Resumo: Discutir a origem e o desenvolvimento da questão da técnica na filosofia de Heidegger, partindo da crítica à metafísica tradicional[1] com o histórico do autovelamento e esquecimento do ser que ocorre na filosofia ocidental desde Platão[2] até Nietzsche[3].
Para Heidegger, a metafísica é ontologia[4]. A técnica e a ciência moderna seriam, portanto, a figura acabada desta metafísica[5].
Heidegger aborda a questão na obra publicada em 1938 intitulada de “Contribuições à filosofia acerca do acontecimento” onde legou o problema da técnica com a história do ser e seu esquecimento.
Heidegger descobriu que é o próprio ser que se revela na época moderna, com simples presença. O próprio ser humano é jogado para dentro deste empreendimento técnico-maquinador de controle e domínio das coisas para ter a máxima eficiência.
A técnica não é nenhum saber senão a organização de correções do âmbito explicativo. O mundo humano transformou-se em um universo técnico, no qual estamos presos e arredados.
A expansão da técnica constitui dimensão planetária da razão calculadora e conduz ao perigo do esquecimento do ser. Mas onde reside o perigo também há o que salva.
Em seu texto “A questão da técnica” de 1959 mostrou que o ser se dá nos moldes da técnica moderna e, quais as armadilhas este modo de conceber-nos, sendo capazes de nos manter cegos à sua essência.
A técnica não é a mesma coisa que a sua essência[6] e, de que esta, de modo algum, é algo técnico. A técnica não é como um instrumento ou atividade humana, mas de um modo de desvelar os entes como reserva disponível.
A técnica moderna[7] dirige-se para a natureza em provocação na qual ela é convocada em vista de que se anuncia de alguma forma comprovável por cálculo e permanência à nossa disposição.
A essência da técnica[8] é o que Heidegger chama Gestill, significando uma interpretação produtora que põe o homem a desvelar o real como fundo de reserva no modo de encomendar, permanecendo condenado à vontade do cultivo do que calculável em sua facticidade.
A libertação deste universo da técnica[9] ou a convivência com tal, nos é possível sem que estejam cavando o próprio túmulo?
Heidegger resgatou o conceito original da técnica como techné, mostrando a obediência às sugestões da natureza sem agredi-la, uma produção não exploradora, mas um permitir as coisas serem em acordo com suas possibilidades.
Permitiu ainda o filósofo alemão colocar-se fora do perigo da técnica voltando-se a centrar em outro modo de produção. Afinal, a técnica é um momento de acontecência[10] onde a linguagem se encontra com as condições favoráveis à sua preservação.
A linguagem é a casa[11] do ser e o homem é o seu pastor. A linguagem[12] tem função de proteger e zelar pela mensagem do ser. E, a salvação estaria no caminho de pôr-se poeticamente à escuta do ser.
A questão possui especial status para Heidegger, sendo parte do desdobramento de sua analítica existencial e partir de uma ontologia fundamental.
A técnica é um ponto final da história do esquecimento do ser, iniciado com a metafísica. O problema do sentido do ser é o pano de fundo da questão sobre a técnica na perspectiva de Heidegger que mais se parece com o caminho[13] elaborado pelo filósofo dentro da Floresta Negra quando retomou a indagação sobre as bases da filosofia tradicional e metafísica.
A história da metafísica segundo Heidegger é a história do esquecimento da diferença ontológica entre o ser e o ente. O ser não é o ente, embora não apareça senão em ligação com ele. O ser não é o mesmo que o ente revela[14].
Para a metafísica tradicional, o ser é concebido de acordo com a simples presença do ente. Já o conhecimento do ente inclui entender o projeto dentro do qual o ente chega ao ser, aparecendo na presença. A compreensão do ser é ir além, é ultrapassar o ente como tal, incluindo a compreensão prévia da metafísica vista como ontologia.
A pergunta que persiste pelo que é o ente tem que ser precedida pelo o que é o sentido de ser.
Em dissonância a esta concepção de ser[15], o pensamento ocidental restringe o ser ao que é característico e que constitui o ente enquanto tal, ou seja, concebe o ser como sendo característica universal, comum de todos os entes, como espécie de conceito geral e abstrato que o ente possui, ou como Heidegger mesmo afirmou: “O esquecimento do ser corresponde à compreensão dominante de ser (…)” ser como conceito mais geral e corrente”.
Afinal, preocupar-se com o ser é perguntar-se pelo que todos os entes têm em comum. A metafísica converte-se, para Heidegger, em sinônimo do esquecimento do ser (seinsvergessenheit).
No texto “A essência do fundamento” de Heidegger que partiu do princípio da razão suficiente que, a partir de Aristóteles, diz que tudo o que existe tem uma causa ou fundamento: o conhecimento do ente, portanto, é o conhecimento que investiga no seu fundamento.
Na perspectiva da metafísica, o ser é identificado com o ente a partir de sua simples presença.
Técnica (in technic), o sentido geral coincide com o sentido geral do termo e com o sentido geral de arte. Compreende qualquer conjunto de regras aptas a dirigir eficazmente uma atividade qualquer.
Nesse sentido, a técnica não se distingue de arte, de ciência, nem qualquer processo ou operação capaz de produzir ume feito qualquer seu campo, estender-se tanto quanto o de todas as atividades humanas.
Técnica segundo significado atribuído por Kant[16] que cogita da natureza para indicar causalidade dela (Crítico ao juízo prático), mas negou que a filosofia, especial a filosofia prática, pudesse ter uma técnica porque não pode cogitar uma causalidade[17] necessária.
Os pressupostos desse significado, porém, é a redução da técnica ao procedimento causal, ao passo que, esse termo foi entendido (de melhor maneira) como procedimento qualquer regido por normas e provido de certa eficácia.
Nesse sentido, de significado generalíssimo incluem-se, portanto, os procedimentos mais díspares que podem ser divididos, grosso modo, em dois campos diferentes.·.
As técnicas racionais que são relativamente independentes dos sistemas particulares de ciências podem levar à modificação desses sistemas e são autocorrigíveis.
As técnicas mágicas e religiosas que só podem ser colocadas em práticas com base em certos sistemas de crenças e, não podem, portanto, modificar esses sintomas e apresentam-se também como não-corrigíveis ou não-modificáveis.
Tais técnicas racionais, por sua vez, distinguem em técnicas simbólicas (cognitivas ou estéticas) que são próprias da ciência e das belas artes. Há as técnicas de comportamento (morais, políticas, econômicas e, etc) e, ainda, as técnicas de produção.
As técnicas cognitivas e artísticas podem ser chamadas de simbólicas que consistem essencialmente no uso de signos. Distinguem-se dos métodos, que a rigor, são indicações gerais sobre o caráter das técnicas a serem seguidas.
As técnicas simbólicas podem ser, a saber: de explicação, de previsão ou de comunicação, mas tais distinções não são mutuamente excludentes.
As técnicas do comportamento do homem em religião a outro homem, o que traduz um campo muito vasto que compreende as zonas díspares e vão desde as técnicas eróticas às de propaganda; das técnicas econômicas até as morais; das técnicas jurídicas até às educacionais.
Também, nesse grupo, se podem incluir, as técnicas organizacionais ou organizativas que visam encontrar as condições para obter o mandamento máximo com o mínimo de esforço em todos os domínios da atividade humana.
O terceiro grupo de técnicas é o que se referem ao comportamento do homem em relação à natureza e que visa à produção de bens. A técnica sempre acompanhou a vida do homem na terra, sendo o homem conforme assinalou Platão, o animal mais indefeso e inerme de toda a criação.
Para a sobrevivência do grupo é indispensável certo grau de desenvolvimento da técnica e a sobrevivência do bem-estar do grupo humano está cada vez mais condicionada pelo desenvolvimento de meios técnicos.
A técnica se relaciona com a verdade. E, o primeiro filósofo a reconhecer a verdade foi Francis Bacon que no começo do século XVII abordou a atuação da ciência tinha em vista o bem-estar o homem e visava a produzir em última análise, descobertas que facilitassem a vida do homem na terra.
A cidade ideal é o paraíso das técnicas onde foram as invenções e as descobertas de todo mundo. O sansimonismo[18] e o positivismo[19] do século XIX compartilharam a exaltação de Bacon da técnica. Só depois do século XIX e nas primeiras décadas do século XX foi que começou a se manifestar o que hoje se chama de problema da técnica, nascido das consequências produzidas pelo desenvolvimento das consequências produzidas pelo desenvolvimento da técnica do mundo moderno sobre a vida individual, social e política do homem.
Antes da Segunda Guerra Mundial, o conflito entre o homem e a técnica foi o lema predileto da literatura profetizadora. O profeta da decadência e da morte da civilização ocidental, como O. Spengler e, os defensores da espiritualidade pura haviam identificado a máquina como causa direta ou indireta da decadência espiritual do homem.
O mundo onde a máquina domina não tem alma, é nivelador e aviltante; um mundo sobre a quantidade tomou o lugar da qualidade, onde o culto dos valores do espírito foi substituído pelo culto de valores instrumentais e utilitários.
Depois do fim da Segunda Guerra Mundial, essas acusações foram reforçadas e desenvolvidas, e ainda estão presentes em toda obra de Albert Camus[20] (vide, por exemplo, Ni bourreaux ni victimes, 1946).
Para outros pensadores, o mal do maquinismo estará no desrraizamento que produz no homem, condenado a técnica e, então, outros pensadores que ainda acalantavam, a utopia do retorno à produção artesanal.
Por outro lado, a partir da obra de Husserl[21], “A crise das ciências europeias”, de 1954, a técnica e a ciência passaram a ser frequentemente consideradas uma degradação ou uma traição da razão autêntica, pois escravizam a razão aos objetivos utilitários ao passo que sua verdadeira função é o conhecimento desinteressado do ser e a contemplação.
Esse conceito constitui a base de todas as críticas dirigidas à sociedade contemporânea que estaria fundada na técnica[22] e dominada completamente pela tecnocracia.
Mas, atualmente há farta literatura que, apesar de não partir de preconceitos metafísicos, ideológicos e teólogos, evidencia os aspectos negativos da técnica, que podem ser resumidos assim: primeiro: exploração intensa dos recursos naturais acima dos limites de seu restabelecimento natural, empobrecimento rápido desses recursos naturais; segundo: poluição do ar e da água por resíduos (do meio ambiente).
Repara-se que o ente presente, visto, aparece a si mesmo e ao ser de forma objetivável. O ser é moldado por completo no ente, daquele já não fica mais nada, só ficam os entes.
O ser do ente como fundamento é total e exclusivamente o ser posto e imposto pela vontade do homem produtor e organizador, sistematizador geral de toda a realidade.
A metafísica reduziu o ser do ente, à certeza da representação e à vontade de controle como vontade do sujeito de reduzir tudo a si mesmo.
E pensamento que, mesmo ao pôr o problema do ser, o esquece de imediatamente e se limita a considerar simples supremacia do ente.
Desaparecida a diferença ontológica e reduzido o ente a um sistema universal de fundação regido pelo princípio de razão suficiente já não fica nenhum ente realmente oculto.
Tudo é conhecimento ou, pelo menos, conhecido em sua mostração por intermédio dos métodos racionais (de fundar e explicar) da ciência e da técnica moderna.
A técnica é o fenômeno que expressa, no plano de modo de ser o homem no mundo, o desabrochar e o cumprimento da metafísica.
A tecnificação[23] do mundo é a realização efetiva da ideia de que o homem, a partir do desenvolvimento racional, pensa o ser das coisas como algo dependente dele próprio e que a ele se reduz.
A ciência busca o conhecimento das causas que a regem, única e exclusivamente para melhor controlá-las e dominá-las. A causa da ciência (e de tudo o que acontece no mundo) e da técnica não está na matéria, nem no desejo de conhecer os mistérios ocultos da natureza, mas na vontade de poder.
A causa da explosão da bomba em Hiroshima não está no poder do átomo, que é uma ficção enganosa, a verdadeira causa esta na vontade de poder do homem. É tal vontade que causa a explosão da bomba.
Heidegger a partir de sua reflexão quanto à ciência e seu pertencimento ao autovelamento e esquecimento do ser. Assim a ciência deve ser sempre entendida essencialmente em sentido moderno.
Desta forma, para o filósofo, a ciência não é nenhum saber, no sentido de formação, fundação e conservação de uma verdade essencial (assim como a técnica moderna), mas a apresentação maquinadora de um círculo de correção de um âmbito de uma verdade.
Por isso, o ente é visto como o limite dentro do qual a ciência exerce sua atividade, fazendo-o ciência positiva. A ciência rege objetivamente o real a partir de um conjunto de operações e processos na medida em que a natureza se oferece à representação em um sistema de movimento previsível por cálculo.
A ciência é só um título formal, sendo legitimada a partir de suas especializações. Ao contrário da arte ou da filosofia que se preocupam com a totalidade do ente em seu velamento-desvelamento, para a ciência a totalidade do ente se reduz à sua possibilidade de presença diante dela e de suas especialidades.
A especialização é essencial e condição de sobrevivência da ciência a partir da compreensão do ente como representação. Ela assegura para si uma região do real (o real se mostra como objeto), como domínio de seus objetos.
Toda ciência é explicativa e, por isso mesmo, reducionista. Ela conduz a totalidade do desconhecido a algo conhecido e compreensível a partir dos métodos investigativos.
O rigor da ciência procede de seu método que leva o âmbito objetivo a uma determinada direção de explicabilidade, que fundamentalmente já assegura a inevitabilidade de um resultado.
Nada escapa da relação causa e efeito pela ciência operada de sua inteligibilidade e quantificação. A ciência não aspira ao conhecimento genuíno, mas apenas as informações e resultados utilizáveis alcançados por meio de um método.
A primazia do proceder sobre a coisa descarta o caráter essencial do ente em favor de conhecimento obtido e produzir a partir desse ou daquele procedimento. Assim, a ciência tem de buscar a partir de si mesma (como método) a confirmação de sua necessidade.
Toda a ciência conta com a experiência. O experimento é a consequência essencial e necessária da exatidão. E, se legitima no modo da metafísica tradicional como pseudo-saber que assegura à vontade de poder o controle total dos entes em sua objetividade.
Essa mobilização técnico-maquinadora na qual reside a essência da ciência moderna reduz o ser à categoria de ente disponível e apresenta na presença como peça utilizável num sistema organizado a partir de seus métodos e previsíveis resultados.
A tecnificação do mundo é a realização efetiva e ilusória da ideia de que o homem, a partir de seu desenvolvimento pessoal, pensa o ser das coisas, a partir de si, como algo dependente dele próprio e que a ele se reduz.
Como um produto técnico, o mundo seria, no seu próprio ser, produto do homem. A ciência e a técnica determinam constitutivamente o rosto do mundo.
Techne é o germe do qual se desenvolveu a técnica moderna. A techne vai recuperar o conceito de caminho de retorna às causas[24] mesmas a partir de um pensar voltado ao essencial, ao ser, esquecido pela tradição metafísica ocidental[25].
Quando o humano se transformou em um universo (e, depois em multiverso) técnico no qual estamos arredados. Mas, o homem de hoje, na verdade, justamente não encontra mais a si mesmo, isto é, não encontra mais a sua própria essência. O homem permanece condenado à vontade do cultivo do que é calculável e de sua factibilidade (…).
Nem a ameaça exterior que vem da catástrofe mundial, no sentido de destruição física do homem, nem a ameaça interior[26] representa a mais perigosa e que nasce da transformação do homem na subjetividade, que se exalta voltando-se a si mesma contém a ameaça decisiva para a humanidade do homem.
O Dasein é no mundo e age para modificá-lo. Significando estar aberto aos apelos do ser. É, por meio da tecnologia e da produção a ser realizada que o Dasein tem acesso ao disponível.
O Dasein e a técnica representam o obreiro do ente. E, o fundamento da época técnica moderna é o ente em sua disponibilidade. Enfim, a técnica apresenta-se como marco instrumental do ser-no-mundo moderno.
Heidegger diferenciou a técnica moderna, enquanto esta se dirige para a natureza, sendo uma provocação da técnica antiga, mas empurrando à physis a manifestar as suas possibilidades.
A essência da técnica reside no que o filósofo chamou de Gestell (provocação) que é o sujeito no ato de provocar. Este poder de interpelação produtora que manifesta tudo o que é e pode ser, põe o homem a desvendar o real, como fundo de reserva no modo de encomendar, assim permanecendo condenado à vontade da cultura do que é calculável em sua facticidade.
A técnica põe o homem a caminho do desvelamento[27] do ser das coisas. O perigo surge para quem vai para o caminho da técnica, pois pode cegar o homem quanto à sua própria existência com a perda do ser.
Para Heidegger, a metafísica produtivista, a partir de Platão visa reduzir o ser ao estatuto de uma espécie superior de ente que, na era tecnológica, deveria ser observável publicamente ao ser suscetível de quantificação, ou seja, observável aos olhos do sujeito observador.
A técnica é o momento da acontecência[28] do ser ,pois põe o homem no caminho do desvelamento. O homem não pertence a si mesmo[29].
Não se trata de negar a ciência e nem a técnica, mas admitir que nada tem de absoluto. Trata-se de manter-se acordado o pensamento crítico na dimensão real e concreta.
Martim Heidegger representa um dos mais originais e importantes filósofos do século XX, mas também o mais controverso. Seu pensamento contribuiu para as mais diversas áreas, tais como a fenomenologia (Merleau-Ponty), o existencialismo (Sartre, Ortega y Gasset), a hermenêutica (Gadamer, Ricoeur), teoria política (Arendt, Marcuse) e psicologia (Boss e Rollo May), teologia (Bultman, Rahner e Tilich) e ainda o pós-modernismo *Derrida).
A principal preocupação era a ontologia. Em seus derradeiros trabalhos o filósofo sublinhou o niilismo da moderna sociedade tecnológica e tentou trazer a tradição da filosofia ocidental de volta para a questão do ser.
O conceito de existência, sem dúvida, é uma das principais contribuições de Heidegger para o pensamento universal. A palavra mesmo constitui-se em uma existência. Tudo o que está no mundo começa com a palavra, ou seja, tudo começa com a existência de algo; Assim estabelece a conexão entre as histórias do Ser e da linguagem.
Em sua visão científica apurada coloca o sujeito moderno do lado de fora do mundo posicionando-o como observador privilegiado e com a possibilidade de dominar o que vê. É como existisse uma barreira que separasse a esfera do olhar do sujeito em relação ao mundo do objeto. Assim, para o filósofo, tal dinâmica moderna é enganosa ao atrelar-se exclusivamente ao universo epistemológico.
O legado deixado pelo alemão Osvald Splengler influenciou Heidegger na consideração do Ocidente como mundo da época do ser. Assim Spengler que desenvolveu a ideia de que não há apenas um mundo histórico, mas sim, existiriam várias humanidades.
De acordo com Heidegger, a técnica moderna não funciona da mesma maneira que a técnica antiga. Pois antes, tudo o que fosse humano poderia ser objeto da técnica. A arguição em público fora o objeto que deu origem às técnicas de retórica. As técnicas assim caracterizam-se pela pluralidade em seus conceitos e orientações.
O descobrimento do ser, proporcionado pela técnica moderna, tem sentido de provocação da natureza, considerado como mera fonte de recursos manipulável.
A técnica moderna é, pois, a viva expressão da tecnologia, assim definida como todo o conhecimento operatório baseado na ciência ou então em outro tipo de saber.
A ideia de um mundo perfeito através da intervenção da técnica na realidade, constitui-se no pensamento a ambição predominante entre os contemporâneos. A moderna tecnologia é capaz de modificar o mundo e modificar o cotidiano a partir de uma nova maneira de desvelar o ser.
Técnica para Heidegger é diferente de pensamento tecnológica. A técnica consiste no saber operatório de um determinado campo do fazer humano. A crença de que a técnica é capaz de tudo e representar o ideal fora proposto pelo pensamento tecnológico.
Quanto mais se busca a perfeição, mais se esquiva das questões individuais, que diferenciam os indivíduos entre si, assim ingressamos na hegemonia de um pensamento tecnológico.
Conclui-se que a criatura ou o objeto criado se volta contra seu criador, tal qual na ficção de Mary Shelley, com Frankstein ou o Moderno Prometeu (1818) até as mais recentes narrativas que revelam o temor pelas consequências de intervenções da ciência e da técnica[30] no percurso evolutivo da humanidade.
Afinal, Heidegger é um pós-humanista que procura alertar para a reflexão acerca de um processo histórico que tende a adquirir o seu estágio máximo nos vindouros séculos.
E, diante do processo tecnológico que predomina nas coletividades modernas, o filósofo dispensa as visões extremas da fé incondicional ou do temor ingênuo pelo mundo maquinístico. Indica que apegar-se ao pensamento reflexivo, representa um dos únicos recursos disponíveis ao ser humano para transcender a interpelação técnica determinada pelo nosso tempo.
Informações Sobre o Autor
Gisele Leite
Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.