O princípio da insignificância e a autoridade policial

Resumo: Discorre quanto ao postulado doutrinário do Princípio da insignificância, sua origem histórica, suas formulações teóricas e integração ao Direito Penal brasileiro, com foco a sua aplicação pela autoridade policial, Polícia Judiciária. Determinando ainda as características e configurações desta, face ao Estado Democrático de Direito. Perpassa pela crise do sistema penitenciário e sua conexão com a morosidade do Poder Judiciário na prestação jurisdicional, que sobrecarrega o sistema penal. Relaciona ainda o exercício da Polícia judiciária com a preservação das garantias fundamentais elencadas na Constituição Federal e viabilização de um maior rendimento, na prestação realizada pelo Poder Judiciário e consequente aprimoramento dos objetivos do sistema penal. Demonstra a viabilidade do Princípio da insignificância como recurso disponível à autoridade policial, nesse auxílio ao poder judiciário em busca da preservação da dignidade da pessoa humana e demais elementos primordiais a um Estado Democrático de Direito. Aborda a ausência legislativa específica para o tema e as propostas existentes para remediar e conduzir à uma construção normativa eficaz, mencionando os projetos de lei a respeito e sua possível posição no Código Penal.[1]

Palavras-chave: Princípios. Insignificância. Polícia judiciária. Aplicação. Direito Penal.

Sumário: Introdução. 1. Origem histórica do princípio da insignificância. 1.1 Conceito de Princípio da Insignificância. 2. A estruturação do princípio da insignificância no direito penal brasileiro. 2.1 Fundamentos do princípio da insignificância. 2.2 Introdução do princípio da insignificância no direito brasileiro. 3 A polícia judiciária e o seu papel no estado democrático. 3.1 Disposição da polícia judiciária. 3.2 Natureza dos atos praticados pela polícia judiciária. 3.3 Atuação da polícia judiciária no Estado Democrático. 4. O princípio da insignificância e a polícia judiciária como forma de um judiciário mais funcional. 4.1 A hipertrofia do sistema prisional brasileiro. 4.2 A polícia judiciária como auxiliar do poder judiciário. 4.3 Controle de aplicação do princípio da insignificância pela autoridade policial. 4.4 Aplicabilidade prática Princípio da insignificância pela autoridade policial. 4.5 Perspectivas regulamentares para a aplicação do Princípio da Insignificância. 4.6 Benefícios da implementação administrativa do Princípio da Insignificância. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

Este programa de estudos e ideias desenvolve um diálogo acerca do Princípio da insignificância, recurso um tanto subjetivo do Direito, mas que em sua interpretação reforça o caráter extremo da aplicação da norma. Reduzindo a pesquisa ao campo do Direito Penal, este projeto busca expressar os benefícios a serem conquistados com a utilização deste princípio de forma direcionada. Tendo como protagonista a autoridade policial, o foco é evidenciar uma alternativa que proporcione, celeridade, e economia processual, desde as primeiras etapas da aplicação do Direito na esfera penal.

O método consiste em a partir de postulados doutrinários, normas, conteúdo jurisprudencial dentre outros recursos teóricos, identificar, diante da capacidade e competência da autoridade policial, a viabilidade para aplicar o Princípio da insignificância em sua atividade profissional, permitindo que os casos em que se admite a aplicabilidade do referido princípio, não cheguem à esfera processual, tornando mais ágil a solução aos envolvidos, reduzindo custos ao poder público e consequentemente gerando benefícios para a sociedade.

Observará se a aplicação deste princípio não produz um melhor resultado conforme a finalidade das penas, sem que o suspeito de um delito de consequências irrisórias seja submetido a um sistema carcerário incompatível com a situação que deu causa ao recolhimento.

A justiça penal abarrotada de processos e a ineficiência do sistema carcerário, índices constantes nas análises do sistema penal brasileiro, são informações também consideradas na realização deste estudo, no ímpeto de esclarecer, como se procederia essa medida, quais as contribuições da aplicação do Princípio da insignificância pela autoridade policial, para o atual sistema penal. E quais os meios nas aplicações deste método para promover resultados mais urgentes.

Outros questionamentos também se desdobram, referentes à competência e atuação da autoridade policial, como até onde iria esse exercício e a quem competiria regular os feitos.

Diante da sistemática social existe ainda a observação quanto aos impactos deste método sobre os índices de violência frente a proximidade da autoridade policial com as questões socialmente relevantes ao Direito Penal.

1. ORIGEM HISTÓRICA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

1.1 Conceito de Princípio da Insignificância

Os primeiro enunciados configurados no tocante ao Princípio da insignificância tem berço na obra de Claus Roxin, que baseia sua formulação pela máxima mínimis non curat praetor, expressão derivada do direito romano, para expressar a indiferença com que eram tratados os delitos de bagatela, como explica Guaracy Rebêlo (apud SILVA, 2011, p. 93, 94):

“A mencionada máxima jurídica, anônima, da Idade Média, eventualmente usada na forma minimis non curat praetor, significa que um magistrado (sentido de praetor em latim medieval) deve desprezar os casos insignificantes para cuidar das questões realmente inadiáveis”.

Na elaboração de seu conceito, para o instituto da insignificância, Roxin encaminhou-se para a observação da tipicidade, e a adoção do Direito Penal verdadeiramente como recurso extremo. O princípio foi construído no alicerce da subsidiariedade do Direito Penal e na tendência à descriminalização, que compreende ser necessária, a aplicação de todos os meios extrapenais, para só então recorrer ao Direito Penal como ultima ratio.

Roxin elaborou frente ao Princípio da insignificância, uma tendência à sua aplicação diante da hermenêutica. Para tanto, entendeu que era preciso desassociar a aplicação do Direito Penal de uma ciência exata, que compreende a existência de uma conduta socialmente reprovável, que deve ser enquadrada em um tipo penal existente, para uma consequente sanção, que despreza os demais fatores, como o autor e vítima, a lesividade e o bem jurídico tutelado. São exatamente os aspectos que ultrapassam a visão engessada do Direito Penal, que solidificam a sentença trazida em 1964 por Roxin, como explica em um trecho de sua obra:

“Aqui pertence igualmente o chamado princípio da insignificância, que permite excluir logo de plano lesões de bagatela da maioria dos tipos: maus-tratos são uma lesão grave ao bem-estar corporal, e não qualquer lesão; da mesma forma, […] só uma violenta lesão à pretensão de respeito social será criminalmente injuriosa. Por "violência" não se pode entender uma agressão mínima, mas somente a de certa intensidade, assim como uma ameaça deve ser "sensível", para adentrar no marco da criminalidade”. (ROXIN, 2002, p. 47; TRADUÇÃO: GRECO)

Com os ensinamentos de Roxin, a doutrina aprofundou a discussão sobre as regras deireito Penal e aplicação do Princípio da insignificância, colaborando com a edificação de conceitos diversos, norteados pelos critérios da baixa lesividade, do Direito Penal como ultima ratio e sua finalidade como mecanismo de controle social.

Dentre tais conceitos destaca-se o de TOLEDO que revela a existência de limites ao Direito Penal, visão que por vezes fica sufocada pela falsa certeza de que a sanção é a solução para todas as mazelas da sociedade. Este autor declara que uma gradação qualificativa e quantitativa do injusto, permite que o fato penalmente insignificante, seja excluído da tipicidade penal, excluindo-se da aplicação da lei penal os danos de pouca importância. Assim, o Princípio da insignificância se revela por inteiro pela sua própria denominação, pois o Direito Penal, por sua natureza fragmentária, só vai até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico. Assim, não deve ocupar-se de bagatelas. (TOLEDO, 2001, p. 133)

Por conceituação um tanto mais sucinta, o jurista DAMÁSIO DE JESUS pontua, a relevância da lesão jurídica, a exclusão de tipicidade do fato e a intervenção mínima do Direito Penal, como os elementos integrantes do Princípio da insignificância.

“Ligado aos chamados “crimes de bagatela” (ou “delitos de lesão mínima”), recomenda que o Direito Penal, pela adequação típica, somente intervenha nos casos de lesão jurídica de certa gravidade, reconhecendo a atipicidade do fato nas hipóteses de perturbações jurídicas mais leves (pequeníssima relevância material)”. (JESUS, 2011, p. 52)

Ainda nos conceitos doutrinários concernentes à bagatela, assevera MASSON que, “Este princípio, calcado em valores de política criminal, funciona como causa de exclusão da tipicidade, desempenhando uma interpretação restritiva do tipo penal.” (MASSON, 2014, p. 35), acentuando o cunho analítico deste instituto, na sua dependência interpretativa para efetivação.

Na conceituação trazida por CAPEZ, fica nítida a distinção entre ínfima lesividade e a desconsideração de conduta ilícita, explicando que a insignificância comunica-se com a materialidade, com o bem jurídico tutelado, tratado então como bagatela.

“- Os delitos de bagatela: o princípio aqui aplicável é o da insignificância, segundo o qual a lei não deve preocupar-se com infrações de pouca monta, insuscetíveis de causar o mais ínfimo dano à coletividade. Insignificância não se confunde com adequação social, pois, enquanto essa última pressupõe a total aprovação social da conduta, o princípio da insignificância apenas tolera a sua prática em virtude de sua escassa lesividade, continuando, todavia, a considerá-la socialmente inadequada”. (CAPEZ, 2012, p. 60)

De forma a alcançar variados enunciados, ESTEFAM colabora para a assimilação das proposições ao Princípio da insignificância sob seu prisma supralegal, sua independência do ordenamento e a profunda relação com outros princípios.

