Resumo: Inicialmente, insta evidenciar que o direito de vizinhança compreende uma gama de limitações, estabelecidos expressamente pelos diplomas legais em vigor, que cerceiam, via de consequência, o alcance das faculdades de usar e gozar por parte de proprietários e possuidores de prédios vizinhos, afixando um encargo a ser tolerado, a fim de resguardar a possibilidade de convivência social e para que haja o mútuo respeito à propriedade. Nesta esteira, calha evidenciar que se não subsistisse tais pontos demarcatórios, cada proprietário poderia lançar mão de seu direito absoluto, na colisão de direitos todos restariam tolhidos de exercerem suas faculdades, eis que as propriedades aniquilar-se-iam. Há que se negritar, ainda, que o direito de vizinhança tem como escopo robusto a satisfação de interesses de proprietários opostos, o que se efetiva por meio das limitações ao uso e gozo dos proprietários e possuidores. Nessa trilha de exposição, saliente-se que há restrições decorrentes da necessidade de conciliar o uso e gozo por parte de proprietários confinantes, vez que a vizinhança, por si, é uma fonte permanente de conflito. À luz das explicitações supramencionadas, objetiva o presente em analisar as limitações legais decorrentes da passagem de cabos e tubulações em sede de direito de vizinhança.
Palavras-chaves: Direito de Vizinhança. Limitações Legais. Cabos e Tubulações.
Sumário: 1 Direito de Vizinhança: Anotações Introdutórias; 2 Natureza Jurídica do Direito de Vizinhança; 3 Do Cabimento da Passagem de Cabos e Tubulações no Direito de Vizinhança: Singelo Painel às Limitações Legais à Propriedade Similares à Servidão
1 Direito de Vizinhança: Anotações Introdutórias
Inicialmente, insta evidenciar que o direito de vizinhança compreende uma gama de limitações, estabelecidos expressamente pelos diplomas legais em vigor, que cerceiam, via de consequência, o alcance das faculdades de usar e gozar por parte de proprietários e possuidores de prédios vizinhos, afixando um encargo a ser tolerado, a fim de resguardar a possibilidade de convivência social e para que haja o mútuo respeito à propriedade. “Cada proprietário compensa seu sacrifício com a vantagem que lhe advém do correspondente sacrifício do vizinho”[1]. Nesta esteira, calha evidenciar, oportunamente, que se não subsistisse tais pontos demarcatórios, cada proprietário poderia lançar mão de seu direito absoluto, na colisão de direitos todos restariam tolhidos de exercerem suas faculdades, eis que as propriedades aniquilar-se-iam. Há que se negritar, ainda, que o direito de vizinhança tem como escopo robusto a satisfação de interesses de proprietários opostos, o que se efetiva por meio das limitações ao uso e gozo dos proprietários e possuidores.
Saliente-se que há restrições decorrentes da necessidade de conciliar o uso e gozo por parte de proprietários confinantes, vez que a vizinhança, por si, é uma fonte permanente de conflito. Como bem aponta Monteiro Filho, ao lecionar acerca da essência do tema em comento, “trata-se de normas que tendem a compor, a satisfazer os conflitos entre propriedade opostas, com o objetivo de tentar definir regras básicas de situação de vizinhança”[2]. Imprescindível se faz anotar que o conflito de vizinhança tem sua origem, intimamente, atrelada a um ato do proprietário ou possuidor de um prédio que passa a produzir repercussões no prédio vizinho, culminando na constituição de prejuízos ao próprio imóvel ou ainda transtornos a seu morador. Além do pontuado, prima gizar que o direito de vizinhança contempla uma pluralidade de direitos e deveres estabelecidos em relação aos vizinhos, em razão de sua específica condição.
Mister faz-se colacionar, oportunamente, que o “objeto da tutela imediata do legislador com os direitos de vizinhança são os interesses privados dos vizinhos”[3]. Doutra banda o escopo mediato da norma assenta na essencial manutenção do princípio da função social da propriedade, eis que a preservação de relações harmoniosas entre vizinhos se apresenta como carecido instrumento a assegurar que cada propriedade alcance o mais amplo uso e fruição, obtendo, desta forma, os objetivos econômicos ao tempo em que salvaguarda os interesses individuais. “O direito de vizinhança é o ramo do direito civil que se ocupa dos conflitos de interesses causados pelas recíprocas interferências entre propriedades imóveis próximas”[4].
