Resumo: O presente artigo visa fazer uma breve abordagem acerca do conceito de Estado Democrático de Direito, relacionando-o com o princípio da cooperação, previsto no Novo Código de Processo Civil, abarcando, ainda, neste contexto, a responsabilidade das partes no processo.
Palavras-chave: Estado Democrático de Direito. Princípio da cooperação.
Abstract: This article aims to make a brief overview about the concept of Democratic Rule of Law, relating it to the principle of cooperation laid down in the New Code of Civil Procedure, covering also the responsibility of the parties in this context.
Keywords:Democratic Rule of Law. Principle of cooperation.
Sumário: Introdução. 1. Das concepções de Estado. 2. Do Estado Democrático de Direito. 3. Do princípio da cooperação. Conclusão. Referências.
Introdução
A expressão “Estado Democrático de Direito” é amplamente utilizada nos dias atuais, tanto no meio acadêmico quanto na vida prática dos operadores do Direito.
Assim, percebe-se a importância da definição do termo, o qual aponta para quais são os fundamentos do ordenamento jurídico do país em que vivemos, bem como denota os princípios que devem ser observados no momento de aplicabilidade da lei.
É nessa perspectiva que o Direito Processual Civil, profundamente influenciado pelas diretrizes estabelecidas no texto da Constituição Federal de 1988 e com o momento democrático vivido pelo país, trouxe à tona o princípio da cooperação, o qual também é um dever a ser observador pelo magistrado e pelas partes no bojo do processo.
1. Das concepções de Estado
O Estado é um ente composto por um território onde vive uma comunidade humana governada por um poder soberano e cujo aparecimento, cabe desde logo destacar, não depende da anuência de outros membros da sociedade internacional (PORTELA, 2011, p. 155).
De outro lado, o Estado de Direito em sua origem é um conceito tipicamente liberal, caracterizado pela submissão ao império da lei, divisão de poderes e garantias dos direitos individuais (AFONSO DA SILVA,2005, p. 112).
Nessa toada, muito embora a limitação do poder estatal, por meio da lei, seja um grande avanço que marca a importância do surgimento do Estado de Direito, não se pode olvidar que o seu significado acaba por depender da própria ideia que se tem do termo “direito” (AFONSO DA SILVA, 2005, p. 113),o que pode dar azo a interpretações totalitárias e ambíguas, afrontando-se, assim, o pilar da segurança jurídica.
De igual modo, a ideia do Estado Social de Direito, embora mais afastada do excessivo individualismo presente na concepção liberal, porquanto se caracteriza pela busca à concretização dos chamados direitos de segunda geração (LENZA, 2010, p. 52),também depende da conceituação do que seria “social” (AFONSO DA SILVA, 2005, p. 114),abrindo espaço, portanto, a ambiguidades, repetindo, em muitos pontos, problemas recorrentes do Estado de Direito.
Por tais razões, exsurge a necessidade de se buscar um Estado permeado por valores, ultrapassando a simples reunião formal de regras e princípios.
2. Do Estado Democrático de Direito
Nesse diapasão, floresce a concepção do Estado Democrático de Direito, o qual se funda no princípio da soberania popular que impõe a participação efetiva e operante do povo na coisa pública (AFONSO DA SILVA, 2005, p.117).
Essa nova forma de pensar o direito tem influência direta no processo civil, na medida em que instaura uma ordem participativa dos atos prodecimentais, além de fazer com que as regras do citado ramo do direito sejam permeadas pelos valores e princípios constitucionais.
Destemodo, podem ser citados comoprincípios da citada concepção de Estado: o princípio do pluralismo político (CF, art. 3º, inciso V); o princípioda separação de poderes (CF, art. 2º); o princípio da prevalência dos direitos humanos (CF, art. 4º, II); e o princípio da igualdade (CF, art. 5º, caput).
Releva, ainda, citar os princípios do devido processo legal e do contraditório e da ampla defesa (CF, artigo 5º, incisos LIV e LV), os quais servem de esteio para o surgimento de outro postulado: o princípio da cooperação.