“O Direito Penal, num ambiente jurídico fundado na dignidade da pessoa humana, em que a pena criminal não constitui instrumento de dominação política ou submissão cega ao poder estatal, mas um meio para a salvaguarda dos valores constitucionais expressos ou implícitos, não deve criminalizar comportamentos que produzam lesões insignificantes aos bens juridicamente tutelados. Donde se conclui que condutas causadoras de danos ou perigos ínfimos aos bens penalmente protegidos são consideradas (materialmente) atípicas”. (STEFAM, 2012, p. 99)

Conhecendo a metodologia que circunda esse princípio infere-se que ele decorre da análise, verificação e do convencimento. Sua aplicação objetiva, retira a tipicidade, leva à inexistência da infração penal, sob o ponto de vista material, como já dito. Estende-se quanto ao resultado produzido e seu cabimento diante da tutela penal. Sendo princípio, é postulado voltado aos conflitos que transcendem o entendimento frio, técnico e prático da norma, e exigem abordagem coerente com a situação.

2 A ESTRUTURAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO DIREITO PENAL BRASILEIRO

2.1 Fundamentos do princípio da insignificância

Para a formação de todo o conhecimento parte-se da consolidação de uma estrutura, do fundamental que são os princípios. São os princípios jurídicos um marco, que delimita o desenvolvimento, a interpretação, a reformulação e a aplicação de diversos conteúdos do ordenamento jurídico. Entendimento que pode ser observado a partir do conceito formulado pelo Ministro Celso Antônio Bandeira de Mello, que ricamente discorre acerca dos princípios de forma geral em:

“Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo” (MELLO, 2010, p. 958)

Os parâmetros que delimitam o Princípio da insignificância no Direito Penal brasileiro são outros princípios, que autorizam a implementação de critérios para sua utilização, quais sejam dentre vários; o Princípio da igualdade, Princípio da liberdade, Princípio da fragmentariedade e Princípio da proporcionalidade. Princípios que conduzem ao exame da matéria penal e dos casos concretos, com respeito tanto às normas quanto aos preceitos que cada um destes regem.

Abordando inicialmente o Princípio da igualdade, sua raiz no ordenamento pátrio é o texto constitucional que prega a não distinção ou discriminação dos indivíduos, e um tratamento igualitário e equilibrado. Para o Princípio da insignificância, essa igualdade vai além de um tratamento indistinto da lei para com os indivíduos, trata-se de identificá-los, buscar na prestação jurisdicional e na aplicação da norma aquilo que mais se adeque à sua condição.

Como explica Ivan Luiz da Silva, nas condutas típicas que apresentem diferentes graus de lesividade, o intérprete penal deve atribuir um sentido material ao Princípio da Igualdade para dar tratamento desigual à situações fáticas desiguais. (SILVA, 2011, p.127)

Por este vértice o Princípio da igualdade fundamenta o Princípio da insignificância ao permitir a análise das características materiais do fato antes de considerá-lo ou não típico diante da norma que geralmente observa apenas aspectos formais.

Adicional ao Princípio da igualdade, outro importante sustentáculo para o Princípio da insignificância é o Princípio da liberdade, também oriundo da Constituição Federal, que neste sentido trata liberdade como desobrigação, condição em que o indivíduo, a menos por virtude de lei não pode ser impelido por obrigações de fazer ou não fazer o que quer que seja.

Das sanções penais admitidas no ordenamento brasileiro, a mais gravosa é a privação de liberdade, punição de caráter físico e psicológico, portanto considerada medida extrema, a ser aplicada com ressalvas, diante da natureza mandamental do Princípio da liberdade. A conjunção de liberdade deve ser a regra no meio social, enquanto que qualquer modalidade que a restrinja deve ter natureza excepcional.

O Princípio da insignificância recorre nos preceitos de liberdade a defesa da tese de que na ocorrência de condutas penalmente inexpressivas, o julgamento seja sempre pautado sobre a lesividade ao bem jurídico, não sejam alvo de punição por privação de liberdade, expediente máximo do direito penal, corporificando a ideia constitucional de liberdade como padrão.

Contempladas as questões relativas à igualdade e liberdade passemos ao Princípio da fragmentariedade, que ressalta a condição do Direito penal como parte num todo que é o ordenamento jurídico e para tanto estabelece sua atuação como recurso extremo, condição compatível com sua característica de não possuir objetividade ou exclusividade de tutela jurídica, essa característica do direito penal expõe sua natureza fragmentária como explica Ribeiro Lopes (apud SILVA, 2011, p. 130)

“A essa inexistência de objeto próprio e à consequência final desse processo de construção do sistema criminal sob uma escala de valores que não lhes é ontologicamente conhecida mas imposta pelas circunstâncias de história, ética e padrão cultural de cada povo, dá-se o nome – ou erige-se a categoria – fragmentariedade do Direito Penal.”

Evidenciada a implicação subsidiária do Direito Penal, o imperativo é que se consuma de forma extenuante, todos os outros ramos do direito disponíveis, antes de solicitar o resguardo penal, sempre atentando para a existência de certa monta quanto ao ultraje ao bem jurídico tutelado. Claus Roxin leciona sobre o tema:

“O Direito Penal é de natureza subsidiária. Ou seja: somente se pode punir as lesões de bens jurídicos e as contravenções contra fins de assistência social, se tal for indispensável para uma vida em comum ordenada. Onde bastem os meios de direito civil ou do direito público, o direito penal deve retirar-se, (…) consequentemente, e por ser a reação mais forte da comunidade, apenas se pode recorrer a ela em último lugar”. (ROXIN apud SILVA, 2011, p. 133)

Para o Princípio da insignificância, a subsidiariedade é assente com a apuração das condutas do ponto de vista material, anterior à sua adequação típica, para descartar do parêntese penal os danos diminutos.

O Princípio da proporcionalidade completa os fundamentos que se vinculam ao Princípio da insignificância. Sob este princípio está a concepção da busca por um equilíbrio na conformação e prescrição do ordenamento jurídico, que entende não poder haver inconciliabilidade entre uma lei e suas penas e os direitos fundamentais, de forma que a lei não produza agressão maior que a própria lesão que deu origem à punição.

Na prescrição ao Princípio da insignificância há um exercício de defesa dessa proporcionalidade.

“Em sede da teoria de insignificância em matéria penal, o Princípio da Proporcionalidade serve de fundamento ao Princípio da Insignificância, já que este o realiza concretamente quando incide sobre as condutas penalmente insignificantes para excluí-las do âmbito do Direito Penal em razão de haver desproporcionalidade entre o fato praticado e a resposta penal a essa prática”. (SILVA, 2011, p. 135)

Justapondo-se a todos esses princípios, o instituto da intervenção mínima relaciona-se intrinsecamente com o Princípio da insignificância, alicerçando sua viabilidade, assegurando a ingerência penal estritamente em ocasiões legítimas, inconciliáveis pelos demais ramos do Direito.

 A reunião dos fundamentos relacionados colaboram para a comunicação do Princípio da insignificância e sua aplicação no Direito Penal, com os direitos e garantias fundamentais do indivíduo, num Estado Democrático de Direito, como preconiza a Constituição Federal.

2.2 A introdução do princípio da insignificância no Direito Penal brasileiro

O Direito Penal no intento de prever o máximo de condutas puníveis e proteger amplamente os bens jurídicos por este tutelados, descreveu de forma genérica as ações que se adequam aos tipos penais, deixando uma imensa margem de possibilidades de incidência criminal, para fatos que por sua insignificante lesividade, poderiam não ser tratados como típicos.

Sob o enfoque dessa discrepância do Direito Penal, que não consegue pormenorizar todas as condutas a serem tipificadas, a doutrina e a jurisprudência, buscaram no Princípio da insignificância no Direito Penal, um meio que realizasse essa análise entre conduta, lesividade e proporcionalidade de sanção. De formulação recente, o Princípio da insignificância resultou da avaliação dos efeitos do Direito Penal e os resultados até então obtidos, que proporcionaram a percepção desta fenda, na atribuição de tipicidade à condutas inexpressivas, que dispensam a aplicação da norma penal e consequente sanção.

Os princípios de modo geral exigem efetivação, afirmação legislativa para tornarem-se sólidos, carecem de leis que sejam elaboradas ou interpretadas a partir de seus preceitos. O princípio da insignificância não possui uma relação objetiva, com as normas constantes no ordenamento jurídico brasileiro, sua vinculação com a legislação se dá no caso concreto, pela observação do conteúdo material, para determinar a presença ou não da tipicidade.

Obviamente em função da exigência da baixa lesividade ao bem jurídico, torna-se impossível a arguição do Princípio da insignificância em condutas tidas como correspondentes aos tipos penais graves, como nos crimes contra a vida. Recorre-se a este Princípio nas situações em que a conduta, ainda que correspondente ao tipo penal, seja incompatível com as sanções previstas, diante da mínima lesão provocada.

Para construir um entendimento a respeito da aplicação do Princípio da insignificância é útil delimitar uma lesão jurídica insignificante. Para a construção desse conceito vale trazer as colocações do Jurista Luiz Flávio Gomes (2013, p.19), que entende a infração insignificante como uma lesão ao bem jurídico tão irrelevante que dispensa a atuação do Direito Penal, na medida em que a aplicação de uma punição seria uma medida desproporcional para esses casos, visto que a insignificância do ato resultaria na atipicidade da consulta e consequente ausência de infração penal.

Quando da aplicação do Princípio da insignificância, são utilizados critérios, compreendendo que resulta na exclusão de tipicidade, são estes critérios nos termos de Andreucci: a) mínima ofensividade da conduta do agente b) ausência total de periculosidade social c) ínfimo grau de reprovabilidade do comportamento c) inexpressividade da lesão jurídica ocasionada. (ANDREUCCI, 2012, p. 45)

A complexa comunicação entre Princípio da insignificância e legislação penal, reforça o caráter hermenêutico da utilização deste princípio na solução dos casos concretos, considerando que é no momento de avaliação da adequação típica, que se faz a valoração da significância da conduta praticada. Observando critérios como o desvalor da ação, do resultado, e o grau de lesividade contra o bem jurídico atacado. Para então ater-se à norma penal, que para este princípio deve ser subsidiária.

