Resumo: Atualmente temos crianças morando em abrigos esperando por sua família ou alguém que possa adota-la, mas, em alguns casos a criança tem seu direito a família estabelecido pelo ECA violado, tendo que passar a maior parte de sua vida morando nestes locais de acolhimento. Assim o Senado Federal aprovou um projeto para ser implantado pelos Tribunais de Justiça e desenvolvido em suas respectivas comarcas para tentar proporcionar à criança uma experiência familiar que pode influenciar diretamente na sua formação de cidadão na sociedade. Dessa forma, surgiu o projeto do apadrinhamento afetivo no qual o jovem terá esse contato e seu direito à convivência familiar garantido, de modo que, tendo o acompanhamento profissional necessário poderá ter o objetivo alcançado.[1]
Palavras Chave: abrigos – acolhimento – apadrinhamento afetivo – convívio familiar – sociedade
Abstract: Nowadays we see children living in shelters while they wait for their family or for somebody to adopt them, but in some cases, they have their right of having a family which's stablished by ECA, violated leading to a long part of their lives to be lived on those places.The Brazilian Federal Senate has approved a project to be implanted by the Justice Tribunals and to be developed by its respective counties in order to promote a familiar experience to children, which can make some important influence in their formation as citizens. Then the Affective Sponsorship Project was created, and thru it young people will have their family convivence guaranteed; coming from that plus professional monitoring, the idea may have its objective reached.
Keywords: shelters, refuge, affective sponsorship, family relationship, society.
Sumário: Introdução. 1. Conceito. 1.1. Evolução histórica e atualidade do projeto. Considerações finais.Referências.
INTRODUÇÃO
Considerando a dificuldade de crianças serem adotadas e o baixo índice de pessoas cadastradas em programas de adoção, alguns jovens acabam passando sua vida toda em abrigos, sem ter uma boa convivência familiar ou até mesmo sem ter uma estrutura familiar.
Isso gerou certa preocupação em profissionais da área fazendo com que criassem um modo da criança ou o adolescente ter seu direito mantido e ser acolhido em família substituta. Os Tribunais de Justiça utilizaram como base os princípios que norteiam a Constituição Federal e as normas do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) que traz no art. 19, caput, sobre o direito da criança e do adolescente de ser criado por sua família ou substituta, em ambiente que possam ter um desenvolvimento que o permita conviver em comunidade.
Quando me refiro a família quero dizer os tipos de família especificadas no art. 25 do ECA, família natural é formada pelos pais e seus descendentes e família extensa que são os tios, primos, avós familiares próximos com os quais a criança poderá manter um vinculo familiar similar ao que tinha com sua família natural pode ser formada por afinidade ou parentesco, ou seja, é aquela que vai além da constituição da família padrão pai e filho, e por fim o art. 28 que discorre sobre família substituta a qual o menor devera ser encaminhado por meio de adoção, guarda ou tutela.
Assim, surgiu o apadrinhamento afetivo, método pelo qual as crianças que vivem em abrigos e sem oportunidades de serem adotadas, passaram a ter chance de conhecer e saber o que são laços afetivos e emocionais, como viver em comunidade e, principalmente, ter acesso a uma estrutura familiar.
Desse modo, este artigo partirá da premissa de ressaltar a importância do apadrinhamento afetivo, dar ênfase ao novo método encontrado para os jovens que não são adotados e informar como apadrinhar uma criança.
1CONCEITO
Apadrinhamento é um projeto que surgiu através do Projeto de lei do Senado Federal nº 171/2013 e está especificado no Provimento nº 40/2015. O objetivo principal dessa iniciativa é incentivar as pessoas que ainda não sentem segurança em adotar, mas já percebem a necessidade de alguma formar contribuir com esta área tão carente ajuda.
Nesse contexto participam do apadrinhamento de crianças e adolescentes acolhidas em abrigos com poucas chances de adoção. Oportunizando a elas um crescimento num ambiente saudável, através da convivência em lares harmoniosos e estruturados. Proporcionando a criação de vínculos afetivos e emocionais, e assim, terem um melhor desempenho na sua vida em comunidade.
