Resumo: Considerando-se a tênue baliza que cinde o contrato de trabalho e o contrato de agência, este estudo objetiva discriminar os aspectos que distinguem ambas as matérias nos ordenamentos jurídicos brasileiro e português, tomando como norte a dicotomia entre a subordinação e a autonomia. Quanto à fundamentação bibliográfica, as normas jurídicas são utilizadas como fontes primárias, enquanto as doutrinas e artigos acerca do tema abordado fornecem subsídios para a investigação, caracterizando-se como fontes secundárias. Observamos que, no contrato de trabalho, a subordinação configura uma condição fundamental na qual o trabalhador está sob comando do poder diretivo patronal. Todavia, o poder diretivo tem limitações na medida em que não pode acarretar prejuízos ao trabalhador. Já o contrato de agência prescinde da subordinação em favor da autonomia do agente, que exerce o papel de ampliar o mercado da empresa a partir da divulgação de seus produtos e promoção de vendas. Apesar dessa distinção, os contratos possuem similaridades que favorecem a ocorrência de fraudes mediante inobservância às prescrições contratuais.
Palavras-chave: Direito Comercial. Contrato de Trabalho. Contrato de Agência. Subordinação. Autonomia.
Abstract: Given the tenuous frontier that splits the labor contract and the agency agreement, this study aims to discriminate aspects that distinguish both matters in Brazilian and Portuguese juridical order, taking as a basis the dichotomy between subordination and autonomy. As for the bibliographical basis, the juridical norms are used as primary sources, while the doctrines and articles about the topic provide aids to the research, functioning as secondary sources. We noted that, in the labor contract, the subordination constitutes a fundamental condition in which the employee is under the command of employer’s directive power. However, the directive power has limitations in that it cannot do harm to the worker. The agency agreement, for its turn, waives the subordination in favor of the autonomy of the agent, who plays the role of expanding the company's market through the divulgation of its products and sale promotion. Despite this distinction, both contracts have similarities that favor the occurrence of frauds by the means of noncompliance of contractual requirements.
Keywords: Commercial Law. Contract Work. Agency Agreement. Subordination. Autonomy.
Sumário: Introdução. 1. Contrato de trabalho. 1.1. A noção jurídica de empregado/trabalhador e suas atribuições. 1.2. A noção jurídica de empregador e suas atribuições. 1.3. Requisitos do contrato de trabalho. 1.3.1. Subordinação. 2. Contrato de agência ou representação comercial. 2.1. A noção jurídica de agente/representante e suas atribuições. 2.2. A noção jurídica de agenciado e suas atribuições. 2.3. Requisitos para o contrato de agência/representação comercial. 2.3.1. Autonomia. 2.4. Fraudes contratuais. Conclusão.
Introdução
Em vários mitos criacionistas, o trabalho é imposto ao homem como um castigo, haja vista a alegoria bíblica que narra a origem da humanidade a partir do trabalho como pena imputada a Adão e Eva. O fato de nossos “pais” primordiais serem expulsos do estado de ócio e terem de trabalhar como castigo indica que, inicialmente, o Cristianismo concebia o trabalho como desonra. De fato, essa percepção negativa se estende à cultura ocidental como um todo, pois a etimologia do verbo trabalhar, que deriva do latim clássico tripalium (antigo instrumento de tortura onde se empalavam criminosos) também tem conotação de castigo. Vale lembrar, ainda, que para os gregos o trabalho era humilhante porque atrelado ao suprimento de necessidades basilares em um sistema de valores que preconizava a intelectualidade e por isso o relegava apenas aos escravos e às mulheres, os quais eram despossuídos de isonomia. Mais tarde, contudo, o trabalho adquire estatuto de valor supremo, em contraponto à preguiça, agora elencada entre os sete pecados capitais, numa mudança de perspectiva atrelada à emergência da sociedade industrial, cuja necessidade de mão de obra empregável na indústria e no comércio implicou o enaltecimento do trabalho como virtude quintessencial. Nessa nova configuração ideológica, a concatenação entre a ética protestante e o espírito do capitalismo investiu a atividade laboral de um valor anteriormente depositado no ócio criativo (CHAUÍ, 1999).
Tendo em conta essa dupla valoração do trabalho na história ocidental, sendo ora rebaixado como índice de subumanidade, ora alçado ao status de valor supremo, podemos concebê-lo como dotado de uma potencialidade tanto edificante quanto degradante. Ora, quando desempenhado sob condições favoráveis, o trabalho permite ao homem exprimir sua capacidade criadora, tendo, pois, um caráter edificante; afinal, engrandece o trabalhador ao constituir uma forma de exercitar sua cidadania mediante prestação de serviços remunerados de forma justa e realizados sob condições que respeitam o princípio da dignidade humana. Em contraposição, o trabalho sob condições desfavoráveis ao trabalhador, tal como quando este é explorado injustamente, não recebe recompensa condizente com os serviços prestados e atua em regime de precariedade, assume função degradante porquanto não apenas tolhe a expressão da dignidade humana como de fato a violenta brutalmente.
Numa sociedade contemporânea balizada por crises de paradigmas e relativização de princípios éticos, o trabalho não raro tem sua potencialidade edificante atrofiada e constitui um campo marcado pela improbidade de alguns empregadores cuja primazia do lucro por vezes os leva à proscrição das regras contratuais de trabalho (GIANNETTI, 1993). Destarte, o Direito, com vistas a assegurar o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, impõe limites à flexibilização das normas trabalhistas, vetando aquelas que ferem os direitos constitucionais a partir do pressuposto de que nas relações de trabalho toda tomada de decisão que implica prejuízo ao trabalhador constitui fraude (DELGADO, 1996). Donde a relevância de compreendermos, enquanto profissionais da seara do Direito, as regras atinentes às relações contratuais para que, em nossa prática jurídica, concebamos o trabalho à luz da potencialidade edificante supracitada.