Em evidência se faz necessário colocar que a locução “prédio vizinho” não deve ser interpretada de maneira restritiva, alcançando tão somente os prédios confinantes, mas sim de modo expansivo, já que compreende todos os prédios que puderem sofrer repercussão de atos oriundos de prédios próximos. Há que se citar, por carecido, o robusto magistério de Leite, no qual a definição de imóveis confinantes não se encontra adstrito a tão somente aos lindeiros, “mas também os que se localizam nas proximidades desde que o ato praticado por alguém em determinado prédio vá repercutir diretamente sobre o outro, causando incômodo ou prejuízo ao seu ocupante”[5]. Neste diapasão, infere-se a possibilidade de sofrer interferências provenientes de atos perpetrados em outros prédios apresenta-se como suficiente a traçar os pontos delimitadores do território do conflito da vizinhança.
Denota-se, desta sorte, que a acepção de vizinhança se revela dotada de amplitude e se estende até onde o ato praticado em um prédio possa produzir consequências em outro, como, por exemplo, é o caso do barulho provocado por bar, boate ou ainda qualquer atividade desse gênero, o perigo de uma explosão, fumaça advinda da queima de detritos, badalar de um sino, gases expelidos por postos de gasolina, dentre tantas outras hipóteses, em que se apresenta uma interferência de prédio a prédio, não importando a distância, acabam por ensejar conflito de vizinhança. Neste alamiré, com o escopo de fortalecer as ponderações já acinzeladas, quadra trazer à colação o seguinte entendimento jurisprudencial:
“Ementa: Direito de Vizinhança. Obrigação de Fazer. Chaminé. Fumaça. Uso Anormal de Propriedade. Chaminé do imóvel vizinho em altura inferior ao telhado da casa lindeira. Terreno em declive. Fumaça exalada em direção à residência da autora que inviabiliza a abertura de janela. Uso anormal da propriedade. Art. 1.277, CCB. Prova documental e testemunhal que comprova os fatos alegados. Princípio da imediação da prova aplicado no caso concreto. Sentença de procedência mantida. Negaram provimento”. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Décima Nona Câmara Cível/ Apelação Cível Nº. 70035708205/ Relator: Desembargador Carlos Rafael dos Santos Júnior/ Julgado em 25.05.2010).
Ao lado disso, destacar se faz carecido que o vocábulo “prédio” não apresenta qualquer distinção entre o imóvel localizado em área urbana ou rural. De igual modo, o termo supramencionado não apresenta qualquer questionamento acerca da finalidade, alcançando tanto o residencial, comercial e industrial. “Evoca apenas uma edificação de uma casa ou apartamentos em condomínio, independente da finalidade. Mesmo o terreno não-edificado é considerável imóvel lato sensu”[6]. Destarte, para que reste amoldado ao termo “prédio”, basta que o imóvel apresente interferência que tenha o condão de repercutir, de maneira prejudicial, em prédio vizinho.
2 Natureza Jurídica do Direito de Vizinhança
In primo oculi, reconhecer se faz imprescindível que houve rotunda discussão acerca da natureza jurídica do direito de vizinhança, havendo defensores da natureza obrigacional dos direitos de vizinhança, enquanto outros sustentavam o caráter real dos aludidos direitos. Entrementes, as discussões supramencionadas não prosperaram por longo período, sendo, ao final, pela doutrina majoritária, adotada acepção do direito de vizinhança enquanto detentor de essência de obrigação propter rem, pois se vinculam ao prédio, assumindo-os quem quer que se encontre em sua posse. Nesta toada, há que se citar o entendimento estruturado por Waquin, no qual:
“[…] a natureza jurídica destes direitos [direitos de vizinhança], na opinião majoritária da doutrina, é que tratam-se (sic) de obrigações propter rem, ‘da própria coisa’, advindo os direitos e obrigações do simples fato de serem os indivíduos vizinhos”[7].
Ao lado disso, a característica mais proeminente, no que concerne ao direito de vizinha, tange ao fato dos sujeitos serem indeterminados, já que o dever não incide imediatamente sobre específica pessoa, mas a qualquer um que se vincule a uma situação jurídica de titularidade de direito real ou parcelas dominiais, como se infere no caso do usufrutuário, ou mesmo a quem exerça o poder fático sobre a coisa, como se verifica na hipótese do possuidor. A restrição, à luz do pontuado alhures, acompanha a propriedade, mesmo que ocorra a alteração da titularidade, sendo suficiente que o imóvel continue violando o dever jurídico contido no arcabouço normativo.
