Resumo: O presente artigo discorre, sem nenhuma pretensão de afadigar o tema, sobre o Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica no Novo Código de Processo Civil, Lei Federal n.º 13.105, de 16 de março de 2015, que entrou em vigor no último dia 18 de março de 2016. Tal assunto é de suma importância à comunidade jurídica, haja vista que é a primeira vez que o tema é regulamentado na Lei Processual Civil, já que o antigo CPC, Lei Federal n.º 5.925, de 1973, não tratava dessa temática, deixando-o sob a responsabilidade da jurisprudência e da doutrina fazê-lo, o que inexoravelmente levava a uma insegurança jurídica entre os operadores do direito. No novo CPC o incidente é tratado como Intervenção de Terceiros, com um capítulo exclusivo dedicado a Desconsideração da Personalidade Jurídica, evitando, assim, que o incidente permanecesse ao livre arbítrio do juiz e da interpretação jurisprudencial.
Palavras-chave: Incidente. Desconsideração. Pesornalidade. Jurídica. Novo CPC. Natureza jurídica. Intervenção de terceiros. Previsão legal. Procedimento.
Abstract: This article discusses, with no pretense of afadigar the subject on the Disregard Incident of the Legal Personality in the New Civil Procedure Code, Federal Law No. 13,105, of March 16, 2015, which entered into force on the 18th March 2016. This issue is of paramount importance to the legal community, given that it is the first time that the issue is regulated in the Civil Procedure Law, as the old CPC, Federal Law No. 5925 of 1973, there was this issue, leaving it under the responsibility of case law and doctrine do it, which inexorably led to legal uncertainty among operators of law. In the new CPC the incident is treated as Third Party Intervention , with a unique chapter devoted to Disregard of Legal Personality , thus preventing the incident remain to the discretion of the judge and the judicial interpretation .
Keywords: Incident. Disregard. Pesornalidade. Legal. New CPC. Third party intervention. Prediction cool. Procedure.
Sumário: 1. Introdução. 2. Conceito. 3. Desconsideração da personalidade jurídica inversa. 4. Natureza jurídica. 5. Algumas considerações. 6. Conclusão. Referências.
Introdução
O presente texto cuida de tratar, em apertada síntese, acerca do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica no Novo Código de Processo Civil, instituído pela Lei Federal n.º 13.105, de 16 de março de 2015.
A nova Legislação Processual (Novo CPC) surgiu para prover a omissão do legislador de 1973 (antigo CPC) quanto ao Incidente de Desconsideração da Pessoa Jurídica, e o fez com a disposição de preceitos processuais e princípios para a sua aplicação, pois na antiga lei instrumental não existia uma procedimentalidade expressa acerca dessa temática, deixando a cargo da doutrina e da jurisprudência, ditar o rito procedimental desse instituto.
O CPC/2015 previu o Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica, ao lado do Amicus Curiae, como duas novas formas de intervenções de terceiros, regulamentando pela primeira vez na legislação processual civil.
Esse assunto está normatizado no Título III, do Capítulo IV, nos artigos 133 a 137:
“TÍTULO III
DA INTERVENÇÃO DE TERCEIROS
CAPÍTULO IV
DO INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.
§ 1o O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei.
§ 2o Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.
Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.
§ 1o A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações devidas.
§ 2o Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.
§ 3o A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2o.
§ 4o O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica.
Art. 135. Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias.
Art. 136. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória.
Parágrafo único. Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo interno.
Art. 137. Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente.”
O Novo Código de Processo Civil instaurou uma nova sistemática para o Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica, criando um capítulo específico tratando do tema, trazendo peculiaridades próprias antes não vista no nosso ordenamento jurídico processual.
2. Conceito
A desconsideração da personalidade jurídica (Disregard doctrine) ocorre quando a sociedade empresarial está sendo utilizada com abuso da personalidade jurídica caracterizado pelo desvio de finalidade ou infração da lei, do estatuto ou do contrato social.