Nesse horizonte, este texto, inscrito no âmbito do Direito Comercial, investiga os apanágios que distinguem o contrato de trabalho e o contrato de agência, tomando como norte a dicotomia entre a subordinação e a autonomia. Aparentemente simples, tal distinção constitui um tema complexo na alçada do Direito Comercial, pois, sendo similares os termos que caracterizam ambos os institutos, não é tarefa das mais fáceis estabelecer uma clivagem inequívoca entre eles (BERTOLDI, 2006). Considerando-se a tênue baliza que cinde as duas modalidades de relação jurídica, faz-se mister compreender as especificidades de cada qual para se precaver contra ações fraudulentas que se servem dos interstícios legais com vistas à obtenção de vantagens. Assim, este estudo procede a um exame comparativo dos contratos de trabalho (no qual o trabalho é subordinado) e de agência (no qual o trabalho é autônomo), tendo em mira discriminar os fatores que configuram as relações jurídicas implicadas em ambas as matérias nos ordenamentos jurídicos brasileiro e português. Para tanto, procedemos a uma pesquisa de enfoque jurisprudencial que discute elementos internos ao ordenamento jurídico. Quanto à fundamentação bibliográfica, as normas jurídicas são utilizadas como fontes primárias, enquanto as doutrinas e artigos acerca do tema abordado fornecem subsídios para a investigação, caracterizando-se como fontes secundárias.
1. Contrato de trabalho
Interessa mencionar, de saída, o que tomamos por contrato de trabalho. No ordenamento jurídico brasileiro, de acordo com a Consolidação das Leis Trabalhistas (doravante CLT), no artigo 442, “o contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego” (BRASIL, 2013/1943, s.p). Similarmente, o ordenamento português, mediante o Código do Trabalho (doravante CT), define: “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas” (PORTUGAL, 2013, s.p.).
Sem nos delongar em demasia nessa matéria, já que as especificidades do contrato de trabalho serão explicitadas mais detalhadamente nas seções seguintes, cumpre-nos salientar preliminarmente alguns requisitos que caracterizam o contrato individual de trabalho. Conforme expresso nas definições acima, o contrato de trabalho é celebrado de forma consensual entre uma pessoa física e outra(s) pessoa(s), tratando-se, pois, de um vínculo interpessoal de natureza jurídica porquanto envolve compromissos legais de parte a parte. Esse vínculo, importa salientar, pauta-se em uma verticalidade entre as partes, consubstanciada juridicamente pelos princípios da subordinação e do poder diretivo, aos quais também nos deteremos mais adiante. Se uma pessoa se submete de bom grado a uma relação hierárquica que a coloca em posição subalterna é porque recebe daí algum benefício, e no contrato de trabalho a recompensa se dá mediante pagamento de salário. Ou seja, a onerosidade constitui um qualificador desse tipo contratual.
Segundo Martins (2002), o contrato de trabalho também se pauta em um trato sucessivo, na medida em que pressupõe um vínculo empregatício que supostamente visa à longevidade. Pauta-se, ainda, no princípio da inalterabilidade. Ou seja, em tese, não deve ser modificado salvo por motivo de força maior ou se visar ao benefício do empregado/trabalhador.
Todavia, uma vez que o contrato de trabalho se caracteriza pela tendência à durabilidade, ele pode ser perpassado por alterações ao longo de seu curso. Considerando-se a mobilidade como característica da dinâmica funcional das empresas, estas não prescindem da possibilidade de efetuarem mudanças contratuais para concatenar suas relações laborais com o dinamismo e a imprevisibilidade do mercado. Nesse sentido, como veremos mais adiante, o empregador, auspiciado pelo jus variandi que flexibiliza o princípio da inalterabilidade, pode estabelecer mudanças desde que não impliquem danos ao empregado/trabalhador; afinal, uma vez que o contrato de trabalho tem natureza bilateral, qualquer alteração deve obedecer a um comum acordo entre as duas partes e não à imposição do desejo de um sobre o outro. Assim, explica Russomano (1990, p. 482-483), “mesmo que o empregador não esteja agindo com má-fé, mesmo que o empregado, no primeiro momento, não sofra nenhum ônus com a retificação do contrato a alteração será nula, de pleno direito, uma vez que, direta ou indiretamente, dela resultem prejuízos para o trabalhador”.
1.1. A noção jurídica de empregado/trabalhador e suas atribuições
Inicialmente, interessa informar, à guisa de elucidação, que enquanto no ordenamento brasileiro as categorias jurídicas trabalhador e empregado têm emprego aproximado e podem, grosso modo, serem tomadas uma pela outra a fim de designar aquele que presta serviço remunerado mediante vínculo de subordinação a outrem, no português a designação trabalhador está vinculada a trabalhos manuais (tal como o realizado por operários), ao passo que a designação empregado se associa a trabalhos intelectuais (FERNANDES, 2012, p. 112). Portanto, quando nos referirmos neste estudo ao ordenamento jurídico brasileiro lançaremos mão do designativo empregado e quando nos referirmos ao português utilizamos o termo trabalhador.
No Brasil, a CLT, promulgada em 1943, considera empregado, em seu artigo 3º, “toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário” (BRASIL, 2013/1943, s.p.). Em Portugal, de modo similar, o CT, atualizado em 2012, considera como trabalhador uma “pessoa singular [que] se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas” (AMADO, 2011, p. 57). Note-se que em ambas as definições a figura do empregado/trabalhador está vinculada à prestação de serviços, à relação subordinativa e ao recebimento salarial, pois essas estão entre as bases para a configuração do vínculo de trabalho.
