A responsabilidade jurídica do médico e da indústria farmacêutica frente à prescrição de medicamentos excepcionais

Resumo: O presente trabalho realizou um estudo das relações ilícitas estabelecidas entre profissionais médicos e indústria farmacêutica que visam auferir vantagens pessoais e financeiras da Administração Pública. No cenário atual é notório a presença de decisões judiciais que obrigam os entes federativos a fornecerem medicamentos de custos elevados à pacientes, contudo muitas dessas decisões são manipuladas por laudos e receituários de médicos que possuem “convênios” com a indústria de fármacos, o intuito é meramente mercantil, os direitos fundamentais à vida e à saúde do paciente são postos em xeque. Nesta perspectiva, a Administração Pública tem parte de sua receita desviada indevidamente, recursos que poderiam ser aplicados em setores mais necessitados são tidos como fonte de vantagens ilícitas. Com a finalidade de coibir a conduta em tela é mister a atuação mais incisiva do poder judiciário e do próprio Ministério Público, medicamentos de alto custo não devem ser concedidos apenas com base em receituários e laudos médicos de um prescritor, é imprescindível a produção da prova pericial. As punições a tal conduta deverá superar a natureza deontológica, caberá as hipóteses de responsabilidade civil, improbidade administrativa, bem como a responsabilização penal. Enfim, o fenômeno da judicialização da saúde merece ser tratado com certo cuidado, necessário é desfocar o assunto da ótica do paciente e passar a entendê-lo no âmbito da Administração Pública (entes federados).

Palavras – chave: Alto custo, medicamentos, administração pública

Abstract: The present study carried out a study of the illicit relations established between medical professionals and the pharmaceutical industry that aim to obtain personal and financial advantages of the Public Administration. In the current scenario, the presence of judicial decisions that oblige federative entities to provide high-cost drugs to patients is notorious, yet many of these decisions are manipulated by reports and prescriptions of doctors who have "agreements" with the drug industry. Merely mercantile, the fundamental rights to life and health of the patient are put in check. In this perspective, the Public Administration has part of its revenues diverted improperly, resources that could be applied in sectors most in need are taken as a source of illicit advantages. With the purpose of curbing the conduct on the screen, it is necessary to take a more incisive action by the judiciary and the Public Prosecutor's Office, high-cost medicines should not be granted only on the basis of prescriptions and medical reports of a prescriber, Expert The penalties for such conduct should exceed the deontological nature, will be assumed the assumptions of civil liability, administrative improbability, as well as criminal liability. Finally, the phenomenon of the judicialization of health deserves to be treated with some care, it is necessary to blur the subject from the perspective of the patient and begin to understand it within the scope of the Public Administration (federated entities).

Key words: High cost, medicines, public administration

Sumário: Introdução; 1. Politíca nacional de medicamentos de alto custo; 1.1 Medicamentos de alto custo: conceito; 1.2 Diretrizes terapêuticas e protocolos clínicos; 2. A ética médica e o ordenamento jurídico pátrio frente à questão dos medicamentos de dispensação excepcional; 2.1 Medicamento excepcional na perspectiva do ordenamento jurídico pátrio e da Administração Pública; 3. Responsabilidade do estado em fornecer medicamentos excepcionais; 4. Judiciário e os medicamentos de alto custo: a sentença judicial e sua consequência aos cofres públicos; 5. Responsabilidade civil do médico e da indústria farmacêutica; 5.1 Definição de responsabilidade civil; 5.2 Responsabilidade civil do médico e da indústria farmacêutica: uma análise sob a ótica do paciente e da Administração Pública; 6. Responsabilidade do médico e da indústria farmacêutica no âmbito da administração pública; 6.1 Improbidade administrativa: Conceito; 6.2 Aplicação do instituto da improbidade administrativa frente à conduta de médicos e indústria farmacêutica; 7. Responsabilidade criminal do médico e da indústria farmacêutica. 8. Considerações finais. Referências.

INTRODUÇÃO

A prescrição de medicamentos excepcionais (alto custo) é assunto de grande relevância tanto para o direito quanto para as áreas médica e farmacêutica. O que se tem notado no judiciário é uma crescente demanda de ações com intuito de obter tais medicamentos.

O tema aqui abordado será pensado sob a ótica da Administração Pública e em seguida analisará uma possível responsabilidade administrativa, civil e penal do médico e da indústria farmacêutica.

Antes de efetuar a prescrição do medicamento de alto custo o profissional deverá observar se há uma real necessidade de sua utilização e possibilidade de os entes federativos adquirirem o fármaco.

No entanto, o que se percebe em boa parte dos casos, é a prescrição de tratamentos tendenciosos, alguns médicos em busca de vantagens financeiras e particulares não se atentam à relação dual acima mencionada.

Devido ao fato de parcela dos profissionais médicos não levarem em conta a relação supramencionada (há também outros fatores), com a finalidade de obtenção de vantagens pessoais, o SUS enfrenta uma grande crise financeira: a receita a ser utilizada na compra de medicamentos excepcionais é insuficiente.

O art. 9° do código de ética médica prevê que o exercício da profissão não poderá, em qualquer circunstância ou de qualquer forma ser exercida como comércio. Já em seu art. 99 veda o exercício simultâneo da medicina e da farmácia, bem como obter vantagens pela comercialização de medicamentos, órteses ou próteses, cuja compra decorra de influência direta em virtude de sua atividade profissional.

Todavia as normas estabelecidas pelo Conselho Federal de Medicina são apenas de natureza deontológica, ou seja, não possuem o condão de estabelecer qualquer tipo de sanção penal ou cível ao profissional que prescreve medicamento com objetivo de obter vantagens. Nenhum tipo de punição também está prevista para a indústria farmacêutica que oferece vantagem financeira ao médico.

