Resumo: A cidadania está cada vez mais vinculada ao consumo nas novas identidades. Considera-se primordialmente cidadão não mais o pertencimento a um estado, ou a um trabalho, mas ao consumo. O consumismo, alavancado com o supercapitalismo, avançou rapidamente. Novas identidades começaram a surgir. O cidadão agora retira seu conflito com a realidade, sua tensão com o mundo, através do consumo. Além disso, novas identidades são reconfiguradas. Novos estilos são extraídos. A cidadania, antes vinculada ao trabalho, agora pode ser vinculada aos pertences pela qual a pessoa utiliza. A cidadania baseada em um eu social e político declina. Este novo modelo é excludente, desigual, e traz consequências gravíssimas para o exercício da democracia.
Palavras-chave: Supercapitalismo. Identidades. Consumo. Cidadania.
Abstract: Citizenship is increasingly linked to consumption in new identities . It is considered primarily citizens not belonging to a state, or a job, but to consumption. Consumerism , leveraged with supercapitalism, moved quickly. New identities began to emerge. The citizen now removes its conflict with reality, its tension with the world, through consumption. In addition, new identities are reconfigured. New styles are extracted. Citizenship before linked to work, can now be linked to things for which a person uses. Citizenship based on a self, social and political, decline. This new model is exclusionary, unequal and brings extremely grave consequences for the exercise of democracy.
Keywords: Supercapitalism. Identities. Consumerism. Citizenship.
Sumário: Introdução. 1 Subjetividade individual e A Cidadania Privatizada. 2. A expansão do direito do consumidor. 3. Democracia, subjetividade e cidadania. Conclusão.
Introdução
A relação entre subjetividade, consumo e cidadania é muito mais conectada do que possa parecer. Identidade e cidadania estão diretamente ligadas, uma influenciando a outra. Defende-se a tese de que, à medida que o consumo cresce e o sujeito se identifica com esta faceta da personalidade, a questão da cidadania começou a transferir-se para um sujeito de consumo.
O papel de cidadão consumidor do sujeito mostra-se em alta. Como se observa, seus direitos crescem vertiginosamente e suas exigências vêm sendo atendidas com mais frequência. O senso de pertencimento, de identificação com o estado diminui, ao passo que com bens e produtos, aumenta.
A noção de cidadania acompanha e transita por onde a subjetividade é predominante. Consequentemente, a noção de cidadania está transformando-se em uma cidadania consumerista. Caso esta hipótese seja confirmada, alguns dos seus efeitos serão analisados, pois há um impacto direto na democracia.
A ausência da participação pode ser explicada pelos mais variados motivos. Entre estes, acredita-se que os sujeitos estão buscando a satisfação individual e privada das suas necessidades ante uma procura pelo interesse geral da comunidade.
1. Subjetividade individual e A Cidadania Privatizada
Galeano estabelece uma relação entre direitos e deveres no supercapitalismo e na sociedade consumerista. Ao consumir, há o passaporte para a cidadania, para exercê-la. Uma espécie de entrada em um novo círculo ou ambiente. Assim, estabelece o autor que “Na era cibernética, quando o direito à cidadania se fundamenta no dever do consumo, as grandes empresas espiam os consumidores e os bombardeiam com sua publicidade.” (2010, p. 274)
Sobre a relação entre cidadania e subjetividade, Boaventura Santos (2010, p. 255) dispõe que “apesar de todas as diferenças, o regresso do princípio do mercado nos últimos vinte anos representa a revalidação social e política do ideário liberal e, consequentemente, a revalorização da subjectividade em detrimento da cidadania.”
Para o autor, a subjetividade revalorizada é a subjetividade moderna, individualista, narcísica, agora amparada na figura do consumidor. Esta prevalece ante uma cidadania, que, no caso, é a cidadania política, construída a partir de um eu social.
Um dos efeitos desta nova etapa, onde a cidadania é vinculada ao consumidor, é que, ao adquirir os bens, produtos, serviços, isto é visto como uma vitória pessoal, uma conquista individual. O sujeito conseguiu alcançar, com sucesso, suas metas.
Estas não são vistas como um avanço da coletividade, ainda que o teor da vitória tenha a ver com direitos próprios a ela, como por exemplo o Direito a Saúde através da aquisição de um plano privado. Isto reproduz o individualismo e fortalece a subjetividade consumerista.
