Resumo: O art. 37, inciso IX da Constituição Federal, prevê que a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. Os entes federados estão autorizados a editar normas que contemplem as hipóteses de contratação temporária. É comum, entretanto, que tais autorizações sejam genéricas, abstratas, vagas, de modo a desvirtuar a contratação temporária em detrimento do mandamento constitucional à submissão ao concurso público. Tal irregularidade importa em consequências de ordem jurídica ao trabalhador e ao gestor público.
Palavras-chave: Contratação de pessoal por tempo determinado. Regime jurídico aplicável aos servidores temporários. Competência. Nulidade do contrato. Improbidade Administrativa.
Abstract: Art. 37, section IX of the Federal Constitution provides that the law shall establish the cases of hiring for a time to meet a temporary need of exceptional public interest. The federal agencies are authorized to issue rules that address the cases of temporary contracts. It is common, however, that such authorizations are generic, abstract, vague, in order to misrepresent the temporary appointment at the expense of the constitutional commandment to submission to public tender. Such irregularity matter of legal consequences to workers and the public manager.
Keywords: Hiring staff for a specified time . legal regime applicable to temporary servants . Competence. Nullity of contract. Administrative dishonesty.
Sumário: Introdução. 1. Dos requisitos da contratação temporária. 2. Do vínculo especial de direito administrativo e competência da justiça comum. 3. Da nulidade da contratação sem concurso público: consequências ao trabalhador. 4. Da nulidade da contratação sem concurso público: consequências para o administrador público. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
A Constituição Federal dispõe que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei” (art. 5º, II). Isso significa que a autonomia da vontade rege a relação entre os particulares. O mesmo não se pode dizer em relação à administração pública, dada a indisponibilidade do interesse público. Nesse caso, não é suficiente a ausência de proibição legal, isto é, a atuação administrativa pressupõe a existência de lei que assim determine ou autorize.
A verdadeira adstrição dos atos da administração pública às disposições legais decorre dos princípios da legalidade e indisponibilidade do interesse público, traduzindo garantia constitucional, sobretudo porque importa em limitação do poder do Estado ao assegurar que a atuação administrativa somente se dará em conformidade ao que dispuser a lei.
Em que pese a sujeição à legalidade estrita faça parte da esfera de conhecimento dos gestores públicos, é relativamente comum na administração dos Municípios, a contratação de pessoal para investidura em cargos permanentes, sem prévia submissão ao concurso público. O que se verifica, na prática, é a banalização do processo seletivo público, como se fosse instituto correlato, ou até mesmo sinônimo, ao concurso público.
O cenário que comumente se afigura é o seguinte: os Municípios contratam pessoal por meio de processo seletivo público para desempenhar atividade permanente sob o regime celetista. Os entes Municipais fundamentam a mencionada contratação na necessidade temporária de excepcional interesse público, normalmente pautados em Leis Municiais genéricas que não traçam a circunstância que a suposta emergência se justifique.
Faz-se necessário, portanto, traçar linhas para especificar as circunstâncias que autorizam a contratação temporária por excepcional interesse público, o regime jurídico aplicável a cada caso, a justiça competente para processar e julgar o feito, além das consequências da indevida contratação.
1. DOS REQUISITOS PARA A CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA
A administração direta, inclusive o ente Municipal, deve promover a investidura nos cargos públicos mediante prévia aprovação em concurso público. Excepcionalmente, a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 37, II e IX da CF/88).
O Supremo Tribunal Federal reiteradamente assevera que o inciso IX do art. 37 da Constituição Federal deve ser interpretado restritivamente, pois configura exceção à regra geral – corolário do princípio republicano – de que o concurso público é meio idôneo para o ingresso no serviço público[1]. O referido dispositivo constitucional excepciona a regra de submissão ao concurso público por considerar que, em determinadas circunstâncias, a Administração Pública deve adotar medidas de caráter emergencial para atender a necessidades urgentes e temporárias.
Para o Supremo Tribunal Federal[2] a contratação temporária somente é possível quando: 1) existir previsão legal dos casos; 2) a contratação for feita por tempo determinado; 3) tiver como função atender a necessidade temporária; e 4) quando a necessidade temporária for de excepcional interesse público.