O ordenamento jurídico pátrio também não estabelece especificamente qualquer punição à conduta descrita acima. Tal conduta, de forma imediata, prejudica os entes da federação, têm parte de suas receitas gastas indevidamente: forma encontrada tanto pelo médico como pela indústria farmacêutica com a finalidade de auferir vantagens ilícitas.

A abordagem em torno dos medicamentos excepcionais não deve ser analisada apenas sob o prisma do paciente, uma vez que quando prescrito com objetivo de obtenção lucro, o prejuízo será, de forma imediata, da Administração Pública e, consequentemente, da sociedade. Recursos que poderiam ser aplicados em setores mais necessitados são utilizados como forma de obtenção de vantagens pessoais e financeiras.

A problemática do tema gira em torno da precariedade das decisões judiciais que concedem ao paciente os medicamentos de alto custo, baseadas apenas em laudos e relatórios médicos (que várias situações se encontram manipulados com interesses pessoais), além da dificuldade de punir médicos e indústrias farmacêuticos que concorrem para prática ilícita em questão.

 Diante do que fora exposto vários questionamentos vêm à tona:

Quais os requisitos o médico deverá seguir no momento de prescrever o medicamento excepcional?

Qual deverá ser a responsabilidade jurídica do médico e da indústria farmacêutica?

As consequências do fato aos cofres públicos?

Como solucionar a crise trazida por sentença judicial que concede ao paciente medicamentos excepcionais?

O que há na legislação brasileira acerca do assunto?

Há necessidade de uma atuação mais incisiva do Conselho federal de medicina e do Conselho federal de farmácia, bem como do judiciário brasileiro?

Ao analisar todas as questões postas e as que irão incidir no decorrer da pesquisa será possível descrever de forma mais clara as consequências jurídicas e sociais decorrentes do assunto e, dessa maneira, traçar soluções ao problema apresentado. 

De forma imediata pode-se dizer que as hipóteses (soluções) para o problema em tela são as seguintes:

Ao prescrever medicamentos excepcionais o profissional deverá se ater para a relação dual: interesse da sociedade e real necessidade do paciente. Não deve haver lugar nessa relação para vantagens pessoais e financeiras (enriquecimento ilícito).

Os atos de prescrição de medicamentos com a finalidade de obter vantagens pessoais, quanto o de oferecer vantagens, deverão ser administrativamente, penalmente e civilmente punidos.

É de fundamental importância às atuações do judiciário brasileiro, o Conselho federal de medicina e Conselho federal de farmácia, com intuito de inibirem a prática já citada.

Reinterando o que foi dito anteriormente, o tema proposto pretende analisar a responsabilidade jurídica (civil, penal e Administrativa) do médico e da indústria farmacêutica no que diz respeito à prescrição de medicamentos de alto custo com intuito de auferir vantagens financeiras, além de indicar uma forma para que o judiciário decida de forma mais isenta. 

Já os objetivos específicos deste trabalho serão os seguintes:

a) Traçar um estudo que indique os requisitos que o médico deverá cumprir no momento de prescrever um medicamento excepcional.

b) Buscar no ordenamento jurídico pátrio instrumentos que permitam traçar as responsabilidades jurídicas que deverão ser atribuídas ao médico e a indústria farmacêutica.

c) Investigar as consequências do fato aos cofres públicos.

d) Estudar a atuação do CFF, CFM e poder judiciário com intuito de inibirem a prática já descrita.

e) Avaliar o tema sob a ótica da Administração Pública.

Nota-se nas pesquisas referentes ao tema “medicamentos de alto custo” uma tendência a ser explorada pelo prisma do paciente. Esse trabalho, no entanto, buscará a análise do tema sob a ótica da Administração Pública.

Como base do que fora exposto acima é possível citar alguns entendimentos acerca do tema “medicamentos de alto custo”:

A distribuição de medicamentos de alto custo tem gerado uma crise financeira no sistema único de saúde (SUS). Os recursos existentes são incompatíveis com a demanda. Nesse sentido afirma Conrado (2012, p. 18):

“O sistema único de saúde atravessa, atualmente, um momento de crise em razão da necessidade de larga distribuição de medicamentos. Todavia, os gerenciadores de recursos da saúde pública testemunham que a disponibilidade financeira para ser aplicada na compra de medicamentos excepcionais é insuficiente”.

Frente ao contexto apresentado faz-se necessário que critérios sejam estipulados para prescrever um medicamento de alto custo, como informa Viana (2007, p. 18):

‘Medicamentos sem efetividade comprovada, com indicações inadequadas, não reconhecidos pela comunidade científica, ou utilizados em pacientes terminais sem reais perspectivas de melhoras estariam banidos dessas ações, através da incisiva responsabilização dos seus prescritores, em ações conjuntas determinadas pelos gestores da saúde, pelo Ministério Público, pelo Judiciário e pelos Conselhos de Medicina”.

Ocorre, no entanto, que esses critérios básicos são desrespeitados em função dos interesses pessoais, financeiros e econômicos. Convém aqui ressaltar o entendimento de Xavier (2011, p. 10):

“Existem relações sombrias e dissimuladas entre médicos e agentes econômicos interessados na produção ou comercialização de produtos farmacêuticos, que comprometem a imagem da profissão médica, em clara infração ao Artigo Quarto do Código de Ética Médica que diz que ao médico cabe zelar e trabalhar pelo perfeito desempenho ético da Medicina e pelo prestígio e bom conceito da profissão.

Os laudos periciais, assim como os testemunhos, devem exigir a declaração de isenção de conflitos de interesses, manifestando, de forma expressa, a não vinculação da prescrição ou do parecer ao recebimento de quaisquer vantagens diretas ou indiretas dos agentes econômicos interessados na produção ou comercialização dos medicamentos. No caso de haver algum tipo de relação do médico com algum agente financiador, essa relação deve ser declarada.