Não passa, portanto, a ser visto, como uma construção de um bem comum. Avanços em áreas coletivas, como a segurança pública, passam a ser buscadas em áreas privadas, dependendo do sucesso de cada um. Cada pessoa, em sua subjetividade individual predominante, busca então a satisfação e a realização de seus interesses particulares.
Isto enfraquece a outra visão, social, e com pouca utilização, esta passa a segundo plano. Não há, por exemplo, uma busca coletiva pela melhoria da saúde. A prioridade é a aquisição individual do plano privado. Assim:
“Quando se confundem cidadão e consumidor, a educação, a moradia, a saúde, o lazer aparecem como conquistas pessoais, e não como direitos sociais. Até mesmo a política passa a ser uma função do consumo. Essa segunda natureza vai tomando lugar sempre maior em cada indivíduo, o lugar do cidadão vai ficando menor, e até mesmo a vontade de se tornar um cidadão por inteiro se reduz.” (SANTOS, M., 2007, p. 155)
A extensão da cidadania, que era vinculada à extensão das ocupações determinadas por lei e através da ampliação dos benefícios adquiridos nas categorias profissionais, agora tem uma nova forma. Yúdice (2004, p. 228) demonstra:
“a extensão da cidadania pode ser ou em relação à diversidade segundo sua projeção na mídia e nos mercados de consumo, ou na exploração de imagens multiacentuadas de mercadorias a serviço das demandas e sonhos refratários ao status quo. “
Com a cidadania ancorada no consumo, há um retorno a uma tradição individualista, pois o próprio consumo visa satisfações individuais. A busca pelo bem comum, de projetos políticos, esbarra nesta noção.
A cidadania, que tem como necessidade a participação, encontra-se privatizada. As conquistas passam a ser próprias do sujeito: moradia, lazer, saúde, liberdades, entre tantos outros direitos. A coletividade, tanto na identidade quanto na cidadania, está marginalizada.
Através dos meios de comunicação, como rádio e televisão, muitos buscam respostas para problemas que deveriam ser exigidos pelas instituições, tais como denúncias de violência, falta de estrutura no local onde vivem e construção de obras inacabadas.
2. A expansão do Direito do Consumidor
Assim o Direito do Consumidor cresce vertiginosamente. Sua área de atuação se expande diariamente. Proteções e garantias são estabelecidas por inúmeros órgãos ou mesmo por força de lei. Assim, assume-se que há um lado mais vulnerável, o dos consumidores, que pode ser "facilmente" manipulado ou enganado pelo lado mais forte, no caso, as empresas. Assim corrobora Sodré (2007, p. 116):
“O direito do consumidor nasce na exata medida que ocorre a constatação de que na sociedade de consumo a atual a relação entre consumidores e fornecedores é uma relação fundada em desigualdade. O direito do consumidor teria como objetivo equilibrar esta relação”.
Esta mudança estabeleceu-se com mais força com a implantação do supercapitalismo. Como se observa, ocorreu uma nova relação entre as pessoas e as empresas, com o elevado poder destas na sociedade e na capacidade de influenciar o cotidiano das pessoas. Sodré (2007, p. 117) dispõe que a
“A construção da chamada proteção dos consumidores nos países do primeiro mundo foi um processo lento que começou no início do século XX, ganhou impulso após a segunda guerra mundial, com a explosão da chamada sociedade de consumo, e se consolidou somente nas décadas de 1970/1980.”
O autor mostra, em diversas leis e tratados, especialmente na comunidade europeia, a evolução da esfera de proteção ao consumidor. Mostra que na década de 50, por exemplo, não havia muitas proteções expressas. Demonstra como elas foram se constituindo até tornar-se tema central de políticas públicas, um fator ainda mais decisivo na economia.
O artigo 153 do Tratado de Roma sintetiza alguns dos princípios que foram conquistados com relação à defesa do consumidor. Observe:
“A fim de promover os interesses dos consumidores e assegurar um elevado nível de defesa destes, a Comunidade contribui para a protecção da saúde, da segurança e dos interesses económicos dos consumidores, bem como para a promoção do seu direito à informação, à educação e à organização para a defesa dos seus interesses.” (TRATADO, 1957, online)
Também a Resolução 39/248 da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, de 1985, estabelece alguns princípios similares aos do já mencionados no Tratado de Roma. Alguns são inovações. São eles: a possibilidade de compensação efetiva ao consumidor e a promoção de modalidades sustentáveis de consumo. Além disso, há uma politização do consumo no texto:
“As políticas de fomento do consumo sustentável devem ter em conta como objetivos a erradicação da pobreza, a satisfação das necessidades básicas de todos os membros da sociedade e a redução da desigualdade, tanto no plano nacional como nas relações entre os países.” (ONU, 1985, online)
Prossegue o autor dividindo a evolução do Direito do Consumidor no Brasil em 4 etapas, na qual a primeira é até 1930, onde não havia nenhuma disposição legal que mencione ou proteja o consumidor, apenas leis econômicas que indiretamente protegem o consumidor.