Com as discussões doutrinárias e as formulações conceituais, o Princípio da insignificância firmou-se na matéria penal como princípio implícito, ainda que não haja norma que o ratifique, adentrou os tribunais e compôs jurisprudências motivando decisões, como o seguinte julgado, tido como o primeiro registro em que o Supremo Tribunal Federal reconheceu e utilizou-se do Princípio da Insignificância para solução de um caso na justiça brasileira:

“ACIDENTE DE TRÂNSITO. LESÃO CORPORAL. INEXPRESSIVIDADE DA LESÃO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CRIME NÃO CONFIGURADO. Se a lesão corporal (pequena equimose) decorrente de acidente de trânsito é de absoluta insignificância, como resulta dos elementos dos autos – e outra prova não seria possível fazer-se tempos depois – há de impedir-se que se instaure ação penal que nada chegaria, inutilmente sobrecarregando-se as Varas Criminais, geralmente tão oneradas”. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 66.869-1. Relator: Ministro Aldir Passarinho. DJ. 06 dez. 1988.)

Da decisão observa-se a relação entre condutas inexpressivas e sua desnecessidade de ação penal, entendendo não caber ao Direito Penal discutir temas facilmente solucionáveis em outras esferas.

Ainda que atualmente não seja pacífica sua utilização nos tribunais, é indiscutível a solidez do Princípio da insignificância para o Direito Penal, e seus efeitos sobre a realização da justiça.

A cristalização de um princípio implícito depende intensamente de sua utilização pelos tribunais, como se por meio das decisões judiciais houvesse a confirmação dos preceitos trazidos por estes princípios. A importância da operação judiciária na atuação dos princípios implícitos é relatada por SILVA,

“No que tange aos princípios implícitos, o trabalho de concretização judicial assume especial relevância, uma vez que o primeiro ato concretizante realizado será o de descobrir o princípio não expresso no interior do ordenamento jurídico. Após isso, a concretização judicial realiza-se no sentido de densificar e precisar os contornos normativos do princípio revelado.” (SILVA, 2011, p. 144)

Inerente ao princípio da insignificância a atuação judicial é disforme sobre a consistência deste princípio nas decisões dos tribunais, sua aplicação não é pacífica até o presente momento, ainda que em crescente presença nos mais diversos julgados, como recente posição do Supremo Tribunal Federal acerca de Habeas Corpus;

“HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL E DIREITO PENAL. DESCAMINHO. IMPETRAÇÃO CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INADMISSIBILIDADE DO WRIT. VALOR INFERIOR AO ESTIPULADO PELO ART. 20 DA LEI 10.522/2002. PORTARIAS 75 E 130/2012 DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE.

1. Há óbice ao conhecimento de habeas corpus impetrado contra decisão monocrática do Superior Tribunal de Justiça, cuja jurisdição não se esgotou. Precedentes.

2. A pertinência do princípio da insignificância deve ser avaliada considerando-se todos os aspectos relevantes da conduta imputada.

3. Para crimes de descaminho, considera-se, para a avaliação da insignificância, o patamar previsto no art. 20 da Lei 10.522/2002, com a atualização das Portarias 75 e 130/2012 do Ministério da Fazenda. Precedentes.

4. Descaminho envolvendo elisão de tributos federais em quantia pouco superior a R$ 10.000,00 (dez mil reais) enseja o reconhecimento da atipicidade material do delito dada a aplicação do princípio da insignificância.

5. Habeas corpus extinto sem resolução de mérito. Ordem concedida de ofício para reconhecer a atipicidade da conduta imputada à paciente, com o consequente trancamento da ação penal na origem”. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 121717/PR. Relator: Ministra Rosa Weber. DJ. 03 jun. 2014.)

Contudo, a ausência de legislação pertinente, ou a discordância de decisões judiciais em acatar ao Princípio da insignificância não afetam sua rogação na existência de condutas penalmente inexpressivas, por equiparar-se aos demais princípios, na condição de “norma de decisão”, como trata SILVA, 2011, p.149, é instituto de existência admitida e respeitada pela doutrina e a jurisprudência.

3. A POLÍCIA JUDICIÁRIA E O SEU PAPEL NO ESTADO DEMOCRÁTICO

3.1 Disposição da polícia judiciária

Qualquer leitura feita com direcionamento à delimitar a ação da autoridade policial, passa obrigatoriamente pela compreensão da Polícia Judiciária e dos poderes que lhe cabem.

Como instrumento auxiliar de prestação da justiça, a polícia judiciária ocupa-se das ações, em desconformidade com o ordenamento jurídico, atuando de modo a reprimir e conduzir à punições as infrações penais. Nas palavras do Ministro Celso Mello; “O que efetivamente aparta polícia administrativa de polícia judiciária é que a primeira se predispõe unicamente a impedir ou paralisar atividades antissociais enquanto a segunda se preordena à responsabilização dos violadores da ordem jurídica.” (MELLO, 2010, p. 835)

Dedica-se portanto, a polícia judiciária, desde a observação social, necessária à identificação dos atos e dos indivíduos, possíveis violadores da norma, até o retorno ao estado de equilíbrio anterior ao ato praticado, passando pelos processos investigativos e punitivos, necessários para o bem estar do convívio em sociedade.

A polícia judiciária elucida, esclarece as situações que destoam da norma, e causam gravame à sociedade ou ao cidadão individualmente. Para tanto, constitui-se como órgão da realização da persecução penal, juntamente como o Ministério Público.

A Constituição Federal de 1988, descreveu a organização da segurança pública em seu artigo 144, delimitando em seus parágrafos 1º e 4º, atribuições típicas da polícia judiciária.

“Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I – polícia federal;

II – polícia rodoviária federal;

III – polícia ferroviária federal;

IV – polícias civis;

V – polícias militares e corpos de bombeiros militares.

§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:" (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

I – apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;

II – prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;

III – exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

IV – exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.[…]

§ 4º – às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.[…]”

Sua atuação deve ser pautada nos preceitos constitucionais, com vistas a garantir valores como a liberdade, a igualdade e a dignidade da pessoa humana, além da proporcional punibilidade e adequação ao rigor da norma penal, sempre sem desfocar dos elementos necessários à concretização de um Estado Democrático de Direito.

Exerce a função de polícia judiciária a autoridade policial, agentes do poder executivo que, ocupam cargos e exercem funções em que lhes são atribuídos poderes, para conservar a ordem e a segurança pública.

Sob a ótica do Código de Processo Penal, como descrito em seu artigo 4º; é a autoridade policial quem exerce as atividades de polícia judiciária, no território de suas respectivas circunscrições, que objetiva apurar infrações penais e sua autoria, conduzindo quando necessários os casos, à atuação do Judiciário.

A autoridade policial para a qual essa abordagem se direciona é o delegado de polícia, profissional com direitos e deveres alicerçados em legislação, tal como os requisitos para a função. Funções essas reforçadas por legislação específica, tal qual a Lei N. 12.830/2013 que dispõe essas funções no seu artigo 2º caput e §1º ;

“Art. 2o As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado.

§ 1o Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais.[…]”

As exigências encontradas para tornar-se delegado de polícia são criteriosas, não poderia ser diferente dada às suas responsabilidades. É carreira privativa do bacharel em direito, inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, no caso da Polícia Federal por exemplo, obrigatoriamente com experiência de prática profissional mínima de três anos, na advocacia ou na polícia, por força da Lei 9.266/1996 que traz;

“Art. 2o-B. O ingresso no cargo de Delegado de Polícia Federal, realizado mediante concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil, é privativo de bacharel em Direito e exige 3 (três) anos de atividade jurídica ou policial, comprovados no ato de posse”.

É indiscutível o elaborado crivo para a carreira de delegado de polícia, “nos mesmos moldes da Magistratura e do Ministério Público, processando-se o ingresso na classe inicial, mediante concurso de provas e títulos.” (ROCHA, 2002). Uma vez ingresso este profissional assume atribuições, determinadas em correspondência, com a abrangência de sua atuação.

Corrobora essa entendimento a Lei N. 12.830/2013 que discorre acerca dos procedimentos de investigação criminal desenvolvidos pelo delegado de polícia, e inclui a carreira de delegado entre as carreiras jurídicas essenciais, diante à sua capacitação técnico-jurídica.

Art. 3o O cargo de delegado de polícia é privativo de bacharel em Direito, devendo-lhe ser dispensado o mesmo tratamento protocolar que recebem os magistrados, os membros da Defensoria Pública e do Ministério Público e os advogados.

A atividade da autoridade policial encontra sua principal limitação na Lei, esparsamente em todo arcabouço que trata da legislação penal e processual penal e legislações específicas sobre o tema. Somadas à estas as legislações estaduais, que no âmbito das polícias civis, estabelece suas formas organizacionais, descrevendo situações como requisitos, formas de ingresso, além de garantias e atribuições do Delegado de polícia.

A título exemplificativo apreciemos algumas das atribuições determinadas pela Lei Orgânica da Polícia Civil do Estado de Goiás:

“Art. 49. São atribuições dos titulares dos cargos de Delegado de Polícia:

I – instaurar e presidir, com exclusividade, inquéritos policiais, termos circunstanciados de ocorrência e outros procedimentos policiais legais para a apuração de infração penal ou ato infracional;

II – exercer atribuições previstas na legislação processual penal de competência da autoridade policial;

III – dirigir, coordenar, supervisionar e fiscalizar as atividades logísticas e finalísticas da unidade sob sua direção; […]

X – adotar medidas necessárias ao controle da criminalidade;

XI – atender o público, encaminhando providências e determinando o registro de ocorrências policiais;[…]

XIV – cumprir e fazer cumprir as ordens, normas e instruções emanadas de superior hierárquico;

XV – fornecer a seus subordinados ordem de serviço, por escrito, das ações que a eles determinar.”

Entre as atribuições encontram-se tarefas formais, técnicas, práticas e de caráter gerencial e administrativo. Podendo extrair disto que a atuação do Delegado de Polícia é de servidor público, que representa o Estado no atendimento ao cidadão, sempre orientado pela legislação pertinente a sua função.