No entanto, avaliando o atual cenário, pode-se verificar que ele é composto por solicitações endossadas por médicos que soterram o Judiciário com referências bibliográficas manipuladas e com interpretações falseadas e tendenciosas. Além disso, existe uma ampla divulgação de tecnologias sem fundamentação científica, baseada em falácias e interesses econômicos poderosos, que impulsiona demandas judiciais contra o Estado, com o conseqüente comprometimento dos orçamentos públicos.”

Nesse sentido, percebe-se que o maior prejudicado é a Administração Pública que tem valores retirados se seus cofres para que médicos e indústria farmacêutica auferiam vantagens econômicas. Por analogia é possível entender tal ato com improbidade administrativa. Conforme explica Loyola (2012, p. 1070):

“A improbidade administrativa importa em enriquecimento ilícito, prejuízo ao erário e atente quanto aos princípios da Administração Pública.

Poderão ser responsabilizados pela prática de atos de improbidade administrativa o agente público e aquele que mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direita ou indireta.”

Quanto à responsabilidade civil do médico e da indústria farmacêutica é possível fazer uma análise através do art. 927 do CC/02:

“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.

No que diz respeito à responsabilidade penal, o tipo penal a ser aplicado dependerá do caso concreto, oportunamente o tema será debatido.

A pesquisa em questão possui cunho jurídico-sociológico, uma vez que objetiva dar um novo entendimento sobre a responsabilidade jurídica do médico e da indústria farmacêutica na prescrição de medicamentos excepcionais. 

Utilizara-se o raciocínio dedutivo, busca se através de estudos gerais a compreensão da problemática apresentada, partirá do caso geral para o caso particular.

Terá caráter interdisciplinar, uma vez que os debates acerca do assunto têm suas bases no direito Constitucional, Médico, Civil, Penal e Administrativo, bem como discussões éticas e sociológicas.

A pesquisa adotará investigação propositiva, visto que objetiva, caso confirmada a hipótese, propor mudanças na esfera administrativa, civil e penal.

Para realização da monografia utilizará o método teórico e análise de dados, pesquisas jurisprudenciais e doutrinárias com objetivo de abordar posicionamentos a favor e contra ao que é defendido neste trabalho.

1 POLITÍCA NACIONAL DE MEDICAMENTOS DE ALTO CUSTO

A Política Nacional de Medicamentos foi estipulada pela Portaria MS 3.916, de 30/10/98 e suas diretrizes são: “adoção da relação de medicamentos essenciais”, “regulamentação sanitária de medicamentos”, “reorientação da assistência farmacêutica”, “promoção do uso racional de medicamentos”, “desenvolvimento científico e tecnológico”, “promoção da produção medicamentos”, “garantia da segurança, eficácia e qualidade dos medicamentos” e “desenvolvimento e capacitação de recursos humanos”. O programa define a competência de cada ente federativo para atuar nas questões postas.

Sua importância para este trabalho se justifica pelo fato de dar a conceituação de “medicamentos de alto custo” ou “medicamentos excepcionais”, além de direcionar o caminho a ser seguido no momento de prescrever ou conceder tais fármacos.

1.1 Medicamentos de alto custo: conceito

Antes de definir “medicamentos de alto custo” é mister ressaltar o que são medicamentos comuns ou essenciais: são aqueles que possuem baixo valor unitário e de destinação para as doenças mais comuns que atingem a população brasileira (ex.: diabetes, hipertensão arterial). São opostos aos denominados excepcionais ou de alto custo.

A Portaria MS 3916/98 define medicamentos excepcionais como os utilizados em doenças raras, geralmente de custo unitário elevado e sua distribuição atende casos específicos.

A Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (Ministério da Saúde), por sua vez, define medicamento de alto custo como:

“Aquele utilizado no tratamento de doenças crônicas, consideradas de caráter individual e que, a despeito de atingirem um número reduzido de pessoas, requerem tratamento longo ou até mesmo permanente, com o uso de medicamentos de custos elevados. Por serem, em sua maioria, medicamentos excessivamente onerosos, são também chamados de medicamentos de alto custo”.

No decorrer do tempo o conceito de medicamento excepcional sofreu alterações, não são mais denominados como aqueles utilizados em doenças raras, mas sim em doenças que atingem uma parte restrita da sociedade, são excepcionais pelo fato de constituir uma exceção aos medicamentos de uso essencial. São produzidos em menor escala e, por conseguinte, há um aumento considerável em seu valor por unidade.

1.2 Diretrizes terapêuticas e protocolos clínicos

O Ministério da saúde desenvolveu um sistema de orientação para o uso racional dos medicamentos de alto custo, denominado de diretrizes terapêuticas e protocolos clínicos, o objetivo é promover o acesso proporcional e seguro da população aos fármacos e garantir a melhor utilização do erário.

Cumpre aqui ressaltar o entendimento de Dias Gomes (1998) acerca do tema:

“Trata-se de importante instrumento definidor de “critérios de diagnóstico de cada doença”, revelando “o tratamento preconizado com os medicamentos disponíveis nas respectivas doses corretas”, bem como “os mecanismos de controle”, “o acompanhamento e a verificação de resultados”, e “a racionalização da prescrição e do fornecimento dos medicamentos”. Com o compromisso de total observância ética e técnica à prescrição médica, os “Protocolos Clínicos e Diretrizes Farmacêuticas -Medicamentos Excepcionais”  têm, igualmente, “o objetivo de criar mecanismos para a garantia da prescrição segura e eficaz”, e de ser, de maneira contínua, atualizados em acompanhamento à evolução do conhecimento técnico e científico.”

A estruturação do “protocolo clínico e diretrizes farmacêuticas” ocorreu em cinco eixos estritamente interligados, são eles:

I- Diretrizes terapêuticas: traça-se o diagnóstico da doença (CID) e seu possível tratamento.

II- Termo de consentimento informado (TCI): compromisso médico/paciente em buscar um bom tratamento para a moléstia.