Considerando a posição estatuária desfavorável do empregado/trabalhador na relação empregatícia, as leis trabalhistas procuram dar-lhe amparo legal, conferindo-lhe direitos que garantam sua segurança jurídica. Segundo Martins (2002), as vantagens oferecidas ao empregado têm presunção de que sejam definitivas, à exceção de quando seu caráter provisório é explicitado e de quando estão subordinadas à alguma condição específica.
Contudo, o empregado/trabalhador também tem deveres cujo descumprimento referenda medidas punitivas e mesmo a perda do vínculo empregatício. De acordo com Martins (2002), no vínculo contratual, o empregado deve aceder à determinação do tipo de serviço delimitado pelo empregador e tem como dever central submeter-se às ordens do empregador, desempenhando o trabalho com disciplina, diligência, assiduidade e lealdade.
1.2. A noção jurídica de empregador e suas atribuições
Na ordem jurídica brasileira, a CLT, em seu artigo 2º, define como empregador “a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço” (BRASIL, 2013/1943, s.p). Na portuguesa, por sua vez, designa-se como empregador “a posição contratual daquela ou daquelas pessoas que recebem prestação de trabalho e estão obrigadas a pagar a retribuição ao trabalhador” (FERNANDES, 2012, p. 209).
Em ambas as definições, o empregador tem como uma de suas incumbências principais o pagamento do salário ao trabalhador. A primeira definição aponta, ainda, duas funções adicionais ao empregador, quais sejam, a assunção dos riscos inerentes à atividade econômica e o exercício da autoridade gerencial. Quanto ao primeiro item, ao admitir o empregado/trabalhador, o empregador assume instantaneamente os riscos intrínsecos à atividade laboral no que tange aos seus resultados econômicos.
Quanto ao segundo, há que se considerar que, em decorrência da responsabilidade financeira, o empregador precisa ter segurança do bom andamento de seus negócios. Para tanto, ele conta com a primazia do poder diretivo, que comporta uma gama de privilégios conferidos ao empregador mediante o contrato, cabendo-lhe gerenciar seu negócio e o trabalhador que executa determinada atividade, zelando para que esta coadune com os objetivos da empresa (MELHADO, 2003). O empregador, auspiciado pelo poder diretivo, pode decidir como se dará o desenvolvimento do trabalho e “exerce a faculdade de comandar todas as atividades tendentes à direção do seu negócio, planejando sua organização e funcionamento, dando destinação concreta ao trabalho dos empregados e dirigindo e controlando as atividades laborativas” (NASCIMENTO, 2009, p. 62).
A posição hierárquica favorável ao empregador na relação laboral decorre de sua posição estatuária privilegiada no contrato de trabalho, já que ele tem a primazia do direito de propriedade privada dos meios de produção, que justifica a anteposição dos objetivos da entidade patronal a expensas dos interesses particulares de seus contratados. Todavia, seu poder diretivo não é ilimitado, já que ele não pode passar ao largo das disposições legais inscritas no contrato de trabalho. Noutros termos, o empregador pode, desde que não implique danos ao trabalhador, valer-se do jus variandi, direito que tem em mira atenuar o princípio, predominante na matéria, que circunscreve a possibilidade de modificação unilateral da função desempenhada (SAAD, 2008).
1.3. Requisitos do contrato de trabalho
Forma de vínculo empregatício dependente de acordo consensual entre as partes, o contrato individual de trabalho pode ser consubstanciado de forma explícita ou tácita, por escrito ou oralmente, prevendo prazo determinado ou indeterminado (MARTINS, 2002). Segundo Melhado (2003), o contrato individual de trabalho estabelece de um vínculo trabalhista, dependente da figura do trabalhador, o qual deverá dedicar sua força de trabalho, em condição de subordinação, a uma pessoa física ou jurídica, com recebimento de salário compatível com a atividade laboral realizada.
Entre os pressupostos básicos imprescindíveis para a celebração do contrato de trabalho, o CT determina que: “a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade; c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma; e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa (PORTUGAL, 2013, s.p.)”.
Afora esses pressupostos, a consubstanciação do vínculo contratual depende, segundo Saad (2008), de uma série de quesitos, tais como a onerosidade (o trabalhador deve ser remunerado pela atividade empregatícia que desempenha; caso não haja pagamento de salário, não se configura contrato de trabalho, mas relação de trabalho voluntário) e a continuidade (o contrato de trabalho pressupõe a firmação de um vínculo potencialmente duradouro, de sorte que é preciso haver o desejo de ambas as partes em se vincularem de modo contínuo).
Além desses quesitos, sublinhamos a subordinação, sobre a qual nos debruçaremos mais detidamente, de vez que esta é considerada não apenas um dos elementos mais significativos que caracterizam o vínculo de trabalho como também aquele que o distingue do contrato de agência.
1.3.1. Subordinação
A subordinação possui relevância entre os elementos discriminadores do contrato de trabalho, porquanto seu traço distintivo face a outros tipos contratuais consiste na sua especificidade de instaurar uma relação de trabalho balizada pela subordinação do trabalhador à autoridade patronal. Conforme Nascimento (2009, p. 46), “a subordinação consiste na situação jurídica que emana da relação de emprego através da qual o empregado permite que sua força de trabalho seja utilizada como fator de produção na atividade econômica exercida por outrem, comprometendo-se a aceitar o poder de direção do empregador no sentido de dirigir a sua prestação pessoal de serviços”.