Além disso, cuida anotar, por necessário, que o sucessor terá os mesmos direitos e obrigações do sucedido perante os vizinhos. Leciona Silvio Rodrigues que “o devedor, por ser titular de um direito sobre uma coisa, fica sujeito a uma determinada prestação que, por conseguinte, não derivou da manifestação expressa ou tácita de sua vontade”[8]. Nesta situação, o que torna o proprietário ou possuidor do imóvel devedor é a circunstância de ser titular do direito real. São excluídas, desta feita, dos conflitos de vizinhança, as situações nas quais se verifica a chamada interferência direta ou imediata. Há que se elucidar, ao lado do pontuado, que a aludida modalidade de interferência tem assento quando seus efeitos já tem início no prédio vizinho, como ocorre quando há canalização para que a fumaça seja lançada diretamente no prédio vizinho. Doutro modo, cuida explicitar que a interferência é mediata quando tem início no prédio de quem a causa e, posteriormente, é transmitida ao prédio alheio. Por oportuno, quando se trata de interferência imediata, o que se tem, na realidade, é ato ilícito, robusta violação da propriedade alheia, que como tal deve repelida, alocando-se fora da área da vizinhança.
Urge verificar que as limitações oriundas do direito de vizinhança afetam, de modo abstrato, a todos os vizinhos, contudo só alcança a concretização em face de alguns. Isto é, os direitos de vizinhança são potencialmente indeterminados, porém só se manifestam em face daquele que se encontre diante da situação compreendida pelo arcabouço normativo. “Ademais, os direitos de vizinhança são criados por lei, inerentes ao próprio direito de propriedade, sem a finalidade de incrementar a utilidade de um prédio”[9], entrementes com o escopo de assegurar a convivência harmoniosa entre vizinhos. Nessa toada, há que se assinalar que os direitos de vizinhança podem ser gratuitos ou onerosos, sendo verificada a primeira espécie quando não gera indenização, sendo compensados em idêntica limitação ao vizinho, já a segunda espécie tem descanso quando a supremacia do interesse público estabelece uma invasão na órbita dominial do vizinho para a sobrevivência do outro, afixando-se a devida verba indenizatória, eis que inexiste a reciprocidade.
Calha gizar que os direitos de vizinhança onerosos se aproximam das servidões, não em decorrência de darem azo a novas espécies de direitos reais, mas pela imposição do arcabouço jurídico de deveres cooperativos de um vizinho, no que concerne ao atendimento da necessidade de outro morador. Desta feita, a propriedade de uma pessoa passa a atender aos interesses de outrem, que poderá extrair dela as necessidades, como ocorre com a passagem de cabos e tubulações ou ainda com a passagem forçada. Conquanto a norma jurídica ambicione limitar a amplitude das faculdades de proprietários e possuidores vizinhos com o intento de alcançar a harmonia social, não pertine ao Direito regular e estabelecer os marcos limitantes de todas as atividades exercitadas a partir de um prédio. Saliente-se que ao Direito interessa regular as interferências, tão somente à medida que estas se revelam prejudiciais aos seus vizinhos, ameaçando sua incolumidade e o seu próprio direito de propriedade.
3 Do Cabimento da Passagem de Cabos e Tubulações no Direito de Vizinhança: Singelo Painel às Limitações Legais à Propriedade Similares à Servidão
No que se refere à passagem de cabos e tubulações, o Código Civil, precisamente o parágrafo único do artigo 1.286[10], estatui que, mediante o percebimento de indenização que compreende o dano emergente e o lucro cessante, tal como a desvalorização da área remanescente, é o proprietário obrigado a suportar a passagem, em razão de seu aspecto necessário, de cabos aéreos de energia elétrica, de telefonia ou de processamento de dados. Igualmente, pelo referido dispositivo, deverá o proprietário tolerar a passagem de tubulações subterrâneas de água, gás e esgoto, assim como outros condutos subterrâneos de serviços de utilidade pública.
“O instituto da servidão administrativa normatiza a passagem de cabos, condutos e tubulações no subterrâneo de propriedade privada. O proprietário é obrigado a admitir a passagem através de seu imóvel por se tratar de serviços públicos essenciais, tais como água, luz, telefonia e gás. Novamente, prepondera o interesse social dos vizinhos; no entanto, a utilidade pública só se estabelecerá quando de outro modo não for possível, ou excessivamente onerosa, e não se estenderá ao espaço aéreo ou à superfície. Para o caso específico, caberá indenização em prol do proprietário, diante das restrições sofridas, assim como por eventual desvalorização, devendo as instalações serem realizadas da forma menos onerosa possível e observando-se as normas técnicas e de segurança”[11].
