Resumo: O presente trabalho tem como objetivo analisar o embate entre dois posicionamentos acerca da natureza dos Direitos Humanos, o Relativismo e o Universalismo, procurando demonstrar os lados positivos e negativos em ambos, levando à uma possível solução da controvérsia. O estudo, mediante análise bibliográfica, discorre sobre o conceito de Direitos Humanos, sua evolução histórica, a caracterização do indivíduo como sujeito de direitos internacionais, o impacto da globalização na discussão apresentada, bem como as características de ambas as correntes estudadas. Por fim, apresenta possível solução ao empecilho que a existência de tais correntes apresenta, discorrendo acerca dos efeitos de tal solução.
Palavras-Chave: relativismo – universalismo – dignidade humana – cultura – acesso à justiça internacional – relativização das correntes.
Abstract: This paper aims the analysis of the clash between two positions about the nature of human rights, Relativism and Universalism, seeking to demonstrate the positive and negative sides in both, leading to a possible settlement of the dispute. The study, by literature review, discusses the concept of Human Rights, its historical development, the characterization of the individual as a subject of international rights, the impact of globalization on the discussion presented, as well as the characteristics of both chains studied. Finally, it presents a possible solution to the drawback that the existence of such currents has demonstrated, showing the effects of such a solution.
Keywords: Relativism – Universalism – human dignity – culture – access to international justice – relativization of currents presented.
Sumário: 1. Introdução. 2. Conceito de Direitos Humanos. 2.1. Conceito. 2.2. Princípios e Fontes dos Direitos Humanos. 2.2.1. Princípios da Universalidade, da Integralidade e da Indivisibilidade. 2.2.2. Fontes dos Direitos Humanos. 2.2.2.1. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 2.3. Objeivo. 2.4. Evolução histórica. 3. Indivíduo como sujeito de direitos internacionais. 4. Globalização. 5. Universalidade. 5.1. Críticas universalistas ao Relativismo. 6. Relativismo. 6.1. Críticas relativistas ao Universalismo. 7. A moderação entre as correntes. Conclusão. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho se propõe a discutir dois aspectos dos Direitos Humanos que se contrapõem: de um lado, a universalidade de tais direitos, caracterizada por sua capacidade de se imporem a todas as nações sem distinção, sob a fundamentação de terem por base valores de tal forma inerentes aos seres humanos, que se sobrepõem ao Estado e à cultura. De outro, está o multiculturalismo, defendido pelos relativistas, caracterizado pela coexistência de diversas culturas, culturas essas com seus Valores, Direito, Política, Economia e Ordem Social, diversos entre si e que, justamente por isso, entram em choque com a característica universal dos Direitos Humanos.
Em resumo, os problemas que se apresentam nessa área são: o discurso universalista, que se caracteriza como um discurso político, tratando-se de um empecilho à identidade cultural dos povos que rejeitam tal ponto de vista. Seria, por outro lado, o discurso relativista legitimador de práticas consideradas desumanas? Qual das duas correntes seria a mais correta na defesa dos Direitos Humanos?
É claro que, como em toda tese, existem aqueles que defendem a sobreposição da universalidade dos Direitos Humanos, como é o caso do jurista Antônio Augusto Cançado (1968), hoje Juiz da Corte Interamericana dos Direitos Humanos, em seu texto “Desafios e Conquistas do Direito Internacional dos Direitos Humanos no Início do Século XXI” e aqueles que defendem o multiculturalismo e a relativização dos Direitos Humanos, como o doutrinador português Boaventura de Souza Santos (1997) em seu texto “Uma Concepção Multicultural de Direitos Humanos” e ainda a autora Flávia Piovesan (2009), em seu texto “Direitos Humanos: desafios e perspectivas contemporâneas”.
Nesse trabalho tentar-se-á tecer uma proposta para a possível solução do problema. Serão apresentados os conceitos e as discussões essenciais ao desenvolvimento da tese e, ao final, será apresentada a proposta a que for possível chegar, a partir de uma pesquisa eminentemente bibliográfica.
Lendo-se a Declaração Universal dos Direitos Humanos, são várias as dúvidas que surgem. A mais frequente é “e de onde virá a proteção, caso essa norma seja desrespeitada?”. O documento trata de várias instituições sociais: trata da família, do casamento, do trabalho, da arte, da educação, da segurança social. Mas, a leitura mais atenta de seu conteúdo revela que o ponto de vista da diversidade cultural é tratado apenas uma vez e, ainda assim, com outro enfoque, que não o discutido neste trabalho. É o que se nota no art. 27 da Declaração, que diz:
“Artigo 27. 1. Todo ser humano tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do processo científico e de seus benefícios.”
Nota-se, então, que a Declaração resguarda, tutela o direito da participação da vida cultural, porém, não especifica como tal proteção deverá ser realizada na prática. Seria possível, então, que tais normas fossem adaptadas a cada região, a cada cultura específica? Vejamos o art. 16 da referida Declaração:
“Artigo 16. 2. O casamento não será válido senão com o livre e pleno consentimento dos nubentes.”
É sabido que, ainda hoje, em vários países, como, por exemplo, na Índia, existem casamentos arranjados entre as famílias. E se um dos nubentes não quiser se casar? Haverá proteção a ele por parte da ONU? Como? E se houvesse, não seria uma violação do art. 12 da Declaração, que proíbe interferências na vida privada e em família?
São várias as vezes, ao longo da leitura do documento, em que nos deparamos com perguntas técnicas tais como as demonstradas até agora. E a conclusão a que se chega é a de que a Declaração dos Direitos Humanos não serve para nada mais do que enumerar quais seriam os direitos a serem respeitados caso todas as sociedades fossem justas, igualitárias, com um bom nível de desenvolvimento social e econômico, ou seja, idealmente perfeitas.
Seria uma solução, então, que se fizesse uma nova Declaração, mais prática, mais realista, que levasse em consideração todos os aspectos das diferentes nações, culturas, regiões? Talvez não. Seria o caso, então, de fortificar o órgão de aplicação de tais leis, para que ele obtivesse autonomia suficiente para defender os Direitos Humanos, interferindo na autonomia dos Estados, facilitando o acesso das pessoas físicas à Justiça Internacional? Seria tal ação de competência da ONU?
E se cada país possuísse uma comissão de Direitos Humanos, designada pela ONU? É claro que a criação de tal organismo deveria ser ratificada pelos Estado que integram a Organização, mas isso resolveria o problema? E se a esse órgão fosse delegada parte suficiente da jurisdição Estatal, como poder vertical, concorrente, que lhe permitisse intervir em casos concernentes aos Direitos Humanos sem tirar do próprio Estado tal poder? Tal órgão poderia ser composto por funcionários da ONU e do Estado em que se instala, de tal forma a ter sempre em mente os Direitos Humanos de forma aculturada, respeitando também a cultura e o ponto de vista regional. Seria razoável que os Estados concordassem com essa prática? Seria um ato invasivo? É o que tentaremos discutir a seguir.
Em primeiro lugar, faz-se importante determinar o conceito de Direitos Humanos. O tópico a seguir tratará de fazê-lo.