Neste sentido, cumpre consignar excerto de relevante julgado da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça acerca do tema:
(…) 1. O processo, em sua atual fase de desenvolvimento, é reforçado por valores éticos, com especial atenção ao papel desempenhado pelas partes, cabendo-lhes, além da participação para construção do provimento da causa, cooperar para a efetivação, a observância e o respeito à veracidade, à integralidade e à integridade do que se decidiu, conforme diretrizes do Estado Democrático de Direito. (…)(REsp. 1324760/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Rel. p/ Acórdão Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 16/12/2014, DJe 18/02/2015). Grifo nosso.
3. Do princípio da cooperação
A doutrina brasileira importou doDireito europeu o princípio da cooperação (ou da colaboração), segundo o qual o processo seria o produto da atividade cooperativa triangular (entre o juiz e as partes).
Não obstante a sua relevância no processo civil pátrio, o Diploma Processual Civil de 1973 (Lei nº. 5.869/1973) não trazia de forma explícita o citado postulado em seu regramento, o que também se justifica pelo momento no qual foi editado, isto é, antes do surgimento da Constituição Federal de 1988, a qual fixou a solidariedade como objetivo fundamental da república brasileira (CF, art. 3º, inciso I) e, repise-se, o princípio o devido processo legal como postulado fundamental (CF, art. 5º, inciso LIV).
Entretanto, atualmente, com a edição do Novo Código de Processo Civil (Lei nº. 13.105/2015), o aludido princípio encontra-se expressamente previsto no artigo 6º, nos seguintes termos:
“Art. 6o Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva’.
Dessa maneira, não há mais dúvidas acerca da característica cooperativa do processo civil brasileiro, o que explicita a valorização do contraditório e a inclusão do órgão jurisdicional no rol de sujeitos do diálogo processual, e não mais como um mero espectador do diálogo de partes (DIDIER, 2011, p. 83), tanto que, conforme ensina a doutrina, surge para o julgador, a partir de tal ideia, os deveres de esclarecimento, diálogo, prevenção e auxílio.
Noutra banda, muito embora seja em demasia enfatizados os deveres que cabem ao juiz, decorrentes da cooperação, não se pode deixar de lado a responsabilidade inerente à atuação dos demais sujeitos processuais, os quais devem se sujeitar à cláusula geral da boa-fé objetiva (CC, arts.113, 187 e 422; NCPC, art. 5º).
Portanto, a transformação do processo em uma comunidade de trabalho (DIDIER, 2011, p. 88), deve ser conduzida de forma responsável, não apenas pelo magistrado, mas, especialmente, pelas partes, as maiores interessadas na resolução do litígio posto.
Cooperar, desta forma, é uma expressão que se coaduna com o ambiente democrático no qual se encontra estabelecido o Poder Judiciário Brasileiro, não podendo, todavia, servir de subterfúgio para uma atuação descompromissada das partes (e do próprio Estado), buscando tumultuar o feito sob a justificativa de uma participação efetiva.
Conclusão
De todo o exposto, percebe-se que o princípio da cooperação aponta para a construção de um processo em que todos os sujeitos ali envolvidos são partes ativas, imbuídasde deveres e responsabilidades,limitando e direcionando o caminho para a resolução do conflito.
Essa visão é positiva não apenas do ponto de vista da colaboração mútua no âmbito processual, mas também no que tange à legitimidade das decisões judiciais, que passam a ser produto de amplo debate participativo das partes.
Só se deve ter cautela e ponderação na aplicação do postulado em debate, de modo que o esforço mútuo dos atores processuais seja exercido dentro dos liames da boa-fé objetiva, cláusula geral do ordenamento jurídico pátrio.
Assim, feitos tais sopesamentos, verifica-se que o Novo Código de Processo Civil, ao fincar a cooperação como princípio expresso, sedimentou as bases democráticas do Estado Republicano Brasileiro, o que é notável não só para os operadores do direito, mas,especialmente, para o destinatário por excelência da prestação jurisdicional: o cidadão.
Informações Sobre o Autor
Lívia Maria Mattos Melo Lima
Servidora Pública. Assessora de Desembargador no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro na área cível e criminal. Pós-Graduanda em Direito Processual Civil