O delegado de polícia também possui direitos, como os demais servidores públicos, e além disso desfruta de prerrogativas inerentes à sua função, que valorizam a atuação desta autoridade policial e contribuem para a melhor execução desta incumbência.

Ainda utilizando a Lei Orgânica da Polícia Civil do Estado de Goiás como exemplo, notam-se dentre tais prerrogativas:

“Art. 59. São garantias dos Delegados de Polícia:

I – a independência funcional no desempenho de suas atribuições; […]

IV – não ser constrangido por qualquer modo ou forma a agir em desconformidade com a sua consciência ético-jurídico-profissional; […]”

As garantias se relacionam com a liberdade e segurança necessárias, para que a autoridade aplique às situações que lhe cabem, os poderes atinentes à polícia judiciária, com a certeza de estar resguardado pela legislação e pelo Estado.

A simbiose entre atribuições e garantias, produzem também outras limitações no exercício da atividade policial, regras que norteiam o cotidiano do delegado de polícia, quando diante de situações fáticas, que não esbarram em narração normativa nítida.

Dentre os principais encargos do Delegado de Polícia, está o de presidir o Inquérito policial, peça importante na configuração, quando presentes, de indícios de materialidade e autoria do delito, onde se relatam os atos praticados durante a investigação e resultado obtido, que poderá levar ao indiciamento.

Porém, ainda que importante peça e de competência da autoridade policial, que não pode arquivá-lo de ofício, o inquérito não é uma imposição à autoridade, como esclarece CAPEZ; “faltando justa causa, a autoridade policial pode (aliás, deve) deixar de instaurar o inquérito” (2012, p. 145). Caso fosse um imperativo, desconsideraria os Princípios da intervenção mínima em matéria penal, ao ignorar os casos e suas necessidades, e o Princípio da proporcionalidade, já que empregaria à todos e sempre, o mesmo tipo de deliberação, sem avaliar suas particularidades. Medida que então é útil à realização da tutela penal, verteria-se em obrigatória, contudo, incompatível, com a visão democrática do Estado, na atuação da polícia judiciária.

“O inquérito não é indispensável à propositura da ação, pois em uma simples leitura dos arts.12, 27, parágrafo 5º, do art. 39 e parágrafo 1º do art. 46, todos do CPP, verifica-se que o Ministério Público pode intentar a competente ação penal sem esse procedimento administrativo. Basta para tal, ter elementos necessários que viabilizem o exercício da ação, elementos estes que podem ser obtidos com a notitia criminis ou com peças de informação”.

Diante da decisão de abrir ou não o inquérito policial, visto que de sua competência por atribuição, o Delegado de polícia encontra então uma de suas garantias, a liberdade e autonomia funcional. Simultaneamente lhe sobrevém uma limitação, a autoridade possui liberdade para observar a necessidade de instauração de inquérito policial, mas deve realizá-lo quando identificar sua necessidade..

3.2 Natureza dos atos praticados pela polícia judiciária

A polícia judiciária exerce atividade do serviço público, vinculada ao poder executivo, com relações que ultrapassam os princípios e normas do Direito administrativo. Como auxiliar do Poder judiciário, visa a observância do cumprimento do Direito Penal, por consequência relaciona-se com seus princípios. As atividades da autoridade policial, recebem classificação pela Lei 12.830/2013, no caput do artigo 2º, como sendo de “natureza jurídica essenciais e exclusivas de Estado.”

Essas atividades se dão por atos administrativos, mesmo pertinentes à prática penal, como explica Paulo Rangel; “Entendido que o inquérito policial integra a realização de um dos atos praticados pelo Estado soberano (ato administrativo), fácil é a sua correta colocação dentro da sistemática jurídica vigente.”

Nesta mesma esteira seguem outros de seus atos, que são em parte obrigatórios, em parte discricionários, devidamente registrados, relatados e fundamentados, na qualidade de atos administrativos que são.

Ainda que de natureza administrativa, considerados como procedimento e por vezes sujeitos à discricionariedade da autoridade policial, os atos administrativos devem ser praticados com prudência pela autoridade policial. Para garantir que seus efeitos se cumpram aos fins a que se destinam.

3.3 Atuação da polícia judiciária no Estado Democrático

O critério para a realização dos atos necessários ou não, pela autoridade policial, se dá também pela aplicação do Princípio da intervenção mínima do Direito Penal. Princípio este que enxerga o Direito Penal como detentor de função pontual de controle social, nunca como principal.

Recorre-se ao Direito Penal na ausência de qualquer possibilidade de adequação ou desenvolvimento da questão, pelos demais ramos do Direito. E quem presta esse atendimento inaugural na busca pela guarida penal é a autoridade policial. Daí a sensatez deste profissional ao atuar, que não deve associar o fato de exercer função pública à obrigação de interferir indiscriminadamente, em qualquer circunstância, ou padronizadamente, quando investido do poder de polícia judiciária. Assim leciona Cezar Bitencourt; “se outras formas de sanção ou outros meios de controle social revelarem-se suficientes para a tutela desse bem, a sua criminalização é inadequada e não recomendável”.

Cabe à autoridade policial quando frente ao conflito que solicita a intervenção estatal, mensurar essa intervenção e os métodos mais adequados para tanto, sempre que possível desviando-se de soluções extremas e evitando dispor do Direito Penal.

O enquadramento da polícia judiciária na plenitude do Estado Democrático de Direito se dá na segurança das proteções estabelecidas constitucionalmente, para os bens jurídicos que encontram-se sob amparo penal.

“Apenas os interesses mais relevantes são erigidos à categoria de bens jurídicos penais, em face do caráter fragmentário e da subsidiariedade do Direito Penal. O legislador seleciona, em um Estado Democrático de Direito, os bens especialmente relevantes para a vida social e, por isso mesmo, merecedores da tutela penal. Dessa forma, a noção de bem jurídico acarreta na realização de um juízo de valor positivo acerca de determinado objeto ou situação social e de sua importância para o desenvolvimento do ser humano. E, para coibir e reprimir as condutas lesivas ou perigosas a bens jurídicos fundamentais, a lei penal se utiliza de rigorosas formas de reação, quais sejam, penas e medidas de segurança”. (MASSOM, 2014, p. 72)

Cumpre assim à polícia judiciária, função garantidora da dinâmica da lei Penal, guardando acatamento aos fundamentos do Estado Democrático de Direito no que concerne ao seu quinhão na manutenção da ordem social, primando pelo respeito à dignidade da pessoa humana.

4. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E A POLÍCIA JUDICIÁRIA COMO FORMA DE UM JUDICIÁRIO MAIS FUNCIONAL

4.1 A hipertrofia do sistema prisional brasileiro

Um complexo ciclo de elementos evolutivos conduziram a sociedade ao píncaro da violência. E violência extremada exige medidas punitivas de mesma proporção, deste modo, clamou-se por um sistema punitivo que coibisse esse avanço, o sistema penal brasileiro nessa circunstância, priorizou as prisões, reflexo até mesmo de uma herança histórica, que mais se preocupava em isolar “o problema”, que efetivamente solucioná-lo.

“Neste contexto, o sistema carcerário operava como um mecanismo institucional mais pelo fato de que o desejo das elites de abraçar a “modernidade” se via acompanhado (e subvertido) por sua vontade de manter as formas arcaicas de controle social, racial e laboral. Por um lado, se poderia dizer que as cadeias serviam somente para satisfazer a necessidade de manter sob custódia suspeitos e delinquentes, de modo que as classes decentes da sociedade pudessem se sentir seguras; por outro lado, as cadeias reproduziam e reforçavam a natureza autoritária e excludente destas sociedades, convertendo-se em peças de um esqueleto maior orientado a manter a ordem social”. ( MAIA…[et al], 2009, p. 47)

Por esse vértice de solucionar os conflitos sociais, aprisionando os praticantes, de qualquer que fosse a modalidade delituosa, deu-se início à saturação do sistema prisional, que não se adequou a solicitude do tema.

Questões políticas, desequilíbrio socioeconômico, descompasso normativo, são alguns dos componentes da atual situação do sistema prisional brasileiro, que em seus parâmetros iniciais, quando da sua elaboração, buscava servir de instrumento de controle social, reparando e ressocializando aqueles que, porventura fossem de encontro à norma. Objetivo que nota-se descrito na norma regulamentadora da execução penal, a Lei n. 7.210 de 1984, a Lei de Execução Penal, quando narra em seu primeiro artigo, a finalidade deste sistema, qual seja; “efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”.

Para tanto, a plena satisfação do objetivo da Execução Penal, em proporcionar harmonia na integração social do indivíduo, carece de estrutura compatível com a realidade da sociedade, realidade esta mutável, numa constância que, por vezes o Direito não acompanha. Surge daí o descompasso legal, que torna as leis e métodos punitivos quase sempre insuficientes para produzir a referida harmonia.

“Ainda que o modelo penitenciário tenha continuado a atrair o interesse das autoridades nestes e em outros países durante várias décadas, predominou entre os reformadores penais e as autoridades do Estado de fins do século XIX uma atitude que combinava pessimismo com uma espécie de resignação pragmática. Em virtude do que se via como um fracasso em impor uma verdadeira disciplina carcerária sobre os detentos, a maioria dos comentaristas não demandava um modelo punitivo mais tolerante e sim um mais enérgico”. (MAIA [et al], 2009, p. 46)

Um método punitivo que opte pela prisão como principal sanção, e não como última, consequentemente gera a aplicação desta medida quase que de maneira aleatória, contrariando a previsão constitucional e transformando a pena de prisão em regra, quando deveria ser a exceção, forma prevista no texto constitucional de 1988, em seu artigo 5º e inciso LXI “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei.”.

“Como se sabe, o caráter subsidiário do Direito Penal resulta também da função limitadora instituída pelo Estado Democrático de Direito ao ordenamento penal, qual seja, a proteção de bens jurídicos fundamentais à coexistência em sociedade, promovendo o livre desenvolvimento da personalidade humana.

Além disso, refere-se também à necessidade da tutela penal, pois sua fundamentação teórica remete ao conceito de Estado que, na acepção sob a qual foi instituído pela Constituição, obriga a intervenção punitiva a ter a menor intensidade possível, eis que impregnada de elevado índice de restrição e violação de direitos. De fato, deve o Poder Público interferir o mínimo possível na vida do cidadão, garantindo-lhe a máxima liberdade.” (MASSON, 2014, p. 155)

Priorizar o a pena e a restrição de liberdade, fatalmente acarretaria na saturação do sistema prisional, abarrotando os presídios, e produzindo um cenário em que o Estado não consegue agir no sentido de melhorar, apenas mantem a crise crescente da superpopulação carcerária.

“A macrocomunidade nos presídios é de conhecimento do poder público, no entanto, cada vez mais a população carcerária cresce e poucos presídios são construídos para atender à demanda das condenações. A superpopulação nos presídios representa uma verdadeira afronta aos direitos fundamentais. Nesse aspecto, basta citar o art. 5º, XLIX, da Carta Magna (a qual assegura aos presos o respeito à integridade física e moral), bem como lembrar que a dignidade da pessoa humana é um dos princípios basilares da Constituição.” (ARRUDA, 2015, p. 5)

Tal medida converge para uma população carcerária ascendente, que em função do número, cria um processo aleatório de inserção desses indivíduos no sistema prisional que se transmuta num depósito de seres humanos, incompatíveis com o seio da sociedade.

Segundo o Conselho Nacional de Justiça CNJ, em diagnóstico sobre a população carcerária brasileira, apresentado em junho de 2014, o Brasil figurava como terceiro, no ranking dos países com maior número de pessoas presas, 711.463 presos, contabilizadas as prisões domiciliares, o que representa um déficit de mais de 200 mil vagas no sistema prisional, evidenciando a incapacidade de absorção da demanda, enfrentada pelo Poder Judiciário. O crescimento não é privilégio dessa ou daquela região do país, mas de todo o território nacional, como descreve o diagnóstico, que monitora população carcerária, presos provisórios, domiciliares, capacidade e déficit do sistema por estado da federação.

Para observação vale a observação da figura 4.1 que representa o gráfico de presos provisórios no Brasil.

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Deve-se dar o devido destaque no referido levantamento, quanto ao número de presos provisórios, que corresponde a quase metade do quantitativo total. Um número de 41 por cento, num universo de 563.526 presos, desconsiderando os que cumprem prisão domiciliar.

A impregnação do sistema carcerário, faz com que haja uma padronização dos indivíduos, e a desconsideração de suas condutas, equiparando o criminoso hediondo ao infrator de menor ou nenhum potencial ofensivo, em função da impossibilidade de fornecê-los tratamentos distintos. E o preso provisório sofre sem qualquer processo, as consequências de uma condenação. E “Não pode haver, num Estado Democrático de Direito, outro meio de se aplicar a pena senão por meio de um processo.” (ESTEFAM, 2012, p. 37)

“Se a permanência do condenado é longa na instituição total ele passa a sofrer um processo gradativo de desaculturamento, isto é, ele sofre progressivamente uma série de rebaixamentos, humilhações, degradações pessoais e profanações do eu. Esse mecanismo mortificador inicia-se com processo de recepção do condenado. Ele passa a ser desaculturado, inicialmente, pela perda do nome e com atribuição do número de prontuário que passará a ser sua nova identidade. Ele será privado de seus pertences pessoais (roupas, documentos, dinheiro etc.) e lhe será dado um uniforme padrão, exatamente igual ao de todos os outros condenados. A partir daí ele é medido, identificado, fotografado, examinado por um médico para depois ser lavado, o que simboliza o despir-se de sua velha identidade para então assumir a nova”. (SHECAIRA, 2014, p. 264)

Neste universo do sistema carcerário que somente deposita pessoas, tem conotação de imprudência e porque não dizer incoerência, aglomerar aos que efetivamente praticam condutas delituosas graves, com uso de violência, àqueles que realizaram atos que se amoldam aos requisitos do princípio da insignificância, que excluiria o caráter típico do ato delituoso, em função da ausência de impacto ou de prejuízo ínfimo à sociedade. Desviando-se então da finalidade desse mecanismo estatal. “É dizer, o Estado tem por objetivo perseguir, incondicionalmente, a realização da cidadania e da dignidade da pessoa humana, porquanto comandos constitucionais, inclusive daquele cidadão que, eventualmente, tenha transgredido normas da sociedade.” (GUERRA, 2011, p.193)

O agigantamento destes números, especialmente no que atende aos presos provisórios corresponde ao débito do poder judiciário com a celeridade na prestação jurisdicional, atravancado pela demanda palpitante. Em decorrência disso, o que deveria ser medida excepcional, acolhe ao poder judiciário de forma imediatista, distribuindo prisões provisórias, ofuscando a regra constitucional, que prima pela liberdade individual. Como destaca o trecho de decisão do Supremo Tribunal Federal em julgamento de habeas corpus:

“o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público em matéria penal. Isso significa, pois, que o sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificarão quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano – efetivo ou potencial – causado por comportamento impregnado de significativa lesividade (STF – HC: 92463 RS , Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 13/09/2007, Data de Publicação: DJ 21/09/2007 PP-00049) Disponível em: <http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14776021/medida-cautelar-no-habeas-corpus-hc-92463-rs-stf> Acesso em: 25 mar 2015.”

Essa debilidade funcional obstaculiza a obtenção do bem estar social como um todo, gerando uma reação sucessiva de conflitos que afetam toda a máquina do Estado;

“Prima facie, é notório que um presídio ou, excepcionalmente, uma delegacia de polícia superlotada representam perigo à sociedade, porque o fato enseja o aumento das tensões da massa carcerária, elevando a violência entre os presos, as tentativas de fuga e os ataques a agentes penitenciários”. (GUERRA, 2011, p. 189)

Os tribunais ficam abalroados de processos, impedindo que as tramitações ocorram em prazos adequados e simultaneamente a população seja atendida; os servidores não arcam com as atribuições que lhe cabem em função do número incompatível com a realidade; os espaços físicos, como delegacias e estabelecimentos prisionais, igualmente não comportam a exigência, transbordando em detidos e detentos, e em condições inadequadas de uso.

“A partir desta perspectiva, a superlotação carcerária caracteriza-se como violadora do ordenamento constitucional, o que assegura à todos o respeito à vida, bem como à integridade física e moral, e pode ensejar dano moral, cuja reparação está adstrita à realização do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88), bem como ao dever jurídico genérico proveniente do neminem laedere, denominado dever geral de não lesar ninguém, […]” (GUERRA, 2011, p. 187)

Assim desenha-se o cenário do sistema prisional brasileiro, carente de expedientes urgentes sob pena de prejuízo ao Estado Democrático de Direito.

4.2 A polícia judiciária como auxiliar do poder judiciário

O descomunal volume de casos levados à conhecimento da autoridade policial, representa uma medíocre fatia de um universo de situações, que permanecem alheias à polícia judiciária. Do montante que chega a ser registrado, por meio de notícia crime, apenas uma pequena parcela, chega ao judiciário. Seja por inconsistência dos elementos ou pela impossibilidade de atuação da polícia, que acaba por ter que selecionar os casos em que atua. Utilizando para tanto, critérios de urgência ou gravidade.

Diante da demanda arrebatadora do sistema penal, a autoridade policial atua, ainda que involuntariamente, como seletor dos casos que terão seguimento imediato, em função da deficiência estrutural, em todas as etapas da prestação da justiça à população. Essa seleção do que é ou não relevante para a autoridade policial, acontece também entre os próprios cidadãos e acaba por mascarar os verdadeiros números da violência, como assevera Shecaira:

“Muito já se falou sobre a discricionariedade da polícia, que acaba determinando se um fato delitivo será ou não processado como delito. Em milhares de situações diárias, os próprios cidadãos têm discricionariedade para decidir se levarão um fato ao conhecimento das autoridades policiais. E a polícia intervém numa pequena quantidade de casos de que tem notícia”. (SÁ; SHECAIRA, 2008, p.314)

Não que a autoridade policial esteja impelida a agir e intervir em todas as ocasiões em que é solicitada, já que possui a discricionariedade de observar e identificar, os atos e as proporções, das medidas que deve proceder. No entanto, exige-se da autoridade a plena satisfação do atendimento à população. Atendimento este que torna-se ineficiente, quando a autoridade, vê-se compelida a optar por determinados casos em detrimento de outros.

Resultante desta ascendente solicitação ao Direito Penal, como expediente para o ajuste dos reveses constantes da sociedade, verteu-se em desafio, oferecer solução à todos os casos criminais, com a mesma eficiência, daí a sequela da priorização de alguns destes, em detrimento de outros.

Neste sentido a resolução ágil de infrações bagatelares, com a aplicação do Princípio da insignificância, aponta para a desburocratização e desafogamento das delegacias de polícia, o que eventualmente tenderia a um melhor atendimento à sociedade, e por conseguinte menos sobrecarga ao judiciário.

O método para promover o desentrave no funcionamento do poder judiciário e produzir o máximo de respostas ágeis à população no cotidiano das delegacias, pode ocorrer com a realização de procedimentos próprios, que antecedem o inquérito policial, em ocorrências de lesividade ínfima, com o reconhecimento e aplicação do princípio a insignificância pela autoridade policial.

Buscando a analogia, o legislador já possibilitou à autoridade policial essa liberdade em aplicar o Princípio da insignificância, quando permitiu a não instauração do inquérito policial, desde apresentada fundamentação. Situação de permissibilidade confirmada pelo artigo 1º da Instrução Normativa de N. 01/2009 do Conselho Superior da Polícia Civil do Estado de Goiás, que trata da uniformização dos procedimentos da Polícia Civil.