2. CONCEITO DE DIREITOS HUMANOS
A limitação do objeto de estudo e de proteção dos Direitos Humanos se faz essencial ao início deste trabalho. Toda a discussão aqui proposta girará em torno deste conceito e do que ele representa dentro de cada sistema cultural existente hoje no mundo. Significa dizer que podem existir várias formas de se encarar os Direitos Humanos e várias formas de impacto que esta interpretação pode gerar na cultura que a incorpora.
2.1. Conceito
Direitos Humanos são aqueles pertinentes a todos os seres humanos, independentemente de cor, raça, religião, sexo, riqueza ou nacionalidade. São direitos que cuidam dos aspectos essenciais à caracterização do homo-sapiens, um animal, como Ser Humano. Direitos como a dignidade, a liberdade, a vida e a segurança, que ditam a forma como devemos nos olhar uns aos outros, com respeito e reconhecimento. Esses direitos são ditados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, lançada pela ONU (Organização das Nações Unidas) no ano de 1948, ratificada por todos os Países-Membros da entidade. Hoje, tal Declaração é amplamente aceita como a ferramenta fundamental dos Direitos Humanos, a serem protegidos e respeitados por todos.
O professor José Luiz Quadros (2011) define o estudo dos Direitos Humanos como “(…) o estudo integrado dos direitos individuais, sociais, econômicos e políticos fundamentais (…)”, classificando os grupos que os caracterizam em seguida. O primeiro grupo diz respeito aos Direitos individuais, sendo aqueles relativos essencialmente à liberdade do homem, à vida, à segurança, à propriedade e à igualdade. O segundo, são os Direitos Sociais, relativos à Educação, à Assistência Social, ao Trabalho, ao Transporte, ao Lazer, à Saúde e à Previdência, sendo exigida prestação positiva por parte do Estado, no sentido de fornecer tais serviços à comunidade. O terceiro, por sua vez, diz respeito aos Direitos Econômicos, caracterizados como o direito ao pleno emprego, o direito ambiental, o direito ao transporte integrado à produção e os direitos do consumidor, protegendo, então, direitos individuais, coletivos e difusos. Por fim, o quarto grupo traduz os direitos políticos, que caracterizam o direito à participação popular no poder do Estado, que resguarda a vontade manifestada pelo eleitor. Diferentemente dos outros grupos, este último determina requisitos a serem preenchidos pelo cidadão para que se torne apto a exercer tais direitos.
É interessante notar, como proposto pelo mencionado professor, que os Direitos Humanos possuem dois aspectos: formal e material. O aspecto formal dos Direitos Humanos diz respeito à sua positivação nas leis de um Estado, sendo garantidos, assim, nas Constituições. O aspecto material, por sua vez, diz respeito ao âmbito valorativo dos Direitos, relacionando-os a valores preexistentes, produtos das culturas de cada povo.
É importante, ainda, ressaltar a existência dos Direitos Humanos entendidos no âmbito do Direito Interno e do Direito Internacional.
Os Direitos Humanos, vistos sob a ótica do Direito Interno de cada nação, dizem respeito aos direitos defendidos de forma nacional, fruto da incorporação das normas dos Tratados Internacionais ao Ordenamento Jurídico Interno. Tais direitos, apesar de defensáveis em primeira mão pelo Estado, são objeto também de defesa pelo Direito Internacional, posto que, como veremos, este possui a capacidade de intervir no âmbito jurídico interno para defender os Direitos Humanos violados, quando o próprio Estado não o faz.
Por sua vez, o Direito Internacional no âmbito dos Direito Humanos, como define Antônio Augusto Cançado (1968), seria o corpus juris de salvaguarda do ser humano que adquire autonomia, como se pode perceber no trecho que se segue:
“(…) o corpus juris de salvaguarda do ser humano, conformado, no plano substantivo, por normas, princípios e conceitos elaborados e definidos em tratados e convenções, e resoluções de organismos internacionais, consagrando direitos e garantias que têm por propósito comum a proteção do ser humano em todas e quaisquer circunstâncias, sobretudo em sua relação com o poder público, e, no plano processual, por mecanismos de proteção dotados de base convencional ou extraconvencional, que operam essencialmente mediante os sistemas de petições, relatórios e investigações, nos planos tanto global como regional. Emanado do Direito Internacional, este corpus juris de proteção adquire autonomia, na medida em que regula relações jurídicas dotadas de especificidade, imbuído de hermenêutica e metodologias próprias”. (CANÇADO, 1968 p. 412)
Do trecho destacado extraem-se algumas características do Direito Internacional relativas aos Direitos Humanos que o contrapõem ao Direito Interno. A primeira delas, e a mais significativa, é a de que os Direitos Humanos têm por fim, no âmbito internacional, defender o ser humano, inclusive e principalmente, dos abusos de seu próprio Estado. Em seguida, nota-se a já mencionada capacidade de intervenção deste Direito no âmbito nacional, quando o autor determina que são possíveis as petições, os relatórios e as investigações tanto no plano global quanto no regional.
Este é, portanto, o enfoque do Direito que nos interessará neste trabalho, posto que é certamente a influência global de tais direitos que aqui nos será pertinente. Logo, daqui em diante, este será sempre o Direito a que se refere o texto, qual seja, o direito pertinente à existência e à condição humanas frente à sociedade mundial.
Um posicionamento interessante sobre o conceito dos Direitos Humanos que vale a pena mencionar é aquele esboçado por Jürgen Habermas (1997) em seu trabalho em que discute a relação entre Direito, Moral e Política. Após longa análise, em cujo mérito este trabalho não se aprofundará, Habermas conclui que o entendimento dos Direitos Humanos sob uma fundamentação exclusivamente jurídica é questionável, posto que tais direitos necessitam de fundamentações também morais e políticas a fim de que se determine o fim a que se prestam. Partindo de tal entendimento, Habermas declara que Direitos Humanos e soberania do povo se pressupõem mutuamente, ou seja, determina não ser possível uma Democracia sem tais direitos como alicerce da legitimidade dos poderes daqueles que governam, ligando a detenção de direitos à cidadania.
“Os direitos do homem, fundamentados na autonomia moral dos indivíduos, só podem adquirir uma figura positiva através da autonomia política dos cidadãos. O princípio do direito parece realizar uma mediação entre o princípio da moral e a democracia. Contudo, não está suficientemente claro como esses dois princípios se comportam reciprocamente.” (HABERMAS, 1997, p.127)
Mais adiante em seu raciocínio, Habermas considera a importância do conceito de dignidade humana na classificação dos Direitos Humanos. Para ele, a dignidade humana torna-se a fonte moral da qual se nutrem os conteúdos de todos os direitos fundamentais, justificando, assim, sua indivisibilidade.
Uma vez entendido o conceito, é mister o estudo dos princípios e das fontes dos Direitos Humanos, de modo a melhor compreender seu surgimento e funcionamento. Sendo assim, passamos ao tratamento de tal assunto.
2.2. Princípios e Fontes dos Direito Humanos
2.2.1. Princípios da Universalidade, da Integralidade e da Indivisibilidade
Caracterizados como os princípios básicos dos Direitos Humanos nos textos de Antônio Augusto Cançado (1968), os princípios da universalidade, da integralidade e da indivisibilidade dos direitos protegidos pelas autoridades e inerentes à pessoa humana são sempre citados nos textos do tema, além do princípio da complementariedade dos sistemas e mecanismos de proteção.
Sobre o princípio da universalidade, este será discutido no capítulo 5, haja vista a sua importância. Logo, fica-lhe reservado um capítulo posterior.