No curso do tempo, as vicissitudes ocorridas no âmbito socioeconômico e cultural tiveram como corolário modificações estruturais nas dinâmicas de trabalho, inclusive no vínculo estabelecido entre empregador e empregado/trabalhador. De formas rudimentares como o regime escravocrata, as relações de poder foram se flexibilizando de tal sorte que a subordinação foi perdendo paulatinamente seu substrato pejorativo: “o contrato de trabalho assume […] o feitio que o caracteriza nos ordenamentos jurídicos do mundo atual, percorrendo uma evolução na qual se pode ver a própria valoração ética do trabalho humano: da atividade escravagista, passa-se à contratualizada (na qual se inclui o contrato coletivo) e desta à atividade participativa, ou seja, do trabalho praticado pelo ‘homem-coisa’ evolui-se para o praticado pelo homem sujeito de direito para finalmente chegar-se ao trabalho participativo do homem socializado e democrático dos dias atuais” (SILVA, 1991, p. 26).
Em que pese essa flexibilização, no modo de produção capitalista o princípio da subordinação é inevitável, pois empregador e empregado/trabalhador ocupam posições estatuárias necessariamente assimétricas, de vez que aquele detém propriedade privada dos meios de produção e este tem como contraparte a força de trabalho (COUTINHO, 1999). De fato, o modo de emprego da força de trabalho distingue o trabalho subordinado do trabalho autônomo: “este traço característico constitui um primeiro elemento da distinção entre as relações de trabalho subordinado e as relações de trabalho autônomo: nestas, precisamente porque o fornecedor da força de trabalho mantém o controlo da aplicação dela, isto é, da actividade correspondente, o objecto de seu compromisso é apenas o resultado da mesma actividade – só este é devido nos termos pré-determinados no contrato; os meios necessários para o tornar efectivo em tempo útil estão, em regra, fora do contracto, são de livre escolha e organização por parte do trabalhador. No contrato de trabalho, pelo contrário, o que está em causa é a própria actividade do trabalhador, que a outra parte organiza e dirige no sentido de um resultado que (aí) está por seu turno fora do contracto; assim, nomeadamente, e por princípio […], o trabalhador que tenha cumprido diligentemente a sua prestação não pode ser responsabilizado pela frustração do resultado pretendido” (FERNANDES, 2012, p. 108).
Mantém-se, pois, um padrão vertical nas relações de trabalho inobstante a flexibilização da verticalidade entre empregador e empregado/trabalhador, de vez que a subordinação constitui uma condição intrínseca à relação de trabalho. Portanto, a hierarquia entre aquele que detém os meios de produção e aquele que provê sua força de trabalho só pode ser devidamente apreendida a partir do conceito de subordinação, constitui um elemento qualificador do contrato de trabalho no que o distingue de outros tipos contratuais (DELGADO, 1996).
2. Contrato de agência ou representação comercial
Sob os efeitos das revoluções operadas na indústria e comércio, sobretudo desde o século XVIII, deu-se um notável crescimento econômico no mercado financeiro global. Com a ampliação do campo de trabalho sob impacto da Revolução Industrial e o fenômeno da superprodução, buscou-se expandir o escopo para novos mercados, engendrando-se novas formas de emprego, incluindo-se a figura do mercador, que terá como sucedâneo o agente comercial. Portanto, a figura do agente tem como nascedouro a evolução da atividade comercial pela expansão mercantil que exigiu das empresas uma estrutura de distribuição que levasse suas mercadorias a territórios mais longínquos, em escala nacional e mesmo internacional. Não houvesse a figura do agente comercial, dificilmente o tráfego comercial teria atingido a envergadura que conquistou (MONTEIRO, 1994; FAZZIO JUNIOR, 2005; BERTOLDI, 2006).
O vínculo contratual de agência tem conceituação e evolução jurídica distintas no Brasil e em Portugal. Em termos conceituais, no Brasil consagrou-se a designação representante comercial e em Portugal a designação agente comercial. Já em termos evolutivos, no país sul-americano a representação comercial foi regulamentada em 1965, quando da Lei n. 4.886, sendo posteriormente aperfeiçoada mediante a Lei 8.420/92 e, mais recentemente, pelo novo Código Civil, de 2002, que introduziu o conceito de agência seguindo uma tendência europeia (NEGRÃO, 2009). No país europeu, por sua vez, o contrato de agência foi regulamentado pelo Decreto-Lei 178, de 1986, e alterado pelo Decreto-Lei 118, de 1993.
Segundo o CT português, celebra-se o contrato de agência quando uma pessoa, em condição de autonomia e mediante remuneração, assume o encargo de promover a realização de determinados negócios, em uma determinada zona (PORTUGAL, 2013, s.p.). De modo similar, o Código Civil brasileiro de 2002 define o contrato de agência: “Art. 710. Pelo contrato de agência, uma pessoa assume, em caráter não eventual e sem vínculos de dependência, a obrigação de promover, à conta de outra, mediante retribuição, a realização de certos negócios, em zona determinada, caracterizando-se a distribuição quando o agente tiver à sua disposição a coisa a ser negociada” (BRASIL, 2012/2002, s.p).
A agência está incluída entre os contratos de distribuição comercial, que englobam tanto contratos voltados à distribuição de bens, como a franquia e a concessão, quanto contratos circunscritos à promoção de negócios, como a agência (MONTEIRO, 1994). Há que se distinguir, portanto, os contratos de agência e comissão. No primeiro, o agente atua em nome do principal, preparando contratos sem, contudo, concretizá-los, pois neste caso cumpre ao principal a cobrança de crédito. Por seu lado, no segundo o comissário é incumbido de vender mercadorias em favor do comitente e, se auspiciado pela cláusula del credere, pode assumir responsabilidade junto ao comitente sobre as obrigações dos clientes com os quais travou negócio. Ou seja, assume responsabilidade financeira em casos de inadimplência e, neste caso, recebe comissão especial. Eis uma distinção em relação ao Direito Comercial brasileiro, no qual as cláusulas del credere não são cabíveis (FAZZIO JUNIOR, 2005).