A previsão no direito positivo fica por conta do art. 50 do Código Civil de 2002, do art. 28 do Código de Defesa do Consumidor, do art. 4.º da Lei dos Crimes Ambientais, do art. 34, e parágrafo único da Lei Antitruste e do art. 135 do Código Tributário Nacional – CTN.
De acordo com o Professor Ruy Zoch Rodrigues:
“A desconsideração da personalidade jurídica é instituto previsto no Código de Defesa do Consumidor (art. 28) e no Código Civil (art. 50), que autoriza imputar ao patrimônio particular dos sócios, obrigações assumidas pela sociedade, quando – e se – a pessoa jurídica houver sido utilizada abusivamente (desvio de finalidade, confusão patrimonial, liquidação irregular etc)”.
A aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica é uma sanção (penalidade), e como tal apenas deve ser posta com observância do contraditório e da ampla defesa, em caso de mau uso da pessoa jurídica.
3. A desconsideração inversa da personalidade jurídica
O Novo Código Processual Civil aceita também a chamada desconsideração inversa, essa é a primeira vez que o tema é tratado no direito positivo, corroborando uma tendência pacífica da jurisprudência do país, especialmente do Superior Tribunal de Justiça que de há muito já aplicava o instituto (REsp 279.273-SP; REsp 970.635-SP, REsp 693.235-MT, REsp 948.117-MS e REsp 1.236.916-RS).
Com efeito, pois para o STJ:
“Se o sócio controlador de sociedade empresária transferir parte de seus bens à pessoa jurídica controlada com o intuito de fraudar partilha em dissolução de união estável, a companheira prejudicada, ainda que integre a sociedade empresária na condição de sócia minoritária, terá legitimidade para requerer a desconsideração inversa da personalidade jurídica de modo a resguardar sua meação”.
Ainda segundo o Superior Tribunal de Justiça:
“A desconsideração inversa da personalidade jurídica – que se caracteriza pelo afastamento da autonomia patrimonial da sociedade, para, contrariamente do que ocorre na desconsideração da personalidade jurídica propriamente dita, atingir o ente coletivo e seu patrimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa jurídica por obrigações do sócio -, em razão de uma interpretação teleológica do art. 50 do CC/2002.”
Portanto, esse instituto é possível, se e quando, o magistrado desconsiderar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica para responsabilizá-la por obrigação pessoal do sócio.
Isso rotineiramente ocorre, nos casos em que o sócio pretende fraudar a meação do cônjuge quando da dissolução da sociedade conjugal, bem como nas empresas formada por “Grupos Familiares”. Nessas hipóteses, busca-se o patrimônio na pessoa jurídica, e não na pessoa física do sócio, como sói acontecer.
O CPC de 2015 trata da matéria no §2.º, do art. 133, como incidente de Intervenção de Terceiros. Esse terceiro é aquele cujo patrimônio busca-se alcançar com a desconsideração da pessoa jurídica, por isso ele vem fazer parte do processo, intervindo.
4. Natureza jurídica do incidente de desconsideração da pessoa jurídica
A natureza jurídica do pedido de desconsideração é de Intervenção de Terceiros, e como tal deve seguir todo trâmite de uma demanda propriamente dita, com preenchimento dos pressupostos legais, vale dizer, a petição deverá conter causa de pedir e pedido, com descrição dos fatos e dos fundamentos jurídicos que embasam o pleito.
Nessa toada, a decisão que resolver o incidente é de mérito, apta a coisa julgada. No caso de findada a instrução, a decisão do incidente é interlocutória, viabilizando o manejo do agravo de instrumento (art. 1.015, inciso IV). Nos casos dos Tribunais, da decisão do Relator caberá agravo interno (art. 136, parágrafo único).