No que diz respeito à previsão legal, verifica-se que no âmbito federal a Lei n.º 8.745/1993 estabelece as hipóteses que se consideram “necessidade temporária de excepcional interesse público”, que são situações pontuais e bem definidas pela norma, tais como, por exemplo, situações de calamidade e emergência em saúde pública, realização de recenseamento e substituição de professor. As contratações são por prazo determinado dada a própria natureza do serviço a ser prestado.
A referida Lei prevê que o recrutamento do pessoal a ser contratado será feito mediante processo seletivo simplificado sujeito a ampla divulgação, prescindindo de concurso público. É dispensado o processo seletivo nas hipóteses de contratação para atender as necessidades decorrentes de calamidade pública, de emergência ambiental e de saúde pública.
Segundo Maria Sylvia Zanella di Pietro, cada ente federativo deve formular lei própria regulando a matéria de contratação por tempo determinado[3]. Por um lado, o art. 37, IX, dispõe que “a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público”, o art. 30, I; por outro, assenta que compete aos Municípios “legislar sobre assuntos de interesse local”[4]. Nesse sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello[5] ensina que:
“A Constituição prevê que a lei (entende-se: federal, estadual, distrital ou municipal, conforme o caso) estabelecerá os casos de contratação para o atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 37, IX). Trata-se, aí, de ensejar suprimento de pessoal perante contingências que desgarrem da normalidade das situações e presumam admissões apenas provisórias, demandadas em circunstâncias incomuns, cujo atendimento reclama satisfação imediata e temporária (incompatível, portanto, com o regime normal de concursos). A razão do dispositivo constitucional em apreço, obviamente, é contemplar situações nas quais ou a própria atividade a ser desempenhada, requerida por razões muitíssimo importantes, é temporária, eventual (não se justificando a criação de cargo ou emprego, pelo quê não haveria cogitar do concurso público), ou a atividade não é temporária, mas o excepcional interesse público demanda que se faça imediato suprimento temporário de uma necessidade (neste sentido, “necessidade temporária”), por não haver tempo hábil para realização de concurso”. (Grifo nosso)
O legislador tem o ônus de especificar, em cada circunstância, o caráter emergencial que a justifique. Não se admite que a referida Lei disponha de forma genérica, vaga ou indefinida sobre as hipóteses de contratação temporária[6]. Inclusive, o Supremo Tribunal Federal já sedimentou o entendimento de que se a previsão legal for extremamente genérica, não atenderá o art. 37, IX, da CF/88.[7] Nesse sentir, o Ministro Luiz Fux, relator da ADI 3.649[8], ressaltou que:
“É inconstitucional a lei que, de forma vaga, admite a contratação temporária para as atividades de educação pública, saúde pública, sistema penitenciário e assistência à infância e à adolescência, sem que haja demonstração da necessidade temporária subjacente” (grifo nosso)
Recentemente, a referida Corte julgou inconstitucional a Lei n.º 4.599/2005, do Estado do Rio Janeiro, em virtude de ela não especificar, suficientemente, as hipóteses emergenciais que justificariam medidas de contratação excepcional[9]. Igualmente, foi reconhecida a inconstitucionalidade da alínea “f” e parágrafo único do art. 3º da LC n.º 22/2000 editada pelo Estado do Ceará.
De acordo com a alínea "f" do mencionado dispositivo, poderia haver a contratação temporária para suprir "outros afastamentos que repercutam em carência de natureza temporária". Para o STF, essa previsão é extremamente genérica, descumprindo o art. 37, IX, da CF/88. Já o parágrafo único do art. 3º autoriza a contratação temporária para que a Administração Pública pudesse implementar "projetos educacionais, com vista à erradicação do analfabetismo, correção do fluxo escolar e qualificação da população cearense". O STF entendeu que esta previsão também é inconstitucional porque estes são objetivos corriqueiros (normais, ordinários) da política educacional. Desse modo, esse tipo de ação não pode ser implementado por meio de contratos episódicos (temporários), já que não constitui contingência especial a ser atendida[10].
Quanto aos Municípios, é ainda mais comum observar previsões legais igualmente genéricas. É o caso, por exemplo, do art. 287, inciso II da LC nº17/1993, editada pelo Município de Foz do Iguaçu. Segundo o referido dispositivo, consideram-se como de excepcional interesse público as admissões que visem a “execução de programas especiais de trabalho, instituídos por decreto do Poder Executivo, para atender necessidades conjunturais que demandem atuação do Município”.