Apesar dessa distinção entre os dois ordenamentos jurídicos, há uma tendência, no que tange ao contrato de agência, ao alinhamento do Direito brasileiro com o europeu, e isso é evidente na proposição, pelo Código Civil de 2002, de se substituir o nome jurídico representante comercial por agente. Nesses termos, o contrato de agência e o de representação comercial teriam sentido próximo, figurando a distribuição como uma função adicional, conforme explana Theodoro Junior (2013/2003, s.p): “o novo Código Civil, a exemplo do direito europeu, abandonou o nomem iuris de “representante comercial”, substituindo-o por “agente”. Sua função, porém, continua sendo exatamente a mesma do representante comercial autônomo. Mas, além de falar em “contrato de agência”, o Código fala também em “contrato de agência e distribuição”. Não são, porém, dois contratos distintos, mas o mesmo contrato de agência no qual se pode atribuir maior ou menor soma de funções ao preposto”.
À diferença do contrato de trabalho, o contrato de agência não tem em mira a prestação de serviços propriamente dita, mas, antes, suas implicações econômicas. Noutros termos, o agente é remunerado não apenas em função de trabalhar, mas, primordialmente, em razão dos resultados conquistados. Por isso, diferentemente do que geralmente ocorre no contrato de trabalho, no contrato de agência a remuneração não consiste em um salário, pois depende do êxito do agente nos negócios. Ou seja, dá-se mediante comissão por porcentagem de contratos celebrados sob mediação do agente (SAAD, 2008).
A celebração do contrato de agência pode estabelecer um vínculo por tempo determinado, aprazando-se uma data para seu encerramento, a qual, contudo, pode ser prorrogada. Aliás, a prorrogação pode ocorrer mais de uma vez. Pode ocorrer, ainda, por tempo indeterminado, e neste caso não se estabelecem prazos. Nos casos em que não consta fixação de prazos, entende-se que se trata de um contrato por tempo indeterminado (COELHO, 2008).
2.1. A noção jurídica de agente/representante comercial e suas atribuições
Por agente ou representante comercial se designa a pessoa que exerce a função de representar uma empresa numa determinada zona, em condição de autonomia na execução de sua prática laboral. Segundo o artigo 710 do Código Civil de 2002, “pelo contrato de agência, uma pessoa assume, em caráter não eventual e sem vínculos de dependência, a obrigação de promover, à conta de outra, mediante retribuição, a realização de certos negócios, em zona determinada, caracterizando-se a distribuição quando o agente tiver à sua disposição a coisa a ser negociada” (BRASIL, 2012b/2002, s.p).
Essa forma contratual prescinde do vínculo de emprego, pois os agentes comerciais são enquadrados como intermediários que medeiam o negócio entre a empresa e a clientela. O agente comercial tem como encargo favorecer a venda de um produto, encaminhar as demandas ao representado por ele e esperar sua decisão a fim de realizar a venda. Embora não faça parte da equipe interna da empresa, seu trabalho é importante para o crescimento desta, uma vez que ele tem a possibilidade de amealhar novas clientelas, aumentando a carteira de clientes e arrecadando mais lucros para a organização.
De acordo com Monteiro (1994), entre os deveres do agente consta a obrigação de realizar, em favor da outra parte, a celebração de negócios. Não se trata, portanto, de uma atividade meramente publicitária, pois as atividades cabíveis ao agente implicam o encaminhamento de negócios, a realização de pedidos e encomendas, a investigação do mercado, etc. Afinal, o agente tem como função primordial a promoção de negócios, isto é, a realização de tarefas como divulgação de produtos, arrecadamento de clientes e negociação de contratos.
Segundo o CC, o agente pode realizar contratos quando tal desígnio lhe for conferido por escrito, e neste caso exercerá função de representação, mas, ainda assim, caberá ao principal decidir sobre o negócio. Também mediante autorização por escrito, o agente pode efetuar cobrança de créditos provenientes do contrato, caso lhe tenha sido outorgado o estatuto de representação. Em tal caso, ele tem, por direito, uma comissão relativa ao valor da cobrança (PORTUGAL, 2013, s.p). No exercício de suas funções, o agente ainda tem direitos, segundo os artigos 12 a 14 do CC: “Artigo 12.º: O agente tem o direito de exigir da outra parte um comportamento segundo a boa-fé, em ordem à realização plena do fim contratual. Artigo 13.º O agente tem direito, designadamente: a) A obter da outra parte os elementos que, tendo em conta as circunstâncias, se mostrem necessários ao exercício da sua actividade; b) A ser informado, sem demora, da aceitação ou recusa dos contratos negociados e dos que haja concluído sem os necessários poderes; c) A receber, periodicamente, uma relação dos contratos celebrados e das comissões devidas, o mais tardar até ao último dia do mês seguinte ao trimestre em que o direito à comissão tiver sido adquirido; d) A exigir que lhe sejam fornecidas todas as informações, nomeadamente um extracto dos livros de contabilidade da outra parte, que sejam necessárias para verificar o montante das comissões que lhe serão devidas; e) Ao pagamento da retribuição, nos termos acordados; f) A receber comissões especiais, que podem cumular-se, relativas ao encargo de cobrança de créditos e à convenção del creder. g) A uma compensação, pela obrigação de não concorrência após a cessação do contrato. Artigo 14.º O agente tem de ser avisado, de imediato, de que a outra parte só está em condições de concluir um número de contratos consideravelmente inferior ao que fora convencionado ou àquele que era de esperar, segundo as circunstâncias” (PORTUGAL, 2013, s.p).
