Resumo: Este trabalho busca transmitir, a partir de decisões traçadas pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, como também de entendimentos legais e doutrinários, informações capazes de esclarecer a importância de se registrar os contratos de aquisição da propriedade, providência imprescindível para o comprador obter segurança jurídica nas relações negociais de compra e venda de bem imóvel.
Palavras-chaves: Instrumento Contratual de Promessa de Compra e Venda. Bem imóvel. Matricula Imobiliária. Ausência do registro. Risco do negócio. Registro no cartório de Registro de Imóveis. Efeitos.
1 INTRODUÇÃO
Há tempos, o direito à propriedade é um dos direitos mais almejados por grande parte da sociedade, trata-se, inclusive, de um dos direitos protegidos pela Constituição Federal de 1.988, claramente se sedimentando no artigo 5º, inciso XXII, como se observa:
“Art, 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…)
XXII – é garantido o direito de propriedade”
Referido direito gera um vínculo entre o proprietário e a coisa, neste estudo, bem imóvel, conferindo ao detentor o exercício de direitos, como também a utilização das prerrogativas de usar, gozar, fruir, dispor, bem como opor-se perante terceiros nas relações jurídicas, reivindicando o bem de quem injustamente o possua.
Fábio Ulhoa Coelho (2016, p. 25), com brilhantismo explica que:
“[…] O titular do direito real pode defendê-lo onde quer que se encontre a coisa a que se refere. O proprietário, por força do direito de sequela, pode reivindicar o bem que lhe pertence de quem injustamente o possui […]” [1]
Pois bem, para se valer dos privilégios legais para a proteção do imóvel, o comprador deve se atentar ao fato de que no momento da aquisição, a adoção das providências regulares é de suma importância para a segurança jurídica.
Ocorre que nas negociações imobiliárias em que não haja o registro da transação no Cartório de Registro de Imóveis competente, impossibilita que o adquirente detenha o direito real de aquisição, conforme preconizado no artigo 1.227 do Código Civil.
No entanto, no escopo de se obter sucesso na transação imobiliária e evitar dissabores futuros, deve o comprador adotar os requintes necessários no momento da celebração do negócio, diligenciando junto ao cartório de registro de imóveis competente, com o intuito de evitar riscos, perda de dinheiro e possíveis problemas judiciais.
Tais providencias, agregada a um exame documental em relação à pessoa do vendedor, tornará o negócio seguro, e seguirá o caminho correto para a sua eficácia e validade, visando a transferência da propriedade do bem imóvel.
2 DO CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA
Para entendermos a importância de um contrato de promessa de compra e venda nas transações imobiliárias, é necessário adotar como ponto de partida os ditames do Código Civil.
Inicialmente, na Seção I das Disposições Gerais, do Capítulo I da Compra e Venda, do citado Diploma, observa-se que o contrato de compra e venda, classifica-se como sendo bilateral, oneroso ou comutativo e translativo.
Diz-se bilateral o contrato firmado entre as partes, acordo de vontades, as quais pactuam deveres precípuos, ficando o comprador obrigado a cumprir com o pagamento do bem imóvel e o vendedor obrigado a transferir o seu domínio no final da avença.
Oneroso ou comutativo, pois pactua preço certo, exigindo-se contraprestação entre os contratantes, sabendo-se a forma como se dará o pagamento, já estando determinado o objeto da prestação. Quanto à sua translatividade, o contrato de compra e venda dá ensejo à transferência de propriedade.
Nas palavras de Walter Ceneviva (1979, p. 29) “O contrato, a título oneroso ou gratuito, reúne a vontade das partes um instrumento que produz efeitos obrigacionais.”[2]
Ainda, para a sua validade, o negócio jurídico deve estar consubstanciado no Código Civil, sendo imprescindível a verificação das exigências contidas no artigo 104, incisos, I, II e III, ou seja: agente capaz; objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei.
Considerando que o contrato desempenha uma função social, implicitamente estão contidas no cerne do instrumento a boa-fé objetiva, a probidade, a ética, o dever de informação e a confiança entre as partes envolvidas.