Os “programas especiais de trabalho” seriam instituídos por decreto do Poder Executivo, não havendo, portanto, uma definição casuística da circunstância que justifique a medida de contratação excepcional. Mais vago e impreciso, ainda, é o conceito de “necessidades conjunturais que demandem atuação do Município”, que não possibilita a identificação de qualquer caráter emergencial que possa autorizar a contratação temporária nos moldes do art. 27, IX da Constituição do Estado do Paraná, o qual reproduz a redação do art. 37, IX, da CF/88.
O art. 287, inciso II da LC n.º 17/1993 termina por ampliar indevidamente a hipótese de contratação temporária, pois, ao atribuir ao Chefe do Poder Executivo Municipal a competência para determinar quais seriam os casos de necessidade temporária de excepcional interesse público, como visto, vai de encontro à regra constitucional.
Diante do exemplo, caberia o controle de constitucionalidade abstrato por via de Ação Direta de Inconstitucionalidade, haja vista a incompatibilidade do art. 287, inciso II da LC n.º 17/1993 com o art. 27, IX da Constituição do Estado do Paraná, sendo que, nos termos do art. 111 do referido Diploma Legal, o Procurador Geral de Justiça seria um dos legitimados ativos para o ajuizamento da referida ação.
Acontece que, na prática, até que se resolva a questão no plano abstrato, inúmeros Municípios editam leis complementares prevendo disposições igualmente genéricas para contratação temporária de pessoal adotando, inclusive, o regime celetista. Na sequência, será analisada a competência para apreciar demandas que envolvam o referido vínculo administrativo, o que também já foi objeto de apreciação no Supremo Tribunal Federal.
2. DO VÍNCULO ESPECIAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO E A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM
Segundo o Supremo Tribunal Federal, o vínculo jurídico entre o servidor contratado temporariamente (art. 37, IX) e a Administração Pública é de cunho especial administrativo, ou seja, trata-se de relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo. Assim, a lei municipal ou estadual que regulamente o art. 37, IX, não pode estabelecer que o regime a ser aplicado seja o celetista.
O tema já foi submetido à apreciação do Supremo Tribunal Federal que, por meio do Tribunal Pleno, no julgamento da Rcl 5381/AM[11], publicado em 20/05/2009, sedimentou o entendimento de que, no caso dos servidores temporários, o vínculo é jurídico administrativo. Nesse julgamento, a Ministra Carmem Lúcia teceu as seguintes considerações:
“Estou acentuando o que acolho desse art. 37, com o que era a norma do artigo 39, que, nesse caso, só suscitou questões, na doutrina e na própria jurisprudência, quando veio a Emenda Constitucional n. 19. Aí, sim, porque surgiu de novo a figura em empregado e este seria sujeito ao regime celetista; mas não é esse o caso. E, mesmo nesses casos, depois da nossa decisão de agosto de 2007, quando foram suspensos os efeitos da Emenda Constitucional n. 19, para retornar ao regime jurídico único, não há como, no sistema jurídico-administrativo brasileiro constitucionalmente posto, comportar essas contratações pelo regime da CLT”. (Grifo nosso)
A Ministra referiu-se à decisão liminar proferida nos autos da ADIN 2135-4/DF[12], que estabeleceu que regime estatutário deve ser aplicado para todo o pessoal da Administração Direta, Autárquica e Fundacional admitido após 02/08/2007.
Veja-se que a contratação pelo regime estatutário alcança os servidores concursados, os ocupantes de cargo comissionado e os legalmente contratados por prazo determinado (contrato temporário). Assim, como bem sedimentou a Ilustre Ministra Carmem Lúcia, desde que proferida a decisão liminar na ADIN 2135-4/DF “não há como, no sistema jurídico-administrativo brasileiro constitucionalmente posto, comportar essas contratações pelo regime da CLT”.
Nesse sentido, o Ministro Cesar Peluso, também no julgamento da Rcl 5381/AM, ponderou que não há possibilidade, na relação jurídica entre servidor e Poder Público, seja ele permanente ou temporário, de ser regido senão pela legislação administrativa. Segundo o Ministro, “chame-se isso relação estatutária, jurídico administrativa, ou outro nome qualquer, o certo é que não é uma relação contratual sujeita a CLT”. Prosseguiu, ainda, sustentando que:
“Como a Emenda nº 19 caiu, nós voltamos ao regime original da Constituição, que não admite relação sujeita à CLT, que é de caráter tipicamente privado, entre servidor público, seja estável ou temporário, e a Administração Pública. (…) Imaginem a relação de trabalho numa situação de emergência, onde o Estado tem de mobilizar todas as suas forças, sem nenhuma limitação, submetido às restrições da Consolidação das Leis do Trabalho. Em outras palavras, seria inútil contratar sob o regime porque não sanaria emergência nenhuma. Ficaria sujeito a não trabalhar em fim de semana, porque se trabalha, a lei prevê pagamento de hora extra etc. E o regime de emergência vai por água abaixo”. (Grifo nosso)
Com fundamento na posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Rcl 5381/AM, conclui-se que o vínculo decorrente de uma contratação temporária é de caráter jurídico-administrativo, isto é, não se submete ao regime celetista.