O princípio da integralidade, por sua vez, defende formarem, os Direitos Humanos, uma totalidade, uma completude composta pelas leis que os defendem nacional e internacionalmente.
O princípio da indivisibilidade defende que os Direitos Humanos são constituídos dos direitos civis e políticos juntamente com os direitos sociais, econômicos e culturais. Segundo Flavia Piovesan:
“Foi a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 que introduziu, ineditamente, uma linguagem renovada aos Direitos Humanos. Pela primeira vez, o catálogo dos direitos civis e políticos é conjugado ao elenco dos direitos sociais, econômicos e culturais. A Declaração afirma que sem liberdade não há igualdade possível e, por sua vez, sem igualdade, não há efetiva liberdade. Consolida a concepção contemporânea de Direitos Humanos, que estabelece a natureza indivisível, interralacionada e interdependente desses direitos.” (PIOVESAN, 2003)
Por fim, o princípio da complementaridade entre os sistemas e os mecanismos de proteção aos Direitos Humanos, que, como o próprio nome diz, determina a cooperação entre as formas de proteção destes direitos, para que sua abrangência seja da maior área possível.
A seguir, a abordagem diz respeito às fontes dos Direitos Humanos, como já dito, importantes à compreensão do surgimento e de como funcionam esses direitos.
2.2.2. Fontes dos Direitos Humanos
Quanto às fontes dos Direitos Humanos cite-se, mais uma vez, os ensinamentos de Antônio Augusto Cançado, atual juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos:
“Sua fonte – dos Direitos Humanos – material por excelência reside, em meu entender, tal como tenho desenvolvido em meus escritos e meus numerosos Votos no seio da Corte Interamericana de Direitos Humanos, na consciência jurídica universal, responsável em última análise pela evolução de todo o Direito na busca da realização da Justiça.” (CANÇADO, 1968, p. 412)
Por “consciência jurídica universal” o autor defende a noção mundial que os cidadãos devem ter sobre o caráter primordial e essencial desempenhado pelos Direitos Humanos tanto em suas vidas privadas, quanto em sua relação com o Estado sob que vivem e ainda na comunidade global em que estão inseridos. Logo, entende-se que a fonte material dos Direitos Humanos, segundo o autor, reside na consciência globalizada da necessidade de se defender, de todas as formas possíveis, os seres humanos.
As fontes formais desses direitos, por sua vez, são os tratados e as resoluções consagradas no âmbito internacional, que defendem os princípios gerais das construções jurisprudencial e doutrinária e o juízo de equidade. É importante ressaltar a coexistência de múltiplos instrumentos internacionais de proteção, de conteúdo e efeitos jurídicos diversos, além de distintos alcances geográficos, mas interligados pelo propósito a que servem, de proteção dos seres humanos.
Os principais precedentes históricos da internacionalização dos Direitos Humanos registrados pela doutrina são o Direito Humanitário, a criação da Liga das Nações e a criação da Organização Internacional do Trabalho, sendo os marcos definitivos a criação da ONU – Organização das Nações Unidas, em 1945, e a proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948.
Os principais tratados de Direitos Humanos do sistema global são: o Pacto dos Direitos Civis e Políticos (1966), o Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1976), a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial (1965), a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher (1979), a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (1984) e a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2006).
2.2.2.1. Declaração Universal dos Direitos Humanos
Em se tratando da Declaração Universal dos Direitos Humanos, documento considerado básico no sistema de proteção internacional dos Direitos Humanos, existem certos pontos a serem ressaltados.
Quando se lê tal documento, tendo em vista a discussão relacionada à aplicação universal ou regional dos Direitos Humanos nota-se, ao longo do texto, a característica fortemente universal tomada pela Declaração. Alguns pontos que chamam atenção em relação a tal característica inclusive já foram citados na introdução deste trabalho, como os artigos 16 e 27 que tratam, respectivamente, do casamento e do direito à participação na vida cultural da sociedade em que o individuo estiver incluído. Ressalte-se, ainda, que o texto deste documento iguala os chamados blue rights – os direitos civis e políticos – aos red rights – os direitos sociais, econômicos e culturais – tornando-os, aos mesmo tempo, interdependentes entre si.
Importante ressaltar, no entanto, que a Declaração Universal dos Direitos Humanos não é formalmente um tratado. A Declaração é, na verdade, uma resolução da Assembleia Geral da ONU e, portanto, não é formalmente vinculante, podendo-se afirmar ainda que integra o chamado soft law, que caracteriza os textos internacionais que são desprovidos de caráter jurídico em relação aos seus signatários, sendo facultativa, portanto, a obediência aos mesmos.
Entendidos os princípios e as fontes dos Direitos Humanos, a seguir, discute-se os objetivos desta dissertação.
2.3. Objetivo
Como já mencionado anteriormente, os Direitos Humanos têm por objetivo defender, em nível internacional, os direitos dos cidadãos como seres humanos. Tais direitos consistem em um conjunto de normas e de órgãos internacionais que visa proteger e promover a dignidade humana em caráter universal, contando assim com um aspecto normativo e um aspecto institucional que garantem o seu funcionamento. Exemplos de tais direitos a serem defendidos, a todo custo, pela Ordem Internacional são a dignidade humana, a liberdade, a integridade física, entre outros.
Interessante destacar acerca do objetivo dos Direitos Humanos – e aqui reside a questão chave deste trabalho – é que, não só a interpretação dos direitos dos cidadãos como seres humanos, bem como a interação Direito Nacional x Internacional, variam, sim, de acordo com a cultura de cada povo e existem hoje posições absolutamente antagônicas a esse respeito. Existem aqueles, como o já mencionado Antônio Augusto Cançado (1968), que defendem que os Direitos Humanos devem ser, a qualquer custo, universais, posto que defendem valores universais, independentemente do que acredite cada cultura. Há aqueles, no entanto, que defendem que o Direito Internacional como um todo, e não apenas os Direitos Humanos, tem de tomar cuidado com sua aproximação, principalmente com as culturas orientais, posto que estas se conduzem de modo diferente, possuem valores diferentes. Não que não se deva defender os Direitos Humanos em tais regiões, mas que a forma com que essa defesa seja feita deva levar em consideração as diferenças regionais e culturais ali existentes. É o caso do autor Boaventura de Souza Santos (1989).
Passa-se, então, ao tratamento da evolução histórica dos Direitos Humanos, de modo a entender seu surgimento e o seu significado na organização mundial.
2.4. Evolução Histórica
Um aspecto importante, reconhecido por muitos dos estudiosos da área, como Flávia Piovesan, Antônio Augusto Cançado, Boaventura de Souza Santos, entre outros, diz respeito à característica histórica dos Direitos Humanos. Todos que se ocupam dos estudos destes direitos concordam serem esses fruto de dada época, de certos acontecimentos. É o que pode se entender do seguinte trecho do texto “Direitos Humanos: Desafios e Perspectivas Contemporâneas” de Flávia Piovesan:
“Para Hannah Arendt, os direitos humanos não são um dado mas são um construído, uma invenção humana em constante processo de construção e reconstrução. Compõe esse construído axiológico, fruto da nossa história, do nosso passado, do nosso presente, a partir sempre de um espaço simbólico, de luta e ação social.” (PIOVESAN, 2009, p.1)
Dessa forma, importante tratar da evolução histórica dos Direitos Humanos, e então passamos a tratar deste tema.