A promessa de compra e venda é espécie de contratos preliminares, não exigindo-se qualquer forma especial para a sua elaboração e não tem eficácia de transferência de domínio. No entanto, faz com que as partes ajustam a celebração de contrato futuro, refletindo em uma relação obrigacional à luz dos artigos 462 e 463 do novo Código Civil, senão vejamos:
“Art. 462. O contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado.
Art. 463. Concluído o contrato preliminar, com observância do disposto no artigo antecedente, e desde que dele não conste cláusula de arrependimento, qualquer das partes terá o direito de exigir a celebração do definitivo, assinando prazo à outra para que o efetive.
Parágrafo único. O contrato preliminar deverá ser levado ao registro competente.”
Nas sábias palavras de Luiz Antonio Scavone Junior (2011, p. 591):
“A promessa de compra e venda é um pré-contrato, cujo objetivo é uma obrigação de fazer do promitente vendedor, que se obriga a outorgar a escritura quando receber todo o preço convencionado.
Esse documento não exige a escritura pública, embora possa também utilizar essa forma facultativamente.” [3]
Deste modo, nas negociações imobiliárias, a importância da celebração do compromisso de promessa de compra e venda, está no fato de se poder conferir direito real à aquisição da propriedade.
No entanto, é necessário o registro da promessa de compra e venda perante o oficial de Registro de Imóveis onde se encontra matriculado o bem, para que o comprador adquira o direito real a aquisição, gere efeito erga omnes, passando a valer contra terceiros e conferindo publicidade da titularidade. Ademais, poderá se opor perante o anterior comprador que não registrou o seu instrumento.
Assim, a importância do registro está na garantia de segurança aos direitos do promitente comprador, para tanto, destaca-se os artigos n. 1.417 e 1.418:
“Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.
Art. 1.418. O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.”
Por outro lado, não havendo o registro da promessa, o promitente comprador possuirá tão somente o direito pessoal, que gera efeitos somente entre as partes, não podendo se opor contra terceiros, sendo que em caso de descumprimento do pactuado restará tão somente ao titular do direito violado as garantias do artigo 389 do Código Civil, sendo elas perdas e danos, mais juros e atualização monetária e honorários de advogado, caso estabelecidos.
3 QUANTO À SITUAÇÃO JURÍDICA DO IMÓVEL
A razão da celebração de um contrato preliminar, no caso da promessa de compra e venda, como visto anteriormente, está no fato de se conferir direito real à aquisição. No entanto, agregadas ao contrato preliminar, as documentações referentes ao imóvel são de extrema importância para a segurança jurídica e eficácia do negócio.
Em relação à matrícula imobiliária, ela representa a própria vida em si do bem imóvel, nela são anotadas todas as realidades jurídicas, a sua individualização, bem como a sua localização, é um histórico de vida, por assim dizer.
Sobre o tema, o Ilustre Mestre Luiz Antonio Scavone Junior, leciona (2011, p. 570):
“A matrícula nada mais é que uma ficha, contendo os dados do Registro de Imóveis, um número único atribuído a cada imóvel, a descrição do imóvel e seu proprietário.
Além disso, nessa ficha vão sendo registradas as alterações de registro, como, por exemplo, as vendas (Lei 6.015/1973, art. 167).
Sendo assim, nela verificamos se aquele que vende é realmente o proprietário.” [3]
Através desta certidão é possível verificar se o promitente vendedor é realmente o proprietário da coisa imóvel, sendo possível saber se há ônus reais que impeçam, mesmo que temporariamente, a sua alienação, tais como penhoras, hipotecas, usufrutos, cláusulas de inalienabilidade, incapacidade do vendedor.
Outros documentos são de suma importância, tais como levantamento de dívidas de condomínio, tributos municipais e de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), considerados como obrigações propter rem, os quais estão atrelados ao imóvel, sendo que havendo débitos, o comprador responderá pela quitação.
De acordo com o artigo 1.345, do Código Civil, “O adquirente de unidade responde pelos débitos do alienante, em relação ao condomínio, inclusive multas e juros moratórios.”.
A esse respeito, temos recente julgado da Egrégia Corte do TJSP que assim decidiu:
“Despesas de condomínio. Ação de cobrança de contribuições condominiais vencidas antes da entrega das chaves. A entrega das chaves da unidade condominial depois do vencimento das parcelas não afasta a obrigação do comprador, sem prejuízo de eventual ação regressiva contra a construtora. Obrigação “propter rem”. Recurso desprovido.” (Apelação n.º 1005314-17.2015.8.26.0152 – 36ª Câmara de Direito Privado – Rel. PEDRO BACCARAT– 14/07/2016)
Luiz Antonio Scavone Junior, assim se posiciona (2011, p. 572):
“Os débitos condominiais assim como os débitos com impostos imobiliários, são obrigações propter rem, ou seja, o imóvel responde pela obrigação, seja quem for o seu titular que, nessa condição, responderá pela ação nos termos do art. 1.345, do Código Civil.” [3]
Desta forma, a jurisprudência, assim como os entendimentos doutrinários revelam que os débitos condominiais, assim como o IPTU, são obrigações que acompanham a coisa, sendo que o comprador irá assumir a responsabilidade de quitação deste débito.
Assim, cabe ao adquirente compreender a importância de se levantar tais dados, a fim de evitar que se arque com tais pagamentos.
4 QUANTO À PESSOA DO VENDEDOR
O vendedor deve apresentar ao comprador um rol de certidões e documentos para demonstrar a existência ou não de pendências em relação à sua pessoa. Tais providências cuidam de garantir que num dado futuro o comprador não venha a perder o bem em razão de demandadas judiciais ou dívidas públicas e/ou privadas adquiridas pelo vendedor, anteriores a celebração do negócio.
Na existência de dívidas é importante que o vendedor adote medidas que possam demonstrar ao comprador a existência de patrimônio para cobri-las.
5 ALGUMAS PECULIARIDADES REFERENTES AO VENDEDOR
5.1 Negociação de bem imóvel anteriormente alienado entre ascendente e descendente
Para a venda de imóvel entre ascendente e descendente é termo circunstancial a anuência de todos os demais herdeiros. Com isso, de posse da matrícula imobiliária é possível observar a origem da aquisição da propriedade pelo atual proprietário e, havendo indícios de que houve a transação de venda entre entes desta linha sucessória, cabe ao comprador o dever de providenciar todos os levantamentos documentais suscetíveis que o subsidie.
É de suma importância a verificação da existência ou não da concordância de todos os herdeiros à época, sob pena de nulidade relativa da compra e venda.
“Art. 496. É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.”
A 4ª Câmara de Direito Privado do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, sobre a questão se posicionou:
“Anulatória de ato jurídico. Transmissão de imóvel de ascendente para descendente. Cerceamento de defesa não configurado. Desnecessidade de produção de prova oral em decorrência da documentação existente. Devido processo legal observado. Ausência de citação do cônjuge do corréu não trouxe lesividade, pois o bem pertencente a este não foi alcançado pela decisão em referência. Prescrição não se faz presente. Autor menor impúbere na ocasião dos fatos. Ação proposta quando o integrante do polo ativo completou dezoito anos, portanto, dentro do prazo legal. Usucapião não caracterizada, ante a insuficiência de lapso cronológico para tanto. Anulação do negócio deve prevalecer. Apelos desprovidos.” (Apelação Cível n.º 0.000.020-90.2010.8.26.0664 – 4ª Câmara de Direito Privado – Rel. NATAN ZELINSCHI DE ARRUDA – 01/03/2012)
Desta feita, o comprador que não adotar as medidas necessárias poderá se ver diante de uma demanda judicial de anulação de negócio jurídico, a qual poderá ser proposta tanto pelo cônjuge como pelos descendentes do vendedor, que não anuíram com a alienação à época do negócio.
5.2 Imóvel de propriedade de menor
Quando se tratar de proprietário menor, ao comprador que intenciona a compra do bem, são exigidas algumas observações fundamentais para a validade do negócio. O Código Civil disciplina a matéria no artigo 1.691 dispondo que os pais não podem alienar ou gravar de ônus reais (obrigações que limitam o uso e gozo do bem imóvel, constituindo gravame), os imóveis de propriedade dos filhos menores, exceto se tal ato é questão de necessidade ou evidente interesse da família, sendo necessário alvará judicial para a autorização da venda, em nome do menor.
Nesta seara, há a existência de procedimento judicial, com a manifestação do Ministério Público e a verificação de todas as questões que amparam a necessidade de venda do bem pelos pais, desde que fique demonstrada que a medida trará benesses ao menor.
Ao final é autorizado os poderes para que os genitores procedam a venda, assinem papéis e documentos, outorgue a escritura, bem como deem quitação e assinatura de papéis e documentos. O alvará judicial ficará arquivado no cartório de notas, sendo cogente a averbação na matrícula do imóvel. Ademais, o valor da avença deverá ser objeto de depósito judicial.
5.3 Prova de estado civil do vendedor
A prova sobre o estado civil do vendedor é item de suma importância para conduzir adequadamente as transações de compra e venda, pois, de acordo com o regime de bens adotado, algumas medidas se tornam imprescindíveis para a validade do negócio, influenciando por completo as tratativas e, perfazendo um conjunto de regras em face de terceiros.
Sendo o vendedor casado, imperativo saber qual o regime de bens adotado, qual a data da aquisição da propriedade, se anterior ou posterior ao casamento. Referidas informações disciplinarão a relação patrimonial do casal e direcionará a adoção das providências necessárias para a validade da transação imobiliária.
Anterior à edição da Lei do Divórcio, Lei n. 6.515 de 26 de Dezembro de 1977, o regime adotado nos casamentos era o da comunhão de bens, e vigorava como uma regra na ausência de regime especificado pelos nubentes. Assim, nas transações de compra e venda, na qual figure como vendedor pessoa casada sob este regime, deverá haver a vênia conjugal para a celebração da venda, haja vista o resguardo ao direito à meação, pois os bens presentes e futuros dos cônjuges adquiridos antes do casamento e no curso da vida passam a ser comuns do casal.
Com o advento do Código Civil de 2002, passou a vigorar como regra o regime da comunhão parcial, conforme disposto no artigo 1.640, do citado Diploma, a saber:
“Art. 1.640. Não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial.
Parágrafo único. Poderão os nubentes, no processo de habilitação, optar por qualquer dos regimes que este código regula. Quanto à forma, reduzir-se-á a termo a opção pela comunhão parcial, fazendo-se o pacto antenupcial por escritura pública, nas demais escolhas.”
Com tal regramento, resta claro que no regime de comunhão parcial, os bens que se comunicam são aqueles adquiridos na constância do matrimônio, sendo necessária a autorização do outro cônjuge para a alienação do bem. Por outro lado, os bens contraídos antes do casamento são de propriedade individual de que os adquiriu.
Importante, ainda, observar se o bem fora adquirido pelo vendedor, durante o casamento, a título de sucessão, doação e os sub-rogados em seu lugar, sendo necessária a análise minuciosa dos artigos 1.659 e 1.660 do Código Civil.
Ainda assim, para a validade das transações imobiliárias prevalece a necessidade de autorização do outro cônjuge, qualquer que seja o regime de casamento regente, conforme preconiza o Código Civil em seus artigos, a saber:
“Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:
I – alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;
Art. 1.648. Cabe ao juiz, nos casos do artigo antecedente, suprir a outorga, quando um dos cônjuges a denegue sem motivo justo, ou lhe seja impossível concedê-la.
Art. 1.649. A falta de autorização, não suprida pelo juiz, quando necessária (art. 1.647), tornará anulável o ato praticado, podendo o outro cônjuge pleitear-lhe a anulação, até dois anos depois de terminada a sociedade conjugal”.
O citado artigo cuidou de conferir proteção e controle por parte do outro cônjuge, para que não haja dilapidação patrimonial e resguardo do equilíbrio econômico do casal, especialmente em relação aos interesses de menores.
6 CONCLUSÃO
Diante da adoção de várias providências, aliadas a uma análise minuciosa e detalhada de todos os fatos jurídicos do bem imóvel negociado, como também da situação do vendedor, aliada, ainda a uma negociação consciente e cristalina, confere ao comprador a obtenção de maior segurança jurídica, fundamental para esquivá-lo de problemas posteriores que possam afetar a sua tranquilidade.
Informações Sobre o Autor
Gislene Aparecida Ferreira
Advogada pós graduada em Direito Imobiliário