“Art. 1º. Compete à autoridade policial, nos termos do art. 4º do Código de Processo Penal, visando a apurar as infrações penais e sua autoria, instaurar inquérito em todos os casos em que se verificar ilícito de ação pública incondicionada e nos de ação pública condicionada ou privada, quando preenchidos os requisitos de procedibilidade.

Parágrafo único. Quando as informações noticiadas não possibilitarem a instauração imediata de inquérito policial, a autoridade policial mandará averiguar a sua procedência, por meio de ordem de serviço, a fim de se confirmar a existência da infração penal, conforme previsão do § 3º do art. 5º do Código de Processo Penal.” (GRIFO NOSSO)

Nessa acepção, a conveniência corrente é aprofundar o estudo sobre aplicação do Princípio da insignificância pela autoridade policial, e desvelar instrumentos adequados para sua confirmação, além de ponderar por meio da interpretação das atribuições à este profissional conferidas, a viabilidade desta prática.

O Princípio da insignificância, como causa de possível excludente de tipicidade, demanda a compreensão de outros institutos, necessários à sua aplicação. O fato típico “É o comportamento humano, positivo ou negativo, que provoca um resultado e é previsto na lei penal como infração. É aquele que se enquadra perfeitamente nos elementos contidos no tipo penal.” (ANDREUCCI, 2012). Além de notar a existência de fato típico a autoridade policial deve avaliar a lesão ao bem jurídico tutelado, não em seu conceito restrito e material, mas num conceito aberto intimamente relacionado à lesividade causada.

“Em outras palavras: o bem jurídico não é o mesmo que seu substrato subjetivo (que consiste no interesse valorado positivamente). Bem jurídico é a relação social (de disponibilidade, diz Zaffaroni) em conexão com um bem existencial que é valorada positivamente. Bem jurídico não é a vida, por exemplo, senão e relação social que está em torno dela e que é valorada positivamente. (…).

O bem jurídico ressalta o mesmo autor, tal como já afirmara taxativamente von Liszt, ‘não é um bem do Direito’ (como Binding e outros supõem), senão um bem dos homens reconhecido e protegido pelo Direito.” ( BIANCHINNI, 2009, p. 274).

Com o entendimento da amplitude do bem jurídico, é possível à autoridade policial mensurar a lesão e buscar aplicação proporcional do direito penal.

“[…] o princípio da insignificância afasta a tipicidade do fato. Logo, se o fato é atípico para a autoridade judiciária, também apresenta igual natureza para a autoridade policial. Não se pode conceber, exemplificativamente, a obrigatoriedade da prisão em flagrante no tocante à conduta de subtrair um único pãozinho, avaliado em poucos centavos, do balcão de uma padaria, sob pena de banalização do Direito Penal e do esquecimento de outros relevantes princípios, tais como o da intervenção mínima, da subsidiariedade, da proporcionalidade e da lesividade.

Para nós, o mais correto é agir com prudência no caso concreto, acolhendo o princípio da insignificância quando a situação fática efetivamente comportar sua incidência.” (MASSON, 2014, p. 98)

O delegado de polícia em seu exercício, realiza avaliações coerentes com os critérios apresentados, como na presidência do inquérito policial, peça ainda que administrativa, de fundamental relevância na construção de indiciamento e conseguinte ação penal. Além de possuir efetivo valor na elaboração de arcabouço probatório. Determinações concernentes são relacionadas pela Instrução Normativa do Conselho Superior da Polícia Civil do Estado de Goiás de N. 01/2009.

“Art. 7º. A portaria instauradora do inquérito policial deverá conter um relato sucinto da infração penal, a tipificação, ainda que provisória, a autoria do delito, quando possível, e ainda a ordem para cumprimento de diligências que a autoridade policial reputar imediatas.”

Diante da responsabilidade da autoridade policial pelo inquérito policial, faz-se válida a justificação quanto à sua capacidade para avaliar e aplicar o princípio da insignificância aos casos concretos.

4.3 Controle de aplicação do princípio da insignificância pela autoridade policial

Passemos então à questão regulamentar desta atuação. A simples fundamentação de seus atos, não exime a autoridade de submetê-los a apreciação do ente regulador de suas atividades, seguidas as normas hierárquicas, que em esfera administrativa submetem-se à verificações, pelas Corregedorias de Polícia de forma inconteste.

O fato de estarem as decisões da autoridade policial submetidas à conferência, quanto ao reconhecimento do princípio da insignificância, demonstra que são passíveis de reavaliação. Podendo inclusive sofrer avocação pela autoridade correspondente, que caso seja necessário, determinará os procedimentos cabíveis, nas mais diversas circunstâncias, como mostra a LEI Nº 16.901, DE 26 DE JANEIRO DE 2010, Lei Orgânica da Polícia Civil do Estado de Goiás, em seu artigo 40, quanto à possibilidade do chefe do departamento de Polícia Judiciária proponha intervenção em procedimentos irregulares praticados.

“Art. 40. São atribuições do Chefe do Departamento de Polícia Judiciária: […]

VI – propor ao Delegado-Geral da Polícia Civil que avoque, excepcional e fundamentadamente, em caso de irregularidade, inquéritos policiais e outros procedimentos para redistribuição; LEI Nº 16.901/2010 Disponível em: < http://www.gabinetecivil.goias.gov.br/leis_ordinarias/2010/lei_16901.htm> Acesso em: 22 abr 2015.”

Procedendo neste sentido, reforça essa vigilância aos atos do Delegado de polícia a Lei N. 12.830/2013 que normatiza os procedimentos de investigação criminal desenvolvidos pelo delegado de polícia.

“§ 4o O inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei em curso somente poderá ser avocado ou redistribuído por superior hierárquico, mediante despacho fundamentado, por motivo de interesse público ou nas hipóteses de inobservância dos procedimentos previstos em regulamento da corporação que prejudique a eficácia da investigação”.

Há diante dos atos praticados pela autoridade policial, previamente ao controle externo, constitucionalmente concedido ao Ministério Público, um controle desenvolvido em âmbito interno, hierarquicamente praticado e delimitado pela Corregedoria de Polícia, instituída com a finalidade de garantir a presteza e o máximo zelo na condução do serviço público prestado pela autoridade policial.

4.4 Aplicabilidade prática Princípio da insignificância pela autoridade policial

As normas particulares aos procedimentos administrativos, por observação do princípio da eficiência, seguem legislação específica, e são instituídas em se tratando de polícia civil por suas respectivas circunscrições. São portarias, e instruções, que descrevem os métodos e procedimentos a serem adotados pelos delegados de polícia.

No estado de São Paulo por exemplo, uma portaria, descreve a aplicação do Princípio da insignificância, estabelecendo os limites para a atuação da autoridade que adotar este método. A recomendação é vigente no âmbito da Polícia Civil Paulista.

A Portaria da Diretoria Geral de Polícia Civil do Estado de São Paulo de nº 18, de 25 de Novembro de 1998, que regulamenta a atividade da Autoridade Policial, define que em casos em que não se observe justa causa, para que seja instaurada uma investigação criminal, proceda-se com outros atos administrativos, quais sejam:

“Artigo 2º – A Autoridade Policial não instaurará inquérito quando os fatos levados à sua consideração não configurarem, manifestamente, qualquer ilícito penal.

Parágrafo 1º – Igual procedimento adotará, em face de qualquer hipótese determinante de falta de justa causa para a deflagração da investigação criminal, devendo, em ato fundamentado, indicar as razões jurídicas e fáticas de seu convencimento. (GRIFO NOSSO)

Parágrafo 2º – Quando a notícia do suposto ilícito penal chegar ao conhecimento da Autoridade Policial por meio de requerimento (art 5º, II, Código de Processo Penal), esta, em despacho motivado, não conhecerá do pedido, se ausente descrição razoável da conduta a ensejar classificação em alguma infração penal ou indicação de elementos mínimos de informação e de prova que possibilitem o desenvolvimento da investigação. […]

Artigo 3º – O boletim de ocorrência que, consoante o disposto no artigo 2º dessa portaria, não viabilizar instauração de inquérito, será arquivado mediante despacho fundamentado da Autoridade Policial e, em seguida, registrado em livro próprio. (GRIFO NOSSO)

Parágrafo 1º – No livro mencionado no “caput” deste artigo, será lançado o número do boletim de ocorrência, a data e demais informações concernentes ao seu registro na unidade, natureza e correspondente tipificação penal, a qualificação das partes envolvidas, os objetos apreendidos e suas consequentes destinações, o resumo dos fatos tratados, os exames requisitados e os principais dados acerca dos laudos respectivos (número, data, conclusão), o teor do despacho de arquivamento e, finalmente, a assinatura da Autoridade Policial.

Parágrafo 2º – Na via original dos boletins em tela a Autoridade Policial lançará a determinação de arquivamento, datando-a e firmando-a, coligindo, em seguida, em pasta adequada, essa e as demais vias do registro, laudos, autos lavrados, documentos e demais peças que lhe digam respeito, organizando-a em ordem sequencial e cronológica do registro.”

Nas normas aplicadas pela polícia paulista, institui-se um documento e livro próprios para a situação em que discricionariamente, a autoridade entende por aplicar o Princípio da insignificância.

As considerações oferecidas na conclusão apresentada quando da discussão do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais sobre as mudanças necessárias à pratica policial, realizadas por Fauzi Hassan Choukr, tonificam o valor da medida desenvolvida pela polícia paulista que era então, recém elaboradas.

