. 1) explica mais que “na descriminalização formal, o fato continua sendo ilícito, não se afasta do Direito penal, porém, deixa de ser considerado formalmente "crime". Passa a ser um ilícito sui generis”. O autor defende que apenas a etiqueta de “crime” é retirada, mas o problema continua a existir, não sendo transformado em um ato legal. Então, questiona Gomes (2001, p. 1):
“Ora, se legalmente (no Brasil) "crime" é a infração penal punida com reclusão ou detenção (quer isolada ou cumulativa ou alternativamente com multa), não há dúvida que a posse de droga para consumo pessoal (com a nova lei) deixou de ser "crime" do ponto de vista formal porque as sanções impostas para essa conduta (advertência, prestação de serviços à comunidade e comparecimento a programas educativos – art. 28) não conduzem a nenhum tipo de prisão. Aliás, justamente por isso, tampouco essa conduta passou a ser contravenção penal (que se caracteriza pela imposição de prisão simples ou multa).”
Entretanto, o que realmente aconteceu foi que o consumidor deixou de ser chamado de criminoso, apesar de estar cometendo um ato ilícito, e assim, cai por terra à tendência punitiva da lei sobre o usuário, passando a não existir nenhum crime.
Neste tipo de descriminalização, substituem as penas por outros tipos de sanções, sejam elas a transformação de delitos de pouca importância em medidas educativas ou fiscais que recebem multas de natureza disciplinar. Relatando sobre as possíveis formas de penalidades aplicáveis neste caso, Bacila; Rangel (2004, p. 64) apontam, inicialmente, para a prestação de serviços à comunidade, que, segundo eles, “consiste em atribuições de tarefas gratuitas junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos, etc”.
A Lei determina que seja cumprida a prestação de serviços em até cinco meses, não podendo esse período sofrer redução por causa da possível atuação do condenado em mais de uma hora por dia. Porém, de acordo com a Constituição, existe a possibilidade do estabelecimento de uma pena alternativa, em obras de natureza social. Busca-se, assim, que ambos os lados sejam beneficiados, tanto a comunidade quanto a pessoa que a irá realizar. Mas, de qualquer modo, a pena precisa estar de acordo com a prescrição da Nova Lei de Drogas, que ensina, de acordo com Bacila; Rangel (2004, p. 64):
“Prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários, entidades assistenciais ou educacionais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas”.
Mas como podem os dois lados se beneficiarem do trabalho realizado pelo infrator? Bacila; Rangel (2004) mencionam que:
“se alguém receber uma determinação oficial de trabalhar uma hora por dia em um hospital especializado no tratamento de pessoas dependentes de drogas, as suas atividades devem ser direcionadas para o aprendizado em conjunto com o serviço social. Isso poderá estimular à observação sobre os efeitos que a crise de abstinência causa no dependente e colaborar para ajuda a essas pessoas, levando o condenado a entender que a sua situação não é única e que todos procuram ajuda mútua para viver de forma mais saudável.”
Além dessa forma de pena alternativa, estabeleceram-se medidas educativas de comparecimento a programa ou curso educativo. Segundo Bacila; Rangel (2004, p. 65),
“A Lei concede ao juiz o poder de determinar ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado. Isso é fundamental para o auxílio que possa precisar aquele que praticou crime e que precisa de um suporte médico e psicológico. Além do mais, tal medida pode favorecer a terceira medida prevista no artigo 28, isto é, o comparecimento a programa ou curso educativo”.
Porém, ao mesmo tempo em que os autores defendem esta medida punitiva, acautelam para que a mesma não se torne um motivo para perda, ou deixe-se de atingir o objetivo pretendido, que é o de recuperação do usuário de drogas. Por isso, esclarecem que certos procedimentos devem ser tomados, entre eles:
“É preciso esclarecer ao usuário de drogas que a sociedade lhe impõe um estigma, criando assim meta-regras sobre a sua conduta e maneira de agir obrigatórios. Ao fazermos referências às meta-regras, estamos dizendo que na realidade, no mundo real, as pessoas tendem a criar vínculos psíquicos e concretos sobre as condutas dos usuários de drogas, isto é, criam-se regras paralelas às leis sobre o seu comportamento consistentes em expectativas ruins e julgamentos precipitados”. (BACILA; RANGEL, 2004, p. 66).
Opiniões contrárias aos procedimentos adotados pela lei
Entretanto, no que diz respeito ao segmento de todas as rodas do poder público e da obediência à aplicação da lei, alguns tribunais consideram que a presente lei é falha, e que novos procedimentos devem ser adotados. Por exemplo, a 6ª Câmara Criminal do TJSP, julgando com decisão unânime, casos de porte de drogas, conforme publicado no jornal Estado de São Paulo, edição de 23 de maio de 2008, que reza in verbis:
“Brasil – Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Três magistrados da 6ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) absolveram, em 31 de março, Ronaldo Lopes, preso com 7,7 gramas de cocaína. Eles entenderam que portar droga para consumo próprio não é crime. Foi justamente da Corte mais conservadora do País que surgiu a decisão sobre a descriminação do uso de drogas. Ainda pode haver recurso para a decisão, tomada em segunda instância.
A maioria dos especialistas ouvidos pelo Estado concorda com o entendimento do TJ. Segundo eles, trata-se da primeira decisão de segunda instância que descrimina o uso de drogas no Brasil, após a promulgação da Lei 11.343, em 2006, que mudou as penas e os crimes relativos a entorpecentes. A decisão vale para o caso de Lopes, mas abre precedente para que todos peçam o mesmo tratamento.
O relator do caso, que redigiu o voto acompanhado por outros dois magistrados, e o juiz José Henrique Rodrigues Torres, da Vara do Júri de Campinas, convocado para atuar como desembargador em alguns casos. Ele entendeu que classificar como crime o porte de drogas para consumo próprio é inconstitucional porque viola os princípios da ofensividade (não ofende a terceiros), da intimidade (trata-se de opção pessoal) e da igualdade (uma vez que portar bebida alcoólica não é crime).
Lopes foi flagrado pela polícia com três papelotes de cocaína em 17 de fevereiro de 2007, às vésperas do carnaval. Admitiu a posse da droga e argumentou que era para consumo próprio. Em primeira instância, Lopes foi condenado a 2 anos e 6 meses de prisão. Ficou preso da data do flagrante até o julgamento de seu caso pelo TJ, mais de um ano depois.
Torres argumentou que apenas a quantidade de droga não é determinante para saber se alguém é traficante. No caso de Lopes, como a denúncia que o acusava de tráfico era anônima, o juiz entendeu que ela não tinha valor.
O porte de drogas para consumo próprio está previsto como crime no artigo 28 da Lei 11.343, de 2006, com pena de prestação de serviços à comunidade. Na opinião do juiz, porém, esse artigo é inconstitucional. Para Torres, ao estabelecer que a droga é para “consumo próprio”, já não se pode falar em lesão a terceiros, mas em autolesão. “Não se pode admitir qualquer intervenção estatal, principalmente repressiva e de caráter penal, no âmbito das opções pessoais, máxime (principalmente) quando se pretende impor pauta de comportamento na esfera da moralidade”, afirmou.
Citando a jurista Maria Lúcia Karam, que defendeu em livro a maioria dos argumentos usados na decisão, Torres sustentou que considerar crime o porte de droga viola o princípio da igualdade porque há “flagrante distinção” de tratamento entre drogas ilícitas e as lícitas.
Torres, de 49 anos, está na magistratura desde 1987. Ele não quis comentar a decisão. Disse apenas que “o juiz tem o papel de garantir a Constituição”. Perguntado se já usou drogas, respondeu: “Não, ilícita nunca”.(DINIZ, 2008).
A posição de Gomes (2006) contrasta com a da segunda turma do Supremo Tribunal Federal, que entende que “o art. 28 faz parte do Direito penal e é "crime" (STF, RE 430.105-9-RJ, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 13.02.07); houve mera despenalização, não se podendo falar em “abolitio criminis” (GOMES, 2007, p. 1)”.
Percebe-se, então, que, por mais esclarecedora que a Lei possa tentar ser, há sempre uma brecha que abre margem para uma interpretação diferente. Desembargadores, promotores, advogados e outros membros do corpo jurídico do país buscam brechas na Lei para defender interesses às vezes não tão legítimos e benéficos para a sociedade.
Tratamento dado ao usuário frente à nova legislação
Tendo sido publicada a Lei n. 11.343/06, abriu-se espaço para a discussão de várias questões, entre elas, o problema do tratamento dispensado àqueles que usam drogas. As perguntas que surgem são: houve descriminalização, despenalização da posse para consumo próprio, ou a conduta continua sendo crime?
Voltando à aplicação da Lei 11.343/2006, Lei de Drogas, o artigo 28 não prevê pena de reclusão nem de detenção, entendendo-se assim que não há crime cometido. Nesse sentido, Silva (2006, p. 2) ensina que:
“Entretanto, o § 6º do artigo 28 prevê aplicação de multa como garantia do cumprimento das medidas educativas. Assim, poder-se-ia pensar que o artigo 28 é uma contravenção penal, já que a multa é cominada isoladamente, hipótese caracterizadora do crime-anão. Veja-se, contudo, que embora o previsto no artigo 1º da LICP, a Lei 9.434/97 (remoção de órgãos) apresenta um "crime" com a pena de multa cominada isoladamente (art. 20), quebrando o regramento da LICP, salvo se se entenda que aquela figura típica é uma contravenção penal.”
Todavia, seja qual for o caso, entende-se que o artigo 28 da Lei 11.343/06 não configura como uma contravenção penal, nem tampouco como crime, por não cominar pena de reclusão ou detenção, mas a penas restritivas. E quais são estas? O mesmo autor afirma:
“Dentre as medidas educativas apresentadas no artigo 28 da Lei 11.343/06 está uma pena restritiva de direitos – a prestação de serviços à comunidade (inc. II). Assim, a nova legislação de drogas está em consonância com o Código Penal. A novidade é que o legislador antecipou-se na possível solução que o juiz daria ao caso concreto, cominando a prestação de serviço à comunidade como pena principal, o que seria autorizado, em caráter de substituição, nas hipóteses do artigo 44 do Código Penal” (SILVA, 2006, p. 3).
Consoante o art. 5º, inc. XLVI, da Constituição Federal, acerca do princípio da individualização da pena, surgem, então, as penalidades impostas ao infrator, a saber: privação ou restrição da liberdade, perda de bens, multa, prestação social alternativa e suspensão ou interdição de direitos.
Silva (2006, p. 4) esclarece ainda sobre a possibilidade de atribuição de pena ao infrator:
“Oportuno salientar que no referido art. 5°, XLVI, a CRFB adotou a expressão "adotará entre outras as seguintes penas". Dessa forma, verifica-se que a CRFB forneceu um rol exemplificativo das penas deixando ao legislador infraconstitucional a possibilidade de adotar outras que ali não previstas, ou seja, autorizou-o a criar novas formas de pena, respeitando os limites impostos no inciso XLVII, do art. 5º (morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX, de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis).”
Observa-se no caput do artigo 28 que o legislador utilizou a seguinte expressão ‘será submetido às seguintes penas’. Porém, percebe-se que apenas o inciso II apresenta, de forma efetiva, uma pena – prestação de serviço à comunidade, espécie do gênero "penas restritiva de direitos". Tal situação pode ensejar o entendimento de que houve uma verdadeira despenalização.
Levanta-se, então, a seguinte questão: por que o tratamento diferenciado para o usuário? Por um lado, porque os objetivos da Lei são prevenção e repressão. Sobre esse ponto de vista, comenta Silva (2006, p.4):
“Sempre se disse que a melhor forma de prevenção é pela educação. Forçoso reconhecer que, nesse contexto, coerente, portanto, a natureza das sanções para o usuário, que foram consideradas pelo legislador, como já se disse, como medidas educativas. É o direito penal fazendo o ciclo completo: da prevenção à repressão, já que o papel preventivo do Estado-social de há muito não é cumprido, o que afasta, ainda mais, o almejado direito penal de ultima ratio, cada vez mais utópico.”
Um dos indicadores da natureza criminosa é que o legislador chama o usuário de autor do fato, que, de acordo com o artigo 60 do Código Civil de 1969, e § único da Lei 9.099/95, é a forma com a qual se denomina as pessoas que cometem infrações de menor potencial ofensivo.
Além disso, Silva (2006, p. 5) explica que,
“Verifica-se, também, pelo artigo 48, que o usuário será processado e julgado na forma dos artigos 60 e seguintes da Lei 9.099/95, que dispõe sobre os Juizados Especiais Criminais. Novamente, aqui, por que então falar em processo e julgamento se não existe o caráter de crime?”
O autor acima citado reflete, também, que, no artigo 27, autoriza-se a aplicação das penas de forma isolada ou cumulativa, ou ainda substituídas, e isto leva a outro questionamento para a manutenção do aspecto criminal da infração, porque, segundo ele, caso contrário, o usuário deveria ser assistido por um psicólogo, psiquiatra, assistente social, ou qualquer outro profissional da saúde.
Corroborando com esse assunto, Freitas Júnior (2005) ensina que:
“A vedação da prisão em flagrante é absoluta, não estando condicionada à aceitação do agente em cooperar com a Justiça. Não será possível a prisão em flagrante, assim, nem mesmo se houver recusa do agente em comparecer em juízo. Óbvio, contudo, que caso o agente pratique o crime previsto no art. 28, em concurso com qualquer conduta dentre aquelas previstas nos arts. 33 a 37 caberá a sua prisão em flagrante, prosseguindo-se o feito nos termos do disposto no art. 50 e seguintes da nova lei.”
De forma concorde com todos os argumentos levantados por Silva (2006), uma notícia publicada por Andrade; Richard (2006, p. 1), em um periódico da Agência Brasil, relata, in verbis, que:
“A nova lei sobre drogas publicada no Diário Oficial da União acaba com o tratamento obrigatório para os usuários ou dependentes que eram flagrados com drogas. De acordo com a diretora de Políticas de Prevenção e Tratamento da Secretaria Nacional Antidrogas (Senad), Paulina Vieira Duarte, antes, o juiz poderia trocar a pena de prisão pela internação para tratamento.”
“O usuário não ia preso, mas era internado em uma instituição para recuperação. Com isso, muitas vezes, acontecia da pessoa não ser dependente, era um usuário, mas preferia se internar a ser preso”, explicou Duarte. De acordo com ela, com a nova lei, o juiz não pode obrigar ninguém a se tratar, mas o Estado deverá disponibilizar tratamento especializado aos dependentes.
“Há um consenso mundial que o fato de você colocar alguém na cadeia e obrigá-lo a se tratar não ajuda em nada a resolver o problema. Muito pelo contrário. Algumas vezes a pessoa pode desenvolver síndrome de abstinência e pelas dificuldades colocas pode até aumentar o consumo”.
Na nova lei, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, está previsto que União, estados e municípios vão desenvolver programas de atenção ao usuário e ao dependente de drogas. Diz ainda que instituições da sociedade civil, sem fins lucrativos com atuação nas áreas de atenção à saúde e da assistência social, que atendam usuários ou dependentes, poderão receber recursos do Fundo Nacional Antidrogas e também incentivos fiscais.”
Todavia, não obstante a diversidade de opiniões acerca da descriminalização pela Lei, do usuário de drogas, o educador Lemos (2008, p. 1) adverte que, ‘primeiramente, existem usuários em todas as classes sociais, culturais. Também há usuários em todas as doutrinas espirituais. E, por fim, há muitos usuários de drogas em famílias desestruturadas e estruturadas’
Sua afirmação é o princípio que vai de encontro à questão do preconceito, ou discriminação. Para Lemos, esta lei privilegia os usuários de melhor condição financeira pois, segundo ele, estes já não iam presos mesmo. No entanto, não mais passarão pelo constrangimento de serem algemados e irem até a delegacia prestar depoimentos e serem liberados. Quanto aos menos favorecidos, estes continuarão a passar pelos mesmos constrangimentos que eram submetidos anteriormente.
O Princípio da Insignificância é importante porque serve como um instrumento de limitação da abrangência do tipo penal às condutas realmente nocivas à sociedade, resguardando o ideal de proporcionalidade que a pena deve guardar em relação à gravidade do crime. Nas palavras de Melo; Guimarães (2004, p. 1):
“A jurisprudência tem adotado o Princípio da Insignificância nos casos de furto de objeto material insignificante, lesão corporal, de lesão insignificante ao Fisco, de maus-tratos de importância mínima, Crime de Descaminho, no caso de Dano de Pequena Monta, de lesão corporal de extrema singeleza e Crimes contra a Fauna. Entretanto, o entendimento adotado segue sempre uma mesma linha, ou seja, a lesão ou o fato praticado, por ser insignificante, torna-se atípico, além dos argumentos da proporcionalidade, da mínima intervenção, da fragmentariedade e da subsidiariedade.”
Abordado de forma mais profunda, o Princípio da Insignificância aparece no cenário na Europa, causado pelas crises sociais após as duas grandes guerras. Melo; Guimarães (2004, p. 2) ensinam que ‘o excessivo desemprego e a falta de alimentos, dentre outros fatores, provocou um surto de pequenos furtos, subtrações de mínima relevância, que receberam a denominação "Criminalidade de Bagatela’
Luiz Flávio Gomes aponta que existem duas modalidades de infração bagatelar própria: ‘a primeira reside na insignificância da conduta (desaparece nesse caso o juízo de desaprovação da conduta); a segunda na do resultado (não há que se falar em resultado jurídico desvalioso)’
Em que se configura o princípio da insignificância? Gomes (2006, p.2) ensina que:
“A conseqüência natural da aplicação do critério da insignificância (como critério de interpretação restritiva dos tipos penais – assim sustentava Welzel – ou mesmo como causa de exclusão da tipicidade material – STF, HC 84.412, rel. Min. Celso de Mello) consiste na exclusão da responsabilidade penal dos fatos ofensivos de pouca importância ou de ínfima lesividade. São fatos materialmente atípicos (afasta-se a tipicidade material, pouco importando se se trata da insignificância da conduta ou do resultado). Se tipicidade penal é (de acordo com a teoria constitucionalista do delito que adotamos) tipicidade objetiva ou formal + tipicidade material ou normativa, não há dúvida que, por força do princípio da insignificância, o fato mínimo ou de ínfimo significado é atípico, seja porque não há desaprovação da conduta (conduta insignificante), seja porque não há um resultado jurídico desvalioso” (resultado ínfimo).
O ápice do delito de porte de droga para consumo próprio encontra-se na contrariedade ao interesse jurídico coletivo, consubstanciado na própria saúde pública, e não pertence aos tipos incriminadores a lesão a membros do corpo da sociedade. Levando-se em conta a obrigação de respeito mútuo entre os membros da sociedade no que diz respeito à saúde pública, diz-se que aquele que porta droga lesiona o bem jurídico, causando dano massivo decorrente da falta de respeito com a vigilância do Estado da saúde pública.