Por oportuno, deve-se salientar que a mencionada tolerância se dá em proveito de proprietários vizinhos, quando de outra forma se revelar demasiadamente onerosa ou excessiva, reafirmando, deste modo, os postulados se solidariedade. “A limitação ao direito de propriedade justifica-se em razão da prevalência do interesse social dos proprietários vizinhos […] A norma é enfática ao restringir a utilização do subterrâneo do vizinho”[12], não se estendo, por conseguinte, ao espaço aéreo ou à superfície. Logo, a imperatividade legislativa decorre do ideário de que a passagem de cabos e tubulações e sua consequente tolerância pelo vizinho materializa o ideário de solidariedade. Nesta toada, cuida colacionar o seguinte entendimento jurisprudencial:
“Ementa: Apelação. Ação de Passagem Forçada. Tubulação subterrânea de esgoto sob terreno vizinho. Interrupção pela nova compradora. Refluxo cloacal. O proprietário é obrigado a tolerar a passagem, através de seu imóvel, de cabos, tubulações e outros condutos subterrâneos de utilidade pública, em proveito de proprietários vizinhos, quando de outro modo for impossível ou excessivamente onerosa (artigo 1.286 do Código Civil). Apelação Desprovida.” (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Vigésima Câmara/ Apelação Cível Nº 70024051872/ Relator: Desembargador Niwton Carpes da Silva/ Julgado em 06.08.2008)
“Ementa: Direito de Vizinhança. Terreno com declive natural. Passagem de tubulação para escoamento de água pluvial represada. Complexidade no caso concreto. A passagem de tubulação para escoamento de águas da chuva em proveito de proprietários de terrenos vizinhos é de ser tolerada, mediante o pagamento de indenização, quando outro meio for impossível ou excessivamente oneroso. Necessidade de prova pericial, no caso concreto, para aferição dessa circunstância. Complexidade da causa que determina falecer competência ao juizado especial cível. Sentença de extinção do processo confirmada. Recurso desprovido. Unânime.” (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Primeira Turma Recursal Cível/ Recurso Cível Nº 71000806927/ Relator: João Pedro Cavalli Junior/ Julgado em 16.03.2006)
Insta destacar que o numerário indenizatório deverá ser proporcional à desvalorização percebida pelo imóvel ou ainda ao prejuízo sofrido em decorrência do cerceamento do direito de fruir em prol do bem-estar social, materializada pela redução do potencial do prédio, pela produção de ruídos ou mesmo pela emissão de gases decorrentes das tubulações. Maria Helena Diniz obtempera, de maneira pertinente, que “o proprietário prejudicado pode exigir que a instalação seja de modo menos gravoso ao prédio onerado, bem como, depois, seja removida, à sua custa, para outro local do imóvel[13]”. Não se pode olvidar que o material que fluirá nos condutos é dos mais diversos, inclusive, por vezes, nocivos, a exemplo de gases tóxicos e combustíveis, motivo pelo qual poderá o próprio morador remover de um local para o outro, com o intento de tornar a passagem mais segura, ao tempo em que não inviabiliza as instalações.
Com efeito, a desvalorização do remanescente será calculada com espeque naquilo em que o imóvel pode ser aproveitado, caso não houvesse a interferência, assim como do incômodo ao vizinho que resida no local ou ainda lá mantenha o seu comércio, que, por vezes, exige a paralisação das atividades comerciais ou a mudança, de maneira temporária, da residência. “A indenização decorre de responsabilidade objetiva, sendo bastante o prejuízo derivado da passagem de cabos, podendo somar-se ao valor da indenização o eventual prejuízo pela desvalorização da área remanescente do imóvel”[14], como bem explicitam Farias e Rosenvald em seu magistério.
Ao lado do expendido, o artigo 1.287 da Legislação Civil vigente[15] desfralda que se as instalações ofertarem grave risco, facultado será ao proprietário do prédio onerado reclamar a realização de obras de segurança, preventivas e protetoras, as quais deverão ser efetivadas, em decorrência da periculosidade das instalações, como é o caso, por exemplo, de condutos inflamáveis, pelas concessionárias que exploram o serviço ou ainda pelo próprio pelo Poder Público que deve lançar mão das cautelas imprescindíveis, sob pena de incorrer em responsabilidade civil objetiva pelos danos causados. Ao lado disso, frise-se, por imperioso, que qualquer forma de risco à solidez e segurança do prédio ou mesmo à incolumidade de pessoas será motivo justificador da realização de obras se segurança.
Informações Sobre o Autor
Tauã Lima Verdan Rangel
Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES