Resumo: O presente Trabalho de Conclusão de Curso tem por objetivo a elaboração de artigo científico, requisito obrigatório para conclusão do Curso de Especialização em Direito da Seguridade Social, da Faculdade Legale. A questão-problema consiste na impossibilidade de se afastar o reconhecimento da especialidade dos períodos trabalhados com efetiva exposição a agentes insalubres, para fins de Aposentadoria Especial, baseados tão somente na afirmativa unilateral das empresas de que o Equipamento de Proteção Individual – EPI foi eficaz. Vamos analisar o instituto da aposentadoria por tempo de contribuição, na modalidade especial através de breve histórico e conceituação atual, bem como seus requisitos e fundamentos legais; analisar a eficácia dos EPI na saúde do trabalhador, bem como avaliar, à luz da jurisprudência, a possibilidade do mesmo afastar o reconhecimento de tempo especial, e por via de consequência, a negativa de concessão de Aposentadoria Especial.
Palavras-chave: Aposentadoria Especial, Equipamento de Proteção Individiual, eficácia, eliminação da insalubridade.
Abstract: The purpose of this Course Completion Work is to prepare a scientific paper, a mandatory requirement for completion of the Specialization Course in Social Security Law, Faculty Legale. The problem issue is the impossibility of departing from the recognition of the specialty of the periods worked with effective exposure to unhealthy agents for the purpose of Special Retirement, based only on the unilateral affirmation of the companies that the Personal Protective Equipment (PPE) was effective. We will analyze the institute of the retirement by time of contribution, in the special modality through brief history and current conceptualization, as well as its requirements and legal grounds; To analyze the effectiveness of PPE in the health of the worker, as well as to evaluate, in the light of jurisprudence, the possibility of rejecting the recognition of special time, and consequently, the refusal to grant Special Retirement. Finally, its technical procedures are bibliographical and jurisprudential.
Keywords: Special Retirement . Personal Protective Equipment. Efficiency. Elimination of unhealthiness.
1. Introdução
A Aposentadoria Especial é uma subespécie de Aposentadoria por tempo de contribuição, e tem a seguinte definição no sitio do INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social:
“A Aposentadoria especial é um benefício concedido ao cidadão que trabalha exposto a agentes nocivos à saúde, como calor ou ruído, de forma contínua e ininterrupta, em níveis de exposição acima dos limites estabelecidos em legislação própria”.[1]
Teve sua criação autorizada pelo artigo 201, parágrafo 1º, da Constituição Federal de 1988, conforme transcrito a seguir:
“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) (Vide Emenda Constitucional nº 20, de 1998) […]
§ 1º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, definidos em lei complementar.” (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) (Vide Emenda Constitucional nº 20, de 1998).
Foi primeiramente regulamentada pelo artigo 31 da Lei nº 3.807/1960 (Lei Orgânica da Previdência Social), tendo este sido revogado pela Lei nº 5.580/1973, que passou a regulamentá-la por seu art. 9º. Entretanto, com o advento da Lei nº 8.213/91, a matéria passou a ser regulamentada pelo art. 57 da mesma.
É devida aos trabalhadores que durante 15, 20 ou 25 anos de contribuição, conforme o agente nocivo, tenham suas atividades laborais enquadradas nas categorias profissionais previstas nos decretos regulamentadores, ou pela exposição do trabalhador a agentes insalubres.
Estes agentes causam danos à saúde e à integridade física dos trabalhadores, e são classificados em químicos, físicos ou biológicos.
Para diminuição do potencial ofensivo dos agentes insalubres, as empresas estão obrigadas ao fornecimento de EPI’s – Equipamentos de Proteção Individual, tais como: luvas, botas, macacões, protetores auriculares, óculos, máscaras, entre outros.
Atualmente, o formulário utilizado para comprovação da exposição dos trabalhadores aos agentes insalubres é o chamado PPP – Perfil Profissiográfico Previdenciário, conforme modelo contido no Anexo XV da Instrução Normativa INSS/PRES nº45/2010.
O preenchimento deste formulário é feito com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho (LTCAT), elaborado por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho nos termos da legislação trabalhista.
Este formulário deve ser preenchido pela empresa empregadora, e deve descrever as atividades desenvolvidas pelo trabalhador, os fatores de risco aos quais o mesmo está exposto, bem como a intensidade e a concentração dos agentes.
Deve indicar ainda, os EPI’s fornecidos, e se os mesmo são capazes de elidir a insalubridade dos agentes.
Entretanto, como a elaboração deste documento é feita pela própria empresa, isto gerou grande insegurança jurídica aos trabalhadores, pois as empresas, via de regra, informam nos PPP’s que o EPI fornecido por elas é eficaz, e, portanto, capazes de eliminar a insalubridade, e descaracterizar a especialidade do trabalho exercido.
2. Julgamento pelo STF do Agravo em Recurso Extraordinário (ARE) n. 664.335, com repercussão geral reconhecida (tema n. 555).
A questão do fornecimento e eficácia dos EPI’s chegou ao judiciário, e após várias discussões, o STF- Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Agravo em Recurso Extraordinário (ARE) n. 664.335, com repercussão geral reconhecida (Tema 555) – Fornecimento de Equipamento de Proteção Individual – EPI como fator de descaracterização do tempo de serviço especial -, de relatoria do Ministro Luiz Fux, resolveu a questão fixando duas teses.
A primeira fixa o entendimento de que caso seja comprovada a eficácia do EPI fornecido, com a devida neutralização do agente nocivo, afasta-se o direito à aposentadoria especial. Vejamos:[2]
“[…] O direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo à concessão constitucional de aposentadoria especial […]”.
Por outro lado, a segunda tese fixada no Tema 555, determina que quando se tratar de exposição ao agente nocivo ruído,acima dos limites de tolerância, não há que se falar em eficácia do EPI para fins de descaracterização ao reconhecimento da especialidade da atividade, senão vejamos:[3]
“[…] na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para a aposentadoria […]”
Esta decisão garante aos trabalhadores expostos ao agente ruído, acima dos limites de tolerância previstos na legislação, a garantia da contagem especial, garantido-lhes o direito à Aposentadoria Especial.
Entretanto, por outra via, desampara os trabalhadores expostos a outros agentes de risco, como por exemplo, os agentes químicos, pois via de regra, as empresas no preenchimento dos PPP’s, informam que o EPI por ela fornecido é eficaz, e, portanto, é suficientemente capaz de eliminar a insalubridade dos agentes.
3. O reflexo da decisão do STF nos julgamentos das instancias inferiores.
Apesar da decisão do STF, em sua primeira tese, deixar claro que somente será descaracterizada a especialidade, caso fique comprovado o fornecimento, bem como a efetiva neutralização dos efeitos dos agentes insalubres através do uso do EPI, as empresas tem se limitado a informar nos PPP’s que o EPI utilizado foi eficaz, sem, contudo, demonstrar de que forma se chegou a este entendimento.
Alguns juízes têm baseado suas decisões neste campo do PPP, onde a empresa simplesmente afirma que o EPI foi eficaz, negando aos trabalhadores o direito à Aposentadoria Especial.
Ou seja, baseados em uma declaração unilateral da empresa, que muitas vezes visa tão somente a questão tributária que envolve a matéria, alguns juízes vêm negando aos trabalhadores, expostos ao longo de suas vidas a agentes agressivos à sua saúde, o direito à Aposentadoria Especial.
Assim, vários trabalhadores, efetivamente expostos aos agentes de risco se veem desamparados, pois em muitas decisões, os juízes vem considerando que a simples afirmativa da empresa, no PPP, de que o EPI foi eficaz, é suficiente para descaracterizar a especialidade da atividade, julgando improcedentes os pedidos de aposentadoria especial.
Em recente julgamento do Processo 0041934-95.2016.4.02.5104, que tramita na 1ª Vara Federal de Volta Redonda – RJ, a Magistrada, Dra. CAROLINE VIEIRA FIGUEIREDO, aderiu a este entendimento, negando a trabalhador o direito ao reconhecimento da especialidade de um dos períodos trabalhados, no que dizia respeito aos agentes químicos. Vejamos:[4]
“Quanto aos agentes hidrocarbonetos-desengraxantes, solventes e graxas, foi informada a exposição nos períodos de 12.12.98 a 31.07.99, de 01.01.01 a 31.05.07, 01.06.07 a 15.03.12, 16.07.12 a 14.12.12 e de 20.02.12 a 22.12.15. O solvente e o hidrocarboneto constam do Anexo IV do Decreto nº 2.172/97 (itens 1.0.11 e 1.0.17) e do Anexo IV do Decreto nº 3.048/99.
O Anexo 13 da NR-15 da Portaria 3.214/78 do Ministério do Trabalho relaciona diversas atividades e operações envolvendo agentes químicos que caracterizam condições insalubres, em maior ou menor grau.
Essa norma exige análise meramente qualitativa sem estabelecer limites de tolerância aos agentes considerados nocivos, ou qualquer especificidade quanto à sua composição. Sendo, assim, caberia o enquadramento período. Contudo, verifico que há informação de que o EPI em relação a tal fator mostrou-se eficaz (vide PPP fls. 67/68).
Dessa forma não cabe o reconhecimento do período pela exposição aos agentes hidrocarbonetos, – desengraxantes, solventes e graxas, uma vez que a utilização de equipamento de proteção individual eficaz, salvo no caso de ruído, desnatura a natureza de especial, conforme a fundamentação supra.”
Ou seja, observa-se, que a negativa da magistrada se baseou tão somente na informação contida no PPP do trabalhador, ainda que não tenha restado comprovado que de fato houve o fornecimento do EPI, bem como se houve a fiscalização do uso do mesmo por parte da empresa, e muito menos, se seu uso neutralizou indubitavelmente os efeitos dos agentes insalubres no caso concreto.
Por outra via, tem se observado também alguns posicionamentos em contrário, pois alguns magistrados aplicam em suas decisões o entendimento de que a informação unilateral do empregador, quanto à eficácia do EPI, não é suficiente para eliminar o direito do trabalhador, pois a mesma não é garantia de houve de fato a fiscalização do uso do mesmo, com a efetiva neutralização dos efeitos dos agentes insalubres à saúde dos trabalhadores.
Este foi entendimento do Juiz Federal, Dr. Luiz Clemente Pereira Filho, da 6ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, no julgamento do Recurso Inominado, nº 0004769-29.2014.4.02.5154/01, conforme descrito a seguir:[5]
“Previdenciário. aposentadoria especial. poeira de carvão mineral. poeira mineral de sílica livre. sentença de procedência parcial apenas reconhece dois períodos laborados como especiais. Demais períodos não reconhecidos pelo uso de EPI eficaz. Para afastar a caracterização como atividade especial, deve ser comprovada a eficácia do EPI. PPP atesta apenas seu fornecimento. Não assegura o uso de forma ininterrupta. Recurso do autor conhecido e provido.”
Conforme já exposto, no julgamento do Tema 555 (ARE 64335-SC), o STF visava esclarecer que quanto aos demais agentes, deveria se verificar se a eficácia ou não dos EPI’s, cabendo inclusive à administração pública fiscalizar e aferir as informações prestadas pelas empresas, e em caso de dúvida, conceder o benefício aos trabalhadores, senão vejamos:[6]
”a Administração poderá, no exercício da fiscalização, aferir as informações prestadas pela empresa, sem prejuízo do inafastável judicial review. Em caso de divergência ou dúvida sobre a real eficácia do Equipamento de Proteção Individual, a premissa a nortear a Administração e o Judiciário é pelo reconhecimento do direito ao benefício da aposentadoria especial”.
Ao invés disto, o que se tem verificado, na maioria dos casos concretos, é que a Administração Pública tem se valido desta decisão, e baseados nas afirmações unilaterais dos empregadores, vem sistematicamente, negando aos trabalhadores o direito à Aposentadoria Especial, sob o argumento de que a empresa informa na PPP que o EPI foi eficaz.
Entretanto, no judiciário, ainda não existe um ponto pacífico quanto a esta questão, o que tem causado uma grande insegurança jurídica, pois trabalhadores expostos aos mesmos agentes, durante o mesmo período de suas vidas, tem suas situações resolvidas de maneiras diferentes.
5. Conclusão
O presente estudo nos faz concluir que é no mínimo irresponsável, negar aos trabalhadores o direito à Aposentadoria Especial, após uma vida inteira de exposição a agentes insalubres, após vários anos de degradação de sua saúde em razão desta exposição nociva, com base em um formulário preenchido pelas empresas, cujo objetivo principal, em muitos casos, se resume em se esquivar do recolhimento de tributos.
Concluímos que o simples fornecimento do EPI, bem como a afirmativa unilateral da empresa empregadora não representa fundamento suficiente para afastar o reconhecimento do tempo especial, cabendo à Administração Pública a fiscalização das afirmações feitas pelas empresas, sendo certo que em caso de dúvidas, deve-se conceder o benefício da Aposentadoria Especial ao trabalhador, afim de que ele não seja lesado por uma atitude leviana de seu empregador.
Deve-se exigir ainda, que a Administração Pública, através do INSS fiscalize efetivamente estas situações, exercendo seu papel precípuo, que é resguardar os direitos de seus segurados.
Informações Sobre o Autor
Aurea Martins Santos da Silva
Advogada do Sindicato dos Metalúrgicos de Volta Redonda Pós-Graduanda em Direito da Seguridade Social pela faculdade LEGALE