No entanto, o Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica não terá natureza jurídica de típica intervenção de terceiros, quando ela for pedida logo no bojo da petição inicial (art. 134, §2.º). Nesse caso, o processo já “nasce” contra a pessoa jurídica e a(s) pessoa(s) física(s) do(s) sócio(s). Se, ao invés, o incidente for instaurado ao longo do procedimento comum, no cumprimento da sentença ou na execução de título extrajudicial (art. 134, caput), aí sim se trata de uma típica intervenção de terceiros, ou seja, um incidente cognitivo nessas fases do processo.
5. Algumas considerações
Uma dúvida poderia surgir. É porque nos juizados especiais é expressamente vedada a intervenção de terceiros (art. 10, da Lei n.º 9.099/1995). Assim, cogitar-se-ia na hipótese do não cabimento do Incidente de Desconsideração nesse tipo de procedimento, já que esse instituto, como vimos, possui natureza de intervenção de terceiros.
Todavia, o Novo CPC cuidou de resolver a celeuma, consignando expressamente nas suas disposições finais que cabe o referido incidente nos juizados especiais, conforme previsão do art. 1.062.
Com esse dispositivo, o CPC 2015 criou a única hipótese de intervenção de terceiros admissível nos juizados especiais. Caso contrário, estaríamos diante de uma situação lamentável, porquanto gerar-se-ia enormes dificuldades e inoperância prática inaceitável nos procedimentos dos juizados fato que, em boa hora, foi resolvido pelo Novo Codex.
Outro registro importante, é que normalmente o momento processual adequado para as intervenções de terceiro (Chamamento ao Processo, Denunciação à Lide, por exemplo), é até a resposta do réu. No caso do Incidente de Desconsideração, é cabível inclusive na fase recursal (art. 134). Por isso, mostra-se como uma intervenção de terceiros diferenciada. Nesses casos de desconsideração em grau de Recurso, caberá ao Relator do processo no Tribunal a função de processar o Incidente.
Por outro lado, é imperioso afirmar que não é possível a Desconsideração da Pessoa Jurídica de ofício pelo magistrado, porque, conforme se depreende da dicção da norma legal (art. 133, caput), caberá o incidente apenas a pedido do Ministério Público, quando atuar como Custus Legis, ou da parte. O novo CPC não admite Tutela de Urgência de ofício.
Isso se justifica pelo simples fato de o titular do crédito que se objetiva alcançar com o instituto é quem deve solicitar o incidente, não cabendo ao Judiciário fazê-lo. Até porque, no caso de o juiz de ofício desconsiderar a pessoa jurídica, e ao depois, verificar-se que não havia necessidade para tanto, e o autor perder a demanda, como ficaria o ressarcimento das despesas que o terceiro interveniente se desprendeu em juízo, como pagamento de custas e demais despesas processuais, além dos honorários advocatícios. Um problema que o Judiciário teria que resolver, caso fosse possível a desconsideração ex officio.
6. Conclusões
Nota-se a atuação alvissareira do Novo Código de Processo Civil, positivando o procedimento do instituto da Desconsideração da Personalidade Jurídica, como forma de regrar esse incidente, atalhando os abusos da pessoa jurídica pelos sócios em benefícios próprios e com interesses escusos, responsabilizando-os pela prática de atos com abuso da personalidade jurídica, marcado pelo desvio de finalidade, violação da lei, do estatuto ou do contrato social, e ainda nos casos de fraudes à execução.
Portanto, com a vigência do Novo CPC, em 18 de março de 2016, houve a regulamentação do assunto, e, em que pese a crítica de prejuízo à celeridade, muito se ganhou em relação à segurança jurídica, na medida em que houve a normatização da procedibilidade e do rito da Desconsideração da Personalidade Jurídica.
Informações Sobre o Autor
Fagner César Lobo Monteiro
Bacharel em Direito. Pós-graduado em Direito Constitucional. Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho. Procurador do Estado de Pernambuco e Advogado. Professor e Palestrante.