O capitalismo, ordem econômica vigente desde o século XVIII, exerce grande influência no desenvolvimento dos ideais modernos e, por consequência, dos Direitos Humanos. Isso, claro, nos países mais desenvolvidos. Tal desenvolvimento, como descrito por Boaventura de Souza Santos em seu artigo intitulado “Os Direitos Humanos na Pós-Modernidade” (1989), pode ser dividido em três períodos: o período do capitalismo liberal, no século XIX; o período do capitalismo organizado, que se inicia no final do século XIX e se prolonga até o fim da década de sessenta; e o período do capitalismo desorganizado, que se inicia então e se prolonga até os dias de hoje.
O primeiro período, que tomou conta do século XIX, ocupou-se da expansão e da consolidação dos direitos civis e políticos, graças ao surgimento do Estado liberal e seu aspecto fortemente democrático. Tais direitos e seus respectivos ganhos civis deram-se em virtude das lutas sociais conduzidas pelos trabalhadores, à época, características deste período. Esses são os Direitos Humanos conhecidos como os de primeira geração.
O período seguinte é dominado pela conquista dos direitos sociais e econômicos e a transformação do Estado liberal em Estado social de direito. Estes são, então, os chamados direitos humanos de segunda geração.
Por fim, no período do capitalismo desorganizado, que perdura até hoje, começaram a se desenvolver os direitos humanos de terceira geração, os chamados direitos culturais. Além disso, e contraditoriamente, ocorre também nesta época a discussão acerca dos direitos conquistados no período do capitalismo organizado, os mencionados direitos de segunda geração.
O mencionado autor segue ainda para a conclusão de que o desenvolvimento dos Direitos Humanos esteve sempre ligado ao do capitalismo:
“Se analisarmos com mais detalhe o conteúdo dos direitos humanos nestes três períodos, verificamos que as conquistas efetivamente consolidadas, apesar da sua aspiração universalista, estiveram subordinadas às exigências do desenvolvimento do capitalismo nos países centrais na medida em que procuram confrontar as suas consequências e não as suas causas.” (BOAVENTURA, 1989, p.04)
Outro ponto de destaque (ponto este ainda defendido no mencionado texto supracitado) são as desigualdades destacadas pelo autor, contra as quais se insurgem as lutas sociais e se contrapõem os direitos humanos conquistados.
O autor delimita três formas específicas de desigualdade, contrapostas claramente às três gerações de direitos humanos. São elas: a desigualdade política, que se traduz na dominação; a desigualdade sócio-econômica, que se traduz na exploração; e a desigualdade simbólico-cultural, que se traduz, finalmente, na alienação.
Em defesa dos direitos humanos, então, surgem as já mencionadas lutas sociais, que defendem respectivamente em cada período a liberdade, a igualdade, a autonomia e a subjetividade, valores democráticos que se fortificavam com o avanço em direção à democracia e ao Estado democrático de direito.
Como destaca Flávia Piovesan (2009), as Guerras Mundiais tiveram grande influência na criação dos Direitos Humanos. Os horrores passados durante tais períodos da história humana serviram para, ao final de tais momentos, incutir no pensamento internacional a necessidade de se criar e proteger direitos humanos. E assim conclui: “É neste cenário que se vislumbra o esforço de reconstrução dos direitos humanos, como paradigma e referencial ético a orientar a ordem internacional.” (PIOVESAN, 2009, p.5)
Neste contexto, de internacionalização dos Direitos Humanos, faz-se importante ressaltar a crescente relevância dada aos cidadãos no âmbito mundial. Parte-se, então ao tratamento da figura do indivíduo no âmbito do Direito Internacional.
3. INDIVÍDUO COMO SUJEITO DE DIREITOS INTERNACIONAIS
Característica da organização internacional pós Segunda Guerra Mundial, a crescente relevância do indivíduo nas relações internacionais vem tomando cada vez mais espeço nos debates internacionais.
A princípio, as relações internacionais eram tidas apenas entre Estados. Sendo assim, o Direito Internacional se ocupava de regulamentar apenas os acontecimentos entre Nações, em áreas primordialmente como a economia e a política.
Com o passar dos anos e com o advento das Guerras Mundiais, notou-se a importância de se regulamentar não só as relações entre os governos, mas também as relações dos governos com seus cidadãos. Através de todo o sofrimento causado em escala mundial pelas mencionadas guerras, percebeu-se que não era mais suficiente à proteção das pessoas que o Direito Internacional se ocupasse somente das áreas política e econômica, mas também da social. Dessa forma, os cidadãos se tornam agora dotados de personalidade e capacidade jurídica internacionais, surtindo efeito nos rumos do Direitos Internacional Público.
A nova amplitude dada aos Direitos Internacionais significa que desde então as pessoas seriam capazes de recorrer diretamente a órgãos internacionais quando sofressem abusos, independente de terem recorrido previamente a seu próprio Estado. Essa medida tem como objetivo proteger as pessoas inclusive de seus próprios governos. É claro, portanto, o impacto de tal característica no âmbito dos Direitos Humanos. Agora, os cidadãos que sofressem abuso por parte de autoridades governamentais poderiam recorrer a órgãos internacionais e ter seus direitos reconhecidos, preservados e protegidos em âmbito mundial.
O autor Antonio Augusto Cançado assevera que os indivíduos são sujeitos de direitos tanto interno quanto internacional, como se nota em seu texto:
“O tratamento dispensado aos seres humanos pelo poder público não é mais algo estranho ao Direito Internacional. Muito ao contrário, é algo que lhe diz respeito, porque os direitos de que são titulares todos os seres humanos emanam diretamente do Direito Internacional. Os indivíduos são, efetivamente, sujeitos do direito tanto interno como internacional. E ocupam posição central no âmbito do Direito Internacional dos Direitos Humanos, sejam ou não vítimas de violações de seus direitos internacionalmente consagrados.” (CANÇADO, 1968, p. 431)
Tal citação confirma o dito até agora, destacando a relevância do direito do homem no contexto internacional e a importância disso no âmbito dos Direitos Humanos. E o autor continua, esclarecendo e justificando a nova posição tomada pelos cidadãos na ordem internacional:
“Dada, pois, a capacidade do indivíduo, tanto para mover uma ação contra um Estado na proteção de seus direitos, como para cometer delito no plano internacional, não há como negar sua condição de sujeito do Direito Internacional.” (CANÇADO, 1968, p. 452)
Tudo isso para mostrar a importância do homem no cenário internacional, justificando, assim, os debates acerca da natureza dos Direitos Humanos apresentados adiante neste trabalho. Além disso, tal perspectiva responde à questão inicialmente levantada acerca da autoridade a quem recorrer quando da violação dos Direitos Humanos.
Além disso, como afirma José Luiz Quadros (2011) em seu texto, é necessário que haja uma forma de coerção internacional que seja aplicável a casos de descumprimento ou violação dos Direitos Humanos. É o que se nota no trecho:
“(…) para que exista uma eficácia desses princípios contidos nas declarações internacionais, e estes se tornem princípios jurídicos independentes de vontade do Estado, são necessários meios de coerção eficazes postos à disposição dos Tribunais Internacionais, o que tem evoluído, mas não de maneira uniforme no mundo.” (QUADROS, 2011, p.4)
Dessa maneira se apresenta o indivíduo como sujeito de direitos no âmbito internacional, de modo a garantir seus direitos independentemente do Estado. Apesar do avanço no campo de proteção do homem, os instrumentos de coerção ainda se mostram limitados, posto que ainda que aquele cujo direto foi violado recorra a entidades internacionais, a intervenção destas em territórios nacionais ainda é precária e deve ser feita com cautela, de maneira que a proteção às pessoas se torna frágil. Inegável, no entanto, o avanço representado pela atribuição de direitos ao homem no cenário mundial.
Neste contexto de internacionalização do cidadão, importante o estudo do fenômeno da globalização, responsável pela maior interligação entre os Estados do mundo. Sendo assim, passa-se ao tratamento deste assunto.
4. GLOBALIZAÇÃO
Do ponto de vista estritamente técnico, Globalização se caracteriza como um processo de integração social, econômica e cultural entre as diferentes regiões do planeta. Tal processo teve início a partir do pós-guerra da Segunda Guerra Mundial. Nesse momento, a sociedade notou que para sua sobrevivência seria necessário cultivar as relações internacionais não só no âmbito político, como também no social, percebendo a discrepância existente com relação aos direitos dos cidadãos nos diversos países. Surgiram então os documentos, existentes até hoje, defensores dos Direitos Humanos, dos quais diversos países foram e são signatários.
Com o desenvolvimento da internacionalização dos Direitos Humanos, tem-se início o debate entre aqueles que defendiam a aplicação de direitos universais e aqueles, ao contrário, que defendiam direitos que levassem em conta as particularidades das culturas e regiões do mundo.
Sobre o processo de globalização, interessante ressaltar o ponto de vista do autor Boaventura de Souza Santos (1997), que conceitua quatro formas de globalização, a saber:
A primeira, chamada globalismo localizado, se caracteriza pelo impacto específico de práticas e imperativos transnacionais nas condições locais. Segundo Boaventura, os países menos desenvolvidos são especialistas nesta forma de globalização.
Em seguida, existe o chamado localismo globalizado, que se caracteriza, ao contrário da primeira forma, como a imposição de características regionais ao resto do mundo. Nesta forma se especializam os países mais desenvolvidos.
A terceira forma é chamada cosmopolitismo, definição mais atual e que se caracteriza como a oportunidade dos países, das regiões, das classes ou dos grupos sociais de se organizarem em defesa de interesses comuns, usando em seu benefício a interação transnacional.
Por fim, a quarta forma de globalização ficou reconhecida como o patrimônio da humanidade, caracterizada pela emergência de temas que são tão globais como o próprio planeta, graças a sua natureza.
Estando assim bem definido o movimento da globalização em seus vários aspectos, parte-se à discussão do princípio da universalidade inserido em tal contexto.
5. UNIVERSALIDADE
O princípio da universalidade dos Direitos Humanos defende a aplicação de tais direitos de maneira homogênea e mundial, tendo por fundamento a dignidade da pessoa humana, característica inerente a sua condição de ser humano. Muito disso é devido ao fenômeno relativamente recente da globalização, que se faz, assim, de suma importância ao tema, aliado à flexibilização da soberania estatal. Note-se, ainda, que tal característica se originou, tendo em vista ter sido, como já mencionado, a Declaração Universal de 1948 escrita na época pós Segunda Guerra Mundial, do rechaço feito à doutrina nazista, segundo a qual apenas era cidadãos, sujeitos de direitos, aqueles que pertencessem à raça pura ariana.
Passa-se, então, ao tratamento de um dos pontos chave da discussão proposta neste trabalho. Este é um dos lados da moeda de que se compõe a tese em questão.
Aqueles autores, como Antônio Augusto Cançado Trindade, que defendem o princípio da universalidade dos Direitos Humanos não reconhecem regionalismos e afirmam ser imperativa a defesa destes direitos de forma homogênea e igualitária em todos os países e regiões do mundo, como afirma o mencionado jurista em seu texto “Desafios e Conquistas do Direito Internacional dos Direitos Humanos no início do século XXI” (1968). Propõem a existência de um “mínimo ético irredutível”, caracterizado por um grupo de Direitos Humanos tidos como inerentes à condição de ser humano e, para tanto, aplicável a todos, independentemente de raça, cor, nacionalidade ou religião, como também defendem as autores Marília Ferreira da Silva e Erick Wilson Pereira. Segundo tais argumentos:
“(…) em havendo valores comuns compartilhados por toda a humanidade, simplesmente por serem todos homens, por natureza, é imposição da pós-modernidade que alcancem a evolução de seus direitos de modo a se compatibilizarem com todo o mundo, sem levar em consideração particularismos nacionais ou regionais, bases religiosas ou culturais, em virtude de que a essência humana é a mesma em qualquer circunstância, é universal.” (FERREIRA DA SILVA, Marília e WILSON PEREIRA, Erick; 2013, p. 10)
De forma a exemplificar o ponto de vista dos chamados universalistas, segue transcrição de um trecho do referido jurista em seu texto “Desafios e Conquistas dos Direito Internacional dos Direitos Humanos no início do sec. XXI”, em que ele defende ser a universalidade característica intrínseca, essencial aos Direitos Humanos:
“(…) a universalidade dos direitos humanos decorre de sua própria concepção, ou de sua captação pelo espírito humano, como direitos inerentes a todo ser humano, e a ser protegidos em todas e quaisquer circunstâncias. Não se questiona que, para lograr a eficácia dos direitos humanos universais, há que tomar em conta a diversidade cultural, ou seja, o substratum cultural das normas jurídicas; mas isto não se identifica com o chamado relativismo cultural. Muito ao contrário, os chamados “relativistas” se esquecem de que as culturas não são herméticas, mas sim abertas aos valores universais, e tampouco se apercebem de que determinados tratados de proteção dos direitos das pessoa humana já tenham logrado aceitação universal.” (CANÇADO, 1968, p.418)
Fica claro, assim, o ponto de vista do autor sobre a universalidade dos direitos humanos e sua relação com a diversidade cultural. Leva, assim, a entender que a internacionalização dos Direitos Humanos implica, inevitavelmente, na universalidade dos mesmos.
Sobre a globalização, o autor também dá seu parecer, segundo o qual, a mesma seria culpada de movimentos negativos na sociedade mundial, como a xenofobia e os nacionalismos:
“(…) a própria “globalização” da economia gera um sentimento de insegurança humana, além da xenofobia e dos nacionalismos, reforçando os controles fronteiriços e ameaçando potencialmente a todos os que buscam ingresso em outro país.” (CANÇADO, 1968, p.424)
Questão, inclusive, bastante pertinente nos dias de hoje, com os refugiados da Síria. O autor ainda continua, demonstrando ainda mais pontos negativos da globalização nos dias atuais, destacando sua influência sobre a relação dos Estados com seus cidadãos:
“Assim, contraditoriamente, a chamada “globalização” econômica tem sido acompanhada pela alarmante erosão da capacidade dos Estados de proteger os direitos econômicos, sociais e culturais dos seres humanos sob suas respectivas jurisdições.” (CANÇADO, 1968, p.424)
Até então foram definidos dois desafios à universalidade dos Direitos Humanos: o relativismo cultural, visto pelo autor como barreira à expansão dos direitos humanos, e a globalização, que tem corroído a capacidade de defesa dos Estados dentro de suas próprias jurisdições, o que acaba, por fim, por justificar a intervenção do Direito Internacional no âmbito nacional.
Cançado justifica seu ponto de vista baseando-se na existência de valores relativos aos Direitos Humanos, já mundialmente aceitos e consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que, portanto, não afetariam as culturas da forma repelida pelos relativistas:
“Ao longo de todo esse tempo, tornou-se claro que, com a consagração dos direitos humanos no plano internacional, não se tratava de impor uma determinada forma de organização social, ou modelo de Estado, tampouco uma uniformidade de políticas, mas antes de buscar comportamentos convergentes quanto aos valores e preceitos básicos consagrados na Carta Internacional dos Direitos Humanos.” (CANÇADO, 1968, p.414)
Entende-se, então, que o que defende o autor é a congruência de ações tomadas pelos Estados na defesa dos Direitos Humanos consagrados internacionalmente, e não uma imposição ou interferência direta em seus costumes.
Jürgen Habermas, ainda que de forma menos acentuada, também discute em seus trabalhos a universalidade dos Direitos Humanos. No desenvolvimento de seu raciocínio a respeito do tema, Habermas (1997), em seu texto a respeito da relação entre democracia e direitos humanos, chega à conclusão de que um Estado democrático obrigado a reconhecer a dignidade humana e os direitos humanos também precisa reconhecer, primeiro internamente, como portadores de diretos humanos, todos os homens em seu âmbito estatal, sejam estes estrangeiros, sem nacionalidade ou pessoas em estadia temporária ou ilegal, o que corresponde, em segundo lugar, a um “universalismo externo”, no qual em especial a democracia é obrigada a respeitar nos seus direitos humanos a todos os homens que vivem fora do Estado. Dessa forma Habermas identifica dois lados da mesma moeda, determinando a forma com que o reconhecimento do universalismo dos Direitos Humanos deverá funcionar dentro e fora dos Estados. Apesar disso, o autor identifica ainda a fatalidade com que a pretensão universal dos Direitos Humanos mina o particularismo de comunidades civis específicas. Tal conclusão se dá graças à influência do aspecto moral dos Direitos Humanos, que fariam com que as questões históricas, sociais e culturais de um povo fossem levadas em consideração na hora de qualificar o universalismo de tais direitos.
Sobre os posicionamentos dos próprios universalistas, importante ressaltar que, segundo Flávia Piovesan (2009), dentro da ora discutida corrente existem três subdivisões: o universalismo radical, o universalismo forte e o universalismo fraco.
O universalismo radical seria aquele segundo o qual a característica universal dos Direitos Humanos se fundaria tão somente na razão moral, sendo completamente ignorada a influência da cultura na condição humana.
O universalismo forte é aquele segundo o qual o valor intrínseco do homem é a fonte principal de validade da moral e o principal fundamento do direito.
Por fim, o universalismo fraco, o menos intenso dos três, como o próprio nome diz, é aquele que aceita tanto a cultura quanto o valor intrínseco do homem como fundamentos do direito.
Fica clara, então, a necessidade de caminhar pelas duas teorias com parcimônia, reconhecendo a necessidade de maior abrangência e acessibilidade dos Direitos Humanos, mas também o cuidado que se deve ter ao tratar de culturas variadas.
A seguir serão apresentadas as críticas feitas pelos defensores do Universalismo ao Relativismo, com o objetivo de esboçar aquilo que faz com que os universalistas se oponham veementemente aos relativistas.
5.1. Críticas universalistas ao Relativismo
Como correntes opostas, é de se esperar que sejam reciprocamente apontadas falhas nas teorias ora discutidas. A seguir será exposta a principal crítica feita pelos universalistas à corrente relativista.
A mais forte crítica feita contra os argumentos relativistas diz respeito à utilização de tais instrumentos como máscara a atos atentatórios aos Direitos Humanos, muitas vezes sendo usados como forma de legitimação. Como sugerido por Leonardo Massud, tal característica atroz dos discursos relativistas convidam à seguinte reflexão: “sobre o livre-arbítrio do ser humano e sua capacidade de resistir às influências do ambiente” (MASSUD, 2007, p. 62).
Com tal argumento, quer-se colocar no centro do debate a matéria objeto de fundamentação dos Direitos Humanos. Dessa forma, os universalistas defendem a condição humana como único requisito à titularidade dos Direitos Humanos universais, em detrimento de qualquer outro valor.
O mais claro exemplo a ser dado de tais situações se dá no continente Africano e se caracteriza como a chamada “mutilação genital feminina” ou “circuncisão feminina”. Tal procedimento consiste na remoção parcial ou total da parte externa da genitália feminina e tem seu conceito tão arraigado na cultura africana que os primeiros relatos de tais acontecimentos pré-datam o surgimento de qualquer religião, sendo encontrados em documentos egípcios e gregos. É justamente essa característica intrinsecamente cultural que dificulta consideravelmente o combate de tais práticas. Apesar dos esforços de organismos internacionais como a ONU e a OMS (Organização Mundial da Saúde), tais práticas existem ainda nos dias de hoje.
Uma vez tratada a corrente universalista, trata-se, no tópico a seguir, da corrente que a ela se contrapõe. Passa-se, então, ao estudo do Relativismo.
6. RELATIVISMO
Ao contrário do que se apresentou como Universalismo, o Relativismo se mostra como a corrente defensora da aplicação dos Direitos Humanos segundo um ponto de vista cultural, sendo mantidas as identidades culturais, essencialmente justificadas por convicções religiosas. O Relativismo se pauta, por tanto, no respeito à diferença, à diversidade e às identidades culturais.
Segundo os defensores desta corrente, não há possibilidade de se criar um conjunto de direitos universais, posto que a diversidade cultural impõe posicionamentos divergentes quanto a questões basilares da vida. A partir desta concepção entende-se o homem como um ser determinado pelo meio em que vive.
Contrapondo-se ao ponto de vista de Antônio Augusto Cançado (1968), o autor Boaventura de Souza Santos (1997), de ponto de vista extremamente relativista em relação aos Direitos Humanos, deixa claro em seu texto sua inconformidade com o ponto de vista universalista dos Direitos Humanos, reconhecendo nele um “instrumento de choque de civilizações”:
“A complexidade dos direitos humanos reside em que eles podem ser concebidos, quer como forma de localismo globalizado, quer como forma de cosmopolitismo ou, por outras palavras, quer como globalização hegemônica, quer como globalização contra-hegemônica. (…) A minha tese é que, enquanto forem concebidos como direitos humanos universais, os direitos humanos tenderão a operar como localismo globalizado(…). Serão sempre um instrumento do “choque de civilizações (…).” (BOAVENTURA, 1997, p. 111)
O autor segue sua tese em defesa, então, do multiculturalismo. Como argumentos contra a universalidade dos Direitos Humanos, Boaventura destaca que a imposição da universalidade dos Direitos Humanos se mostra absolutamente ocidental, baseada em um conceito de Direitos Humanos de pressupostos tipicamente ocidentais, além de alegar estarem, as políticas de direitos humanos, a serviço de interesses econômicos e geo-políticos dos Estados capitalistas hegemônicos.