Cumpre ressaltar que a responsabilidade de garantir um desenvolvimento saudável à criança é do Poder Judiciário, com a relevante ajuda da sociedade em geral, ficando a cargo daquele assegurar com absoluta prioridade a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, por força do art. 4° da Lei n° 8.069/90 e do art. 227 da Constituição Federal de 1988.
São possíveis três formas de apadrinhamento, sendo estes:
Financeiro – o padrinho contribui com uma pequena quantia mensal para atender algumas necessidades da criança, o referido valor é entregue a instituição a qual a criança pertence ou projeto social. Nessa opção o padrinho não tem nenhum contato com a criança apenas envia o dinheiro a instituição.
Afetivo – estabelece vínculos afetivos entre a crianças, que vivem em situação de acolhimento, com as famílias que se dispõe a serem padrinhos. Nessa modalidade o padrinho tem a liberdade de fazer visitas regulares, passeios nos feriados, fins de semana, férias escolares, fazendo com que a criança, aos poucos, vá se habituando ao convívio familiar e, assim, se adeque à vida em sociedade, passando a ter boas experiências.
Serviços – o padrinho se transforma num prestador de serviço, conforme sua preferência ou especialidade de trabalho. O trabalho é realizado de forma gratuita nas horas disponíveis, na instituição por ele escolhida. Nesse tipo de apadrinhamento há a possibilidade de participação de pessoas jurídicas
1.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA E ATUALIDADE DO PROJETO
Com o passar do tempo a configuração familiar foi se modificando, de modo que novos conceitos para determinar o termo “família” foram surgindo, tais como: famílias arranjadas ou recompostas, família homoafetiva, família monoparental, entre outros. Isso foi possível porque se chegou à conclusão que “família” representa um grupo social ao qual a criança terá o primeiro contato com a sociedade, dessa forma, ela assume o papel principal na transformação desta criança num efetivo cidadão.
Ocorre que esta “família” passa por transformações, uma vez que a sociedade, hoje, também, é transformada em suas várias áreas: moralidade, sexualidade, engenharia genética, mercado de trabalho.
Nesse contexto, algumas situações que antes não eram esperadas de uma família começaram a surgir e o Direito teve de se adequar e apresentar formas de proteção às crianças através do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).
Assim pode-se citar como exemplos abandono, maus tratos, trabalho infantil, castigos físicos, falta de condições financeiras /ou psicológicas de pais para criar os filhos. Tais situações exemplificam as cenas encontradas por assistentes sociais e psicólogos no dia a dia, nos pedidos de averiguação das varas de família e infância e juventude.
Diante disso, as decisões judicias passaram a retirar do seio familiar crianças expostas a situações de risco e leva-las aos abrigos e orfanatos, até a reabilitação familiar. Contudo, em alguns casos a restruturação familiar acaba não sendo possível, ou o jovem simplesmente, em decorrência de determinados fatos, resolver “abandonar” o lar, assim passam a residir nos abrigos até atingir a idade adulta ou ser adotado.
“A adoção atribui ao adotado a condição de filho para todos os efeitos, sendo vedada qualquer designação discriminatória (CF 227 § 6.0). Assim, não deve constar nenhuma observação no registro de nascimento do adotado sobre a origem da filiação (ECA 47 § 4.0). O registro anterior é cancelado. No novo registro deve constar, além do nome do adotante, também o de seus ascendentes (ECA 4 7 § l .º).”(DIAS,2015, p.125)
A adoção é um ato jurídico que permite a um adulto estabelecer laço afetivo com uma criança ou adolescente, a qual ele deseja filiar, sem que tenha vinculo sanguíneo. Isso é possível por meio jurídico, que autorizará este vinculo, ou seja, é o método utilizado por um casal para assumir um filho sem que ele seja biológico assim o pátrio poder é transferido total ou parcialmente para os pais adotivos.