Em um segundo momento, de 1930 a 1960, onde o consumo ainda é pequeno. Começam a aparecer as primeiras proteções, mas ainda de forma indireta. De 1960 a 1985 ocorre um aumento significativo desta proteção. São criados órgãos que protegem a parte mais vulnerável e o Estado começa a garantir esses direitos.
O quarto momento, que ocorre desde 1985 e encontra seu ápice na contemporaneidade, há uma clara política de consumo, preocupação pública em proteger o consumidor, organizando um Sistema Nacional, onde a proteção dos direitos difusos e a atuação do Ministério Público estão em evidência, ainda favorecidos pela criação da Lei de Ação Civil Pública; momento em que há a criação do Código de Defesa do Consumidor, de 1990, e a Constituição Federal de 1988.
Há alguns artigos sobre consumo na Constituição de 1988: 5º, XXXII, 150 §5, 170 VI, 48 ADCT. Esses são os Diretos. Obviamente, há a proteção indireta, onde outras disposições protegem o consumidor. Além disso, não há de esquecer que há toda uma gama de normas e regulamentos infraconstitucionais que procuram igualar a relação entre as empresas e os consumidores.
A proteção ao consumidor é relevante na Constituição de 1988. Além de diversas passagens o protegendo, estabeleceu-se que deveria ser criado o Código de Defesa do Consumidor pelo Congresso Nacional em até 120 dias. Além disso, um dos princípios gerais da atividade econômica é a defesa do consumidor.
O direito ao consumo, há quem afirme, é um direito a cidadania. Ou seja, quem não tem o direito de consumir, está em uma cidadania incompleta. Afirma Slater (2002, p. 14), por exemplo, que
“Ao consumirmos rotineiramente, construímos identidades e relações sociais a partir de recursos sociais com os quais nos envolvemos como agentes sociais qualificados. Como o consumo tem se tornado um meio cada vez mais crucial de exercermos nossa cidadania no mundo social, as lutas pelo poder de dispor de forças e recursos materiais, financeiros e simbólicos tornaram-se fundamentais para a reprodução cultural do mundo cotidiano”.
A sociedade de consumo começa a ser observada, portanto, além dos meios intelectuais, implantando-se nas leis (vide o código do consumidor, dos anos 90, imensamente valorizado) e no Direito.
A exclusão do exercício de cidadania também pode ser percebida. Ao comprar, participar do mercado, se veem cidadãs, ganham status e direitos por estarem colaborando. Fazem, por isso, esforços para poder consumir e participar. Dados do Sistema de Proteção ao Crédito (SPC, 2014, online) estimam que 52 milhões de consumidores no Brasil não pagaram alguma conta nos últimos 5 anos.
Assim, buscam o reconhecimento de uma cidadania, a inclusão no sistema que a todo momento incentiva o consumo, não só através dos meios de comunicação, mas também por meios institucionais, como políticas públicas de fomento ao consumidor.
Portanto, ao observar a desigualdade, Barros (1995, p. 178) chega à conclusão que “não é em qualquer época ou a qualquer momento da história que se pode fazer esta dupla constatação: primeiro, de que a cidadania se monta na exclusão de uma parte, e, segundo, de que um novo pacto se impõe, sob pena do pior.”
No caso da cidadania consumerista, esta exclusão é visível. Apenas uma pequena parcela da população brasileira consegue consumir algo além da sobrevivência. Uma parcela considerável, ao menos para o século XXI, continua sem sequer atingir limites mínimos do que se pode chamar sobrevivência.
No Brasil, apelidado de “Belíndia”, convivem os ricos, que consomem e pagam tributos como na Bélgica, e os pobres, que vivem em condições sociais como a da Índia.
Esta diferença entre os incluídos/excluídos é fundamental para o supercapitalismo. Enquanto os excluídos buscam ingressar no consumo e, logo, na cidadania, os que já possuem essa cidadania buscam novos rótulos, novas identidades e novos direitos.
A publicidade e o marketing, em suas formas de divulgação contemporânea, reforçam essa ideia. Ou seja, consuma que você ganhará uma série de adjetivos simultaneamente, entre eles, o de cidadão.
Há produtos e serviços que são condições indispensáveis da cidadania:
“Mas o fato é que os pobres, além de não consumirem, ou justamente por que não consomem, estão fora das relações de reciprocidade, desintegrados. Retirar os pobres de sua condição é trazê-los para dentro das esferas sociais de oportunidades não só econômicas, mas educacionais, matrimoniais e de lazer”. (LIMA, 2010, p. 25)
O não consumo se põe como uma questão além da econômica. Os excluídos não deixam apenas de consumir produtos de luxo, mas também produtos que os faça exercer sua cidadania. Vários modos de exercê-la dependem de um consumo mínimo.
3. Democracia, subjetividade e cidadania
Não se pode falar em cidadania sem falar em relações sociais. Exercê-la, possuí-la, requer a participação coletiva. O modo como a sociedade se mantém, se constrói, interfere diretamente neste exercício. “A categoria da cidadania tem a ética como sendo o seu outro, de forma que pensar nas condições de possibilidade de cidadania implica em enunciar os fundamentos éticos da política e da sociabilidade.” (BIRMAN, 1995, p. 163)
A cidadania vinculada ao consumo reduz esta participação política, bem como este debate sobre as condições de possibilidade. Os fundamentos éticos da política e da sociabilidade ainda não encontraram um meio de discussão além do ambiente acadêmico.
Não há um debate contemporâneo que permita ao povo discutir as formas de construção da subjetividade, especialmente uma construção mais social, onde o exercício da cidadania tende a torna-se mais amplo. A Democracia prossegue, sem grandes avanços nesta área no Brasil, sem alterações que permitam uma maior ação política de seus membros. Sobre as transformações, Boaventura Santos sugere que a mudança deve partir de três setores, principalmente:
“O esforço teórico a empreender deve incluir uma nova teoria da democracia que permita reconstruir o conceito de cidadania, uma nova teoria de subjectividade que permita reconstruir o conceito de sujeito e uma nova teoria da emancipação que não seja mais que o efeito teórico das duas primeiras teorias na transformação da prática social levada a cabo pelo campo social da emancipação”. (SANTOS, B., 2010, p. 270)
As críticas às formas de exercer a política e ao individualismo predominante ainda são escassas, restritas principalmente ao meio acadêmico. Um amplo debate sobre mudanças ainda não se estabeleceu. Como a subjetividade contemporânea é priorizada no consumo, onde há um forte componente individual, as construções sociais em torno da cidadania política manifestam-se timidamente.
Quando a maioria da população sente-se mais incomodada ao comprar um produto defeituoso do que com milhões desviados de licitações, por exemplo, é hora de repensar a democracia. “A crise da participação politica decorre da visão utilitarista do cidadão de sua vida em sociedade. É uma crise que não é mais do que reflexo do atual universo ontológico dominado pelo homus economicus.” (D`AVILA, 2006, p. 21)
A democracia atravessa uma crise de legitimidade. A participação popular avança, mas a passos muito lentos. O exercício democrático, tão necessário para uma efetiva democracia, vê cidadãos ausentes da política.
A participação política está em decadência e não atinge patamares minimamente razoáveis. Não se pretende afirmar que é desnecessário ou mesmo errado a valorização da faceta de consumidor. Deve-se sim participar e continuar a exigir melhorias. Deve-se preservar esta cidadania, mas incrementada com uma política.
A Democracia requer que os sujeitos tenham uma identidade coletiva. Para uma democracia efetiva, a participação das pessoas é fundamental. Requer uma ação conjunta em busca do bem comum. E essa participação requer coesão, unidade. Então, como se pode observar:
“O vinculo político repousa, portanto, sobre uma consciência mais difusa de pertinência, tocando as próprias raízes de identidade individual e coletiva, que traduz o conceito de cidadania.
Conceito central e fundador, sobre o qual foi construído no ocidente o vínculo político e, para mais além, o liame social, a cidadania aparece como o verdadeiro cimento da sociedade, aquilo que liga os seus diferentes elementos constitutivos e lhe permite permanecer unida. Ora, a cidadania não mais se exterioriza como uma constatação evidente por si mesma, o que contribui para enfraquecer o alicerce da autoridade política.” (CHEVALLIER, 2009, p. 196)
Cortina (2009, p. 29) alerta para o fato de que para assegurar uma democracia sustentável, além de elaborar modelos e teorias racionais da justiça, é preciso “reforçar nos indivíduos seu sentimento de pertença a uma comunidade. Princípios e atitudes são igualmente indispensáveis.”
A cidadania encontra-se além do plano jurídico. Ela é permeada pelo plano ético, pela relação entre as pessoas e os grupos sociais. O modo como as pessoas se vêem e se comportam alteram esta relação. Uma visão de si enquanto sujeito social e político é essencial para o bom funcionamento democrático.
Desta forma os sujeitos poderão exercer seus direitos em busca do bem comum. Mais do que aguardar uma ação do Estado, ou uma buscar a satisfação exclusivamente no plano privado, a cidadania requer ação. É preciso que o sujeito se apodere da noção de bem público e dirima esta dualidade moderna entre público e privado, individual e coletivo para, então, buscar seus direitos.
Para um equilíbrio complementar entre o consumo e a cidadania, diversos autores apresentam propostas. Entre estas, está a possibilidade de um consumo político, consciente. Também há quem defenda um consumo sustentável, que mantenha as condições ambientais em estado satisfatório. Canclini (2010, p. 70) sugere que deve-se cumprir os seguintes requisitos:
“a) Uma oferta vasta e diversificada de bens e mensagens representativos da variedade internacional dos mercados, de acesso fácil e equitativo para as maiorias. b) informação multidirecional e confiável a respeito da qualidade dos produtos, cujo controle seja efetivamente exercido por parte dos consumidores, capazes de refutar as pretensões e seduções da propaganda. c) participação democrática dos principais setores da sociedade civil nas decisões de ordem material, simbólica, jurídica e política em que se organizam os consumos: desde o controle de qualidade dos alimentos até as concessões de estações de rádio e canais de televisão, desde o julgamento dos especuladores que escondem produtos de primeira necessidade até os que administram informações estratégicas para a tomada de decisões. “
Desta forma, os cidadãos tomariam decisões que colocasse o consumo em um lugar mais apropriado, equilibrado. Assim, a faceta de cidadão político teria mais preponderância e complementaria a de consumidor. O consumo poderia, ainda, ajudar os sujeitos a serem cidadãos políticos melhores, mais capacitados para sua atuação na organização da sociedade.
Conclusão
Portanto, é necessário uma nova forma de pensar o sujeito consumidor. Na esteira das mudanças, deve ele ser mais consciente, politizado, coletivo. As descobertas recentes devem ser levadas em consideração, postas em prática. Este deve redescobrir sua faceta de cidadão político, em uma caminhada na busca pelos seus direitos.
É essencial para o bom funcionamento da democracia que os cidadãos participem dela. Uma democracia em que os sujeitos não são cidadãos não há como existir satisfatoriamente. Na medida em que estes fortalecem seu papel, a democracia também ganha em qualidade.
Por isto, debater os rumos contemporâneos da cidadania é indispensável. As transformações são evidentes, restando saber se possibilitam uma melhor forma de cidadania ou um esvaziamento de seu conteúdo. A cidadania prioritariamente consumerista não aponta caminhos que favoreçam uma democracia participativa e material.
O consumo pode sim existir, desde que visto como mais um aspecto da sociedade, trabalhado de forma crítica e real, não sendo o grande “salvador de vidas ou realizador de sonhos” como por vezes é proposto, por seus adeptos e pelas mídias.
Isto corrobora com o que essa artigo propõe: uma cidadania ativa, envolvendo diversos aspectos, incluindo o aspecto consumerista, mas também todas as esferas da vida humana, como trabalho, meio ambiente, ética e comunidade.
Referências
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YÚDICE, George. A conveniência da cultura: usos da cultura na era global. Tradução de Marie-Anne-Kremer. Belo Horizonte: UFMG, 2004.
Informações Sobre os Autores
Felipe Meira Marques
Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza, Advogado, Psicólogo graduado pela UFC. Especialista em Processo Civil pela Unichristus
Marcus Mauricius Holanda
Doutorando em Direito Constitucional; Mestre em Direito Constitucional pela UNIFOR. Especialista em Direito do Trabalho e Processual Trabalhista pela Faculdade Christus. Advogado.