Especificamente no que tange os direitos de comissão: “1 – O agente tem direito a uma comissão pelos contratos que promoveu e, bem assim, pelos contratos concluídos com clientes por si angariados, desde que concluídos antes do termo da relação de agência. 2 – O agente tem igualmente direito à comissão por actos concluídos durante a vigência do contrato se gozar de um direito de exclusivo para uma zona geográfica ou um círculo de clientes e os mesmos tenham sido concluídos com um cliente pertencente a essa zona ou círculo de clientes. 3 – O agente só tem direito à comissão pelos contratos celebrados após o termo da relação de agência provando ter sido ele a negociá-los ou, tendo-os preparado, ficar a sua conclusão a dever-se, principalmente, à actividade por si desenvolvida, contando que em ambos os casos sejam celebrados num prazo razoável subsequente ao termo da agência” (PORTUGAL, 2013, s.p).
Ainda sobre o direito à comissão: “1 – O agente adquire o direito à comissão logo e na medida em que se verifique uma das seguintes circunstâncias; a) O principal haja cumprido o contrato ou devesse tê-lo cumprindo por força do acordo concluído com o terceiro; b) O terceiro haja cumprindo o contrato. 2 – Qualquer acordo das partes sobre o direito à comissão não pode obstar que este se adquira pelo menos quando o terceiro cumpra o contrato ou devesse tê-lo cumprindo, caso o principal tenha já cumprindo a sua obrigação. 3 – A comissão referida nos números anteriores deve ser paga até ao último dia do mês seguinte ao trimestre em que o direito tiver sido adquirido. 4 – Existindo convenção del credere, pode, porém, o agente exigir as comissões devidas, uma vez celebrado o contrato” (PORTUGAL, 2013, s.p).
Malgrado não seja propriamente um empregado, o agente, no exercício de sua função, há que manter um vínculo colaborativo com o agenciado, cuidando dos interesses deste último no exercício de sua atividade mediadora. Portanto, suas decisões não podem ser equivocadas, abusivas ou inconsequentes, pois, para exercer sua função de forma eticamente edificante, ele precisa estar atento a um conjunto de valores que devem nortear seu ofício. Deve, ainda, segundo os artigos 7 a 11 do CC: “a) A respeitar as instruções da outra parte que não ponham em causa a sua autonomia; b) A fornecer as informações que lhe forem pedidas ou que se mostrem necessárias a uma boa gestão, mormente as respeitantes à solvabilidade dos clientes; c) A esclarecer a outra parte sobre a situação do mercado e perspectivas dos clientes; d) A prestar contas, nos termos acordados, ou sempre que isso se justifique” (PORTUGAL, 2013, s.p).
2.2. A noção jurídica de agenciado e suas atribuições
Em vez de deslocar seus funcionários para zonas distantes ou manter sucursais, o que implicaria dispêndio de tempo e dinheiro, várias empresas optam por se servir de pessoas estabelecidas em tais zonas, valendo-se da credibilidade destas junto ao público local. Assim, a um só tempo se economiza despesas fixas com salários, infraestrutura, etc., e se tem a possibilidade de ampliação de mercado (MONTEIRO, 1994). Quem investe nessa forma contratual recebe o nome jurídico de “principal” ou agenciado, já que se beneficia da atividade mediadora do agente (SAAD, 2008).
Segundo Negrão (2009), o agenciado, embora não tenha sobre o agente a mesma autoridade que o empregador tem sobre o empregado/trabalhador, tem o direito de solicitar ao agente informações sobre as tendências do mercado e exigir prestação de contas dos contratos celebrados. Ademais, tem o direito de reter o pagamento de rescisão do contrato do agente para assegurar o ressarcimento pelo que lhe for devido.
Tanto no Direito Comercial brasileiro quanto no português o agenciado tem por obrigação remunerar o agente pelos seus serviços, observando as determinações do contrato no tocante à comissão sobre os negócios celebrados. Ademais, deve tomar o cuidado de não contratar mais de um agente para atuar numa mesma zona, ou seja, deve conferir exclusividade territorial a cada agente. Também deve prover indenização ao agente se der fim ao atendimento das propostas sem causa justa ou se diminuí-las ao ponto de tornar economicamente inviável a prática da agência (MONTEIRO, 2004).
2.3. Requisitos para o contrato de agência/representação comercial
Para se configurar um contrato de agência, são necessários alguns quesitos, dos quais podemos elencar: “a) Condições e requisitos gerais da representação; b) Indicação genérica ou específica dos produtos ou artigos objeto da representação; c) Prazo certo ou indeterminado da representação; d) Indicação da zona ou zonas em que será exercida a representação e) Garantia ou não, parcial ou total, ou por certo prazo, da exclusividade de zona ou setor de zona; f) Retribuição e época do pagamento, pelo exercício da representação, dependente da efetiva realização dos negócios, e recebimento ou não, pelo representado, dos valores respectivos; g) Os casos em que se justifique a restrição de zona concedida com exclusividade; h) Obrigações e responsabilidades das partes contratantes; i) Exercício exclusivo ou não da representação a favor do representado; j) Indenização devida ao representante pela rescisão do contrato fora dos casos previstos no artigo 35, cujo montante não poderá ser inferior a um doze avos do total da retribuição auferida durante o tempo em que exerceu a representação (BRASIL, 2012a/1965, p. 32).
Tais quesitos são sobremaneira relevantes para a celebração do contrato de agência na medida em que estipulam as condições basilares que devem orientar as relações entre agente e agenciado. Ademais, constituem um parâmetro de como se deve configurar a celebração do contrato de agência no que tange às condições necessárias e aos compromissos de ambas as partes.
Entretanto, em que pesem os demais requisitos para a configuração do contrato de agência, discutiremos mais detidamente a autonomia por considerarmos, na esteira de vários doutrinadores, que esse quesito distingue o contrato de agência do contrato de trabalho na medida em que este é calcado na subordinação, conforme já vimos.
2.3.1. Autonomia
A mediação implica uma complexidade econômica e jurídica no que toca ao liame entre as partes que por vezes se torna difícil distinguir a relação de trabalho e a de agência. Todavia, a diferença entre o trabalhador e o agente comercial está relacionada às esferas da organização, da função e da economia. No que tange à organização, o agente comercial mantém vínculo com a empresa enquanto colaborador externo e por meio do contrato de agência, que o autonomiza a representar a empresa e atuar ao seu próprio modo. No que tange à função, o contributo do agente comercial para a empresa é eminentemente econômico, através do resultado final de sua atividade. Quanto ao fator da economia, o agente tem compromisso direto com a promoção e finalização de negócios, de modo que a comissão depende de seu êxito nesse processo (NEGRÃO, 2009).
O agente não pode ser subordinado porque não é um empregado. Portanto, diferentemente do contrato de trabalho nos moldes convencionais, o contrato de agência se notabiliza por conceder mais autonomia ao trabalhador devido às especificidades que distinguem esse tipo contratual e às atividades laborais aí previstas. O contrato de agência possui especificidades como a autonomia, de vez que não o agente não constitui um empregado daquele a quem representa; aliás, o próprio termo designativo “agente” encerra conotação de autonomia. Nesse sentido, o liame entre representante e representado é isento da subordinação típica das relações de emprego, porque o agente se enquadra na categoria trabalhador autônomo, uma vez que não se submete a restrições tais como horário de trabalho definido, dever de estar presente no local de serviço e receber ordens como empregado (COUTINHO, 1999).
Despossuído de subordinação jurídica, o agente pode atuar com relativa autonomia. Porém, há que manter observância às instruções recebidas para o exercício de sua atividade, além de prestar contas de suas transações e seguir os moldes da política econômica da empresa contratante (PORTUGAL, 2013). Contudo, importa salientar que as diretrizes recebidas do principal não podem se exceder a ponto de colocar em cheque a autonomia do agente. Ou seja, ele pode ser orientado, mas não controlado, já que não possui vínculo de subordinação (MONTEIRO, 2002).
Todavia, a autonomia também implica responsabilidades, pois, em tese, é o agente que deve arcar com as despesas decorrentes de seu trabalho. Segundo Monteiro (1994), o fato de permitir ao agente atuar ao seu próprio modo, com autonomia, poupa à empresa custos de organização e gerenciamento.
Tomando a autonomia como norte, podemos elencar, a partir de Taddei (2013, p. 5), os seguintes pontos que distinguem o contrato de trabalho e o contrato de agência ou representação: “a) No contrato de representação comercial, o representante presta os serviços por meio de uma organização própria, ao passo que no contrato de trabalho o empregado se apoia na organização patronal. b) O representante destina o resultado econômico de seu trabalho ao seu proveito próprio, enquanto no contrato de trabalho o empregado o destina a favor exclusivo do empregador. c) O representante assume os riscos da atividade econômica, ao passo que o empregado não se vincula ao resultado econômico do seu trabalho. d) A comissão do representante depende do resultado útil de sua atividade, já o empregado tem direito ao salário independentemente do resultado lucrativo ou não do seu trabalho. e) A autonomia do representante é evidenciada pelos seguintes aspectos: liberdade de itinerário nas visitas à clientela; liberdade de emprego do tempo; ônus pessoal das despesas de sua organização; arquivamento do ato constitutivo na Junta Comercial e inscrição no Conselho Regional dos Representantes Comerciais”.
2.4. Fraudes contratuais
De acordo com Houaiss e Villar (2004), o termo improbidade advém do latim improbitate, que significa desonestidade. No âmbito do Direito, a improbidade consiste em condutas ilícitas que infringem as regras instituídas, de sorte que a improbidade deve ser concebida, sumariamente, como a conduta ética e moralmente inadequada e, portanto, como um comportamento impróprio e passível de receber sanções legisladas pelas leis competentes (DELGADO, 1996).
O Direito Comercial, em concatenação com a evolução sociohistórica, emerge como um ramo dedicado a zelar pela observância aos ditames contratuais, inclusive ao primado da autonomia no contrato de agência.
Há que se considerar que existem similaridades entre os fatores que configuram as relações de trabalho e agência, haja vista que ambas podem apresentar caráter permanente, não eventual, e que o trabalhador e o agente comercial podem atuar em mais de uma organização. Em decorrência dessa similitude, o agente comercial é passível de ser confundido ou com o vendedor ou com o pracista, que exercem trabalho subordinado. Portanto, a função mediadora não constitui, tecnicamente, um elemento de distinção inequívoco (NEGRÃO, 2009).
Nas situações em que as normas trabalhistas são burladas ou descumpridas, configuram-se fraudes nas relações trabalhistas. Muitas vezes, algumas formas de contrato se dão nos interstícios da legalidade, passando ao largo das regras trabalhistas. Comumente, os empregadores aproveitam-se da similaridade entre as formas contratuais de trabalho subordinado e trabalho autônomo, constituindo-se uma forma de tentar escamotear um vínculo trabalhista que não condiz com a indicação contratual (NASCIMENTO, 2009).