Essa mudança pode gerar algumas alterações na rotina da criança e consequentemente no psicológico dela, existindo a possibilidade dela passar a odiar os pais biológicos ou apresentar sinais de rebeldia por sentir saudade da família de origem. É importante ressaltar que tal alteração é considerada normal, uma vez que num pequeno período a criança passa por quebras de vínculos afetivos, primeiro com os pais e irmãos, depois com os colegas e funcionários que adquiriu no abrigo.
“O tema da adoção mobiliza fortes afetos. Angústias e conflitos subjetivos ligados à perda, luto, abandono e rejeição podem vir à tona de forma ainda um tanto primitiva. Não são somente pais e filhos adotivos que entram em contato com estes sentimentos; familiares, amigos, profissionais e a sociedade em geral também são mobilizados por tais questões.” (VIGEVANI, p.17)
Em alguns casos as crianças ou adolescente são devolvidos aos abrigos, de modo que elas acabam por sofrer uma nova perda, ou simplesmente não são adotadas, gerando um novo trabalho a ser feito para que o jovem não se sinta rejeitado. Assim, o projeto do apadrinhamento afetivo pode ser utilizado de forma positiva, para aplacar as situações de luto que algumas crianças acabam criando em si, por sofrer incessantes perdas.
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro em sua cartilha ‘Apadrinhar: amar e agir para realizar sonhos’ fala sobre o objetivo que o programa do apadrinhamento pretende alcançar:
“Espera-se que a troca afetiva com um padrinho e/ou madrinha possibilite a crianças e adolescentes acolhidos à construção de referências afetivas e sociais, facilitando a elaboração do sentimento de abandono e o desenvolvimento do sentimento de pertencimento. Dessa forma, cria-se a possibilidade de recuperar a autoestima de crianças e adolescentes, pela oportunidade de serem investidos de afetos e cuidados. A vinculação afetiva de qualidade favorece o estabelecimento de relacionamentos estáveis e duradouros que se tornarão referenciais familiares e sociais para o futuro. Essa experiência pode ajudar na superação do sentimento de solidão, muito comum nos jovens em situação de abandono, quando atingem a maioridade”. (PORTO; BRAGA; SOUZA, 2015, p.07)
Maria da Penha, psicóloga coordenadora do programa de apadrinhamento afetivo na ONG Aconchego, em Brasília, diz em sua entrevista ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça):
“O apadrinhamento afetivo é um programa voltado para crianças e adolescentes que vivem em situação de acolhimento ou em famílias acolhedoras, com o objetivo de promover vínculos afetivos seguros e duradouros entre eles e pessoas da comunidade que se dispõem a ser padrinhos e madrinhas.”( Disponível em:<http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/77259- apadrinhamento-afetivo-de-criancas-e-adolescentesentenda-como-funciona> Acesso em: 25/10/2016, 22:39:15)
Desse modo, apadrinhamento afetivo é programa desenvolvido que tem como intuito reinserir criança e adolescente maiores de 07 (sete) anos, na sociedade para que estas aprendam e tenham contato com uma estrutura familiar, não se sinta rejeitada e possam desenvolver laços de afeto com um adulto, buscando modificar o futuro desses jovens.
Todavia, existem requisitos para se tornar um padrinho afetivo, ser maior de 18 (dezoito) anos, disponibilidade de tempo e afeto, ter um ambiente familiar receptivo, concordância do cônjuge e da família, não estar cadastrado para adoção, não apresentar demanda judicial que envolva situações com crianças e adolescentes ou qualquer outra relevante. O interessado poderá se cadastrar e quando for escolhida uma criança com seu perfil ambos serão submetidos a oficinas de preparação para aprender sobre como será a convivência entre os dois.