“De todo o exposto resta a certeza do descompasso entre as práticas quotidianas da investigação criminal e os primados culturais lançados na Constituição, com seus respectivos reflexos na investigação preparatória ao exercício da ação penal. O caminho da construção de fundo da nova ordem processual penal exige a consciência da cultura democrática e acusatória que a inspira, refletindo-a no direito vivo. Iniciativas legislativas, ainda que de âmbito restrito, como a Portaria DGP 18/98 de São Paulo, são sinalizações claras e concretas que é possível absorver e atuar essa cultura e práticas. Basta que se tenha em mente que o Homem constrói o Direito e o Estado para libertá-lo, e não para escravizá-lo”.(IBCRIM, 1999)

O documento equipara-se ao boletim de ocorrência, termo que não possui caráter inquisitorial, entendimento também de SALLES JÚNIOR

“Voltando à comunicação do crime diretamente ao Delegado de Polícia, temos que às vezes, apesar da lavratura do Boletim de Ocorrência ou do recebimento da comunicação escrita, o inquérito não é instaurado, por entender a Autoridade Policial que o fato não é criminoso, que a autoria é incerta ou por qualquer outro motivo (CPP, art. 5º. § 2º.)”. (SALLES JUNIOR, 1998, p. 12)

Coerente ainda com este posicionamento narra ANDREUCCI (2011), que o delegado de polícia “poderá arquivar a notitia criminis se não houver justa causa para a instauração do Inquérito Policial”.

Efetivamente já realizam esta prática diversos estados brasileiros, a exemplo disto vejamos o modelo de documento elaborado e utilizado pela Polícia Civil do estado do Rio Grande do Sul, justificando a não lavratura de auto de prisão em flagrante.

“DESPACHO/GABINETE

Ref. Ocorrência: 100425/2011/…

Vistos, e etc…

Depreende-se da ocorrência apresentada que o conduzido XXX fora flagrado por populares da região carregando duas cadeiras de plásticos usadas, de cor branca, que seriam de propriedade de YYY, no acesso 10, condado de Valença, em Viamão/RS.

Momentos após, foram comunicados os policiais da Brigada, que abordaram o suspeito, tendo a vítima YYY reconhecido aquelas cadeiras como de sua propriedade, e que haviam sido furtadas do pátio de sua residência, após o conduzido ter pulado uma grade de 1,50 mts de altura, a fim de concretizar seu intento.

Trazidos a esta DPPA, fora o conduzido apresentado a esta Autoridade Policial. Estes são os fatos. Passo a decidir. (GRIFO NOSSO)

Primeiramente, poder-se-ia, no caso em tela, questionar acerca da aplicação do princípio da insignificância. Contudo, para aplicação do aludido princípio, mister se faz examinar o valor da res, que, aliás, não ultrapassa o patamar de 10% (dez por cento) do salário mínimo, já que os objetos que o conduzido subtraiu da residência da vítima possuem aproximadamente o valor de R$ 30,00 (trinta reais). Neste sentido:

“APELAÇÃO – PENAL – CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO – CONDENAÇÃO FURTO QUALIFICADO – CASO CONCRETO – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – APLICABILIDADE – SENSATEZ. Deve ser reconhecida a atipicidade da conduta, se o valor dos bens subtraídos é de pequena monta, inferior a 10% do salário-mínimo, não repercutindo na esfera patrimonial da vítima. V.v.p. PENAL – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – NÃO ACOLHIMENTO – PRINCÍPIO DA IRRELEVÂNCIA PENAL DO FATO – APLICAÇÃO – DESNECESSIDADE CONCRETA DA PENA – ABSOLVIÇÃO MANTIDA – ISENÇÃO DE PENA – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. O princípio da insignificância não encontra respaldo no ordenamento jurídico pátrio, que se contenta com a tipicidade formal, porque forjado em realidade distinta, onde a reiteração de pequenos delitos não se apresenta como problema social a ser enfrentado também pela política criminal. O princípio da irrelevância penal do fato sugere a não-imposição de sanção em razão de crimes onde exista tamanha desproporcionalidade entre o mal decorrente da prática do delito e os efeitos colaterais socialmente danosos da aplicação da pena, de modo a torná-la contrária às suas próprias finalidades. O princípio da irrelevância penal do fato encontra aplicação sempre que o delito tenha causado lesão irrisória ao bem jurídico protegido (ínfimo desvalor do resultado) e as circunstâncias do crime e as condições subjetivas do acusado se lhe revelem extremamente favoráveis (ínfimo desvalor da ação), de forma que a imposição de pena revele-se mais agressiva aos valores arraigados na sociedade do que o próprio delito cometido. Recurso parcialmente provido.” (Processo n.º 1.0331.06.000821-5/001(1), Rel. Des. Maria Celeste Porto, publicado em 31/05/2008) (GRIFO NOSSO).

Contudo, o conduzido possui alguns procedimentos criminais exatamente por delitos de furto, além de 01 (um) por roubo. Neste diapasão, portanto, fazendo-se uma análise fria de seus antecedentes, apartado do rosário jurisprudencial existente, se mostraria inaplicável o princípio da insignificância. Vejamos:

“APELAÇÃO CRIME. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. FURTO NA FORMA TENTADA. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. A aplicação do princípio da insignificância deve ser reservada a circunstâncias excepcionais, que passam pelo valor da res furtiva, que deve ser irrisório a ponto de não merecer o acionamento do Estado para sua garantia. Também deve ser levada em consideração a condição financeira da vítima, para que seja resguardada a devida proporcionalidade. Ainda, é importante analisar a lesividade da conduta, não se admitindo a adoção da teoria da bagatela para crimes com relevante potencial ofensivo, como no caso do emprego de violência, onde outro é o bem jurídico ofendido que não o simples objeto de valor ínfimo. Por fim, não se pode passar ao largo da análise da vida pregressa do agente, verificando se ocorreu uma singular e desprezível transgressão da ordem jurídica ou, ao contrário, está-se diante de indivíduo em uma escalada criminosa, que deve ser coibida antes que passe a representar maior perigo à sociedade. (…..) APELAÇÃO PROVIDA, EM PARTE, POR MAIORIA.” (Apelação Crime Nº 70038800025, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Naele Ochoa Piazzeta, Julgado em 11/11/2010) (GRIFO NOSSO).

Porém, no caso em tela, em que pese possuir antecedentes criminais por delitos de furto, observa-se que o conduzido não se apresenta em uma verdadeira “escalada criminosa”, posto que tais condutas anteriores à esta datam de quase 10 (dez) anos, fatos ocorridos nos anos de 2002 e 2003, basicamente. Além disso, há entendimentos de Tribunais pátrios no sentido de que a análise simples de antecedentes criminais não obsta a adoção do princípio da bagatela, vejamos:

“PENAL – HABEAS CORPUS – FURTO DE UM BONÉ – VALOR DE R$ 50,00 – OBJETO RESTITUÍDO À VÍTIMA – REINCIDÊNCIA – APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA OU BAGATELA – POSSIBILIDADE – IRRELEVÂNCIA DA REINCIDÊNCIA E DOS MAUS ANTECEDENTES. PRINCÍPIO DA NECESSARIEDADE DA PENA – ORDEM CONCEDIDA PARA RECONHECER A ATIPICIDADE DA CONDUTA. 1- Se o bem tutelado nem mesmo chegou a ser ofendido, nem há relevância na conduta praticada, o princípio da insignificância deve ser aplicado, afastando-se a tipicidade. 2- A aplicação dos princípios da necessariedade e da suficiência afasta a fixação de pena que se mostra excessiva para reprimir conduta irrelevante. 3- Maus antecedentes e reincidência não impedem a aplicação do princípio da bagatela. 4- Ordem concedida para absolver o paciente pelo reconhecimento da atipicidade de sua conduta. Expedido alvará de soltura, salvo prisão por outro motivo.” (Processo HC 96929/MS, 6º Turma, Rel. Jane Silva (Desembargadora convocada do TJMG), publicada em 25.08.2008) – (grifo nosso).

Assim, encontra-se abalizada a tese desta Autoridade Policial no sentido da não lavratura do auto de prisão em flagrante, verificando-se que o valor da res furtiva é de aproximadamente R$ 30,00 (trinta reais).

Ademais, conforme bem explanado pela jurisprudência, impor ao conduzido a rispidez de uma prisão cautelar, neste caso, se mostra desproporcional e injusta, além de insensata, considerando o fato praticado pelo mesmo como atípico, pois incapaz de ofender à um bem jurídico tutelado pelo Direito Penal.

Avaliando-se os dois bens jurídicos postos em contenda no presente caso, a liberdade do suspeito e o ínfimo patrimônio da vítima, s.m.j., desnivela-se o bom senso e a equidade em favor do primeiro, visto que a lesividade sobre os bens da vítima foi bagatelar. Além disso, os bens foram apreendidos e serão restituídos, na íntegra, à vítima.

Cabe ainda destacar que o Estado Democrático de Direito em que se vive, cada vez mais necessita de uma Justiça mais equânime, moral que a busca na verdadeira essência, e não a mera persecução legal, fria, afastada da realidade, não sendo razoável se aplique a severidade da lei contra aquele que furta duas cadeiras de plástico USADAS, deixando impune criminosos que se apoderam de milhões e milhões dos cofres públicos.

Isto posto, considerando-se os argumentos suso reportados, bem como o fato de que o intento criminoso não se revestiu de violência ou grave ameaça à pessoa, deixo de proceder a elaboração de procedimento flagrancial, ressalvado o registro de ocorrência e oitiva do suspeito, bem como da vítima e condutor.

In fine, determino a imediata liberação de XXX, com posterior remessa das peças de informação à delegacia de polícia com atribuição para se efetuar a instauração de Inquérito Policial, conforme o juízo de tipicidade a ser adotado pela Autoridade Policial detentora do subsequente filtro de legalidade.

Alvorada/RS, 31 de janeiro de 2011

Fabrício De Santis Conceição

Delegado de Polícia Civil (CONCEIÇÃO, 2011.Despacho pela não lavratura de prisão em flagrante. Disponível em: <'http://www.juridicohightech.com.br/2011/02/despacho-pela-nao-lavratura-de-prisao.html> Acesso em: 08 mar 2015)”

Por este viés, nota-se que o exercício administrativo praticado pelo delegado de polícia é de nítida aceitação na esfera penal, visto que toda sua atuação ocorre em âmbito administrativo e compõe os elementos que sustentam as futuras demandas penais.