Afirma Silva (2004, p. 6):
“Como se nota, não é necessário socorrer-se da tese do perigo abstrato, uma vez que, partindo-se do conceito de interesse difuso, pode-se construir uma teoria adequada à solução do tema. Essa lesão já conduz à existência do crime, dispensando a demonstração de ter causado perigo concreto ou dano efetivo a interesses jurídicos individuais, se houve invasão da sua esfera pessoal ou se o fato causou ou não perigo concreto a terceiros.”
As questões levantadas pela aplicação da nova lei de drogas levam juízes, advogados e juristas a se defrontarem com situações diversas de jurisprudências. No que diz respeito ao princípio da insignificância, vários tribunais tomaram decisões diversas. O Superior Tribunal de Justiça tomou as seguintes decisões:
“‘Entorpecente. Quantidade ínfima. Atipicidade. O crime, além da conduta, reclama um resultado no sentido de causar dano ou perigo ao bem jurídico (…); a quantidade ínfima informada na denúncia não projeta o perigo reclamado’.
Sempre "é importante demonstrar-se que a substância tinha a possibilidade para afetar ao bem jurídico tutelado". [2] A pena deve ser "necessária e suficiente para a reprovação e prevenção do delito. Quando a conduta não seja reprovável, sempre e quando a pena não seja necessária, o juiz pode deixar de aplicar dita pena. O Direito penal moderno não é um puro raciocínio de lógica formal. É necessário considerar o sentido humanístico da norma jurídica. Toda lei tem um sentido teleológico. A pena conta com utilidade” (MENDES, 1998, p. 65).
Ainda de acordo com a Suprema Corte, já se reconheceu o Princípio da Insignificância nesse campo. De acordo com a Lei n. 6.368/76, reconhecendo o Princípio da Insignificância, a posição no caso de drogas é negativa.
No que concerne ao Princípio da Insignificância, pode-se concluir que nem toda conduta humana apresenta um grau de lesividade que mereça ser reprimido penalmente. Precisa haver um alto nível de proporcionalidade entre a gravidade da conduta a ser punida e a seriedade da intervenção sobre a ação, pois conforme se sabe, não existe crime se não houver um dano considerado digno ao bem jurídico.
Poder-se-ia, entretanto, aplicar o Princípio da Insignificância ao caso de porte de drogas? Padula (2007, p. 6) adverte que,
“Em termos de entorpecentes, não se cogita falar da aplicação do Princípio da Insignificância. A inaplicabilidade de tal princípio aos crimes de porte e uso de substância entorpecente é pacífica, tanto na doutrina como na jurisprudência dos Tribunais Superiores.”
Completa a autora seu argumento ao declarar:
“O crime de posse e uso de substâncias entorpecentes está tipificado no Capítulo III do CPM, sendo considerado crime contra a incolumidade pública e a saúde. E é por essa razão que, mesmo sendo pequena a quantidade de entorpecente que o militar traga ou guarde consigo, ainda que para uso próprio, o crime já restaráconfigurado, posto que o que se tutela nessecaso é a disciplina militar, sempre ofendida nesses casos (PÁDULA, 2007, p. 6).”
Ainda assim, situações de desrespeito são encontradas em muitos casos julgados pelo nosso sistema jurídico. De acordo com notícia publicada pela revista Justilex, de 12 de dezembro de 2007, muitas vezes, o Princípio da Insignificância é aplicado a casos nos quais a penalidade maior poderia ser aplicada. Reza a notícia, sob o título: ‘Mera indisciplina’.
“BRASIL – STF aplica insignificância para militar pego com maconha A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal aplicou o princípio da insignificância para trancar ação penal contra um militar pego com maconha e considerou que já bastam as aplicações de sanções disciplinares a ele. Segundo os autos, Tércio Araújo Souza foi flagrado com quatro cigarros de maconha”.
O relator, ministro Eros Grau, ressaltou o parecer da Procuradoria-Geral da República, que diz que, "embora típica a conduta, é cabível o princípio da insignificância, vez que atendidos os seus requisitos objetivos: mínima ofensividade da conduta do agente; ausência de periculosidade social da ação; reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica causada".
A 1ª Turma entendeu que "a aplicação de sanções administrativas-disciplinares ao condenado é suficiente à reprovabilidade da conduta, como ocorreu". Souza, primário, já licenciado das fileiras do Exército, confessou o crime e manifestou arrependimento, mas foi condenado por crime militar.
No pedido de Habeas Corpus, a Defensoria Pública da União, que atuou em sua defesa, insurgiu-se contra decisão do Superior Tribunal Militar, que lhe negou recurso de apelação, mantendo a pena de um ano, observando tratar-se de crime militar sem atenuantes. Além disso, o STM lembrou que o princípio da insignificância não encontra aplicação na Justiça Militar.
Ao votar pelo arquivamento da ação penal, o ministro Eros Grau citou o parecer do subprocurador-geral Wagner Gonçalves no trecho em que ele afirma que o militar não tem antecedentes penais e deve ser recuperado, não condenado a um futuro de comprometimento. Grau lembrou, também, de diversos precedentes em que o STF aplicou a militar o mesmo princípio da insignificância vigente para os civis, sustentando que não pode haver discriminação em desfavor do militar” (JUSTILEX, 2004).
Por certas condutas serem consideradas crime e, também, sendo a lei especial, não se pode aceitar a descriminalização. E é importante que se saiba se tais condutas são crimes ou não, pois, em caso positivo, apresentará conseqüências quanto à reincidência. Conforme mencionado no Código Penal, em seu artigo 63, in verbis:
“Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior” (CP, REINCIDÊNCIA).
Sobre a punição ao usuário, a nova Lei de Drogas afirma, quanto ao prazo para a aplicação de penas: “o prazo máximo cominado é de cinco meses, podendo ser dobrado no caso de reincidência (art. 28, §§ 3º e 4º) e as penas podem ser aplicadas cumulativamente ou substituídas entre si (art. 27)”.
Reforçando este argumento, Silva (2008, p. 163) apresenta sua definição de reincidência da seguinte forma:
“Ocorre a partir do momento que o agente, depois de ter sido definitivamente condenado no Brasil ou no exterior, por crime, vem a cometer outro delito, ou se depois de condenado definitivamente por contravenção, reitera no cometimento de outro ato contravencional”.
Sobre a aplicação de penas a reincidentes, o delegado Cabette (2006, p. 2) ensina:
“Na interpretação desse dispositivo tem sido amplamente majoritário o entendimento, tanto na doutrina como na jurisprudência, de que não importa a espécie de crime (doloso ou culposo, previsto no Código Penal ou na Legislação Esparsa) e nem mesmo a espécie de pena aplicada originária ou substitutivamente. O que importa é que a condenação anterior diga respeito a ‘crime’, qualquer que seja a sua espécie, qualquer que seja a pena prevista ou aplicada. Os únicos casos excepcionais são as condenações cuja pena já tenha sido cumprida ou extinta há mais de cinco anos.”
Poucos são os que discordam desse pensamento, e, se fosse sustentado que a penalidade de pagamento de multas ou qualquer outra que não prive da liberdade não geram reincidência, poder-se-ia dizer, então, que, ao ser condenado pelo Artigo 28 da Lei de Drogas, o sujeito ativo não sofreria reincidência, pois as penas previstas não privam o usuário da liberdade.
A este respeito, Cabette (2006, p. 3)) ensina que:
““Tal entendimento é francamente minoritário, de maneira que, sendo geradora de reincidência qualquer condenação anterior transitada em julgado por "crime", independentemente da pena cominada ou aplicada, conclui-se que a eventual condenação por infração ao artigo 28 da Lei 11.343/06 também gerará reincidência. Inclusive o próprio § 4º. do artigo 28 menciona as conseqüências da "reincidência" para a determinação do "quantum" das penas previstas nos incisos II e III do "caput"”.
Esta questão é polêmica, sendo necessária a análise das questões suscitadas, tendo em conta as demais soluções apresentadas pela doutrina.
O que dizer, então, das situações excludentes da reincidência? Silva (2008, p. 163) é bem claro ao estabelecer que em algumas situações não se pode levar em consideração a reincidência. Um dos exemplos por ele defendidos são as situações previstas no art. 64 incisos I e II do Código Penal, ou seja, “o decorrer de 5 anos entre o cumprimento ou a extinção da pena do crime anterior e o cometimento da infração posterior (…) e eliminam-se crimes militares e políticos”.
Para fins de esclarecimentos sobre o que realmente gera reincidência, Amaury da Silva aponta que a reincidência pode dar-se apenas entre os delitos do art. 28 ou sua combinação com outros previstos na remanescente da legislação penal.
Cabette (2006, p. 3) finaliza este assunto ensinando que, no que diz respeito à aplicação de penas:
““Não se tratando de crime nem de contravenção, o artigo 28 jamais poderia gerar reincidência, seja nos termos do artigo 63, CP, seja de acordo com o artigo 7º., LCP. Em relação a crime somente a condenação anterior por outro "crime" pode ocasionar reincidência. Quanto à contravenção, somente condenações anteriores por "crime" ou por "contravenção", esta segunda operada no Brasil. Ora, se o artigo 28 não configura crime ou contravenção, não há como poder gerar reincidência.”
Desse modo, se não se trata de infração penal (crime ou contravenção), mas sim de uma infração sui generis como se pode falar de reincidência?
O Artigo 109 do Código Penal estabelece os prazos para prescrição de penas. De acordo com a definição oferecida pelo CP, Carcereri (1999, p. 1) apresenta sua definição de prescrição, da seguinte forma:
“Prescrição é a perda do poder de agir decorrente do seu não-exercício no tempo fixado em lei. No direito penal, segundo lição de Damásio, a prescrição é a perda da pretensão punitiva ou executória do Estado pelo decurso do tempo sem o seu exercício.”
Reconhece o autor que a prescrição é um instituto de natureza material, e não processual, servindo como base, contudo, para a contagem de tempo de algunsprazos processuais (lei adjetiva), como, por exemplo, o período de suspensão do processo previsto no artigo 366 do CPP, o qual é medido pelos prazos prescricionais estabelecidos no artigo 109 do CP.
É importante notar-se o que Beccaria (1993, p. 41) afirma com respeito à prescrição de pena, quando esta já não mais tinha utilidade:
“A obscuridade que envolveu por muito tempo o delito diminui muito a necessidade do exemplo e permite devolver ao cidadão sua condição e seus direitos com o poder de torná-lo melhor. Soma-se a isto o fato dos ordenamentos modernos não recomendarem penas perpétuas (caso do Brasil), o que acaba por refletir, também, como justificativa para o reconhecimento jurídico da prescrição.”
A prescrição da pretensão punitiva e a da pretensão executória, em relação ao crime de porte de psicotrópicos ilícito, tem o prazo de 02 anos.
A nova lei é omissa, em relação às causas interruptivas e suspensivas da prescrição.
A prescrição da multa terá prazo prescricional de 05 (cinco) anos, pois esta não tem caráter de pena, mas sim coercitivo, de acordo com a regra geral dos títulos fiscais.
A prescrição é de suma importância para o Direito Penal porque ela tem como objetivo extinguir a punibilidade antes ou depois da sentença penal condenatória. Entretanto, esta encontra certas barreiras ao seu cumprimento. Francisco; Motta (2007, p. 8) consideram este assunto de forma mais detalhada, afirmando que:
“(…) no sistema penal brasileiro, a pena é sempre cominada, haja vista as questões e dados objetivos acerca do crime, do autor e da vítima (artigo 59 do Código Penal), isto é, as regras de atribuição da reprimenda são pautadas em critérios ditados pelo próprio Código Penal em seus dispositivos legais.”
Sendo assim, não é permitido ao magistrado aplicar uma pena indistinta, pela possibilidade de cometer abuso, e ainda, pela vedação à permissão de qualquer infração ir além de seu limite estabelecido por lei, ou seu mínimo legal. “Francisco; Motta (2007)” apontam que a fixação da pena no mínimo legal é verdadeiramente um direito de qualquer condenado.”
Na aplicação de alguns tipos de penas, conforme Francisco; Motta (2007, p. 8):
“…primeiro vislumbra-se a pena que será aplicada ao caso concreto sopesando os dados de atribuição de pena, daí a denominação prescrição da pena em perspectiva. Depois se constata, de forma antecipada, a inevitável ocorrência da prescrição retroativa ao final da demanda””.
Entretanto, a prescrição virtual sofre oposição por parte de legisladores porque, segundo eles, existe a falta de previsão legal no ordenamento jurídico pátrio. E nisso se baseia a maioria das jurisprudências contrárias à prescrição virtual. E, de acordo com esse pensamento, Francisco; Motta (2007, p. 9) apontam que:
“Realmente o Código Penal e Código de Processo Penal não contemplam de forma expressam a prescrição virtual ou antecipada da pena projetada. Não há nenhum dispositivo que reze: “A prescrição retroativa antecipada retira a justa causa e o interesse de agir da ação penal, impossibilitando o seu exercício ou prosseguimento”. Não existe qualquer norma parecida ou análoga.”
Apesar de concordarem com a afirmação acima, os autores contrapõem que:
“No entanto, não é a falta de previsão expressa que vai afastar a sua constatação e sua existência, pois, apesar do nome deste instituto ser prescrição virtual ou antecipada, não há que se falar em extinção da punibilidade. Seu fundamento revela a falta de interesse de agir ou da justa causa. Uma vez entendida esta diferença, não se pode alegar falta de amparo legal para o seu prestígio, à vista do exposto no artigo 43, inciso III, do Código de Processo Penal, que determina que a denúncia ou queixa será rejeitada quando for manifesta a ilegitimidade da parte, ou faltar condição exigida pela lei para o exercício da ação penal”. (FRANCISCO; MOTTA (2007, p. 9)
Assim, deve-se aplicar a Lei de forma correta nos julgamentos, tendo sido definida a conduta proibida, e assim abandonando as situações nas quais a conceitualização do crime cometido tenha sido vaga ou indeterminada, e isso causaria uma insegurança jurídica. Interessante perceber o que ensina Toledo (2001, p. 29).
“A exigência de lei certa diz com a clareza dos tipos, que não devem deixar margens a dúvidas nem abusar do emprego de normas muito gerais ou tipos incriminadores genéricos, vazios. Para que a lei penal possa desempenhar função pedagógica e motivar o comportamento humano, necessita ser facilmente acessível a todos, não só aos juristas. Infelizmente, no estágio atual de nossa legislação, o ideal de que todos possam conhecer as leis penais parece cada vez mais longínquo, transformando-se, por imposição da própria lei, no dogma do conhecimento presumido, que outra coisa não é senão pura ficção jurídica.”
Concernente à Nova Lei de Drogas (Lei n. 11.343/2006 ), destaque-se que a referida lei não visa a abolir o caráter criminal das condutas ali tipificadas. Pelo contrário, diferencia o tratamento penal aplicado no tratamento penal do usuário de drogas ilícitas, colocando em sintonia a Constituição Federal e a legislação, tornando necessário que prevaleça a compreensão da inaplicabilidade do princípio ora abordado aos crimes tipificados na referida lei.
Prevenção
Todo esse aparato legal na punição do usuário infrator, consumidor de drogas consideradas ilegais, é de extrema importância. Entretanto, mais do que apenas punir, mesmo que sejam aplicadas somente penas alternativas ou não privativas de liberdade, é imperativo que se tomem medidas de prevenção. Nas palavras de Silva (2008, p. 93):
“Art. 18. Constituem atividades de prevenção do uso indevido de drogas, para efeito desta Lei, aquelas direcionadas para a redução dos fatores de vulnerabilidade e risco e para a promoção e o fortalecimento dos fatores de proteção.”
Tais atividades precisam ser desenvolvidas, e com que objetivo? Silva (2008, p. 93) destaca:
“É o primeiro conjunto e perfil da política pública sobre drogas no quesito da prevenção que preconiza o distanciamento do consumo indevido de drogas, conceituada as suas atividades para fins legais, aquelas voltadas para a amortização da perspectiva de acesso e contato com as drogas, e a criação e fortalecimento da rede de tutela face às drogas, ou critérios que incrementem o amparo ou o auxílio para o não-contato com as drogas.”
Todos esses princípios são destaques visando à qualidade de vida do cidadão, mas deve-se levar em conta que tal qualidade de vida só pode ser oferecida a partir do momento em que esta pessoa tiver a sua existência sem o consumo indevido da droga.
Perceba-se, também, no inciso II, que a Lei busca estabelecer mecanismos antipreconceito, não estigmatizando o usuário, por tratar do assunto de uma forma científica. Entretanto, Silva (2008, p. 96) afirma que:
“É obvio que a incidência desses fatores de degeneração de auto-estima à pessoa, ou mesmo de retração à determinada atividade pública ou comunitária com aquele perfil, compromete qualquer atividade meritória no encaminhamento da prevenção, já que a distância da isonomia faz uma adesão ao aspecto marginal decorrente da ilegalidade que o próprio consumo ou contato com a droga enseja”
É fácil perceber que o próprio fato da pessoa consumir ou traficar enseja o uso de termos pejor pejorativos àquele que infringe a Lei, termos como ‘doidão, malucão, passador’ e outros passam a ser comumente usados no tratamento daquele usuário.
Soares (1997, p. 10), opinando sobre a questão da definição de droga e prevenção, com conseqüente consumo da mesma, declara:
“a droga é uma mercadoria e que o consumo de drogas deve ser analisado à luz da estrutura e dinâmicas do modo de produção capitalista, que conformam os contextos da sociedade contemporânea. Assim, trata-se de reconhecer que o consumo de drogas está submetido às possibilidades de reprodução social dos indivíduos, famílias e classes ou grupos sociais, bem como reflete as conseqüências das políticas sociais públicas adotadas pelo Estado. Portanto, a política e os programas de prevenção ao consumo de drogas deveriam estar voltados tanto para mudanças em contextos de socialização e interação dos indivíduos, delimitados e específicos a sua condição de classe, quanto para mudanças estruturais mais gerais que melhorem a distribuição da renda e o acesso aos bens socialmente produzidos.”
Para que a questão da prevenção seja bem direcionada para resultados positivos, é necessário que se trabalhe a conscientização individualizada, por meio da alimentação da autonomia do infrator, de uma forma que a própria pessoa descubra o problema e tome ação concordemente, pois isso é o que encoraja o inciso II ao dizer que deve-se priorizar o fortalecimento da autonomia e da responsabilidade individual em relação ao uso indevido de drogas.
Grande parte da responsabilidade pelo problema do consumo de drogas ilegais provém do ambiente familiar. Em muitos casos, pais descobrem o envolvimento do filho com drogas depois de muito tempo. Isso aponta para a necessidade de se conversar sobre o assunto, de forma exaustiva. Mas, bem mais importante do que isso é a forma como os pais se posicionam diante do problema. Conforme destaca Motta (2007, p. 7):
“O essencial é conhecer os valores do filho, para conduzir adequadamente a conversa. É necessário evidenciar os prejuízosque as drogas provocam, sobretudo do ponto de vista do jovem. Quanto mais se conhece um problema, mais condições se tem de enfrentá-lo”.
Este é um dos pontos iniciais da prevenção. O conhecimento do problema, de suas variantes e das possíveis soluções pode levar o pai, ou mãe, a uma visão diferente da situação e, assim, buscar uma forma mais cabível de solução.
Sabe-se que, quando alguém em uma família utiliza drogas, a rotina familiar se desestabiliza, apresentando-se um período crítico de convivência. Tal crise deve representar motivos para a busca de soluções, de forma que a família possa superá-la. Por isso, alguns pontos importantes no combate e prevenção ao consumo de drogas, segundo Motta (2007, p. 8) são:
“• Preservação da autoridade dos pais, considerando que pais são pais e filhos são filhos. Não é possível uma boa educação se existir confusão de papéis. Trata-se de autoridade, não de autoritarismo ou abuso de poder econômico, físico e mental. Com autoridade se estabelecem limites e compromissos, ao mesmo tempo que se ama os filhos, provendo-os nas suas necessidades.
• Estabelecimento e execução de padrões comportamentais para o bom andamento coletivo da família, sem massacrar nenhum dos integrantes.
• Responsabilidade em se cuidar e, em vez de agredir e rejeitar, cuidar daquele que mais precisar de ajuda.
• Respeito à individualidade de cada um, privilegiando e exercitando os pontos positivos e não criticando os negativos. Ninguém é igual a ninguém, e as características individuais devem ser preservadas.
• Cobrança dos integrantes familiares em relação aos compromissos assumidos. Todos devem ter suas funções, e cada um deve desempenhá-las dando o melhor de si. A irresponsabilidade de um não deve sufocar o outro. O filho, arrumando seu quarto, não sobrecarrega a mãe, por exemplo.
• Mudanças nas regras da privacidade quando houver suspeita do uso de drogas. É mais saudável romper a privacidade e enfrentar o problema, em vez de ignorar o que de fato está acontecendo. Nessas condições, os pais têm o direito e o dever de “invadir o espaço” de seus filhos para preservar-lhes a saúde, pois, raramente, um filho admite a seu pai ou mãe que está usando drogas. Vale, então, revistar o quarto do rapaz, a bolsa ou a agenda da menina; o que não vale é usar a droga como pretexto para vasculhar a vida dos filhos.
•Cuidado redobrado quando se mora em condomínios. Os jovens costumam usar esse território particular como refúgio para se drogar. Acham que estão livres dos pais e da polícia”.
Certamente, alguém poderia argumentar que isso é possível quando a situação é descoberta no início. Mas o que fazer quando já se encontra em situação avançada? Nesse caso, deve-se buscar uma solução auxiliar para que se impeça o progresso do consumo de drogas, tratando de suas complicações, talvez procurando o auxílio de especialistas, tais como psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais, integrantes ativos de grupos anônimos de mútua ajuda.
Em outro lado da obrigação de prevenir está o Estado. Apesar do fato de que a família detém grande responsabilidade no processo de prevenção do uso de drogas, cabe também ao Estado assumir sua parcela de responsabilidade. De acordo com a Juíza de Direito Ibiapina (2008, p.2),
““Cabe ao Poder Executivo, por meio da Secretaria Nacional Antidrogas – SENAD, promover palestras de advertência a pequenos grupos de sentenciados, eis que, considerando sua estrutura administrativa, melhor aparelhado está para realizar o encontro de profissionais da área de medicina, psicologia, sociologia, administração, além de outras, aos quais será dada a incumbência de passar aos usuários informações que sejam adequadas a seu nível de compreensão, vocabulário, hábitos, interesses, dificuldades e indagações.””
Ademais, é importante que se perceba que há muito que o Estado poderá realizar no sentido de prevenir o consumo de drogas ilegais. Por exemplo, pode-se criar e desenvolver programas e políticas que permitam a prevenção do uso de drogas, e sabe-se que estas são conseqüência de decisões políticas, que estão sujeitas a pressões e vulneráveis às reviravoltas políticas. De acordo com essa idéia, CanolettiI; Soares (2005, p. 115) afirmam:
“A importância de se fornecer informação correta sobre drogas. A informação subsidia a reflexão crítica acerca do tema, possibilitando um diálogo aberto e confiável entre os sujeitos da prevenção. Representa um dos componentes dos programas de educação preventiva e não a educação propriamente dita. A informação eficiente é aquela que possibilita uma análise em relação às opções possíveis, quais sejam: o uso racional e responsável de drogas ou os benefícios da abstinência. A informação alarmista e repressiva ou a "pedagogia do terror" mostra-se ineficiente e poderia até mesmo suscitar nos jovens o desejo de desafiar o mal e afrontar o que é proibido.”
A informação aparece no contexto como uma fonte importante de prevenção do consumo de drogas ilegais. A educação preventiva funciona como um freio ao anseio de experimentar ou iniciar a vida como consumidor de drogas ilegais, impedindo tantos, por saberem de seus efeitos letais, de enveredar pelos caminhos da infração por porte de drogas. CanolettiI; Soares (2005, p. 115) completam seu argumento por dizer:
“Finalmente, percebe-se que é rara a adoção de estratégias de distribuição de materiais preventivos pelos projetos. Apesar de notar-se uma mudança em relação à abordagem utilizada na prevenção, não se incorpora a distribuição de materiais que efetivariam algumas das estratégias de redução de danos. Isso pode ser tanto fruto dos impedimentos legais, que apenas nos últimos anos da década de 1990 passaram a ser afastados, como pode advir do próprio receio da população de que se houver uma distribuição de seringas e agulhas descartáveis, por exemplo, a conseqüência pode ser um aumento do número de usuários de drogas injetáveis.
Em adição a essas ações, CanolettiI; Soares (2005, p. 116) ensinam que, por outro lado da questão, deveria ser dada mais atenção à questão da distribuição mais justa de renda:
“a política e os programas de prevenção ao consumo de drogas deveriam estar voltados tanto para mudanças em contextos de socialização e interação dos indivíduos, delimitados e específicos a sua condição de classe, quanto para mudanças estruturais mais gerais que melhorem a distribuição da renda e o acesso aos bens socialmente produzidos.”
Ou seja, os programas de prevenção deveriam ter como objetivo a busca da manutenção e da valorização da pessoa, ao invés de apenas reprimir com olhares cheios de moral. Com isso, o resultado poderia ser a conscientização de cada indivíduo no sentido de entender mais profundamente o problema do consumo de drogas que afeta a sociedade.
Completam CanolettiI; Soares (2005, p. 117) o seu argumento a favor da participação mais ativa do Estado ao afirmarem:
“Sendo assim, a competência do Estado sobre o consumo de drogas deveria circunscrever-se às ações que interferem diretamente na sociedade, isto é, os danos relacionados à saúde e à violência principalmente. Portanto, seria sobre esses danos, e não sobre o arbítrio dos cidadãos sobre si mesmos que deveriam recair as políticas de prevenção ao uso de drogas; o que se configuraria em programas realistas, eficientes, eticamente corretos, e providos de credibilidade”.
Em adição a essas ações, CanolettiI; Soares (2005, p. 116) ensinam que, por outro lado da questão, deveria ser dada mais atenção à questão da distribuição mais justa de renda:
“a política e os programas de prevenção ao consumo de drogas deveriam estar voltados tanto para mudanças em contextos de socialização e interação dos indivíduos, delimitados e específicos a sua condição de classe, quanto para mudanças estruturais mais gerais que melhorem a distribuição da renda e o acesso aos bens socialmente produzidos.”
Os programas de prevenção deveriam ter como objetivo a busca da manutenção e da valorização da pessoa, ao invés de apenas reprimir com olhares cheios de moral. Com isso, o resultado poderia ser a conscientização de cada indivíduo no sentido de entender mais profundamente o problema do consumo de drogas que afeta a sociedade.
Conclusão
O consumo de drogas ilícitas se apresenta como uma calamidade social que afeta famílias de todas as rodas da sociedade. Lares são destruídos, pessoas perdem a saúde e a vida em busca desse prazer mortal. A própria sociedade perde com a falta de prevenção do consumo de drogas.
Como se não bastasse, traficantes utilizam sua influência para difundir o hábito de consumo em lugares onde deveria haver apenas a educação, como escolas e instituições de ensino.
Com o passar do tempo, percebe-se a necessidade de se fazer alguma coisa mais rígida nesse sentido. As leis anteriores não mais exerciam poder controlador sobre usuários e traficantes, além de penalizar aquele que apenas fazem uso das substâncias entorpecentes.
Por isso, visando ser mais justos, legisladores decidiram que a lei relativa ao consumo de drogas entorpecentes deveria sofrer alterações. Assim, foi elaborada a Lei nº 11.343/2006, que pretende alterar hábitos jurídicos no que diz respeito à aplicação de penalidades.
A Lei n. 11.343, conhecida como A “Nova Lei de Drogas”, foi elaborada com a finalidade de fazer justiça àqueles que portam substâncias entorpecentes para consumo próprio. Já não se pode mais permitir que pessoas que são apenas usuários de substâncias entorpecentes sejam privados de sua liberdade, incorrendo em problemas de maior monta, os seus encarceramentos na “Escola do Crime”. O que se deve priorizar de agora em diante é a recuperação e reinserção do usuário de drogas, por meio de programas sociais de recuperação, provendo atividades que lhe façam refletir sobre o ato de consumir entorpecentes, e, dessa forma, o usuário infrator ser o próprio agente de sua recuperação.
Entretanto, a Lei tem enfrentado objeções. Luiz Flávio Gomes diz que houve a descriminalização do porte de drogas para consumo próprio, enquanto outros doutrinadores e Tribunais Superiores afirmam que houve despenalização da conduta prevista no tipo do art. 28 da Lei n. 11.343/2006.
A posição de Luiz Flávio Gomes encontra obstáculos na Lei n. 11.343/2006, sob a rubrica “Dos Crimes e das Penas”. O autor parte do artigo 1º da LICP ( Lei de Introdução ao Código Penal), socorrendo, desta forma, a uma Lei editada em uma época que se tinha um outra realidade e contexto social, para explicar a descriminalização do porte de drogas para consumo próprio, desconsiderando que na época na edição da LICP, não se falava em penas restritivas de direito, as quais só surgiram no contexto mundial a partir de 1990, com o 8º Congresso da ONU.
A nova Lei 11.343/2006, inclusive, foi aplicada aos acusados do crime do artigo 16, da Lei n. 6338/2006 (revogada), pois a Lei 11.343/2006, trata-se de lex millor ( novatio legis in mellus).
A 2ª Turma do STF já manifestou no sentido de que o uso de drogas para consumo próprio é crime, apenas o que houve foi a despenalização da conduta delitiva, tornando a pena mais branda e menos agressiva ao infrator..
Conclui-se, desta forma, que o artigo 28 da Lei n. 11.343/2006, continua como sendo um ilícito penal, análogo às Contravenções Penais, estando o autor do delito sujeito às sanções previstas na Lei.
A nova Lei veio a adequar a uma nova realidade social. O encarceramento do usuário de drogas não resolvia o problema, ao contrário, só agravava. Aliás, a própria Constituição Federal prevê a cominação de várias espécies de penas, sendo que a medida cautelar, prisão, é apenas uma entre outras autorizadas, conforme o artigo 5º, inciso XLVI da Constituição Federal.
O que realmente se inovou com a nova Lei 11.343/2006 ?. Pode-se dizer que foi a desprisionalização, livramento do infrator da pena da privação de sua liberdade, sujeitando-o às penas restritivas de direito.
Ressalta-se que, o não cumprimento destas penas restritivas de direito, ensejam o infrator ao pagamento de multas, que podem alcançar o valor máximo estimado em R$ 110.000,00 (cento e dez mil reais), o que reflete uma penalidade coercitiva maior que as que são atribuídas aos crimes comuns sujeitos a reclusão e detenção e/ou multa.
De forma que, todo o procedimento processual que vem sendo adotado em relação ao artigo 28 da Lei n. 11.343/2006 está sobre o manto do procedimento sumaríssimo, procedimento adotado nos Crimes de Menor Potencial Ofensivo.
Destaca-se, ainda, que há que se falar em autolesão, pois o uso de drogas onera o indivíduo, a família e a sociedade em geral, a qual arca com as conseqüências na prevenção e recuperação do usuário. Destaca-se que há perdas de vidas humanas em decorrência do uso de drogas, tendo como vítimas em potencial, a exemplos, os fetos de mulheres gestantes.
Informações Sobre o Autor
Karla Geovanine Silva Santos
Pós-graduada em Direito Penal, Faculdade Processus (DF)