Interessa mencionar, à guisa de ilustração, que no mercado de trabalho português os trabalhadores empregados no ramo da instalação de TV a cabo são contratados como agentes, mas, não raro, são tratados como empregados. Neste caso, esse regime de subordinação aí instaurado é incongruente com o estatuto de agente firmado no documento contratual. Também no Brasil o sistema judiciário tem se defrontado com diversos casos de fraude dessa natureza. Destes, podemos mencionar a fraude perpetrada por uma grande empresa brasileira, na qual “um trabalhador que para sua admissão e recebimento da remuneração mensal pactuada foi compelido a emitir notas fiscais, em nome de uma microempresa constituída, objetivando mascarar a relação empregatícia existente, apesar de presentes na relação pactuada, a subordinação, a pessoalidade, a continuidade e a onerosidade” (JUSBRASIL, 2013, s.p.).
Nesse caso, ocorre o inverso do caso anterior, pois na manobra fraudulenta o trabalhador subordinado foi induzido a se passar por agente. No entanto, em ambas as situações a inobservância às normas trabalhistas redunda na precarização das condições laborais, desrespeitando a dignidade do trabalhador e implicando ameaça frontal ao Estado Democrático de Direito. Conforme já discutimos anteriormente, a alteração nas condições de trabalho não deve acarretar danos ao trabalhador, pois qualquer decisão realizada com finalidade de alterar ou lograr o bom emprego dos princípios estabelecidos pelo direito trabalhista constitui fraude. No primeiro exemplo, o rebaixamento de função, no qual a alteração vertical coloca o agente autônomo em posição de subordinação, constitui fraude independentemente da causa que tenha motivado essa alteração, já que não estava prevista no contrato. Já no segundo, a suposta autonomia conferida ao trabalhador subordinado revela uma falsa condição de agência com o intuito único de prover benefícios econômicos à empresa.
Importa salientar que mesmo que se em tais casos houver assentimento do trabalhador, deve-se levar em consideração sua condição estatuária, já que, ao ocupar posição subalterna, nem sempre tem direito de livre expressão e consentimento. Noutros termos, por vezes dá seu assentimento em face de determinadas alterações que lhes são malévolas simplesmente pelo temor de perder seu emprego (DELGADO, 1996). Ora, se, como consta no contrato, o empregado/trabalhador ou agente foi contratado para exercer uma função permanente, não é lícito obrigá-lo a assumir uma função estranha àquela para a qual estava preparado, sobretudo nos casos em que acontece uma mudança radical da natureza do trabalho prestado. Nesse caso, só é possível quando há assentimento por parte do empregado e, mais ainda, quando não o prejudica, e tal não ocorre nos dois exemplos supracitados.
Conclusão
Procedemos a um estudo das relações contratuais de trabalho, tendo como fundamento o liame entre aqueles que atuam, respectivamente, como empregador e empregado/trabalhador e como agenciado e agente. Uma vez que com o desenvolvimento comercial tornam-se mais amplas e complexas as locações de trabalho, interessou-nos distinguir, entre as formas de relação laboral, as especificidades judiciais do trabalho realizado sob o crivo da subordinação e o trabalho autônomo, levado a efeito sob o crivo da autonomia.
O vínculo entre contratantes e contratados é uma realidade das condições de trabalho e pode se estabelecer de formas variadas, entre as quais destacamos o contrato de trabalho e o contrato de agência. Longe de se almejar esgotar a matéria, este trabalho se limitou ao apontamento de alguns dos elementos que caracterizam ambas as relações de trabalho e as distinguem. Observamos que, no contrato de trabalho, a subordinação configura uma condição na qual o trabalhador está sob o comando do empregador no que tange ao tipo de serviço e ao seu modus operandi. Sua atividade não pressupõe autonomia, por estar sob ingerência do poder diretivo patronal. No entanto, esse poder diretivo tem limitações na medida em que não pode acarretar prejuízos ao empregado/trabalhador.
Por seu lado, o contrato de agência prescinde da subordinação em favor da autonomia do agente, que exerce o papel de ampliar o mercado da empresa que representa a partir da divulgação de seus produtos e promoção de vendas. No contrato de agência, o agente, sem configurar vínculo empregatício, abraça a função de promover negócios numa dada localidade em nome de uma empresa. O exercício de mediação empreendido por ele compete para a ampliação do setor comercial em seu repertório de atividades, tornando-se essencial para o desenvolvimento do comércio.
A despeito dessa distinção, tanto o contrato de trabalho quanto o de agência constituem um acordo de execução sucessiva, que visa à longevidade, mas podem sofrer mudanças decorrentes de interesses das duas partes envolvidas. E essa semelhança favorece a ocorrência de fraudes, pois observamos que tanto no Brasil quanto em Portugal há inobservância ao limite entre a subordinação e a autonomia do empregado/trabalhador ou do agente, configurando-se uma relação de trabalho heteróclita àquela firmada no contrato.
direito à preguiça. São Paulo: Unesp/Hucitec, 1999, p. 9-56.
Informações Sobre os Autores
Elke Mara Resende Netto Armando
Mestre em Ciências Jurídicas na Faculdade de Direito da Universidade do Porto. Professora da graduação em Direito no Instituto de Ensino Superior Presidente Tancredo de Almeida Neves IPTAN. Advogada
Clênio Denardini Pereira
Mestre em Ciências Jurídicas na Faculdade de Direito da Universidade do Porto. Professor da graduação em Direito no Instituto Blumenauense de Ensino Superior IBES/SOCIESC. Advogado na Krieger Advogados Associados