4.5 Perspectivas regulamentares para a aplicação do Princípio da Insignificância

O Poder judiciário sobrecarregado com suas competências inerentes da função, toleraria com maior tranquilidade seu ônus, com a viabilidade da aplicação do Princípio da insignificância pela autoridade policial, que poderia receber limites além dos funcionais, quanto ao cabimento dessa operação. Determinando extremos penais, por exemplo, que imponham ao Delegado de polícia quando atuar. Acrescido à esses meios existem recursos como os critérios solidificados pelo Supremo Tribunal Federal para adequação ao Princípio da insignificância.

“o princípio da insignificância tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, ou seja, não considera o ato praticado como um crime, por isso, sua aplicação resulta na absolvição do réu e não apenas na diminuição e substituição da pena ou não sua não aplicação. Para ser utilizado, faz-se necessária a presença de certos requisitos, tais como: (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada (exemplo: o furto de algo de baixo valor). Sua aplicação decorre no sentido de que o direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalor – por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes – não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social”. (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Glossário Jurídico)

Critérios estes, conduzidos à tipo penal pelo Projeto de Lei do Senado nº 236, de 2012 (projeto do novo Código Penal), como excludente de tipicidade.

“Exclusão do fato criminoso

Art. 28. Não há fato criminoso quando o agente o pratica:

[…] Princípio da insignificância

§ 1º Também não haverá fato criminoso quando cumulativamente se verificarem as

seguintes condições:

a) mínima ofensividade da conduta do agente;

b) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento;

c) inexpressividade da lesão jurídica provocada. […]”

Como reforço à esta possibilidade administrativa da aplicação do Princípio da insignificância, existe no Projeto de Lei do Senado nº 236, de 2012 (projeto do novo Código Penal) e demais projetos que à este foram apensados, previsão quanto à inclusão do referido princípio e os critérios a serem exigidos para sua aplicação, como dispositivo penal, que viria a ser formalmente excludente de tipicidade.

“PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 236, DE 2012 (PROJETO DO NOVO CÓDIGO PENAL)

PLS nº 312, de 2010 (PROJETO APENSADO)

Art. 1º O Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940

(Código Penal), passa a viger acrescido dos seguintes artigos 22-A

e 23-A:

“Atipicidade em Razão da Insignificância da Conduta”

Art. 22-A Salvo os casos de reincidência, ameaça ou coação, não há crime quando o agente pratica fato cuja lesividade é insignificante.”

Art. 23-A É atípica a conduta incapaz de ofender bem jurídico tutelado pela lei penal.”

Havendo então a implementação do Princípio da insignificância no ordenamento jurídico pátrio, a autoridade policial recorreria sempre que necessário ao uso formal do dispositivo nos casos de baixíssima lesividade ao bem jurídico, excluindo de pronto a tipicidade do ato praticado, e poria fim aos questionamentos quanto à competência para sua atuação neste aspecto.

Neste sentido o referido Projeto de Lei, já aponta tipos penais para imediata aplicação do Princípio da insignificância, indicando à autoridade a tendência a essa atuação.

“TÍTULO XIII

CRIMES CONTRA A ORDEM ECONÔMICO-FINANCEIRA

Capítulo I

Crimes contra a ordem tributária e a previdência social

Fraude fiscal ou previdenciária

Art. 348. Auferir, para si ou para terceiro, vantagem ilícita consistente na redução ou supressão de valor de tributo, contribuição social ou previdenciária, inclusive acessórios, induzindo ou mantendo alguém em erro mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento, em prejuízo dos cofres públicos:[…]

Causa de exclusão de tipicidade

§ 8º Não há crime se o valor correspondente à lesão for inferior àquele usado pela Fazenda Pública para a execução fiscal”. (SENADO FEDERAL, Projeto de Lei nº 236, 2012)

Seguindo as alterações propostas, o crime de descaminho também, descreveria a viabilidade de consideração de conduta insignificante.

“Descaminho

Art. 350. Introduzir mercadoria no País, ou promover sua saída, sem o pagamento dos tributos e contribuições devidos:

Pena – prisão, de um a três anos. […]

§ 4º Aplica-se ao descaminho toda a disciplina de extinção de punibilidade, de tipicidade e de insignificância referente aos crimes contra a ordem tributária.” (SENADO FEDERAL, Projeto de Lei nº 236, 2012)

Essa factível normatização do Princípio da Insignificância pelo diploma Penal, não só demonstra a concretização do mesmo no sistema jurídico brasileiro, como tende à sua acessibilidade à Polícia Judiciária, que terá em mãos fundamentos legais para consagrá-lo em seus atos.

4.6 Benefícios da implementação administrativa do Princípio da Insignificância

Resta dizer sobre a concretização administrativa imprópria do Princípio da Insignificância, ou aplicação do mesmo pela Autoridade Policial, que rende discussões que ultrapassam a simples normatização de atribuições de função ou suas limitações, assim como requer entendimento dos objetivos maiores do Direito Penal, para proporcionar à sociedade o respeito às garantias fundamentais preconizadas no Estado Democrático de Direito.

A viabilidade de que o Delegado de Polícia, reconheça e aplique o Princípio da insignificância, em casos concretos que envolverem crimes de lesão ínfima, proporciona, quando identificada a atipicidade material, a dispensabilidade em continuar a mover, o aparato do Estado na esfera penal.

Utilizar deste recurso na esfera administrativa nas mãos do Delegado de Polícia, operador primeiro do Direito, que encontra-se na linha de frente das condutas realizadas, que vão de encontro ao Direito Penal, possivelmente produzirá consequências, sobre a liberdade de indivíduos que chegam a ser detidos, em resultância de condutas formalmente típicas, que no entanto não condizem com o tratamento e procedimentos adotados em regra, em função da baixa lesividade material.

“O eficiente equilíbrio entre liberdade e punição penal, modelado pela razoabilidade e pela proporcionalidade, constitui o demonstrativo eficaz de que se cultua e respeita o Estado Democrático de Direito, nos parâmetros delineados pelo art. 1º da Constituição Federal”(NUCCI, 2013, p. 190).

Assim sendo, promove-se a preservação das garantias constitucionais de liberdade, legalidade e celeridade, evitando a permanência de indivíduos em situações constrangedoras e vexatórias nas celas de delegacias pelo país, aguardando interminavelmente por respostas de um Judiciário moroso e decadente.

Condizente com esse entendimento, de priorizar esse atendimento ao cidadão e dar agilidade ao caminhar judiciário, que deixa esquecidos nas delegacias, suspeitos sem oportunidade de exercerem seus direitos básicos, tramita no Congresso Nacional projeto de lei de Nº 1594/2011 que busca alterar a Lei Nº 7.210/1984 a Lei de Execução Penal, para vedar a custódia de presos em delegacias por período superior à setenta e duas horas, ressaltando a finalidade de atuação da polícia judiciária como auxiliar do poder judiciário.

“Art. 2º O art. 82 da Lei no 7.210, de 11 de junho de 1984, passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 3º, 4º e 5º:

"Art. 82 […]

§ 3º Fica vedada a custódia de preso, ainda que provisório, em dependências de prédios das Polícias Federal ou Civis dos Estados e do Distrito Federal;

§ 4º Na hipótese de prisão em flagrante será permitida a permanência do preso, tão somente, até a lavratura do auto respectivo e a entrega da nota de culpa pelo Delegado de Polícia, oportunidade em que o preso será imediatamente conduzido ao estabelecimento penitenciário.

§ 5º É admitida a permanência de preso, por período inferior a 72 (setenta e duas) horas, em dependência de prédios das Polícias Civis dos Estados e do Distrito Federal exclusivamente destinada à triagem e transição de detentos.”

Frente a este recurso, será imprescindível uma resposta premente da autoridade policial, que poderá proceder pelo indiciamento e pronto encaminhamento ao judiciário, dos casos relevantes e administraria ao demais, sempre que assente, o Princípio da Insignificância. Colaborando para a preservação da dignidade da pessoa humana. Garantindo assim que a pena privativa de liberdade não seja inadequadamente impelida.

CONCLUSÕES

O Princípio da insignificância transmite entendimento acerca dos malefícios das generalizações do Direito Penal, que não atinge seu fim de promoção de bem estar e equilíbrio social, quando atua por medidas padronizadas, sem considerar as situações fáticas constantes da sociedade. Em função de sua recente elaboração e integração ao Direito brasileiro, ainda demanda profunda interpretação diante dos demais princípios constitucionais, em que se pauta, para sua aplicação.

Configura-se em instrumento valoroso face às necessidades emergenciais em resposta penal, no âmbito da Polícia judiciária, ante os casos que se amoldam aos requisitos que enumera para sua aplicação, quais sejam; (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada.

Quando utilizado pela autoridade policial, possibilita ao poder judiciário uma suavização quantitativa da demanda, e os esforços em prestação jurisdicional podem direcionar-se para questões de maior gravidade.

Não se trata esse meio, de justiça restaurativa, ou de perdão judicial, a aplicação do Princípio da insignificância não vai transferir ao delegado de polícia a função de magistrado, mas possibilitar a interpretação caso a caso dos meios e fins diante da lei penal,

Os recursos para tanto existem, e encontram-se nos atos praticados pelos delegados de polícia. O princípio da insignificância pode então ser aplicado, sempre nos casos condizentes com sua natureza, por meio de despacho, em que autoridade fundamenta o procedimento, garantindo o registro do feito e evitando excessos penais.

A prática fica profundamente conectada com a garantia da dignidade da pessoa humana e a preservação de um Estado Democrático de Direito.

 

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Notas
[1] Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Centro Universitário de Goiás – Uni-ANHANGUERA, sob orientação da Professora Esp. Karina Adorno de La Cruz, como requisito parcial para a obtenção do bacharelado em Direito.


Informações Sobre o Autor

Marilana Ribeiro de Souza

Advogada militante da área penal e administrativa possui graduação em Direito pelo Centro Universitário de Goiás 2015. Cursa especialização em Direito Público pelo Centro Universitário Estácio – UNISEB em Goiânia


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