Dessa constatação conclui-se que a Justiça competente para julgar qualquer direito relacionado à contratação do servidor nos casos do art. 37, IX, será sempre da Justiça Comum (estadual ou federal). Na ADI 492[13], a Corte entendeu inconstitucional a inclusão, no âmbito de competência da Justiça do Trabalho, de causas que digam respeito a servidores que mantenham, com a Administração Pública, vínculo de natureza estatutária, por ser este estranho ao conceito de “relação de trabalho”.
No mesmo sentido, em 05/04/2006, o Plenário do Supremo Tribunal Federal proferiu decisão liminar nos autos da ADI 3.395-MC[14], suspendendo toda e qualquer interpretação do inciso I do artigo 114 da CF (na redação da EC n.º 45/2004) que inserisse, na competência da Justiça do Trabalho, a apreciação de causas instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo. Veja-se a ementa:
“Inconstitucionalidade. Ação direta. Competência. Justiça do Trabalho. Incompetência reconhecida. Causas entre o Poder Público e seus servidores estatutários. Ações que não se reputam oriundas de relação de trabalho. Conceito estrito desta relação. Feitos da competência da Justiça Comum. Interpretação do art. 114, inc. I, da CF, introduzido pela EC 45/2004. Precedentes. Liminar deferida para excluir outra interpretação. O disposto no art. 114, I, da Constituição da República, não abrange as causas instauradas entre o Poder Público e servidor que lhe seja vinculado por relação jurídico-estatutária”.
No julgamento proferido em 10/05/2011, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, na AI 784188 AgR[15], sedimentou que “conforme o julgamento proferido no RE 573202, rel. min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, DJ 05.12.2008, compete à Justiça comum estadual o julgamento de causas que digam respeito a contratos temporários celebrados pela Administração Pública Municipal, nos termos do artigo 37, IX, da Constituição”.
Verifica-se, portanto, que a interpretação do inciso I do artigo 114 da CF, no sentido de que não compete a Justiça do Trabalho o julgamento de relações de caráter jurídico-administrativo, é pacífica no âmbito do Supremo Tribunal Federal, sendo correto afirmar que nas demandas envolvendo contratados temporários e a Administração Pública Municipal será competente a Justiça comum, ainda que, de forma indevida, tenha sido atribuído o regime celetista ao vínculo[16].
3. DA NULIDADE DA CONTRATAÇÃO SEM CONCURSO PÚBLICO: CONSEQUÊNCIAS AO TRABALHADOR
É corriqueiro os Municípios promoverem a contratação de pessoal, sem que haja necessidade temporária de excepcional interesse público, por meio de Processo Seletivo Público, sob o regime celetista. Nessa hipótese em que há contratação de pessoal sem prévia submissão ao concurso público, o Supremo Tribunal Federal também já se manifestou entendendo que o contrato é nulo.
Em sede de Repercussão Geral, nos autos do RE 596.478 RG/RR, julgado em 10/09/2009, o Supremo firmou o entendimento de que deve ser reconhecido ao trabalhador contratado pela Administração Pública, sem concurso público, o direito ao levantamento do depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS.
É importante destacar que o art. 19-A da Lei n.º 8.036/1990, incluído pela MP n.º 2.164/01, não afronta o princípio do concurso público, pois ele não infirma a nulidade da contratação feita à margem dessa exigência, mas apenas permite o levantamento dos valores recolhidos a título de FGTS pelo trabalhador que efetivamente cumpriu suas obrigações contratuais, prestando o serviço devido. O caráter compensatório dessa norma foi considerado legítimo pelo Supremo Tribunal Federal no RE 596.478[17].