A todo instante a relação será acompanhada por assistentes sociais e psicólogos, os quais observarão se o ambiente para a criança é saudável, se não esta sofrendo nenhum tipo de agressão e, principalmente, se não há um ambiente propício para que a criança ou adolescente não desenvolva a ilusão de que poderá ser adotado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo buscou esclarecer que há outras formas de possibilitar que crianças e adolescentes, que vivam em abrigos, tenham a oportunidade de compreender, e principalmente, de vivenciar, o que é a convivência familiar saudável, tendo a chance de partilhar momentos em família, sem que haja um compromisso efetivo em se falar em adoção.
Dentre as diversas questões que cercam o tema apresentado a busca pela garantia dos direitos da criança e do adolescente a uma excelente convivência familiar é constante. No entanto, entre o intervalo de tempo que existe entre o desligamento familiar da criança ou adolescente e a colocação em família substituta, faz com que os jovens permaneçam em instituições como abrigos ou orfanatos; por melhor que seja a instituição até que a criança seja adotada ela esta com seu direito fundamental a convivência familiar violado.
A convivência familiar saudável influencia e muito na idade que o apadrinhamento permite que uma criança seja apadrinhada afetivamente, pois é neste momento que o caráter social e psicológico do jovem esta sendo formado, portanto as experiências vividas nesta faixa etária ele levará consigo sempre. Então se o jovem receber carinho, afeto, bons exemplos do que é ser um cidadão de bem com a justiça e com a comunidade, presumisse que ele agirá da forma que lhe foi ensinado, ou pelo menos com a qual ele teve contato.
Embora o ECA procure garantir os direitos da criança e do adolescente algumas vezes acaba não tendo o alcance ou resultado esperado. Assim, a criação do Projeto de Apadrinhamento tem como objetivo sanar estas falhas que ocorre antes da provável adoção. Dando oportunidade às crianças de vivenciarem um ambiente familiar.
Outra situação interessante do apadrinhamento afetivo é o constante acompanhamento psicológico que o jovem recebe, o qual proporciona um tipo de contato afetivo sem a criação de expectativa de ser adotado. Diante dessa realidade o jovem não se frustra, além disso consegue perceber que talvez o apadrinhamento evolua para uma possível adoção que poderá vir a ter caráter permanente, o que fará com que esta criança não retorne ao abrigo.
Os Tribunais de Justiça de alguns Estados como, por exemplo, o do Rio de Janeiro, Mato Grosso, São Paulo e o Distrito Federal já adotaram o projeto do apadrinhamento e iniciaram a implantação em suas comarcas. As instituições que desejam participar do projeto de apadrinhamento deverão se cadastrar no fórum da comarca que pertence, uma vez que, se começar a prestar o serviço sem estar vinculada e passar pelos procedimentos requeridos o apadrinhamento celebrado será desfeito a partir do conhecimento da falta de vinculo. Isso pode gerar na criança sentimentos de luto pois, o laço que havia criado foi desfeito.
Diante de questões como esta devemos nos atentar não só a estes riscos, mas também a outras questões levantadas como a possiblidade de pedofilia, ou a expectativa de adoção realmente não ser criada. Porém ainda é um programa que esta iniciando e vem ganhando espaço, não existe ainda a possibilidade de dizer que alguns riscos como os citados acima não ocorram, no entanto, o projeto a ser desenvolvido visa o acompanhamento constante de assistentes sociais e psicólogos, estes percebendo alguma situação inusitada ficam responsáveis por interromper o apadrinhamento.
Enfim, ainda existe muito trabalho a ser feito, muitos desafios a serem enfrentados momentaneamente, até o desenvolvimento total deste projeto para que algumas contradições e questões sejam esclarecidas. Por isso, é importante ressaltar que novos estudos devem ser feitos buscando a compreensão do trabalho desenvolvido pelo apadrinhamento afetivo e as relações criadas entre as crianças ou adolescentes com seus respectivos padrinhos, pois pode ser a solução para crianças que se encontram em situação de abandono a terem uma nova oportunidade de convívio familiar, proporcionando-lhes os direitos dos quais estão privados que o ECA tanto preserva.
Informações Sobre o Autor
Sabrina Baldoino da Silva
Acadêmica de Direito na Universidade Brasil