III- Fluxograma: são divididos em duas espécies – Fluxograma de tratamento e fluxograma de dispensação: o primeiro mostra o caminho a ser seguido no manejo de pacientes, enquanto o segundo indica as etapas a serem seguidas desde o momento que o paciente solicita o medicamento até a sua entrega.

IV- Ficha Farmacoterapêutica: é um roteiro de perguntas que tem o intuito de servir de controle efetivo do tratamento estabelecido, promove o acompanhamento do paciente relativo às reações adversas, interações medicamentosas, contra-indicações e outros.

V- Guia de orientação ao paciente: guia informativo ao paciente com as principais orientações do medicamento a ser dispensado.

O protocolo clínico e as diretrizes farmacêuticas asseguram, em tese, a aplicação racional dos recursos Públicos em medicamentos de dispensação excepcional, nesse sentido é possível citar a seguinte passagem extraída do artigo “SUS, o melhor plano de saúde que você pode ter” (2006, autor desconhecido):

“A questão a ser ressaltada é que Eficiência e Economicidade são Princípios da Administração Pública. Os recursos públicos que custeiam o Sistema Único de Saúde devem ser aplicados de modo responsável e extremamente criterioso, sobretudo por serem escassos e, via de regra, insuficientes para atender, de forma integral, aos anseios da população. É preciso cautela, portanto, em relação a receitas médicas prescrevendo medicamentos em desconformidade com os “Protocolos Clínicos e Diretrizes Farmacêuticas – Medicamentos Excepcionais”. Sim, pois existindo consenso científico a respeito do tratamento mais adequado à determinada doença, não há, em princípio, razão para que um profissional médico atue de modo diverso, máxime quando o caso envolve recursos públicos, finitos e pertencentes à sociedade brasileira”.

A instauração das diretrizes e protocolos permite o equilíbrio entre o interesse público (erário) e necessidade do paciente. O medicamento de dispensação excepcional deverá ser concedido apenas quando for melhor opção.

2 A ÉTICA MÉDICA E O ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO FRENTE À QUESTÃO DOS MEDICAMENTOS DE DISPENSAÇÃO EXCEPCIONAL

Como já especificado em momento oportuno, o presente trabalho tem o objetivo de investigar as relações ilícitas estabelecidas entre médico e indústria farmacêutica com o objetivo de auferir lucros e vantagens pessoais em a prejuízo ao erário.

De imediato faz-se necessário esboçar a ilicitude da relação acima mencionada, por meio do Código de ética médica. .

A questão “medicamentos excepcionais” não é abrangida de forma específica pelos Conselhos de Medicina ou de Farmácia. No entanto, por meio de interpretação analógica é possível chegar a determinadas conclusões:

O art. 9º do Código de ética médica impede, em qualquer circunstância ou de qualquer forma, que a medicina seja exercida como comércio. Nesse ínterim entra em cena o fato de o médico não poder utilizar de sua profissão para obter lucros ou vantagens pessoais, oferecidos pela indústria de fármacos, no momento de prescrever o medicamento de alto custo.

As vantagens pessoais e lucros oferecidos aos médicos pela indústria farmacêutica são inúmeros, tais como: publicação de artigos científicos, participação em congressos, percentual de lucro na venda do medicamento, viagens e outros.

De fato ao receber qualquer vantagem o médico estará exercendo a profissão como comércio, logo, em total falta de consonância com o art. 9º do código de ética médica.

Por sua vez, o art. 99 do supramencionado Código veda o exercício simultâneo da medicina e farmácia, bem como a obtenção de vantagens pela comercialização de medicamentos, órteses ou próteses, cuja compra decorra da influência direta em virtude de sua atividade profissional. Tal elemento normativo confirma tudo aquilo exposto anteriormente, além de ser taxativo no momento de proibir a obtenção de vantagens ao prescrever qualquer medicamento.

Cumpre ressaltar que as normas éticas estabelecidas pelo Conselho Federal de Medicina são de cunho deontológico (disciplinar), a função de punir é exclusiva do Estado, não cabe delegação ao particular.

Em suma, o Conselho de Medicina coíbe a prática de auferir vantagens pessoais financeiras em conseqüência da prescrição de determinado medicamento, sejam eles essenciais ou excepcionais. Contudo, a punição dada a essa conduta possui natureza deontológica (disciplinar), a Legislação pátria não trata especificamente a questão, necessário é a utilização dos meios oferecidos pela hermenêutica jurídica.

2.1 Medicamento excepcional na perspectiva do ordenamento jurídico pátrio e da Administração Pública

O assunto adquire maiores proporções quando analisado sob a ótica do ordenamento jurídico pátrio, principalmente da Administração Pública. De fato quando o paciente que não possui condições financeiras de arcar com o medicamento de alto custo prescrito pelo médico irá recorrer ao Estado, seja pela via administrativa ou judicial.

 Ao prescrever um medicamento de dispensação excepcional o médico deverá atenta-se para relação dual necessidade do paciente e possibilidade de aquisição do fármaco pelos entes federativos. Se houver, mascarada nessa relação, interesses médicos e farmacêuticos ficará notório o prejuízo ao erário e, via de regra, ao interesse público.

A Legislação brasileira foi omissa ao tratar a questão em tela. No entanto, como já é sabido há uma preponderância do positivismo jurídico, dessa forma, não há como o legislador prevê todas as situações possíveis que possam surgir no decorrer do tempo.

A omissão do legislador, no entanto, não deve ser argumento válido a fim de deixar impune o médico e indústria que concorrem para causar prejuízos ao erário. Devido à falta de opção legislativa esse trabalho propõe interpretar de forma analógica os institutos do Direito pátrio, tais como responsabilidade civil e improbidade administrativa e, consequentemente, defender o interesse público, maior prejudicado na relação ilícita traçada anteriormente. Quanto a responsabilidade penal não se admite a interpretação analógica, portanto, ao aplicar a norma incriminadora deve-se analisar o caso concreto.

Enfim, a problemática do tema gira em torno da prescrição de medicamentos de alto custo em que o paciente, sem condições de arca com a compra, busca o Estado para efetuar sua aquisição, sem saber que por trás desse receituário há um interesse de natureza financeira, pessoal ou econômica, conduta esta que resultará em prejuízos aos cofres públicos.

3 RESPONSABILIDADE DOS ENTES FEDERATIVOS EM FORNECER MEDICAMENTOS EXCEPCIONAIS

De acordo com o art. 196 da Constituição da República, a União, Estado e Município são solidariamente responsáveis pelo fornecimento gratuito de medicamentos, o dispositivo descreve que a saúde é dever do Estado, no entanto, não específica sobre qual ente recaí a responsabilidade.

Para concessão do medicamento de alto custo na via administrativa alguns requisitos deverão ser cumpridos, são eles:

Hipossuficiência financeira: entendimento majoritário alega que tal requisito não é dispensável no momento de conceder ao paciente o medicamento de alto custo, visto que a CR/88 garante acesso universal e igualitário aos fármacos, saúde é direito de todos, sem distinção, e dever do Estado.

O conceito de hipossuficiência financeira deve ser analisado de forma bem mais ampla do que foi estabelecido pela Lei 1060/50, vários fatores deveram compor a equação, tais como: valor do fármaco, outros gastos com o tratamento, duração da terapia, além dos gastos pessoais do paciente.

Os medicamentos excepcionais geralmente possuem custos evidentemente elevados que nem pacientes com alto poder aquisitivo teriam condições de arcar com o tratamento, há, no caso em tela, a caracterização de uma hipossuficiência ainda que relativa.

Para exemplificar aquilo que foi dito anteriormente é possível citar alguns fármacos:

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Relatório e prescrição médica confeccionados por profissional atuante na rede pública: há certa divergência em relação à questão posta. O lado que é atinente de a prescrição ser realizada por médico do SUS alega que aquele que possui possibilidades de consultar com médico particular (aqui também incluso os planos de saúde) também poderá arcar com os medicamentos de dispensação excepcional.

Aqueles, no entanto, que dispensam a prescrição por profissional do sistema público têm como fundamento a hipossuficiência relativa, há uma ponderação entre o preço do fármaco e a possibilidade de o paciente arcar com tal custo.

Registro na ANVISA: de acordo com o Decreto 3.961/01 todo medicamento nacional ou estrangeiro é submetido à Agência Nacional de Vigilância Sanitária para concessão de registro, neste momento analisa-se a eficácia, a qualidade e a segurança do produto. Obtido o registro o medicamento poderá ser introduzido no mercado consumista

Acerca do requisito mencionado também a divergência: de um lado há aqueles que nutrem o entendimento de que a inexistência de registro junto à Autarquia é elemento impeditivo para a concessão do medicamento de alto custo.

De outro lado há aqueles que argumentam que um simples registro não pode ser um obstáculo no momento de proteger a vida do paciente, talvez o fármaco prescrito seja o último recurso do paciente.

Por todo exposto fica claro que os entes da federação ao conceder ou negar o medicamento de alto custo não adotam um critério sólido, mas sim requisitos dotados de certa subjetividade e discussões sem consenso.  O fato se justifica por está em jogo o bem jurídico da vida face aos recursos escassos da Administração Pública.

4 O PODER JUDICIÁRIO E OS MEDICAMENTOS DE ALTO CUSTO:A SENTENÇA JUDICIAL E SUA CONSEQUÊNCIA AOS COFRES PÚBLICOS

Decisões que concedem ao paciente o direito ao acesso a medicamentos de alto custo têm como fundamento os direitos constitucionais à vida e a saúde. Ocorre, no entanto, que em muitos casos o objetivo não poderá ser alcançado com o fornecimento do fármaco requerido.

Conforme já dito em momentos oportunos, a medicação é concedida mediante a prescrição e o laudo do profissional de saúde. Porém, há laudos manipulados com interesses comerciais e pessoais, em total falta de consonância com os princípios norteadores das atividades médicas e farmacêuticas e princípios basilares da Administração Pública.

Juízes, promotores e os próprios pacientes acreditam que o fármaco prescrito poderá assegurar o direito essencial à vida e a saúde. E fato que, com o que fora exposto de forma sucinta, o fenômeno da “judialização da saúde” adquire outra feição: até que ponto e como o judiciário deverá intervir no acesso à saúde?

 É evidente o problema de um lado há o médico que detém o conhecimento técnico para prescrever o medicamento e de outro o judiciário que tem a função de garantir ao paciente acesso à saúde, porém sem deter conhecimentos suficientes para questionar a real necessidade e eficiência do fármaco.

Em busca do equilíbrio da situação mencionada é mister traçar soluções: de forma bem simplória pode-se argüir pela necessidade de realização de perícia médica antes de conceder o fármaco requerido. O Magistrado não deverá fundamentar sua decisão apenas no laudo fornecido pelo médico prescritor, há necessidade de um meio de produção de prova que seja isento, tal como a perícia médica e farmacêutica.

Pesquisa realizada pela Dra. Márcia Angel (ex editora do periódico científico The New England Journal of Medicine) constatou que, no período de 1998 a 2002, 415 novas drogas tiveram seus registros aprovados nos Estados Unidos. Dentre esses novos registros, 282 (68%) representavam variações de medicamentos já existentes e apenas 133 (32%) eram compostos por novas moléculas. Dos 133 medicamentos com novas moléculas, apenas 58 significavam alguma inovação com impacto terapêutico importante.

É fato que as sentenças judiciais concedidas com base em laudos manipulados geram para Administração Pública um déficit cada vez maior, a receita a ser aplicada é insuficiente para cobrir os gastos dos medicamentos de alto custo, neste sentido vale destacar o entendimento de Marcos Mer (pg. 02):

“As sentenças e decisões repercutem em toda a gestão das ações em saúde do Estado (representado pela União, Estados e Municípios, nas diversas situações possíveis. A alocação dos já escassos recursos financeiros do setor saúde é comprometida pela obrigação determinada de fornecer medicamentos de altíssimo custo, em situações cada vez mais freqüentes e de discutível necessidade médica”.

Vale aqui ressaltar, a título de exemplificação, um caso em que médicos e indústria farmacêutica uniram forças para obter vantagens financeiras do erário (Ivan Ricardo Garisio Sartori, p. 09):

“No caso, amplamente divulgado, da Associação dos Portadores de Vitiligo e Psoríase do Estado de São Paulo, que, em conluio com três laboratórios, um médico e dois advogados, promoveu inúmeros feitos visando aos fármacos Remicade, Raptiva e Enbrel, pleitos esses fundamentados em simples relatório médico padronizado a diagnosticar os acionantes como portadores de psoríase e a declarar, sem qualquer histórico clínico, serem aqueles os únicos medicamentos capazes de tratar o enfermo.

Diligências policiais e do Ministério Público acabaram por revelar o esquema, criado com o objetivo de forçar a Administração à compra dos remédios, enriquecendo os laboratórios à custa da saúde daqueles que se socorreram da associação, sem falar que muitos deles sequer tinham a doença”.

Em suma, a mudança da situação posta deve se iniciar na forma como o poder judiciário concede seus medicamentos e, posteriormente, buscar uma forma de penalização cível, penal e administrativa para os agentes que concorrem na prática ilícita de auferir vantagens da Administração Pública. Tais mudanças irão repercutir, de forma imediata, nos cofres públicos.

5 RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO E DA INDÚSTRIA FARMACÊUTICA

5.1 Definição de responsabilidade civil

A conceituar responsabilidade civil os doutrinadores do direito brasileiro não são unânimes, entretanto Pablo Stolze conceitua como:

“A responsabilidade civil deriva da agressão a um interesse eminentemente particular, sujeitando. assim, o infrator, ao pagamento de uma compensação pecuniária à vítima, caso não possa repor in natura o estado anterior de coisas. Decompõe-se, pois, nos seguintes elementos: a) conduta humana (positiva ou negativa); b) dano e c) nexo de causalidade”. A responsabilidade civil é a obrigação de dar, fazer ou não fazer algo, ressarcir ou reparar danos, de suportar sanções civis. A seguir fará uma breve análise dos elementos que compõe o instituto:

a) Conduta Humana: a ação (ou omissão) humana voluntária é requisito fundamental para a denotação do instituto da responsabilidade civil. Refere-se a conduta humana, negativa ou positiva, gerada pela vontade do agente, que resulta dano a outrem.

b) Dano: para ilustrar melhor o conceito de dano é possível citar o entendimento do doutrinador Clayton Reis – "a concepção normalmente aceita a respeito do dano envolve uma diminuição do patrimônio de alguém, em decorrência da ação lesiva de terceiros. A conceituação, nesse particular, e genérica. Não se refere. como é notório. a qual o patrimônio é suscetível de redução"

c) Nexo de causalidade: é de grande pertinência destacar o conceito dado por Serpa Lopes no que diz respeito ao nexo de causalidade: "Uma das condições essenciais a responsabilidade Clvii é a presença de um nexo causal entre o fato ilícito e O dano por ele produzido. É uma noção aparentemente fácil e limpa de dificuldade. Mas se trata de mera aparência. porquanto a noção de causa é uma noção que se reveste de um aspecto profundamente filosófico. além das dificuldades de ordem prática, quando os elementos causais. os fatores de produção de um prejuízo, se multiplicam no tempo e no espaço".

A presença dos elementos conduta humana (positiva ou negativa), dano e nexo de causalidade caracterizam o instituto da responsabilidade civil e, por conseqüência, surge o dever de reparação do dano causado.

5.2 Responsabilidade civil do médico e da indústria farmacêutica: uma análise sob a ótica do paciente e da Administração Pública

No primeiro momento cumpre destacar a função primordial do médico e da indústria farmacêutica, qual seja, a busca pela melhor condição de vida do paciente, através de tratamentos e diagnósticos isentos, prezando sempre pelos ensinamentos éticos e jurídicos. No momento em que esse dever é infringido tem-se uma evidente lesão aos direitos fundamentais à vida e a saúde.

O artigo 29 do Código de ética médica veda a Prática de atos profissionais danosos ao paciente, que possam ser caracterizados como imperícia, imprudência ou negligência. Nesta seara, o médico que prescreve fármaco de alto custo a fim de obter vantagens pessoais age com imperícia e imprudência, vez que não observa os limites e preceitos estabelecidos à sua atuação, e, consequentemente, em total falta de consonância com o código de ética médica.

Entretanto, a responsabilidade civil não de configura apenas com o ato de imperícia, faz-se necessário a existência do dano.

Para que o dano possa ser indenizável é preciso que seja composto de alguns requisitos essenciais, são eles: a violação de um direito patrimonial ou extrapatrimonial da pessoa física; certeza do dano e subsistência do dano. É fácil notar que o dano dotado de incerteza não poderá ser objeto de indenização.

O médico (em concorrência com a indústria farmacêutica) que forja um diagnóstico para que o paciente possa ter acesso ao medicamento de alto custo, causa a este algum dano certo, provável? A resposta para tal indagação merece ser analisada com cuidado. Efetivamente há uma lesão no direito fundamental à saúde e a vida, o medicamento prescrito erroneamente poderá causar efeitos colaterais (leves, graves ou moderados) ou até o óbito do paciente, neste contexto o dano é evidente. No entanto, se o fármaco não surtir qualquer manifestação física, poderá se falar em dano? É possível falar na existência do dano extrapatrimonial, o paciente acreditou no trabalho isento do profissional, sua saúde e vida foram postos em jogo em prol de enriquecimento ilícito. Entendo ser perfeitamente cabível a hipótese de indenização por dano moral, neste sentido vale destacar os ensinamentos do ilustre Doutrinador Pablo Stolze:

“Trata-se de dano moral o prejuízo ou lesão de direitos. Cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro, como é o caso dos direitos da personalidade. a saber. o direito â vida, â integridade física (direito ao corpo, vivo ou morto, e a voz), a integridade psíquica (liberdade,pensamento, criações intelectuais, privacidade e segredo) e à integridade moral(honra, imagem e identidade).”

O código de defesa do consumidor, por sua vez, estabelece em seu art. 14, parágrafo 4º, que a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será analisada mediante a verificação de culpa. Dessa forma, remete a responsabilidade subjetiva, faz-se necessário a prova inequívoca de que houve culpa no momento de o profissional prescrever o medicamento de alto custo. Porém, como comprovar a culpa? A quem caberá seu ônus? A resposta para tais indagações são de extrema complexidade, a comprovação de culpa deverá ser função do Estado, é imprescindível uma fiscalização dos laudos e receituários médicos que ensejam decisões favoráveis no momento de conceder os fármacos (freqüência com que o profissional de saúde indica aos pacientes os medicamentos de determinados laboratórios), a prova pericial será de fundamental importância, conforme já ressaltado oportunamente. Após essa análise caberá ao paciente, munido de provas suficientes, ingressar com ação de reparação do dano civil.

Neste contexto convém destacar o art. 186 do Código Civil Brasileiro: “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral comete ato ilícito”. O art. 187 do citado dispositivo legal prevê que aquele que em certas circunstâncias profissionais extrapolar os limites de sua competência técnica, ou apresentar desvio de conduta e causar danos também comete ato ilícito: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”. Ambos os dispositivos são aplicados para o caso em discussão, com a prática do ato ilícito o médico e indústria farmacêutica deverão ressarcir o paciente do prejuízo que lhe fora causado, ainda que exclusivamente moral.

A conduta imprudente subsume-se no descrito nos artigos 186 e 187, Código Civil, gera a responsabilidade do médico e da indústria farmacêutica na esfera civil pelos danos ocasionados ao paciente com esta conduta profissional culposa.

A imperícia tem sua previsibilidade no artigo 951 do supramencionado código: "O disposto nos artigos 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício da atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho.".

In verbis os artigos 948, 949 e 950, do nosso Código Civil:

“Art. 948. No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações:

I – no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família;

II – na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima.

Art. 949. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.

Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até o fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.

Parágrafo único. O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez.”

A relação médico-paciente (e também aquela estabelecida entre paciente e indústria farmacêutica) possui cunho contratual, dessa forma caberá as partes zelarem pela boa condução do negócio jurídico. Por ser contrato é aplicável o disposto no art. 389 do Código Civil brasileiro: "Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado”. Se o médico e indústria farmacêutica não cumprirem de forma ética e com base na boa fé as funções que lhe foram atribuídas, suas condutas serão identificadas com o artigo supramencionado e, consequentemente, ensejarão nas consequências estabelecidas pelo dispositivo.

A obrigação de indenizar do médico e da indústria farmacêutica será possível se houver presente os seguintes requisitos: a culpa, o nexo de causalidade e o dano (patrimonial ou extrapatrimonial). Médico e indústria farmacêutica que concorrem para obter vantagens pessoais e põe em xeque os direitos fundamentais à vida e à saúde do paciente, cometem ato ilícito e, via de consequência, são obrigados a indenizar.

Quando se analisa a problemática sob a ótica da Administração Pública é perfeitamente aplicável o instituto da responsabilidade civil subjetiva, sem dúvidas as condutas de médicos e da indústria farmacêutica causam enormes prejuízos ao erário, por consequência, é imprescindível o dever de reparar, indenizar.

Em linhas gerais pode-se dizer que observados os requisitos da responsabilidade civil (culpa, nexo causal e dano) surge para o médico e indústria de fármacos, ao praticarem a conduta em discussão, de repararem, de forma solidária, o dano causado ao paciente, seja ele patrimonial ou extrapatrimonial, bem como aquele causado à Administração Pública. A prática em tela não deverá sofrer apenas sanções deontológicas, mister é também a presença do poder judiciário a fim de coibir o ato ilícito e defender os direitos fundamentais à saúde e a vida, além do interesse público.

6 RESPONSABILIDADE DO MÉDICO E DA INDÚSTRIA FARMACÊUTICA NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

6.1 Improbidade administrativa: Conceito

Para entendimento deste capítulo é de extrema importância destacar o conceito de improbidade administrativa: de acordo com Deocleciano Torrielli, “são condutas ao patrimônio público, tipificadas pela Lei 8429/1992, que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos no caso de enriquecimento ilícito no exercício de mandado, cargo, emprego ou função na Administração Pública direta, indireta ou fundacional”.

Tal instituto é evidentemente aplicável à discussão e será analisada a seguir.

6.2 Aplicação do instituto da improbidade administrativa frente à conduta de médicos e indústria farmacêutica

A Constituição da República em seu art. 37 indica os princípios básicos da Administração Pública e determina a imposição de sanções para os atos de improbidade administrativa (art. 37,§ 4º da CR/88). Violado o princípio da moralidade administrativa surge a prática de ato de improbidade administrativa.

Entende-se por improbidade administrativa os atos contrários aos princípios norteados da Administração Pública, conhecido como corrupção administrativa, têm sua previsibilidade na Lei n. 8429/92.

Sabe-se que no momento de conceder os medicamentos excepcionais, via judicial, os tribunais não são unânimes em exigir que o fármaco seja prescrito por médico conveniado ao SUS, conforme ressaltado anteriormente. O médico conveniado ao Sistema único de saúde exerce função pública, logo, poderá ser sujeito ativo do ato de improbidade administrativa. E quanto àquele profissional não conveniado ao SUS, poderá ser sujeito do ato de improbidade? A Lei n. 8429/1992 ampliou a possibilidade de autores do ato de improbidade administrativa, conforme será analisado a seguir:

De acordo com o art. 2º da Lei de improbidade administrativa poderá ser titular do ato o agente público ou aquele que não seja agente público (particular ou terceiro beneficiado pelo ato)

O doutrinador Waldo Fazzio Júnior divide os atos de improbidade em próprios e impróprios. São próprios aqueles praticados pelo agente público e deverá seguir os seguintes requisitos: capacidade civil, vínculo permanente ou temporário com a Administração Pública, nomeada/comissionada ou eleita, ou por qualquer forma investida ou vinculada e em exercício nas pessoas jurídicas de direito público ou privado. Enquanto o impróprio ou por equiparação é praticado por aquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para prática do ato de improbidade ou dele se beneficie, exige os seguintes requisitos: indução do agente público à sua prática ou concurso para sua concorrência ou desfrute dele, ainda que de forma indireta.

A Lei n. 8429/92 prevê três modalidade de atos de improbidade, são eles: a) atos que resultam enriquecimento ilícito (art. 9º), b) atos que importam dano ao erário (art. 10) e c) atos que resultam violação aos princípios norteadores da Administração Pública.

É fato que médico e indústria farmacêutica que concorrem para obter vantagens patrimoniais do erário cometem ato de improbidade administrativa, independentemente de exercerem ou não função pública. E, por consequência, subsumem-se nas sanções impostas pela Lei n. 8429/92. As sanções estão previstas tanto na Constituição da República quanto na supramencionada lei e poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente, dependerá do Juiz no momento de fazer a dosimetria da pena, são elas: a) perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio; b) ressarcimento integral do dano, quando houver; c) perda da função pública; d) suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos; e) multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e f) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos.

Cabe ressaltar que o cometimento do ato em discussão deverá insurgir nas sanções imposta à improbidade administrativa, via de consequência, a ação deverá ser proposta pelo Ministério Público (através de ação civil pública). Ao juiz caberá a função de impor à pena com base no prejuízo ao erário e na gravidade da conduta.

7 RESPONSABILIDADE CRIMINAL DO MÉDICO E DA INDÚSTRIA FARMACÊUTICA

O doutrinador define responsabilidade criminal da seguinte forma:

“Como sentimento social, a ordem Jurídica não se compadece com o fato de que uma pessoa possa causar mal a outra pessoa. Vendo no agente um fator de desequilíbrio, estende uma rede de punições com que procura atender as exigências do ordenamento jurídico. Esta satisfação social gera a responsabilidade criminal. Como sentimento humano, além de social, á mesma ordem Jurídica repugna que o agente reste Incólume em face do prejuízo Individual. O lesado não se contenta com a punição social do ofensor. Nasce daí a idem de reparação, como estrutura de princípios de favorecimento a vítima e de instrumentos montados para ressarcir o mal sofrido.”

Como já sabido a responsabilidade criminal só poderá ser imposta por fato previsto em lei, devido ao princípio da reserva legal. Quando analisada a conduta de médicos e indústria farmacêutica que concorrem para a prática em discussão é possível a subsunção em alguns crimes previstos em nossa legislação penal, são eles:

a) Perigo para a vida ou a saúde de outrem – art. 132 do CP: expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto ou iminente. Pena: detenção de 03 meses a um ano, se o fato não constituir crime mais grave.

b) Estelionato- art. 171 do CP: obter, para si ou para outrem vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento.

c) Emprego irregular de verbas ou rendas públicas, art. 315 do CP – dar às verbas públicas aplicação diversa da estabelecida em lei.

Enfim, não há muito que se discutir neste primeiro momento, como já dito em outrora, ao impor a responsabilidade criminal deverá ser observado o caso concreto. Vale destacar que a punição da indústria farmacêutica deverá acontecer por meio da desconsideração de sua personalidade jurídica.

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho desenvolvido demonstrou a possibilidade de punir a prática ilícita de profissionais médicos e indústria farmacêutica que soterram o poder judiciário com laudos e receituários médicos manipulados com a finalidade exclusiva de auferirem lucros e vantagens da Administração Pública.

A conduta deverá ser punida tanto no âmbito cível e penal quanto no âmbito administrativo. É evidente o dever de indenizarem a Administração Publica e o próprio paciente, além de insurgirem nas penas previstas pelo ato de improbidade administrativa e pelo Código penal brasileiro.

Ao judiciário e ao Ministério Público caberá a função de fiscalizar os laudos que ensejam decisões de concessão de medicamento excepcional, frequência que determinado profissional prescreve o fármaco de alto custo de certo laboratório. Outra proposta foi à possibilidade de realização de perícia médica para comprovar a necessidade do uso do fármaco.

Quanto ao médico, tem a obrigação agir de forma ética no momento de prescrever o medicamento, não deverá haver espaço para a busca de vantagens pessoais e financeiras, as diretrizes e protocolos clínicos estabelecidos pelo Ministério da Saúde deverão nortear o ato da prescrição. A inobservância dessas regras básicas incumbirá ao profissional às responsabilidades jurídicas já mencionadas.

A indústria farmacêutica deverá cumprir com seu dever primordial de buscar as melhores soluções a determinadas moléstias, sem, entretanto, oferecer ao profissional médico vantagens para que seu produto seja adquirido pelo paciente ou pelo Estado. Caberão também as responsabilidades jurídicas em caso de inobservância dos ditames.

Enfim, a conduta ilícita estudada causa prejuízos ao erário, ao paciente e aos médicos e indústria farmacêutica. A melhor opção seria o cumprimento dos princípios éticos e morais a fim de evitarmos mais uma forma de judicialização da saúde brasileira.

 

Referências
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Informações Sobre o Autor

Lara Oliveira Souza

Advogada das áreas cível bancária e empresarial. Pós graduada em docência no ensino superior e pós graduanda em Direito de Empresa


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