Depreende-se da ADI 3127[18], julgada em 26/03/2015, que o art. 19-A da Lei n.º 8.036/1990 “não interferiu na autonomia administrativa dos Estados, Distrito Federal e Municípios para organizar o regime funcional de seus respectivos servidores, uma vez que, além de não ter criado qualquer obrigação financeira sem previsão orçamentária, a medida em questão dispôs sobre relações jurídicas de natureza trabalhista, dando nova destinação a um valor que, a rigor, já vinha sendo ordinariamente recolhido na conta do FGTS vinculada aos empregados”.
A contratação de servidor público sem prévia aprovação em concurso público – como ocorre nos casos de violação ao art. 37, IX, em que não se verifica a necessidade temporária de excepcional interesse público que autorize a contratação temporária, ao trabalhador – somente é conferido o direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitando o valor do a salário mínimo, e da importância depositada a título de FGTS[19].
4. DA NULIDADE DA CONTRATAÇÃO SEM CONCURSO PÚBLICO: CONSEQUÊNCIAS AO ADMINISTRADOR PÚBLICO
A condenação do Agente Público por ato de improbidade administrativa, nos moldes delineados pela Lei n.º 8.429/1992, exige a comprovação dos elementos constitutivos do ato desonesto, a saber: (i) conduta ilícita; (ii) conduta ímproba, consubstanciada na tipicidade do ato (amoldamento da conduta em algum dos arts. 9º, 10 e 11 da LIA); (iii) dolo (elemento volitivo do ato, admitindo-se, excepcionalmente, nos casos do art. 10 da Lei n.º 8.429/1992, a culpa)[20].
Em relação à contratação temporária de servidor, a jurisprudência tem se posicionado, em regra, no sentido que a contratação ou manutenção de servidores públicos sem a realização de concurso público viola os princípios que regem a Administração Pública. Todavia, a nomeação de servidores por período temporário com fundamento em legislação local não se traduz, por si só, em ato de improbidade administrativa[21].
A caracterização do ato de improbidade ocorre quando as contratações temporárias são realizadas de forma irregular, de modo que a conduta do agente se amolda ao disposto no art. 11 da Lei n.º 8.429/1992, pois atenta contra os princípios da Administração Pública, estando configurado o dolo genérico[22]. Destaque-se, nesse particular, que os atos de improbidade administrativa descritos no art. 11 da Lei n.º 8429/1992 dispensam a demonstração da ocorrência de dano para a Administração Pública ou enriquecimento ilícito do agente[23].
Como visto, a contratação irregular de trabalhadores temporários, ou seja, na hipótese que não se amolda a necessidade temporária de excepcional interesse público, importa em possível responsabilização do administrador público, desde que haja dolo genérico na prática do ato de improbidade (art. 11 da Lei n.º 8429/1992).
Para que não haja sustentação no sentido de que o ato foi respaldado pela lei, o ideal é que seja realizado o controle de constitucionalidade abstrato por via de Ação Direta de Inconstitucionalidade, caso a previsão legal quanto à possibilidade de contratação temporária seja abstrata, vaga e imprecisa.
CONCLUSÃO
Para o cumprimento do art. 37, IX, da CF/88, o legislador tem o dever de especificar, em cada circunstância, o caráter emergencial que a justifique a necessidade temporária de excepcional interesse. Como visto, não se admite que a referida Lei disponha de forma genérica, vaga ou indefinida sobre as hipóteses de contratação temporária.
O ideal é que, diante de uma lei municipal, estadual ou federal que não apresentem a segurança jurídica necessária para possibilitar a contratação temporária na forma do art. 37, IX, da CF/88, seja promovido o controle de constitucionalidade no plano abstrato.
É certo que o regime jurídico que caracteriza o aludido vínculo é de direito administrativo. Diante desse cenário, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífica no sentido de que a justiça competente para julgar qualquer direito relacionado à contratação do servidor nos casos do art. 37, IX, é sempre a Justiça Comum (estadual ou federal).
Ainda que haja autorização legal, mas se essa for genérica, a contratação temporária do servidor será irregular, de modo que o contrato será considerado nulo diante da ausência de prévio concurso público, cabendo ao trabalhador apenas o saldo de salário e o FGTS. Ao gestor público, é possível a responsabilização por improbidade administrativa, desde que seja comprovado o dolo.
Informações Sobre o Autor
Adriana Monteiro Espinheira
Analista Processual do Ministério Público da União lotada no Ministério Público do Trabalho de Foz do Iguaçu Pós-graduada em Ciências Criminais pela Fundação Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia