Resumo: A desconsideração da Pessoa Jurídica no Direito Brasileiro ainda é muito discutido em todas as áreas do Direito, tornando–se assim, um assunto de grande importância no meio Jurídico.O assunto começou a ser tratado no Código de Defesa do Consumidor e a partir daí vem sendo discutido em todas as esferas do Direito.
Palavras-chaves: Pessoa Jurídica, desconsideração, Legislação Brasileira.
Introdução
Para falarmos sobre a desconsideração da pessoa jurídica, se faz mister inicialmente falarmos sobre o conceito e como se dá a personificação da mesma.
Apesar de ser um assunto conhecido tem as suas particularidades, já que para que a pessoa jurídica tenha personalidade tem que passar por duas etapas, a de constituição e a de registro.
1. Conceito e personalidade da pessoa jurídica
Como mencionado na introdução para falarmos sobre a desconsideração da pessoa jurídica se faz necessário tratarmos, mesmo que rapidamente, sobre o conceito e a personalidade da pessoa jurídica.
Podemos conceituar a pessoa jurídica como unidade de pessoas ou de patrimônio com objetivos em comum, devendo ter reconhecimento pela legislação, podendo ser responsáveis pelos seus atos e sujeitos de direitos.
Assim, para que a pessoa jurídica seja constituída e tenha personalidade são necessários alguns critérios, passando por duas fases.
A primeira fase trata da constituição da pessoa jurídica, tendo dois critérios, ou seja, elemento material e formal.
O elemento material tem a ver com a vontade de constituir pessoa jurídica. Ou seja, a pessoa jurídica por ser constituída se duas formas: por ato unilateral(intervivos ou causa mortes) ou bilateral (vontade das partes).
No ato bilateral deve se preencher os fatores descritos no art. 981, do CC, ou seja, no mínimo duas pessoas, que celebram contrato de sociedade que se obrigam a contribuir com bens ou serviços para exercer atividade econômica e que, partilhará entre elas os resultados dessa junção.
Ainda, para que a pessoa jurídica seja constituída são necessários os requisitos para a validade de um negócio jurídico, elencados no art. 104, do CC: agente capaz; objeto lícito, possível, determinável e forma prescrita ou não defesa em lei.
O elemento formal trata-se da formalização da vontade de constituir a pessoa jurídica. Assim, a constituição deve ser feita por escrito para que, no segundo momento, haja o registro, conforme art. 997, CC.
Porém, isso é a regra, mas na legislação, no próprio código civil, há algumas exceções. São essas:
– as fundações que tem requisitos legais específicos, elencados no art. 62, do CC;
– as sociedades previstas na legislação, que necessitam de aprovação do Poder Executivo Federal, com previsão legal nos arts. 45, 1.123a 1.125, do CC, que são as sociedades estrangeiras, as agências ou estabelecimentos de seguros;caixas econômicas e bolsa de valores e por fim, as cooperativas.
A segunda fase é de total importância, já que se trata do registro do ato constitutivo da pessoa jurídica. Ato esse, que da veracidade e validade à pessoa jurídica.
Tal ato está previsto nos artigos 45, 46, 984, 985, 998, 1.134 e 1.150, do CC.
A existência da pessoa jurídica só começa com o registro do seu ato de constituição, ou seja, o contrato social ou o estatuto
A partir do registro a pessoa jurídica passa a ter personalidade, respondendo pelos próprios atos. Assim, todos os compromissos, como compras e afins, frente a demais pessoas físicas ou jurídicas, serão supridos por seus próprios bens,eserão de sua integral responsabilidade.
É nesse momento que os sócios participantes dessa sociedade, agora com personalidade jurídica, não respondem mais com seus patrimônios pessoais, pois todos os compromissos serão honrados com os bens da pessoa jurídica.
2. Desconsideração da personalidade jurídica no ordenamento jurídico brasileiro
Por um bom tempo os dispositivos legais mencionados acima foram suficientes para suprir a necessidade da sociedade. Ocorre que, com o passar do tempo, observou-se que atos dos sócios, por trás da pessoa jurídica, geravam prejuízos aos terceiros com os quais contratavam.
Os autores José Lamartine Corrêa de Oliveira e Maria Helena Diniz, nas suas respectivas obras trataram o assunto da seguinte forma:
“Em todos os países pode surgir (como de fato tem surgido) o fenômeno da utilização da pessoa jurídica (e de sua subjetividade autônoma, separada) no contexto da busca e finalidades distintas daquelas que insiram o conjunto do sistema jurídico”.[1]
“Ante sua grande independência e autonomia devido ao fato da exclusão da responsabilidade dos sócios, a pessoa jurídica, às vezes, tem-se desviado de seus princípios e fins, cometendo fraudes e desonestidades, provocando reações doutrinárias e jurisprudenciais que visam coibir tais abusos”.[2]
Inicialmente há que se falar, que observado o fator que as benfeitorias que a personalidade proporcionava estava sendo utilizada de forma contraria, os primeiros a se opor foram os tribunais norte-americanos. Assim, iniciou-se a desconsideração da personalidade jurídica, que defendeque a divisão dos bens dos sócios e os da pessoa jurídica não são absolutas, desde que comprovado alguns fatores.
Ainda na aplicação do antigo código civil brasileiro, de 1916, iniciou-se o entendimento conhecido hoje como desconsideração da personalidade jurídica.
No art.20, da antiga legislação, foi reconhecida a distinção da personalidade jurídica e dos seus sócios,onde não havia base legal para que nos casos de fraudes para causar prejuízo à terceiros, os patrimônios dos sócios também fossem utilizados para pagamento.
O primeiro ordenamento jurídico brasileiro que tratou sobre a desconsideração da pessoa jurídica foi o Código de Defesa do Consumidor, em 1990.
No artigo 28, da lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990, encontramos o primeiro instituto jurídico que garante ao juiz o poder de desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade.
“Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetiva quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração”[3]
Em 1994, na Lei n.º 8.884, no artigo 18, o assunto foi novamente tratado.
Apesar do Código de Defesa do Consumidor ter sido o primeiro instituto a formalizar a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica, não foi tão acertada quanto o código civil atual.
Finalmente, em 2003, com a vigência do atual código civil, o assunto foi novamente discutido no artigo 50. Vejamos:
“Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da personalidade jurídica.”[4]
Observa-se que no artigo descrito acima, o legislador deu ao magistrado o direito de desconsiderar a personalidade jurídica, desde que observado alguns critérios. Sendo esses: que seja caracterizado o abuso da personalidade jurídica, através da confusão patrimonial ou o desvio da finalidade, e que enfim, o ato de desconsideração seja requerido pela parteou pelo Ministério Público. Assim, já podemos sanar a dúvida que, pelo código civil, o juiz não pode determinar a desconsideração de ofício.
A doutrina majoritária entende que a aplicação do código civil é mais fiel aos princípios que deram inicio a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, sendo assim, a melhor aplicação.
Frente ao código civil atual, quando os critérios descritos acima forem preenchidos, a pessoa jurídica deixará de responder pelos seus atos, e quem responderá pelos mesmos serão seus sócios, inclusive com seus patrimônios pessoais.
A partir da formalização, sobre o assunto, no código civil, iniciou-se a discussão sobre o assunto em diversos outros ramos do Direito.
SegundoCésar Fiuza, na sua obraCurso de Direito Civil Avançado, o Direito do trabalho também tratou sobre o assunto no art. 2.º, da CLT, porém de forma mais branda, já que trata o assunto como uma responsabilidade subsidiária para pagamento dos débitos trabalhistas.
“Art. 2º Sempre que uma ou mais empresas, tendo embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal uma das subordinadas”.[5]
Porém, há que se falar que a doutrina majoritária não entende o art. 2.º da CLT, como desconsideração jurídica, já que nesse caso não há desconsideração da personalidade, tampouco a responsabilidade direta dos sócios, mas apenas transferência de responsabilidade para a principal empresa em caso de grupos empresariais.
3. Conclusões finais
A positivação do instituto sobre a desconsideração da personalidade jurídica foi necessária devido a um problema desencadeado no meio social, já que observou-se o mau uso dos direitos conquistados pela desvinculação do patrimônio pessoal dos sócios e do patrimonial da pessoa jurídica.
Assim, como papel do Direito é organizar a sociedade, impondo limites para que todos possamos ter nossos direitos garantidos, foi necessário respaldo legal e doutrinário.
A desconsideração da personalidade jurídica, principalmente a partir do art. 50, do código civil, veio trazer a segurançacaso haja abuso caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, os sócios podem responder com seus patrimônios pessoais, não gerando prejuízo à terceiros.
Observa-se que o assunto ainda não foi esgotado, já que vem sendo tratando por outros ramos do Direito.
Informações Sobre o Autor
Carla Santos Silva
Advogada pós graduada em Direito Civil e Processo Civil