Nota-se, claramente, sobre este ponto de vista, que ele está desatualizado, é obsoleto, posto que hoje as barreiras impostas pelos interesses econômicos e políticos são facilmente ultrapassadas, graças ao maior desenvolvimento do Direito Internacional público e privado. Mas o autor não para aí. Ele segue para um argumento final, cujo impacto tanto na tese apresentada em seu texto, como na que se pretende apresentar neste trabalho, se mostra relevante. O autor dita que “todas as culturas possuem concepções de dignidade humana, mas nem todas elas a concebem em torno dos direitos humanos.” (Boaventura, 1997, p. 10). E ainda sobre cultura, Boaventura explica serem todas incompletas quanto à sua concepção de dignidade humana, valor inegavelmente basilar dos Direitos Humanos, e a consciência de tal incompletude geraria o reconhecimento cada vez maior de uma concepção multicultural dos Direitos Humanos:
“(…) todas as culturas são incompletas e problemáticas nas suas concepções de dignidade humana. A incompletude provém da própria existência de uma pluralidade de culturas, pois, se cada cultura fosse tão completa como se julga, existiria apenas uma só cultura. (…) Aumentar a consciência de incompletude cultural até o seu máximo possível é uma das tarefas cruciais para a construção de uma concepção multicultural de diretos humanos.” (BOAVENTURA, 1997, p. 114)
O autor, em suma, defende que por haverem concepções variadas e sempre incompletas acerca do conceito de dignidade humana, o que, por sua vez, impacta na concepção de Direitos Humanos de cada povo, é impossível que se fale em universalidade de tais direitos de forma tão abrangente quanto a que vem sendo proposta pelos estudiosos do tema.
O maior exemplo fático a ser dado quanto ao ponto de vista relativista se dá quanto à sociedade muçulmana, cujo povo se submete a condutas consideradas desumanas em razão de crenças que, no entanto, os identificam e determinam como um povo. Importante notar que nos países não ocidentais, a cultura significa mais nas vidas cotidianas de seu povo. Através dela, um povo se identifica e se reconhece. Em muitos deles, por exemplo, a noção de dignidade humana se entrelaça ao seguimento rígido das normas ditadas pela religião.
Interessante argumento levantado pelos relativistas diz respeito ao reconhecimento recíproco gerado pela cultura. De acordo com tal ponto de vista, os particularismos culturais devem mesmo ser defendidos e protegidos pelos Direitos Humanos, de forma que é apenas através do reconhecimento de sua cultura que os homens reconhecerão os valores defendidos pelos Direitos Humanos, de maneira a entende-los e absorve-los em sua cultura e dia-a-dia.
Como no universalismo, a corrente relativista também se subdivide, de acordo com Jack Donnelly. São três as subcorrentes: o relativismo radical, o relativismo forte e o relativismo fraco. A corrente relativista radical baseia os Direitos Humanos somente na cultura de um povo. O relativismo forte ainda tem na cultura forte embasamento dos Direitos Humanos, mas aceita a aplicação universal de um rol reduzido de direitos. E, por fim, os relativistas fracos, que defendem ter a cultura e o valor intrínseco do homem igual importância na fundamentação dos Direitos Humanos.
Entendido o Relativismo, serão apresentadas as seguir as críticas dos relativistas aos universalistas, de modo a esclarecer o ponto de vista destes sobre a corrente de pensamentos oposta.
6.1. Críticas do Relativismo ao Universalismo
A primeira e maior crítica feita pelos relativistas diz respeito à vulnerabilidade de legitimidade da universalização dos Direitos Humanos, sendo esta conduta autoritária e ocidental. Tal crítica diz respeito à incapacidade de intervenção das potencias mundiais nas realidades que as rejeitassem pelos motivos claramente defendidos pela corrente: a identidade cultural.
Ademais, segundo a corrente relativista, o homem não teria, por si só, condição de ser sujeito de direitos universais. Tal perspectiva se baseia no sentido de que em muitas culturas a dignidade humana, fundamento principal da universalidade dos direitos humanos, não se basearia simplesmente na condição de ser humano, mas em aspectos religiosos característicos das diferentes religiões.
Uma terceira crítica feita pelo Relativismo diz respeito ao chamado imperialismo ocidental, caracterizado pela imposição dos ideais ocidentais ao resto do mundo, de modo que a cultura ocidental dos direitos humanos torne-se global, considerando insignificantes as diferenças e os particularismos. Dessa forma abre-se espaço ao já mencionado “localismo globalizado”, gerando uma pretensão universalista como um choque de civilizações.
Critica-se, ainda, a análise descontextualizada do homem feita pelos universalistas, análise esta contrária ao entendimento relativista, que pretende analisar o homem em seu contexto social.
Por fim, critica-se a relação dos discursos universalistas com o âmbito político das relações exteriores dos Estados ocidentais, que colocam a defesa dos Direitos Humanos condicionada aos seus interesses políticos e econômicos.
Entendidas ambas as correntes de pensamento, o capítulo a seguir tratará de uma possível mediação entre elas, como possível solução ao embate entre as mesmas.
7. A MODERAÇÃO ENTRE AS CORRENTES
É fácil notar nas correntes apresentadas que ambas possuem pontos importantes a serem levados em consideração quando da determinação da natureza dos Direitos Humanos.
Em relação ao Universalismo, é importante que se reconheça a relevância da existência de um conjunto de Direitos básicos, inerentes à condição de ser humano, que se aplica a todos, independente de raça, cor, nação, religião ou sexo. Mas estes direitos não são todos aqueles esboçados nos documentos humanitários. Isso porque, em muitos dos casos, alguns dos valores defendidos nestes documentos não condizem com valores mundialmente aceitos, fazendo com que culturas diferentes não se identifiquem com a matéria do documento, rejeitando-o, por tanto. Assim justificam Marília Ferreira da Silva e Erick Wilson Pereira:
“Quer-se dizer com isso, que, em havendo valores comuns compartilhados por toda a humanidade, simplesmente por serem todos homens, por natureza, é imposição da pós-modernidade que alcancem a evolução de seus direitos de modo a se compatibilizarem com todo o mundo, sem levar em consideração particularismos nacionais ou regionais, bases religiosas ou culturais, em virtude de que a essência humana é a mesma em qualquer circunstância, é universal.” (FERREIRA SILVA; WILSON PEREIRA, 2013, p. 10)
Dessa forma, fica demonstrada a necessidade de se reconhecer direitos inerentes ao homem pelo simples fato de serem homens, mas como um conjunto basilar e não exaustivo. Mas os autores continuam, defendendo então a importância dos valores culturais no reconhecimento dos direitos defendidos:
“A construção dos direitos humanos, em consonância com o paradigma relativista, deve se pautar mesmo pelas particularidades e, não, como querem os universalistas, como um todo generalizado, pois que só assim o homem se reconhecerá, identificando-se com os valores defendidos, o que não será possível se se abstrair o homem de seu contexto cultural. (PEIXOTO, E. de S. Peçanha).” (FERREIRA SILVA; WILSON PEREIRA, 2013, p.15)
Evidente, então, a existência de direitos universais relativizados pelas cultuas, com o intuito de assim adequarem-se a elas, tornando-se literalmente universais. Isso não significa direitos distintos entre os cidadãos, mas direitos adequados às diversidades, que se fundam em direitos basilares, direitos estes derivados da condição de ser humano.
Um segundo ponto importante, ainda sob o ponto de vista Universalista, se dá quanto ao conceito de dignidade humana. Segundo a ótica universalista, todos os direitos humanos se baseiam na condição de ser humano, apresentando-se no mundo prático como a chamada dignidade humana. O problema, no entanto, se apresenta quando se percebe que dignidade não tem o mesmo conceito para todos. Enquanto alguns a entendem como padrão mínimo de respeito devido ao homem simplesmente por ser homem, existem lugares em que, por exemplo, a dignidade humana tem um caráter mais religioso, sendo devida àqueles que seguem as normas de Deus. Para tanto, a fundamentação dos Direitos Humanos em um conceito que pode se mostrar tão variado os torna frágeis, comprometendo, assim, sua característica universal.
Como defende Flávia Piovesan, a concepção universalista dos Direitos Humanos deveria ser um objetivo comum e não ponto de partida na determinação do fundamento de tais direitos. De acordo com a jurista, as culturas devem, sim, ser levadas em conta no que tange a criação dos Direitos Humanos, de modo a criar um diálogo entre elas que propicie o melhor desenvolvimento de tais direitos, tendo como objetivo comum a geração de valores universais capazes de sustentar direitos universais. É o que se denota do seguinte trecho:
“O universalismo de confluência, fomentado pelo ativo protagonismo da sociedade civil internacional, a partir de suas demandas e reivindicações morais, é que assegurará a legitimidade do processo de construção de parâmetros internacionais mínimos voltados à proteção dos direitos humanos.” (PIOVESAN, Flávia; 2009; p, 17)
Como se vê, é clara a importância do ponto de vista universal dos Diretos Humanos, visto que eles devem, sim, ser aplicados de forma a atingir todos aqueles que possuem a condição de ser humano. Mas a fundamentação de tais direitos deve seguir um parâmetro de valores mundialmente aceitos, de forma a criar um conjunto de direitos basilares e universais, que independam da nação ou da religião e que possam servir de alicerce à criação de novos direitos que se adequem às diferentes condições em que vivem os homens, gerando assim uma verdadeira proteção mundial dos cidadãos, eficaz e duradoura.
Agora, em relação ao Relativismo. Como já foi dito, a cultura tem sua importância no que diz respeito aos Direitos Humanos, na medida em que através da representação de seus valores na criação de direitos é que os cidadãos que fazem parte da mesma cultura se identificarão com a norma, acatando-a e defendendo-a. Em muitos países não-ocidentais, a cultura ocupa um papel muito mais relevante na sociedade. É o que se entende do texto de Boaventura de Souza Santos:
“O multiculturalismo, tal como eu o entendo, é pré-condição de uma relação equilibrada e mutuamente potenciadora entre a competência global e a legitimidade local, que constituem os dois atributos de uma política contra-hegemônica de direitos humanos no nosso tempo.” (SOUZA SANTOS, Boaventura; 1997; p.112)
Nos países de governo teocrático, por exemplo, a religião dita as normas não só da política, mas da moral e da ética dos homens, estando presente em cada aspecto da vida de seus seguidores. Se as normas de tal país não representarem os valores ensinados pela religião que seguem seus cidadãos, estes não conferirão legitimidade a esta norma, que, por tanto, não será aceita. E o mesmo ocorre com as normas de Direitos Humanos, ainda que internacionais. Se não for possível que tais normas se adequem, ainda que minimamente, às crenças de um povo, este povo não reconhecerá estas normas. Mas não é só isso.
O discurso relativista, muitas vezes, é usado no intuito de legitimar ações desumanas. Em muitos casos, em nome da cultura, o povo se submete a condições que não são mais aceitas pela comunidade internacional, muitas vezes, em detrimento daqueles direitos que deveriam ser defendidos, simplesmente, pela condição de ser humano. E pior, em muitos dos casos, a cultura se mostra de tal maneira fechada à influência exterior que seus cidadãos ignoram outra forma de tratamento e se conformam com o que lhes é imposto.
Nota-se do exposto que as correntes universalista e relativista devem unir-se, tendo como objetivo alcançar de forma efetiva e concreta o maior número possível de cidadãos mundiais. Tal objetivo será, então, alcançado se o universalismo conceituar direitos básicos que sirvam de base para que os relativistas desenvolvam direitos culturais, de forma a gerar o reconhecimento e o acolhimento de tais direitos em todos os lugares do mundo.
Uma vez defendida a perspectiva de que as correntes apresentadas devem se unir de modo a criar uma solução para o problema com o melhor das duas, passa-se à conclusão do trabalho.
CONCLUSÃO
Conclui-se, então, que para a superação do entrave que o debate entre relativistas e universalistas apresenta à eficácia dos Direitos Humanos é preciso que se possibilite o diálogo, a mediação entre tais correntes ideológicas, de modo que a solução apresente o melhor das duas correntes de pensamentos.
A princípio imaginou-se a criação de um órgão de jurisdição nacional, composto por membros do governo estatal e membros da ONU. O objetivo de tal órgão seria justamente criar o ambiente propício ao diálogo entre a cultura local, representada pelos membros do Estado, e os Direitos Universais, representados pelos membros da ONU.
Do ponto de vista prático, a criação de tal organismo seria praticamente impossível. Primeiro, por serem poucos os países que aceitariam uma intervenção tão direta da ONU em seu território, ainda que mediada por membros nacionais. Segundo, porque os custos de implementação de um destes órgãos em todos os países que hoje se consideram necessitados de tal ajuda seriam muito altos e, mais uma vez, poucos seriam os países a concordar com tais gastos.
Ideologicamente, no entanto, tal órgão poderia ser a solução do embate, na medida em que proporcionaria um diálogo anterior à imposição das normas à população, fazendo com que aquelas se adequassem mais e mais ao meio em que se encaixariam. Claro que não seria um diálogo fácil, tranquilo. Mas este não é o objetivo. O objetivo é criar o espaço para discussão, fazendo com que ambas as correntes fossem representadas e ouvidas e que, deste embate, surgisse no mínimo uma proposta de solução.
Enquanto ambos os lados não se propuserem à abertura e ao diálogo, não será possível a solução do problema. Enquanto ambos se mostrarem inflexíveis em suas posturas, seja na defesa da dignidade, seja na defesa da cultura, não haverá espaço para que as correntes se completem, sendo, portanto, eterno e debate entre elas.
Como se nota, a solução ainda não se apresenta de forma clara. É sabido que para que se ultrapasse o empecilho hoje imposto pelo debate entre relativistas e universalistas é preciso que as correntes se unam, formando uma única corrente que apresente o melhor das duas anteriores. Como já demonstrado neste trabalho, são claros os aspectos de cada uma delas que se mostram relevantes para a solução do problema. O novo empecilho, que surge do primeiro, se mostra no âmbito da vida prática. Já se sabe o que fazer, mas ainda não se sabe como. O diálogo entre as posições ainda se mostra difícil, posto que estas ainda estão resistentes demais à aceitação do que a outra tem a oferecer, sem mencionar que nenhuma delas quer perder espaço de influência para a outra, afastando-se cada vez mais.
Informações Sobre o Autor
Clara Araujo Cunha
Bacharel em Direito pela Faculdade Mineira da Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais