Resumo: No decorrer dos episódios históricos, não é incomum a ascensão de pelo menos um dos três poderes do Estado. Tal fenômeno ocorre pela presença de elementos sociais, políticos e jurídicos que envolvem o período em questão. O período pós Constituição de 1988 protagonizou o Poder Judiciário, especificamente o seu órgão máximo, o Supremo Tribunal Federal – STF, que adquiriu papel de destaque, haja vista ser responsável pela guarda da Constituição da República. Surge a prática exagerada do instituto chamado ativismo judicial, objeto de estudo do presente artigo. É claro que a inteira complexidade do estudo sobre o ativismo judicial não terá como ser abordada aqui. Assim, o presente estudo procurará explicações para o ativismo judicial sobre as chamadas questões políticas após a Constituição de 1988, especificamente por meio do intelecto de um de seus mais representativos membros, o antigo Ministro Paulo Brossard, e a atualidade das questões por ele suscitadas, à época de sua atividade, sobre a competência do Poder Judiciário para decidir a respeito de questões políticas. Como as mesmas questões continuam a chegar ao STF nos dias atuais, sua posição divergente merece reanálise. Com relação ao tema, serão cotejados o estudo de caso, mais especificamente o voto liminar da Ministra do STF, Rosa Weber em relação ao mandado de segurança, nº 32.885 e o posicionamento sobre o tema do ex Ministro do STF, Paulo Brossard.
Palavras-chaves: ascensão – judiciário – constituição – stf – ativismo.
Abstract: During historical episodes, it's not unusual the rise of one of the three state branches. This phenomenon occurs by the presence of social, political and legal elements involving the period in question. The period after Constitution of 1988 started the Judicial Power, specifically your high court, Federal Supreme Court (Supremo Tribunal Federal – STF), who acquired featured, because it is responsible for the judicial review. in this scenario, araises the exaggerated practice of the institute called judicial activism, object study of this article. About this theme, will be collated the study of case, specifically, the vote of Rosa Weber, Minister of Federal Supreme Court, about the writ of mandamus, nº 32. 885 and the positioning about the theme of Paulo Brossard, ex Minister of Supreme Court.
Keywords: rise – judicial – constitution – court – actvism – judicial review
Sumário: 1. Metodologia 2. Introdução 3. Elementos Históricos – Demonstrativo da Ascensão dos Poderes no Decorrer da História e Suas Implicações Políticas, Sociais e Jurídicas 4. Do Mandado de Segurança nº 32.885 – Distrito Federal. 5. Do Ativismo Judicial como Forma de Violação da Tripartição de Poderes – Inteligência dos Votos do Ex Ministro do Supremo Tribunal Federal, Paulo Brossard. 6. Conclusão. Referências.
1 METODOLOGIA
No presente estudo, quanto ao método de abordagem, serão utilizados métodos qualitativos, haja a vista o aprofundamento sobre o estudo do ativismo judicial na visão do ex Ministro do Supremo Tribunal Federal, Paulo Brossard, especificamente, em seu livro, O Impeachment.
Com relação ao objetivo geral, observar-se-á a modalidade exploratória, pois este trabalho terá por base a análise de material bibliográfico, cuja finalidade é delimitar o estudo sobre o ativismo judicial, a partir de entendimento doutrinário específico, bem como causal ou explicativo, já que se trata de conhecimento da realidade.
Quanto ao procedimento será o de pesquisa bibliográfica. Abordar-se-á um estudo de caso, especificamente, realizando um cotejo analítico entre a decisão liminar prolatada no Mandado de Segurança, nº 32.885, pela Ministra do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber e o pensamento de Paulo Brossard sobre a usurpação de competências e o ativismo judicial, configurando um estudo de casa dedutivo, ou seja, partindo-se da pesquisa bibliográfica sobre o ativismo judicial, principalmente dos votos proferidos pelo ex Ministro e aplicando tal entendimento ao referido estudo de caso.
Por fim, o método de pesquisa será o dedutivo. Conforme mencionado acima, será feita comparação entre o referido Mandado de Segurança e o posicionamento sobre o tema de Paulo Brossard, analisando os seus votos em outras decisões, aplicando tal posição à decisão proferida pela Ministra Rosa Weber e observando suas implicações na ordem prática.
2 INTRODUÇÃO
No decorrer da caminhada histórica, várias são as implicações políticas, jurídicas e sociais. O ativismo judicial, decorrência da ascensão jurisdicional pós Constituição de 1988, é fenômeno que ocorre em demasia, principalmente, quando se foca o Supremo Tribunal Federal – STF.
Conhecer, portanto, os aspectos positivos e negativos do ativismo judicial no cenário social é importante, pois tal fenômeno não só usurpa competências inerentes a outros poderes, como também viola direitos garantidos pela própria Constituição da República. Em outras palavras: está-se diante da concreta possibilidade de comprometimento da soberania popular, isto é, da substituição do poder constituinte por poder constituído.
Sobre o tema, o ex Ministro do STF, Paulo Brossard funciona como referência nacional. Razão pela qual far-se-á um cotejo analítico entre seus votos e a decisão liminar na Ministra do STF, Rosa Weber, cujo conteúdo demonstra, manifestamente, a prática do ativismo judicial.
Por fim, diante do referido cotejo, tentar-se-á demonstrar a ilicitude acobertada pelo manto constitucional que é praticada pelo Poder Judiciário, com fundamento no artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal de 1988.
3 ELEMENTOS HISTÓRICOS – DEMONSTRATIVO DA ASCENSÃO DOS PODERES NO DECORRER DA HISTÓRIA E SUAS IMPLICAÇÕES SOCIAIS, POLÍTICAS E JURÍDICAS.
Além de independentes, os poderes formadores do Estado também são harmônicos, preceitos que em muito foram mitigados. Modernamente se admite com alguma tranquilidade institucional a interdependência entre o exercício dos poderes, desde que constitucionalmente prevista, constituição que há de ser resultante do processo constituinte democrático, como o exemplo brasileiro.
Não são as funções atípicas que causam a desarmonia e a dependência entre os três poderes, pois a própria Constituição da República legitima tais funções, baseada na teoria dos freios e contrapesos (checks and balances). O que causa tal celeuma são os ideais políticos que alavancam grandes eventos históricos, com princípios singulares que servem de base para a ascensão de determinado poder.
A cada grande evento histórico, social, político e jurídico, tem-se, pelo menos, um dos três poderes em ascensão, seja o Poder Legislativo na Revolução Francesa, o Poder Executivo no Brasil no período de 1930 a 1945 (era Getúlio Vargas) e no período de 1964 a 1985 (ditadura militar), ou o Poder Judiciário no período pós ditatorial (Constituição Federal de 1988).
A Revolução Francesa é, para grande parte dos historiadores e estudiosos do Direito, o marco inicial da ascensão do Poder Legislativo, pois, há época, era o único legitimado pelo povo.
Nos dizeres de Michelet, “a convocação dos estados gerais de 1789 é a era verdadeira do nascimento do povo”[1]. foi a partir da convocação dos estados gerais que os interesses populares foram postos em discussão, ou seja, diante da vontade despótica da monarquia e do clero, aos sans-culotes não era dada prerrogativa de fazer prevalecer seus interesses.
Com a Revolução Francesa, veio a supremacia do Parlamento, extinguindo a monarquia e o Poder Judiciário nomeado por ela. Sobre o tema narra Michelet:
“A realeza fica só. Os privilegiados exilam-se ou submetem-se; declaram que votarão doravante na Assembleia Nacional, e acatarão a maioria; isolada e descoberta, a realeza mostra-se como, no fundo, era há muito tempo: um nada. Esse nada era a velha fé da França; e essa fé desiludida faz agora a sua desconfiança, a sua incredulidade; torna-a prodigiosamente inquieta e desconfiada. Onde estará agora a fé? Tem-se, ao fazer esta pergunta, um sentimento de terror e solidão, como o próprio Luís XVI no fundo do seu palácio deserto. A fé não mais resistirá em nenhum poder mortal. O próprio poder legislativo, essa Assembleia cara à França, tem agora a infelicidade de ter absorvido os seus inimigos, quinhentos ou seiscentos nobres e padres, e de os conter no seu seio. Outro mal: venceu demais, vai ser agora a autoridade, o governo, o rei… E todo o rei é impossível”[2].
À ascensão do Poder Legislativo revolucionário seguiu-se a inclusão da igualdade como elemento fundante do conceito de democracia, além do protagonismo do Poder Legislativo na expansão dos direitos do homem e do cidadão, em diversas experiências desde o século XVIII até os dias atuais. A ação do Poder Legislativo deu-se na mesma direção em sociedades que enfrentaram sistemas autoritários: sempre este Poder foi a primeira vítima dos ataques autoritários e totalitários, confirmando assim sua vocação em favor da democracia, do pluralismo político e dos direitos fundamentais.
O evento em estudo teve por base os princípios da liberdade, igualdade e fraternidade, paradigmas que fundamentam a supremacia do povo e a erradicação de privilégios dos nobres e dos clérigos. Nada mais salutar do que a ascensão do Poder Legislativo, tendo em vista que o Executivo foi, temporariamente, extinto junto com o rei Luís XVI e a dinastia dos Bourbon.
O povo, ou nação, é retratado como o próprio Terceiro Estado, conforme afirma Sieyès:
“É preciso entender como Terceiro Estado o conjunto dos cidadãos que pertencem à ordem comum. Tudo o que é privilegiado pela lei, de qualquer forma, sai da ordem comum, constitui uma exceção à lei comum e, conseqüentemente (sic), não pertence ao Terceiro Estado. Já dissemos que uma lei comum e uma representação comum fazem uma nação”[3].
Sendo a nação o Terceiro Estado, também é dela a competência para criar, modificar ou, até mesmo, ir contra a Constituição:
“A nação existe antes de tudo, ela é a origem de tudo. Sua vontade sempre legal, é a própria lei. Antes dela e acima dela só existe o direito natural. (…) Em cada parte, a Constituição não é obra do poder constituído, mas do poder constituinte. Nenhuma espécie de poder delegado pode mudar nada nas condições de sua delegação. É neste sentido que as leis constitucionais são fundamentais. As primeiras, as que estabelecem a legislatura, são fundadas pela vontade nacional antes de qualquer constituição; formam seu primeiro grau. As segundas devem ser estabelecidas por uma vontade representativa especial”[4].
Só o povo pode ser constituinte originário. Não é por acaso o destaque do Poder Legislativo na Revolução Francesa, já que era o único dotado de legitimidade popular.
No caso brasileiro, experimentou-se, em momentos anteriores, o destaque do Poder Executivo. A Revolução de 1930, por exemplo, fez com que o Poder Executivo sobrepusesse-se, em razão da dificuldade de governar o país diante da pluralidade partidária e da vinculação oligárquica, dominantes desde o período imperial e fortalecidas pela República Velha. Em outras palavras: o projeto de construção de país com base industrial era bloqueado pelos interesses oligárquicos nada modernizantes.
Com a chegada de Getúlio Vargas à Presidência da República, faltava-lhe as prerrogativas necessárias para a solução da crise econômica e social do país, tendo em vista toda a repercussão causada pela “quebra” da bolsa de valores de Nova Iorque, em 24 de outubro de 1929.
Diante de tal engessamento político, a alternativa foi a criação de uma nova constituição, que se promulgou em 1934. Com os dias contados, esta Constituição não vingou e outorgou-se a Constituição de 1937, marco da “Era Vargas” e do Estado Novo, com amplos poderes ao Executivo, possibilitando a implementação econômica e social no Brasil e a mitigação do Poder Legislativo.
Assim como a revolução francesa teve por princípios a liberdade, igualdade e fraternidade, o Estado Novo tive por princípios o avanço econômico, uma maior intervenção do Estado, a austeridade e a maximização dos poderes inerentes ao chefe de governo e de Estado. Percebe-se que em todo significativo evento histórico há pelo menos um dos três poderes em ascensão, diante dos paradigmas históricos, sociais, políticos e jurídicos.
Com relação ao final século XIX e o atual século XXI, é fácil notar a supremacia do Poder Judiciário sobre os demais poderes, tendo em vista todas as suas prerrogativas presentes na Constituição Federal de 1988, tais como as súmulas vinculantes (artigo 103-A da Constituição Federal), as ações direta de inconstitucionalidade e a declaratória de inconstitucionalidade por omissão – ADIN (artigo 103, §2º, da Constituição), o mandado de injunção (artigo 5º. LXXI da Constituição da República), além da arguição de preceito fundamental.
Com o advento da Emenda Constitucional nº 45/2004, surgiu o instituto da súmula vinculante, instrumento pelo qual o Supremo Tribunal Federal pode criar súmulas com efeitos vinculantes a outros órgãos do Poder Judiciário, bem como à Administração Pública, a confirmar a Emenda Constitucional nº 3/1993, que introduziu o efeito vinculante no País.
Não há como negar a interferência na competência do Poder Legislativo, tendo em vista que as referidas súmulas são verdadeiras leis travestidas de precedente jurisprudencial, vale dizer, possui efeitos gerais, pois vinculam a todos, exceto o próprio Supremo Tribunal Federal.
Sobre o tema, comenta Renato Marcão:
“A súmula vinculante, além de outras sérias implicações que não comportam abordagem nas linhas deste trabalho, mitigou de forma significativa os limites da coisa julgada e impôs ao órgão jurisdicional de superior instância a tarefa de "dizer o direito em tese", em caráter genérico e universal, atribuição para a qual nunca esteve autorizado politicamente, carecendo de legitimação democrática, a configurar, ainda, perigoso desvio de sua missão de dizer o direito caso a caso, compondo os conflitos de interesse na exata medida de suas realidades”[5].
Dessa forma, comprova-se o ativismo judicial e a ilegitimidade de tal instituto. Se o art. 5º, II da Constituição Federal vincula o comportamento de todos apenas ao que consta na lei, não há como se imaginar que algo deva ser feito, ou deixar de ser feito, em virtude de decisão do Poder Judiciário. Parece-nos flagrante a incompatibilidade entre a Constituição e o efeito vinculante, no que pese o entendimento esboçado pelo STF na ADC nº 1, onde se decidiu pela constitucionalidade do efeito vinculante na forma da Emenda Constitucional nº 3/1993.
4 DO MANDADO DE SEGURANÇA Nº 32.885 – DISTRITO FEDERAL
Antes de iniciar os comentários acerca do instrumento acima mencionado, é importante tecer notas sobre a situação política e jurídica que envolve tal writ. Como se sabe, o cenário político atual é conturbado, diante da descoberta de irregularidades em negociações da Petróleo Brasileiro S.A – Petrobras.
Diante de tal cenário político, o Senado Federal, por meio de seus representantes, requereu a abertura de duas Comissões Parlamentares de Inquérito – CPIs: RQS 302 e RQS 303. A primeira com um conteúdo investigatório mais amplo, albergando tanto os fatos relacionados à Petrobras, como aqueles inerentes à suspeita de corrupção na construção do metrô de São Paulo. Já a segunda com um objeto mais restrito, envolvendo apenas a questão referente à indústria do petróleo.
Ou seja, não há o que se discutir acerca do conteúdo político da referida decisão pois a instalação das CPIs, cuja competência é do Poder Legislativo, foi questão levantada no Supremo Tribunal Federal – STF, por meio do Mandado de Segurança nº 32. 885 nele impetrado.
O artigo 58, §3º da Constituição Federal garante ao Poder Legislativo a prerrogativa de criação de comissões parlamentares de inquérito, consolidando a função fiscalizadora que o referido poder detém:
“Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação. …omissis…
§ 3º – As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.” …omissis…
A instauração de CPI é competência exclusiva do Parlamento, não podendo ser delegada ao Executivo e nem ao Judiciário.
Ocorre que, diante do já mencionado caos político, coube ao STF decidir sobre a instauração das CPIs em apreço. Liminarmente a Ministra Rosa Weber assim entendeu:
“Trata-se de mandado de segurança, com pedido de medida liminar, impetrado nesta Suprema Corte em 08.4.2014 por eminentes Senadores da República contra ato comissivo do ilustre Presidente do Senado que reputam afrontoso ao art. 58, § 3º, da Constituição da República e a normas legais e regimentais. A ação mandamental funda-se no alegado direito líquido e certo dos impetrantes, integrantes da minoria parlamentar que se diz prejudicada, à criação – uma vez atendidos os requisitos constitucionais -, de Comissão Parlamentar de Inquérito nos exatos termos do requerimento por eles deduzido, o que estaria sendo obstaculizado pelo que apontam, em suma, como inconstitucional encaminhamento a ele dado pela autoridade dita coatora. (…)
Segundo a inicial, foram veiculados, em 1º.4.2014, no Senado Federal, por grupos distintos de parlamentares, requerimentos de criação de CPI – autuados como RQS nº 302, de 2014, de que signatários os impetrantes, e RQS nº 303, de 2014 -, cada um deles subscrito por trinta e um Senadores da República, sendo o de nº 303 para a investigação dos mesmos fatos contidos no Requerimento anterior (o de nº 302), pertinentes a “irregularidades envolvendo a empresa Petróleo Brasileiro S/A (Petrobras)”, com o acréscimo de outros fatos que se afirmam desconexos. (…)
A tese que os impetrantes buscam ver reconhecida na presente ação mandamental é a de que, preenchidos os requisitos do art. 58, § 3º, da Constituição Federal – como afirmam ocorrer na espécie -, têm eles direito líquido e certo à criação de CPI nos moldes requeridos. (…)
Nessa linha, pelos fundamentos esposados – e com o caráter precário próprio aos juízos perfunctórios, enfatizo mais uma vez -, defiro em parte a liminar, sem prejuízo, por óbvio, da definição, no momento oportuno, pelo Plenário desta Suprema Corte, da cognoscibilidade da presente ação mandamental e de seu mérito, e até que tal ocorra, para suspender o ato impugnado, no que implica submeter à deliberação da maioria do Senado o requerimento da CPI da minoria, a despeito do aparente cumprimento dos requisitos constitucionais, e para determinar que a CPI seja implementada não com o objeto alargado do RQS nº 303, de 2014, e sim com o objeto restrito proposto no RQS nº 302, de 2014, de que signatários os impetrantes. (…)”[6]
A transcrição não é integral, mas de momentos pertinentes. Não se pretende aqui analisar o mérito da decisão em análise, mas a competência para prolatá-la, tendo em vista ser do Congresso Nacional, Senado Federal e Câmara dos Deputados, conjunta ou separadamente, resolverem sobre Comissões Parlamentares de Inquérito.
Esta referida decisão abarca competência que vai além da deferida ao Poder Judiciário pela Constituição Federal, visualizando-se outra interferência jurisdicional em que a Constituição não acobertou com o manto da constitucionalidade. O tema das questões políticas não é novo, as discussões são sempre acirradas e há enorme dificuldade de tribunais de diversos países em lidar com o assunto.
5 DO ATIVISMO JUDICIAL COMO FORMA DE VIOLAÇÃO DA TRIPATIÇÃO DE PODERES – INTELIGÊNCIA DOS VOTOS DO EX MINISTRO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, PAULO BROSSARD
Para Luís Roberto Barroso o ativismo judicial pode ser assim definido:
“O ativismo judicial, por sua vez, expressa uma postura do intérprete, um modo proativo e expansivo de interpretar a Constituição, potencializando o sentido e alcance de suas normas, para ir além do legislador ordinário. Trata-se de um mecanismo para contornar, bypassar o processo político majoritário quando ele tenha se mostrado inerte, emperrado ou incapaz de produzir consenso. Os riscos da judicialização e, sobretudo, do ativismo envolvem a legitimidade democrática, a politização da justiça e a falta de capacidade institucional do Judiciário para decidir determinadas matérias”[7].
O ativismo judicial, na visão do Autor, é uma interpretação estendida, vale dizer, define-se por uma hermenêutica que vai além da previsão legislativa. É um mecanismo a ultrapassar o preceito legislativo, contudo, sem o procedimento legislativo, ou seja: faz com que o Poder Judiciário legisle, muito embora não tenha competência para isso.
Tal fenômeno não se limita a procedimentos políticos de criações de leis, bem como usurpa a competência do Poder Legislativo. Confirma tal entendimento Lênio Luiz Streck:
“[…] um juiz ou tribunal pratica ativismo quando decide a partir de argumentos de política, de moral, enfim, quando o direito é substituído pelas convicções pessoais de cada magistrado (ou de um conjunto de magistrados); já a judicialização é um fenômeno que exsurge a partir da relação entre os poderes do Estado ( pensemos, aqui, no deslocamento do polo de tensão dos Poderes Executivo e Legislativo em direção da justiça constitucional) […]”[8].
O ativismo é o desvirtuamento da atividade jurisdicional, ou melhor, é atividade jurisdicional baseada na política. O Judiciário ultrapassa a sua competência e usurpa função legislativa. O ativismo judicial viola a tripartição de poderes, bem como a legitimidade democrática. Aquela quando usurpa a competência do Poder Legislativo, prescrevendo verdadeiras decisões políticas, e esta quando tem seus cargos alcançáveis por concurso público, por meritocracia, não pelo voto popular. Sobre o tema aduz Ingeborg Maus:
“Quando a justiça ascende ela própria à condição de mais alta instância moral da sociedade, passa a escapar de qualquer mecanismo de controle social – controle ao qual normalmente se deve subordinar toda instituição do Estado em uma forma de organização política democrática. No domínio de uma justiça que contrapõe um direito superior, dotado de atributos morais, ao simples direito dos outros poderes do Estado e da sociedade, é notória a regressão a valores pré-democráticos de parâmetros de integração sócia”[9].
Exemplo claro de tais violações são as decisões que concedem medicamentos àqueles que buscam no Judiciário o amparo a sua saúde em detrimento da conveniência administrativa e da legislação sobre o tema. O problema da efetivação do direito à saúde não se resolve por conta das decisões judiciais. Resolve-se porque, ao atender dada decisão judicial, o administrador deixa de atender aquele que necessita do mesmo medicamente ou tratamento, porém não procurou o Judiciário para sua demanda. Se descumpre a ordem judicial, o administrador poderá ser preso; se deixa de fornecer medicamento ou tratamento a quem não obteve provimento jurisdicional, não há possibilidade de prisão.
Raciocínio semelhante pode ser aplicado ao próprio Poder Judiciário. A lentidão na da prestação jurisdicional, a ausência de aparato técnico ao juiz, a ausência de defensores públicos, promotores etc., são a causa da não prestação do direito de acesso à justiça de todos. Juízes, promotores, defensores púbicos não deixam de atender a população porque querem ou porque são maus. É assim em razão de condições fáticas que ultrapassa o poder destes. O mesmo ocorre com os administrador federal, estadual ou municipal. Cerca de oitenta por cento da população do País recorrer aos serviços públicos de saúde e de educação. Se o Estado brasileiro não cobre a todos que precisam de tais demandas, percebe-se claramente a expansão sistemática de uma rede de saúde e educação nos últimos anos sem precedentes[10].
Diante de tal cenário, onde o protagonismo do Poder Judiciário é tão exacerbado, há que se cotejar tal fenômeno com o posicionamento de Paulo Brossard sobre a tripartição de poderes e as competências de cada um deles. Veja-se como Brossard inicia seu entendimento sobre as normais disputas políticas entre os Poderes do Estado:
“(…) S. Exa. Diz que o Supremo Tribunal está acima dos demais Poderes. Não está. Creio que cada um dos Poderes, no tocante a sua competência privativa, é superior aos demais exatamente porque a competência é dele e não dos outros Poderes”[11].
Para Brossard, a tripartição de poderes é plena, vale dizer, não há Poder que se sobreponha, salvo quando estiver a tratar sobre a sua própria competência, afinal, o Poder foi tipicamente criado para ela.
Os entendimentos de Paulo Brossard aqui exposto foram extraídos de seus votos no caso do processo de impeachment do ex Presidente Collor de Mello e os diversos mandados de segurança ajuizados pelo então Presidente contra os Presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Parece-nos possível que, a partir deles, possamos fazer um cotejo com a decisão liminar da Ministra Rosa Weber sobre a instalação e matéria das comissões parlamentares de inquérito – CPIs:
“Por que o judiciário não interfere em processo de Impeachment? Por tratar-se de questão exclusivamente política? Seguramente que não. Por cuidar-se de questão interna corporis? Também não. Mas por estar em face de uma jurisdição extraordinária que a Constituição dele retirou, expressamente, para conferi-la, explicitamente, ao Congresso Nacional”[12].
Ou seja, a criação das CPIs e a determinação de sua matéria é de competência exclusiva do Poder Legislativo – Câmara dos Deputados e Senado Federal – tratando-se de competência alheia ao STF. Logo, tal decisão usurpa a competência do Legislativo alegando a violação dos direitos da minoria.
Ocorre que tal direito, embora seja tutelado pelo Poder Judiciário, não exime a competência da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal em criar CPIs e especificar sua matéria, pois tal assunto foi abordado exaustivamente pela Constituição Federal.
Diante disso, outra ponderação deve ser feita:
“(…) é que as instituições humanas, por mais aperfeiçoadas que sejam, apresentam fissuras, pelas quais pode infiltrar-se o erro, o abuso, a injustiça, até a violência; por mais sábio que seja o legislador, sempre alguma coisa escapa pro entre os seus dedos; e não se imagine que o Judiciário possa dominar, corrigir e salvar a realidade inteira. Aliás, ele correria o risco de substituir o Congresso, decidindo em seu lugar, ou de procrastinar, tolher ou adiar medidas inerentes ao seu poder, por ele recebida da Constituição para desempenhar atribuições privativas”[13].
Não é pelo fato de os demais Poderes apresentarem defeitos que Judiciário poderá consertá-los, sob pena de abuso. Até mesmo a constituinte pode cometer erros, mas não cabe ao STF tentar corrigi-los, correndo o risco de usurpar competência exclusiva e constitucionalmente prevista de outro Poder.
Acerca deste estudo, é mais do que certa a máxima de Rui Barbosa:
“Os atos, que justos ou injustos, acertados ou errôneos, não tem corretivo na ordem jurídica do regime, são aqueles em que um poder constitucional, na órbita de uma autoridade incontestável, exerce uma atribuição exclusiva, suprema ou discricionária. Assim o Supremo Tribunal Federal… Assim a Câmara ou o Senado… Assim o Congresso Nacional”[14].
Embora a interferência jurisdicional seja solução para alguns, a verdade é que o ativismo judicial também viola preceitos fundamentais, o que levanta o seguinte questionamento, sendo o STF o guardião da Constituição Federal, responsável pela correção de violações de direitos e garantias fundamentais, bem como pela ordem e estrutura das instituições basilares do Estado, acaso cometa erro, quem vai corrigi-lo? Não haverá correção possível, neste caso, como não haverá correção possível de erros cometidos pelo Legislativo quando é ele o último a decidir.
É assim que Paulo Brossard e sua obra ‘O Impeachment’ devem ser compreendidos. Quando Paulo Brossard discorre sobre os juízos políticos e sua liberdade de ação, anota o ex Ministro do STF, que a liberdade do parlamento sujeita-se às leis existentes. Em suas palavras em diversos acórdãos, Paulo Brossard afasta a jurisdição do STF porque explicita a confiança que o constituinte originário teve na política e nos políticos de se submeterem à Constituição e às leis que regulam este processo de afastamento do mais elevado mandatário da República. Da mesma maneira que o constituinte confiou nas mulheres e homens que fazem o STF quando de sua função caracterizadora que é julgar. Porque haveria o parlamentar de afastar-se da Constituição e das leis quando investido na função de julgador, enquanto um juiz do STF jamais sucumbiria diante desta tentação? A teoria defendida por Brossard é a de que todos erramos; “felizmente, erramos menos que acertamos”. Se a posição de Brossard foi vencida no plenário do STF, foi ele vitorioso na qualidade de sua construção teórica constitucional: deve-se confiar na política democrática e nos políticos por ela construídos. Se não se deve alimentar ilusões, tampouco há elementos objetivos a legitimarem a qualificação de que todos são demônios.
Não se está a questionar a competência do Poder Judiciário, mas a usurpação que este comete por meio do ativismo judicial alegando que houve erro dos demais Poderes e, por consequência, a violação de direitos.
Sob a ótica de Paulo Brossard, não é válido o argumento de que um Poder errou para que o outro possa se apoderar da sua competência e sanar o vício, sob pena de a própria solução ser a causadora do erro.
No caso aqui em estudo, não foi saudável a decisão prolatada pelo STF sobre a Comissão Parlamentar de Inquérito referente às investigações de corrupção na Petrobras e nas obras do metrô de São Paulo, Tal decisão tem natureza política, não pode ser concedida por um órgão jurisdicional, muito menos quando a própria Constituição garante expressamente tal competência ao Poder Legislativo (Câmara e Senado).
6 CONCLUSÃO
O presente estudo buscou analisar a interferência jurisdicional na competência dos demais poderes, notadamente com relação à decisão liminar prolatada pela Ministra do STF, Rosa Weber, no Mandado de Segurança, nº 32.885.
O que se conclui deste estudo é uma verdadeira violação a direitos e garantias constitucionais, bem como a violação aos princípios basilares da República Federativa do Brasil, quais sejam, a separação de poderes, sua independência e harmonia.
Sobre isso, Paulo Brossard tem posicionamento acertado acerca do tema. É imprescindível a independência entre os poderes, sob pena de usurpação de competência e quebra do balanço democrático, pois o Poder Judiciário carece de legitimidade democrática para legislar em forma de julgamento, essência do ativismo judicial.
Parece acertado o entendimento do ex Ministro do STF sobre a equivocada concepção de que o Poder Judiciário é competente para sanar os vícios dos demais, vale dizer, a tentativa de corrigir acaba por fazer o próprio corretor incorrer em erro, pois não é competente para tal.
Conclui-se que o ativismo judicial constitui-se em autêntico desafio da democracia atual, e não somente para o Brasil. Não é dado ao Poder Judiciário substituir-se aos Poderes Executivo e Legislativo, menos ainda suprimir ação comissiva típica destes. Tal prática é fundamento para a ilegitimidade e a consequente insegurança jurídica. O ativismo, portanto, não é prática que deve prosperar em um Estado Democrático de Direito, tendo por base todos os seus direitos e garantias constitucionalmente previstos, bem como os seus pilares fundamentadores.
Informações Sobre o Autor
Caio Valença de Sousa
Graduado em Direito pelo Centro Universitário Christus UNICHRISTUS; Pós-graduando em Direito Administrativo pela Universidade Anhanguera/Uniderp; Advogado