Resumo: O presente artigo científico tem como tema o Imposto sobre Grandes Fortunas. O objetivo do estudo é analisar suas origens, bem como detalhar as feições deste tributo ainda não instituído no Brasil. Para tanto, realizou-se pesquisa bibliográfica que teve importantes contribuições de autores como CARRAZA (2008), ATALIBA (2008) e MOTA (2010) entre outros. Procurou-se também enfatizar a importância como nasceram as grandes fortunas e quais foram as experiências internacionais na tributação das mesmas. Concluiu-se que ainda pairam algumas dúvidas sobre a instituição do IGF, mas seria o caso de trazê-lo para o ordenamento jurídico brasileiro, a fim de que sejam reduzidas as grandes disparidades econômicas entre as classes sociais do país.
Palavras-chave: Imposto. Grandes fortunas. Tributo.
Abstract: The present scientific article has as theme a Tax on Great Fortunes. The purpose of the study is to analyze its origins, as well as to detail the features of this tribute not yet established in Brazil. For this, a bibliographic research was carried out that had important contributions of authors such as CARRAZA (2008), ATALIBA (2008) e MOTA (2010)among others. It was also tried to emphasize the importance as the great fortunes were born and what the international experiences in the taxation of the same were born. It was concluded that there are still some doubts about the institution of the IGF, but it would be the case to bring it into the Brazilian legal system, in order to reduce the great economic disparities between the social classes of the country.
Keywords: Tax. Great fortunes. Tribute.
Sumário: Introdução. 1 Concentração de riquezas e criação de grandes fortunas 1.1 O surgimento do Imposto sobre Grandes Fortunas 1.2 Origem da ideia de tributação das grandes fortunas no Brasil 1.3 Conceito da expressão grandes fortunas 2 Hipótese de incidência do IGF 2.1 Critério material possível 2.2 Critério pessoal possível 2.3 Critério temporal possível 2.4 Critério espacial possível 2.5 Critério quantitativo possível 2.6 Base de cálculo 2.7 Alíquotas incidentes 2.8 Destino dos valores arrecadados 3 Questões econômico-jurídicas em torno do IGF 3.1 A prática internacional acerca da instituição do IGF 3.1.1 Argentina 3.1.2 França 3.1.2 Uruguai 3.1.3 Suécia Conclusão. Referências.
Introdução
O presente estudo tem como tema a análise detalhada de uma figura tributária que causa intensos debates acerca de sua instituição, vez que, para muitos, sua instituição não é viável economicamente, bem como afugentaria as grandes concentrações de riquezas do país.
Em que pese o respeitoso posicionamento da doutrina divergente, há na doutrina nacional variados posicionamentos em defesa da implementação do IGF e, inclusive, confrontam todos os pontos tidos por negativos e inerentes a esta figura tributária.
Para verificar a viabilidade da instituição do IGF, foram analisados o que poderia ser o conceito legal de grande fortuna, seu fato gerador, base de cálculo, alíquotas, questões econômico-jurídicas relacionadas, destino dos valores arrecadados, prática internacional sobre o tema, entre outros tópicos.
No presente estudo, teve-se em mente uma elucidação pragmática de um tema alvo de grandes discussões sobre a real efetividade de solução dos problemas a que se propõe.
1 Concentração de riquezas e criação de grandes fortunas
A análise da tributação implica, necessariamente, observar-se como esta se deu, ou seja, examinar em qual contexto sócio-econômico aquela oneração ao patrimônio ocorreu. Ademais, como lembra Mota (2010), no decorrer do processo evolutivo da humanidade o que se pôde observar foi a cultura da naturalização das exclusões, discriminações, desigualdades, intolerâncias e injustiças.
Destarte, com o decorrer dos anos, as transformações sociais, econômicas e culturais trouxeram avanços em relação às questões sobre desigualdades, principalmente econômicas. Entretanto, não se pode dizer que as evoluções econômico-sociais ocorrem de maneira uniforme em todos os países.
Aduz Mota (2010) que a acumulação de riquezas e a construção de grandes fortunas acompanham a humanidade desde sua gênese. Tal fato é corroborado por Falcão (1981 apud Mota, 2010) ao lembrar que após a Guerra de Peloponeso, na Grécia Antiga, houve exacerbada concentração de riquezas em poder do pequeno número de ricos e, consequentemente, acumulação de grandes fortunas.
Conforme Sidou (1978 apud Mota, 2010), no deslinde da história tributária, ressalta-se não ter havido qualquer imposição ao pagamento de tributos sobre grandes fortunas, tanto nas civilizações pré-romanas quanto nas civilizações posteriores até o advento da Idade Média.
Com efeito, a tributação seria muito difícil de recair sobre a pequena classe de abastados da sociedade, pois, segundo Mota (2010), os possuidores de grandes riquezas se confundiam com os detentores do poder vigente à época.
No contexto da tributação mais recente, tem-se como marco inicial da cobrança de impostos diretos gravando a propriedade e a renda datada no ano de 1154, ou seja, antes mesmo da elaboração da Magna Carta Libertatum (1215).
As palavras de Uckmar (1986 apud Mota, 2010) são claras ao discorrer, em síntese, sobre a história da tributação patrimonial, a saber:
“[…] os antigos tributos tomados em razão da posse de específicos bens constituem a primeira forma de imposição do patrimônio. Tributos sobre o patrimônio […] existiam também na Grécia (eisfora) e em Roma (tributos ex censu), e foram aplicados, sem alguma exceção, sobre todos os bens, pertencentes a qualquer um. […]. Na Idade Média tal composição perdeu a característica original de receita extraordinária, e se institucionalizou. O objetivo do suscitado tributo era atingir a renda produzida do bem, e não o valor do bem em si. A noção própria de Wealth Tax tem, portanto, origem mais recente e está ligada com o nascimento do capitalismo no século XV e XVI quando se iniciou a verificação do fenômeno da acumulação de notáveis riquezas nas mãos dos comerciantes sob formas de bens de troca, e nas mãos de banqueiros sob forma de crédito em relação a terceiros. A gênese histórica de ‘fato imponível’ não corresponde a uma adequada valoração jurídica. A noção permaneceu imprecisa até o final do século passado quando surgiu nos países do norte da Europa o primeiro imposto patrimonial em sentido próprio. O tributo real, denominado pelos estudiosos de língua inglesa ‘selective taxes’, foi gradualmente evoluído na forma impositiva do patrimônio global dos contribuintes”.
Entende Agüero (1987 apud Mota, 2010) que a versão moderna e atual do imposto incidente sobre o patrimônio líquido tem seu surgimento, primeiramente, na Europa e, conforme os historiadores, estendeu-se para o Extremo Oriente e América Latina somente por volta do século XX.
Parece claro, portanto, que a privação do direito individual ao patrimônio e a exação de tributos são aplicados desde o nascimento das cidades (polis) desde a Grécia Antiga. Entretanto, o imposto sobre o patrimônio líquido sobreveio posteriormente, como consequência da evolução das práticas tributárias e crescimento da concentração de rendas e patrimônios.
1.1 O surgimento do Imposto sobre Grandes Fortunas
No que se refere ao surgimento do Imposto sobre Grandes Fortunas, Abrão (2003) preleciona que este tributo tem seu nascimento no século XIX, na era Fabiana. Há, contudo, na doutrina internacional, o posicionamento de que o IGF tem sua gênese relacionada à tributação das pessoas, uma vez que se trata de um imposto sobre o patrimônio.
Para Giffoni (1987 apud Mota 2010), entretanto, a origem de um tributo, o qual tenha efetivamente sido nomeado de Imposto sobre as Grandes Fortunas, se deu na França sob a nomenclatura de ''Impôt sur les Grandes Fortunes”. Ademais, para o autor, o IGF trata-se da mais moderna versão de imposto global sobre o patrimônio líquido pessoal ou familiar.
Pode-se observar que a efetiva cobrança de um tributo incidente sobre os vultuosos patrimônios líquidos pessoais originaram-se na França. A exemplo dos franceses, a Espanha foi a nação subsequente a instituir a exação sobre a renda líquida de seus contribuintes, segundo Giffoni (1987 apud Mota 2010).
2.1.3 Origem da ideia de tributação das grandes fortunas no Brasil
O contexto histórico nacional relacionado às origens do IGF, segundo Souza (1990 apud Martins, 2010), possui origem “obscura”, pois o que se tentou implementar no país era algo semelhante ao imposto espanhol sobre determinados bens suntuários, também conhecido como “imposto sobre o luxo”.
Nas intensas discussões na assembleia nacional constituinte, destacou-se a atuação favorável à instituição do IGF de Antônio Mariz. Szklarowsky (1989 apud Mota, 2010) citou os argumentos de Mariz sobre a necessidade de implementar o referido imposto, in verbis:
“[…] que esse dispositivo visa corrigir várias disparidades econômicas entre pessoas e classes sociais, que a função extrafiscal da tributação pode reduzir injustiças provocadas pela obtenção e acúmulo de grandes fortunas, muitas vezes decorrentes até da sonegação de impostos pelo beneficiário ou por seus ancestrais, que a tributação normal dos rendimentos ou mesmo das heranças e doações nem sempre são suficientes para produzir as correções desejáveis, que daí a necessidade de novo imposto que alcance as situações anormais de riqueza acumulada e não produtiva.”
Segundo Mota (2010) após todas as etapas legais afeitas à aprovação do texto referente à introdução no ordenamento jurídico constitucional pátrio de uma tributação sobre as grandes fortunas, o IGF foi aprovado por 308 votos favoráveis, 84 contrários e oito abstenções.
Isto posto, viu-se que ao passar dos anos a concentração de renda motivou o Estado a exercer seu poder coercitivo e iniciar a tributação sobre a mesma. Ademais, salienta-se que a origem da tributação incidente sobre os vultuosos acúmulos de patrimônio iniciou-se na França ao passo que no Brasil, embora já tenha havido iniciativas legislativas com este intento, a instituição do IGF permanece em debate nas casas legislativas.
Passe-se agora a uma análise teórico-doutrinária acerca do IGF no que se refere aos elementos constitutivos desta figura tributária, quais sejam, conceito de grandes fortunas, hipótese de incidência, base de cálculo, alíquota, avaliação dos ativos financeiros, espécies normativas afeitas ao imposto. Além disso, aborda-se também o destino dos valores arrecadados com o IGF, questões econômicas a ele relacionadas e algumas experiências internacionais de tributação sobre o patrimônio líquido, também conhecida como Weath Tax
1.3 Conceito da expressão grandes fortunas
Desde a previsão constitucional do IGF, criou-se na doutrina uma problemática em torno do conceito e quantificação de “grandes fortunas”. Tal questão, entretanto, pode ser resolvida tomando-se por base os ensinamentos de Grau (1998 apud Mota, 2010), quais seja, […] “ainda que ambíguas e imprecisas, as palavras e expressões jurídicas expressam significações determináveis” […].
Destarte, segundo Grau (1998 apud Mota, 2010), os conceitos jurídicos têm como objeto significações. Dessa forma, conforme o autor, no conceito há uma ideia universal e, portanto, não existem conceitos indeterminados. Outrossim, sobre conceito indeterminados, assevera Miranda (2009) […] “a sua determinação ou densificação tem de ser pautada pela perspectiva dos princípios, bens e interesses constitucionalmente relevantes, de forma que o legislador infraconstitucional não pode, ao seu bel prazer, “transfigurar” o conceito.” […].
Na seara tributária, não é outro entendimento que a principal fonte é a CRFB/88, pois esta é a base de todo ordenamento jurídico. É o que se depreende das palavras de Ataliba (2008), quais sejam, […] “as definições jurídicas devem tomar por ponto de partida o dado jurídico supremo: a lei constitucional. A partir do desenho constitucional dos tributos é que o jurista de construir o seu conceito” […].
No que se refere ao IGF, como já mencionado, a problemática reside em se mensurar o que seria “grande fortuna”, já que a expressão não foi especificada no texto constitucional. Ademais, discorrem sobre o tema Garcia e Souza (2008), a saber:
“[…] o conteúdo e o alcance da expressão “grandes fortunas” só pode ser buscado no próprio texto supremo, uma vez que à legislação infraconstitucional cabe apenas para explicitá-lo e não para preenche-lo. A expressão utilizada pelo constituinte indica que a materialidade do imposto é a titularidade de uma riqueza superlativa”.
A lei tributária, segundo Amaro (2008), pode alterar conceitos dados pelo ramo do direito privado ou qualquer outro ramo do direito ou, ainda, conceitos léxicos. Entretanto, existe uma vedação à modificação de conceitos dados por lei superior no que se refere à definição de competência tributária, caso a modificação possa resultar na ampliação de competência. Com efeito, dispõe o art. 110 do CTN:
“Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias”.
Pode-se dizer, portanto, que, embora ainda não instituído, o conceito de “grandes fortunas” advém, consoante Ávila (2008), de uma [..] “conexão entre direitos fundamentais, princípios constitucionais fundamentais e gerais e regras de competência” […]. Ademais, ainda segundo o autor, este conceito pode ser formado através da diferenciação de outras hipóteses de incidência que a CRFB/88 traz em seu bojo. Sobre o tema assinala Martins (2008), a saber:
“[…] o conceito de grande fortuna é indeterminado, porém fortuna é maior do que riqueza. E grande fortuna é mais do que fortuna. A pessoa rica, portanto, não se deverá submeter a qualquer imposição, indeclinável apenas sobre os grandes bilionários deste país”.
No que se refere ao IGF, Martins (2004) aduz que […] “se a expressão ‘fortuna’ já significa grande privilégio econômico, ‘grande fortuna’ implica necessariamente em algo de muito maior vulto, chegando a ser assombroso” […].
De mais a mais, há dificuldade na mensuração da incidência do IGF, é dizer, se esta deve ser sobre a renda, patrimônio ou sobre ambos. Sobre o tema assevera Amaro (1991 apud Mota, 2010) […] “outros tributos também gravam o patrimônio, mas não temos ainda um tribo que gravasse o patrimônio como um todo” […].
Percebe-se, entretanto, que a doutrina tende a dizer que o IGF é um imposto que tem por base o patrimônio. Nesse sentido, lembra Martins (2004) […] “inobstante o nomem juris, [Imposto sobre Grandes Fortunas] tem a natureza de clássico imposto de renda, tendo por base de cálculo, o patrimônio” […].
A dificuldade em conceituar a expressão ‘grandes fortunas’ encontra variadas barreiras, mas é possível. Para tanto, basta cuidado do legislador infraconstitucional na análise das variantes do problema. Outrossim, ensina Mota (2010), a saber:
“[…] retornando àquela questão essencial relativa ao conceito da expressão grandes fortunas, deve haver a necessária observação por parte do legislador infraconstitucional de todo sistema jurídico vigente no país para que se permita a delimitação de grande fortuna a ser considerada especificamente para efeitos da instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas.”
Além da expressão ‘grandes fortunas’ no inciso VII do art. 153, da CRFB/88, não há nenhum outro dispositivo no ordenamento jurídico que se refere à fortuna nos termos da norma constitucional mencionada. Parece, portanto, haver falta de parâmetros jurídicos concretos para se conceituar o elemento fundamental do IGF.
Em que pese as considerações acima mencionadas, Mota (2010) traz um parâmetro constitucional capaz de levar o legislador infraconstitucional a uma base do que poderia ser encarado como grande fortuna ou, no mínimo, o que não poderia ser classificada como uma.
Destarte, tem-se no inc. III do art. 146 c/c inc. II do art. 155 e art. 179, todos da CRFB/88, a exigência de tratamento diferenciado a ser oferecido às micro e empresas de pequeno porte. Com o advento da Lei Complementar n. 123/06, houve a regulamentação dos valores máximos que cada pessoa jurídica enquadrada no regime poderia auferir em cada ano-calendário .
Pode-se ver, portanto, que quis o legislador constitucional originário estabelecer limites mínimos para o reconhecimento de uma situação específica de hipossuficiência. Sobre a problemática da conceituação da expressão grandes fortunas, Mota (2010) esclarece, in verbis:
“Apesar de a regra-matriz do Imposto sobre Grandes Fortunas no Brasil disposta na Constituição Federal não conceituar o que se entende por grandes fortunas, o arquétipo constitucional desse subespécie tributária a permite, isto é, a observância das regras e princípios constitucionais, bem como a totalidade do sistema jurídico, permitem que sejam atribuídas significações à expressão, pois existe uma “ideia universal” do que representa essa riqueza.”
Conclui-se que, embora não haja no ordenamento jurídico brasileiro uma definição legal de ‘grandes fortunas’, se pode definir, por exclusão, o que não poderia se enquadrar em sua ideia determinante de excesso de riqueza. Ademais, como já exposto, há um quantum mínimo do qual o legislador poderá partir para, enfim, definir o que seria uma “grande fortuna”.
2 Hipótese de incidência do IGF
Primeiramente, insta ressaltar que não há no texto constitucional a descrição da hipótese de incidência do IGF. Por sua vez, consoante entendimento de Mota (2010), vê-se que o constituinte originário deixou diretrizes básicas implícitas na CRFB/88, as quais permitem a elaboração de uma possível hipótese de incidência do IGF.
Quando da criação de um tributo, é necessário que o legislador observe alguns aspectos intrínsecos às figuras tributárias. Nas palavras de Carrazza (2008), a saber: […] “criar um tributo é descrever abstratamente sua hipótese de incidência, seu sujeito ativo, seu sujeito passivo, sua base de cálculo e sua alíquota” […].
Especificamente no caso da hipótese de incidência dos tributos, observa-se que esta materializa-se com a descrição do legislador de uma determinada situação hipotética de um fato. Com efeito, ensina Ataliba (2008):
“[…] costuma-se designar por incidência o fenômeno especificamente jurídico da subsunção de um fato a uma hipótese legal, como consequente e automática comunicação ao fato das virtudes jurídicas previstas na norma, e que a hipótese de incidência é a descrição hipotética e abstrata de um fato”.
Destarte, ressalta-se que a doutrina tributarista ressalta algumas características imanentes à hipótese de incidência, quais sejam, aspecto pessoal, aspecto material, aspecto temporal e aspecto espacial. Sobre o tema, leciona Ataliba (2008):
“[…] a configuração do fato (aspecto material), sua conexão com alguém (aspecto pessoal), sua localização (aspecto espacial) e consumação num momento fático determinado (aspecto temporal), reunidos unitariamente determinam inexoravelmente o efeito jurídico desejado pela lei: criação de uma obrigação jurídica concreta, a cargo de pessoa determinada, num momento preciso”.
Conforme salientado anteriormente, esses aspectos implícitos do IGF estão presentes no texto da CRFB/88, bem como, segundo Carraza (2008), […] “a hipótese de incidência possível, o sujeito ativo possível, o sujeito passivo possível, a base de cálculo possível e a alíquota, das várias espécies e subespécies de tributos” […].
Para Coêlho (2009), o legislador constituinte originário […] “definiu os fatos geradores e, indiretamente, os contribuintes de todos os impostos e contribuições sociais do sistema tributário” […].
A destinação dos valores oriundos da arrecadação dos tributos, segundo Ataliba (2008), não integra seu regime jurídico tributário. Entretanto, conforme Carrazza (2008), há certos casos em que a mesma hipótese de incidência pode ser, ao mesmo tempo, usada tanto para um imposto de competência da União quanto para uma das contribuições elencadas no art. 149 da CRFB/88.
Assim sendo, vê-se que tal fato explica por que não há a ocorrência de bis in idem quando determinado contribuinte é compelido a pagar de maneira conjunta a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) com o Imposto sobre a Renda (IR), os quais possuem hipóteses de incidência materialmente coincidentes. Por sua vez, Carrazza (2008) define o conceito de bis in idem, diferindo-o de bitributação, a saber:
“[…] em matéria tributária, dá-se bis in idem quando o mesmo fato jurídico é tributado duas ou mais vezes, pela mesma pessoa política. Já, bitributação é fenômeno pelo qual o mesmo fato jurídico vem a ser tributado por duas ou mais pessoas jurídicas.”
Em que pese os esclarecimentos acima delineados, tem-se que ocorreria o fenômeno do bis in idem relativo ao IGF quando cobrado conjuntamente com o Imposto de Renda e/ou Imposto sobre a Propriedade Rural (ITR), assim como bitributação no que se refere à exação cumulativa do IGF com Imposto sobre a Transmissão Inter Vivos de Bens Imóveis e de Direitos (ITBI), Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) e Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação de quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD).
A despeito de o patrimônio ser tido como hipótese de incidência do IGF, segundo Mota (2010), não se deve confundir este com aqueles individualmente considerados como alvos de tributação nas subespécies tributárias acima mencionadas. Isto porque, o patrimônio que integra o sistema jurídico do IGF deve ser encarado de maneira global, é dizer, encarado como uma universalidade de direito.
Nas palavras de Arruda (1989 apud Mota, 2010), a universalidade de direito é […] “uma entidade única, distinta dos elementos que a compõem, em oposição à ideia de uma pluralidade de elementos apreciáveis individualmente, não dotada de autonomia” […].
Portanto, conclui-se que, para a correta aferição da possível hipótese de incidência do IGF, deve-se observar todo arquétipo constitucional deste tributo na CRFB/88.
Destarte, o legislador infraconstitucional deverá observar todo o ordenamento jurídico brasileiro, pois, como restou demonstrado, embora não tenha o texto constitucional explicitado a hipótese de incidência do IGF, bem como outras nuances jurídicas deste tributo, há ordenamento jurídico pátrio informações capazes de orientar na elaboração de todos os aspectos jurídicos do IGF.
2.1 Critério material possível
Nas palavras de Ataliba (2008), o aspecto material possível […] “é a própria consistência material do fato ou estado de fato descrito pela hipótese de incidência. É a imagem abstrata de um fato jurídico” […].
Para aferir os aspectos materiais possíveis do IGF é necessário, primeiramente, saber se, no caso do tributo em tela, a base tributária incidirá ou não sobre o patrimônio, renda ou sobre ambos.
Para Mota (2010), não há que se falar em tributação, por parte do IGF, das rendas, pois, nesse caso, se trataria de uma mera complementação ao imposto de renda. Ademais, a utilização do lucro presumido da pessoa jurídica como base de cálculo do IGF, segundo o autor, desvirtuaria o arquétipo constitucional do imposto.
Percebe-se que, assim como assevera Carrazza (2008), o IGF pode ser visto como um imposto patrimonial. Por sua vez, Tilbery (1987 apud Mota 2010) ensina que existem duas formas de tributação incidente sobre o patrimônio, quais sejam, nominal e real. A forma nominal refere-se ao imposto que, mesmo sendo mensurado sobre o patrimônio, é suportado pela renda. Já no caso da espécie real, tem-se que o imposto onera o capital, pois não pode ser pago somente pela renda.
Por conseguinte, observa-se que o imposto nominal sobre o patrimônio tão somente dele se vale como base de cálculo, figurando como um imposto incidente, na realidade, sobre a renda desse patrimônio. A seu turno, o imposto real sobre o patrimônio incide sobre o próprio patrimônio, é dizer, uma sua substancia, uma vez que a renda não é capaz de saldá-lo.
Ainda segundo os ensinamentos de Tilbery (1987 apud Mota 2010), o imposto sobre o patrimônio pode ter amplitude global ou restrita, é dizer, sobre o patrimônio como um todo ou somente sobre categorias específicas do patrimônio. Nesse caso, a base de cálculo do imposto pode ser o patrimônio de maneira global ou apenas categorias restritas.
O ordenamento jurídico pátrio já dispõe, de forma clara, sobre a tributação sobre categorias específicas do patrimônio, como é o caso do IPVA, IPTU e ITR. Consoante já salientado anteriormente, o IGF deve ter por base de cálculo a incidência do patrimônio do contribuinte de maneira global ou, pelo menos, em sua maioria sendo, pois, considerada como uma universalidade de direito, nos termos do art. 91 do Código Civil. Nesse sentido, assevera Velloso (2007), a saber:
“[…] o Imposto sobre Grandes Fortunas é, nitidamente, um imposto geral sobre o patrimônio. Caso fosse instituído, poderia sobrepor-se aos impostos específicos sobre os patrimônios consagrados pela Constituição. A incidência sobre os itens destacados do patrimônio já é tarefa reservada a outros impostos do sistema tributário.”
Vale a ressalva trazida por Mota (2010) no sentido de que nada impede que o imposto incidente sobre o patrimônio utilize como base tributária os bens pré-existentes no patrimônio ou o acréscimo decorrente do ingresso de novos bem patrimoniais.
Portanto, tem-se que o aspecto material da possível hipótese de incidência do IGF pode ser delimitado pela observância das características do patrimônio do contribuinte, bem como do arquétipo constitucional deste imposto.
2.2 Critério pessoal possível
Nas palavras de Ataliba (2008), o aspecto pessoal é o fator da hipótese de incidência que determina o sujeito ativo da obrigação tributária correspondente, bem como estabelece os critérios para a fixação do sujeito passivo. Ademais, consoante o autor, sujeito ativo pode ser encarado como a pessoa a quem a lei determina a exibilidade do tributo e sujeito passivo é a pessoa que fica na possibilidade legal de ter o comportamento objeto da obrigação.
No caso do IGF, inciso VII do art. 153, da CRFB/88 destinou a competência legislativa tributária à União para a instituição do IGF, é dizer, este ente federado é o sujeito ativo da relação tributária. Ressalta-se que existe diferença entre competência tributária e capacidade tributária, nas palavras de Amaro (2008) […] “uma coisa é a competência tributária (aptidão para instituir o tributo) e outra coisa é a capacidade tributária (aptidão para ser titular do polo ativo da obrigação, vale dizer, para figurar como credor de uma relação jurídica tributária).” […].
No que tange à possibilidade de as pessoas jurídicas serem compelidas ao pagamento do IGF, esclarece Arruda (1989 apud Mota, 2010) que, embora a palavra “fortuna” seja usada em alusão à riqueza de um indivíduo, não seria impróprio utilizá-la em referência a pessoas jurídicas. Ademais, aduz o autor que a definição pelo texto constitucional do fato gerador não veda à lei a escolha de sociedades empresárias como contribuintes do imposto.
Em que pese a posição doutrinária acima delineada, ao se considerar o aspecto pessoal possível, observa-se que há uma corrente desfavorável à incidência do IGF sobre as pessoas jurídicas. Outrossim, Velloso (2008) assevera que tal exação deturparia o tributo, pois o IGF poderia onerar acionistas cujo patrimônio não se classificaria como “grande fortuna” e os titulares de grandes fortunas seriam duplamente onerados.
Isto posto, vê-se que o legislador infraconstitucional possui discricionariedade quando da elaboração do aspecto pessoal da hipótese de incidência do IGF. Dessa forma, não há óbice jurídico para a inclusão de pessoas jurídicas com sede no país ou com sede no exterior tenha grande patrimônio no Brasil.
2.3 Critério temporal possível
Segundo Ataliba (2008), a função principal do aspecto temporal refere-se à indicação do momento em que se reputa ocorrido o fato imponível e, por isso, nasce a obrigação tributária.
Relativamente ao IGF, Arruda (1989 apud Mota, 2010) lembra que o momento de configuração da exegibilidade do referido imposto seria o início de cada exercício financeiro. Entretanto, o autor faz uma ressalva, a saber:
“[…] não há porém restrição de ordem constitucional para a fixação de intervalos menores de apuração, ou, até mesmo, para a previsão em lei de desconto pela fonte pagadora, em situações excepcionais que denotem com clareza a ocorrência imediata do fato gerador, como nos ganhos com jogos e na herança.”
Destarte, sem prejuízo das observações supracitadas, há de se observar também, como lembra Mota (2010), quando do início da cobrança do IGF, o princípio da anterioridade tributária (referente à lei tributária, não à sua vigência ou validade), tanto na vedação de cobrança tributos no mesmo exercício financeiro quanto na chamada “anterioridade nonagesimal”.
Consoante os ensinamentos de Carvalho (2008), a validade da norma jurídica tributária é aquela que mantém a relação de pertinência com determinado sistema jurídico positivo a qual se refere aquela norma ou que nele foi introduzida pelo órgão legitimado para produzi-la, seguindo o procedimento adequado para esse fim.
Destarte, sobre o tema, leciona Becker (2007):
“[…] a praticabilidade do sistema jurídico tributário do imposto pretendido e as diretrizes básicas da política fiscal é que vão indicar ao legislador qual a melhor medida de tempo que ele deverá empregar para a construção da regra jurídica tributária”.
Infere-se, portanto, que, observados os princípios constitucionais tributários e outras nuances jurídicas abordadas, é facultado ao legislador infraconstitucional elaborar a lei tributária, bem como indicar o instante em que o fato gerador da obrigação tributária se configurar, sem prejuízo da observância da vigência, validade e eficácia da norma jurídica tributária.
2.4 Critério espacial possível
Nas palavras de Ataliba (2008), o aspecto espacial é a indicação das circunstâncias de lugar, estipuladas implícita ou explicitamente na hipótese de incidência, proeminentes para a caracterização do fato tributário imponível.
No que se refere ao IGF, Giffoni (1987 apud Mota 2010) é favorável à adoção de um critério mundial quanto à localização de patrimônio, de maneira que […] “o patrimônio a ser declarado pelo contribuinte domiciliado e/ou residente no país, com bens aqui situados, incluiria também, bens e direitos havidos no exterior” […].
É preciso lembrar, consoante Mota (2010), entretanto, o caráter territorial da lei tributária, ou seja, é preciso limitar o seu âmbito de validade, vigência e eficácia ao território a ela circunscrito, sob pena de ser considerada um fato juridicamente irrelevante. Ademais, o âmbito da lei instituidora do IGF será nacional e seu fato gerador somente ocorrerá no território no qual essa lei seja válida, vigente e eficaz.
A vigência da lei tributária regulamentadora do tributo em questão será nacional, pois o inciso VII do art. 153, da CRFB/88 está inserido nos tributos de competência da União. Sobre a validade e eficácia de tal lei, leciona Mota (2010), in verbis:
“Será válida se observar os ditames constitucionais, juridicizando a hipótese de incidência e irradiando seus efeitos jurídicos. Já a sua eficiência estará comprometida quanto aos fatos ocorridos no exterior se não for objeto específico de tratados internacionais, com exceção quanto a eventual adoção do critério da universalidade das rendas produzidas no exterior, patrimônio possuídos no exterior, ou ambas situações, tal qual adotado atualmente quanto ao imposto sobre renda produzida no exterior pela pessoa jurídica ultraterritorialmente, com a denominada tributação da renda mundial – “worldwide income taxation”.
Conclui-se que, ao elaborar a norma jurídica tributária e os critérios espaciais da hipótese de incidência do IGF, o legislador infraconstitucional deverá observar as particularidades advindas dos tratados internacionais, bem como os critérios afeitos à validade, eficácia e vigência da norma tributária.
2.5 Critério quantitativo possível
Para Carvalho (2008), o aspecto quantitativo constante na consequência da norma jurídica tributária […] “é o conjunto de elementos que o legislador faz inserir na consequência das endonormas tributárias e que nos permite precisar o conteúdo da prestação que haverá de ser cumprida pelo sujeito passivo” […].
Em estrita observância do princípio da legalidade tributária, vê-se que fica a cargo da lei tributária mensurar o aspecto material. Segundo Ataliba (2008), a fixação do quantum devido é atingida após a aplicação da alíquota sobre a base calculada. Sobre o tema, leciona o autor, a saber:
“[…] na hipótese de incidência, a indicação do sujeito ativo e dos critérios para a determinação do sujeito passivo (aspecto pessoal); a indicação da materialidade ou consistência material do fato descrito (aspecto material); a qualificação das coordenadas de tempo (aspecto temporal) e de lugar (aspecto espacial) juridicamente relevantes e a fixação da perspectiva dimensível do aspecto material (base imponível) que deve ser considerada, no fato, pelo intérprete. Aplicada a alíquota – inserida no mandamento – à base calculada, obtém-se, em cada caso, o quantum devido, objeto da obrigação, nascida do fato imponível.”
É preciso lembrar, ainda, a necessidade da observância dos princípios constitucionais tributários, pois, em caso contrário, estar-se-ia sob o risco de um tributo com feições confiscatórias.
Por sua vez, Tilbery (1987 apud Mota 2010) preleciona que, na maioria dos países do mundo, há, essencialmente, duas formas de incidência tributária sobre o patrimônio, quais sejam, sobre o patrimônio líquido e sobre o patrimônio bruto. A primeira forma utiliza como base de cálculo o valor do patrimônio após deduzidas todas as obrigações inerentes à manutenção daquele patrimônio. No segundo caso, utiliza-se como base de cálculo o valor do patrimônio sem quaisquer deduções.
Destarte, Arruda (1989 apud Mota, 2010), referindo-se especificamente ao IGF, defende que a base de cálculo deste imposto incida sobre o patrimônio líquido do contribuinte. O autor justifica tal posicionamento elencando os motivos, a saber:
“[…] a) impede que, pela exclusão de obrigações, possa-se identificar como grande fortuna uma situação de efetiva insolvência; b) é correlata com a concepção de patrimônio como uma universalidade de direito, própria do nosso sistema jurídico; c) propicia a integração do sistema tributário como um todo (através de mecanismos como o crédito dos valores pagos por força da incidência dos demais impostos sobre o patrimônio) e a complementaridade como o imposto sobre a renda, compensando situações insuscetíveis de serem corrigidas por este imposto, além de guardar como ele simetria, por decorrência do princípio da universalidade de a que o mesmo está hoje subordinado (art. 153, § 2º, I, da Constituição Federal).”
Por sua vez, Machado (1988 apud Mota 2010), ao discorrer sobre o IGF, sustenta que as alíquotas deste tributo devem incidir de maneira diversa em certos bens componentes do patrimônio, é dizer, o encargo tem de recair de maneira mais gravosa sobre os bens considerados como suntuosos com alíquotas mais elevadas. Para tanto, deve-se observar os critérios da seletividade.
Na visão de Machado (1988 apud Mota 2010), as alíquotas do IGF devem ser progressivas. Ademais, conforme o autor, tal progressão deve ser graduada, pois, a seu ver, a progressividade simples destoaria do princípio da capacidade contributiva. Sobre a definição do conceito de alíquotas simples e graduadas, esclarece Machado (1988 apud Mota 2010), a saber:
“[…] simples é aquela em que cada alíquota aplica-se a toda matéria tributável. E graduada é aquela em que cada alíquota maior aplica-se apenas sobre a parcela de valor compreendida entre um limite inferior e outro superior, de modo que é preciso aplicar tantas alíquotas quantas sejam as parcelas de valor e depois somar todos esses resultados parciais para obter o imposto total a pagar.”
Segundo Giffoni (1987 apud Mota, 2010), é necessária a criação de mecanismos compensatórios efetivos para os impostos patrimoniais já recolhidos. Outrossim, Machado (1988 apud Mota 2010) defende que o legislador pode criar meios de compensação entre o imposto sobre a renda e o imposto sobre o patrimônio, ao se adotar uma forma não cumulativa entre os referidos impostos.
Há na doutrina pátria, segundo Mota (2010), uma corrente afirmando que, ao discorrer sobre as defasagens de uma eventual instituição do IGF, poderá haver uma ocultação do valor real dos bens possivelmente tributados pelo referido imposto, originando uma verdadeira “indústria de laudos de avaliação”. Amaro (2008) defende a correção monetária do preço de aquisição ao se fazer uma nova avaliação.
Portanto, conclui-se que o legislador infraconstitucional, ao elaborar a norma jurídica tributária regulamentando a instituição do IGF, deverá fixar a forma pelo qual será avaliada a grande fortuna do contribuinte, seja por seu valor declarado, histórico ou apurado, bem como estabelecer os critérios de definição das alíquotas incidentes sobre o patrimônio considerado como grande fortuna.
2.6 Base de cálculo do IGF
Nas palavras de Becker (2007), a base de cálculo pode ser conceituada como a quantificação do critério material da Hipótese de incidência. Outrossim, conforme o autor, tem-se que o legislador usa deste instrumento como referência, a fim de que possa mensurar o alcance financeiro do fato gerador.
A Base de Cálculo pode ser encarada como o dimensionamento do alcance da exação tributária do ente federado. Como observa Guasque et al (2009), o referido instituto pode ser considerado como sendo […] “a descrição legal de um padrão ou unidade de referência que possibilite a quantificação da grandeza financeira do fato tributário”.
No que se refere especificamente ao IGF, Carvalho Júnior (2011) ensina que este usualmente é aplicado sobre a riqueza líquida em caso de esta exceder a um limite prefixado em lei. Ademais, lembra o autor sobre a possibilidade de a União tributar o indivíduo ou o grupo familiar, sendo analisados o patrimônio acumulado, bem como as alíquotas.
Como bem lembra Carvalho Júnior (2011), os contribuintes residentes no país são tributados por seu patrimônio distribuídos no mundo e os não-residentes sofrem incidência tributária somente nos ativos constantes no país.
Via de regra, para aqueles que não residem no país não há limite de isenção aplicado, pois seria dificultoso à administração tributária mensurar o patrimônio dos contribuintes não-residentes. A solução para tal fato, segundo Carvalho Júnior (2011), seria a incidência do imposto sobre os ativos com alíquota única, caso não haja tratados internacionais sobre o tema em sentido contrário.
2.7 Alíquotas incidentes
As alíquotas dos tributos podem ser entendidas como percentual que, incidindo sobre a base de cálculo, é usada pra mensurar o valor de determinado tributo. Especificamente no caso do IGF, Corsatto (2010) ressalta sobre a aplicação de baixas alíquotas terem como consequência a demonstração de fragilidade e pouca capacidade de arrecadar do referido imposto.
Não obstante tal posicionamento, Carvalho Júnior (2011) lembra que, por este imposto ser de exação anual, não há que se falar na possibilidade de adoção de alíquotas de natureza confiscatórias. Ademais, o autor lembra que os altos índices de isenção e alíquotas progressivas têm maior chance de causar evasão fiscal.
Destarte, segundo Carvalho Júnior (2011), a evasão fiscal está relacionada aos custos de transferência da propriedade, pois há possibilidade de transferência de ativos (financeiros e não financeiros) entre membros de um mesmo grupo familiar ou de pessoas próximas, a fim de permanecer nos limites de isenção ou, no mínimo, ficar no patamar de incidência de alíquotas menores.
Sobre tal fato, Carvalho Júnior (2011) lembra algumas medidas capazes de atenuar o problema da evasão fiscal, quais sejam, […] “a adoção de uma alíquota única, a diminuição do limite de isenção, a obrigação da declaração familiar conjunta, a existência de cadastros familiares e um maior limite de isenção e bandas entre alíquotas para declarações conjuntas” […].
2.8 Destino dos valores arrecadados
A arrecadação dos tributos, bem como a destinação de seus valores, é, segundo Mota (2010), uma questão financeira e não tributária. Não é outro o entendimento de Ataliba (2008), qual seja, […] “as espécies tributárias se reconhecem pela natureza da materialidade da h.i. [hipótese de incidência]. Só” […].
Por outro lado, como se verifica no próprio texto constitucional, há certos casos que a destinação do tributo possui contornos como parte integrante da própria figura exigida do contribuinte. Outrossim, assevera Amaro (2008):
“[…] há situações em que a destinação do tributo é prevista pela Constituição como aspecto integrante do regime jurídico da figura tributária, de modo que não se pode ignorar a destinação nos casos em que esse destino condiciona o próprio exercício da competência tributária.”
De mais a mais, nos termos do inciso IV, do art. 167 da CRFB/88, a vinculação da receita dos impostos é vedada, salvo os casos previstos no próprio texto constitucional. Conquanto, a Emenda Constitucional nº. 31/2010 incluiu o inc. III no art. 80 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) e estabeleceu que o produto da arrecadação do IGF integram o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza.
Destarte, embora tal alteração tenha sido promovida pelo legislador constitucional derivado, vê-se que tal destinação integra o regime jurídico do IGF. Ainda sobre a alteração trazida pela EC. 31/2010, Velloso (2007) salienta […] “essa vinculação da arrecadação do IGF, existente até o ano de 2010, convola-o inquestionavelmente, numa contribuição especial, mais especificamente, numa contribuição de combate e erradicação da pobreza no território nacional.” […].
Em que pese o fato de haver discussões doutrinárias, Carrazza (2008) entende que a destinação das receitas resultantes da tributação não modifica, necessariamente, a classificação da figura tributária em si.
Dessa forma, conclui-se que, independe o fato se a destinação dos valores arrecadados com o IGF vai influenciar na alteração de sua natureza tributária, desde que a função social do tributo seja respeitada e, consequentemente, o valores constitucionais sejam alcançados.
3 Questões econômico-jurídicas em torno do IGF
Grande parte das publicações sobre o IGF teve como base a utilização do Direito comparado no desenvolvimento de suas reflexões. Entretanto, Tilbery (1987 apud Mota 2010) traz sérias restrições a esta forma empírica de análise, pois deve-se levar em conta as diferenças entre os sistemas tributários adotados em cada país.
Destarte, foi sob a óptica da evolução histórica da tributação do patrimônio nos países que Tilbery (1987 apud Mota 2010) elencou benefícios e ressalvas da instituição de um imposto sobre o patrimônio líquido das pessoas físicas e jurídicas.
Na visão do Tilbery (1987 apud Mota 2010), são vantagens da introdução do IGF no ordenamento jurídico, a saber: respeito à equidade horizontal para o alcance da plena aplicação do princípio da capacidade contributiva, busca pelo fomento da atividade produtiva através da eficiência da aplicação dos recursos, redistribuição de riquezas e, por fim, aumento da eficiência do controle administrativo na busca pelo impedimento da evasão fiscal.
Sobre as restrições à instituição do IGF, Tilbery (1987 apud Mota 2010) as elenca, quais sejam, as dificuldades administrativas referentes à declaração e avaliação dos patrimônios pessoais, possível fuga de capitais para o exterior e redução da poupança interna e resultado insignificante da arrecadação do imposto.
Ainda acerca das vantagens da adoção de um imposto incidente sobre o patrimônio líquido pessoal, Tanabe (1972 apud Mota 2010) lembra que se tem defendido a instituição deste imposto sobre várias alegações, entre elas as que fazem referência ao alcance da equidade. Outrossim, complementa o referido autor, in verbis:
“Outros fatores que aconselham a adoção são o desejo de reduzir a excessiva concentração de riqueza, estimular uma utilização mais produtiva do capital, minimizar os efeitos de desincentivo do imposto sobre a renda líquida e promover uma maior eficiência na administração deste último imposto.”
Segundo Corsatto (2000), em relação aos tributos já existentes, o IGF viria a se tornar um imposto suplementar, pois constituiria uma parcela adicional derivado da superposição, ou um imposto complementar, resultante de uma eventual evasão fiscal, ou um imposto novo, no tocante aos bens patrimoniais ainda não tributados pelos impostos já instituídos.
Lado outro, ao analisar os argumentos desfavoráveis à instituição do IGF tecidos por Tilbery, Machado (1988 apud Mota 2010) confronta os impedimentos suscitados e enumera seus motivos, a saber: a) no que se refere às dificuldades administrativas, é mais fácil constatar a existência de patrimônio do que renda, e tal fato não foi óbice à instituição de um imposto sobre a renda e a atual declaração de bens utilizada poderia ser aperfeiçoada e o valor dos bens atualizados; b) já sobre a redução da poupança interna e o desestímulo ao investimento, tem-se que se os muito ricos deixarem de poupar, irão pagar impostos com hipótese de incidência no consumo, os quais possuem alíquotas mais elevadas e c) sobre os possíveis baixos valores oriundos da arrecadação do imposto, o autor ressalta que tal fato não deveria ser crucial para a instituição do imposto, pois o Brasil é marcadamente conhecido por sua concentração de renda.
Outrossim, Machado (1988 apud Mota 2010) lembra que o imposto cujo gravame recai sobre o patrimônio não incide sobre os fluxos de riqueza, mas sim sobre sua acumulação e, por isso, tratar-se-ia de um meio complementar do imposto sobre a renda e progresso econômico por incidir sobre bens improdutivos.
Em seus estudos, Tilbery (1987 apud Mota 2010) aduz sobre a possibilidade de a instituição do IGF drenar os recursos do mercado financeiros ou, ainda, causar a sua evasão. Entretanto, Mota (2010) classifica tal argumento como dogma construído por economistas, mas nunca comprovado na prática. Ademais, lembra Mota (2010) que a alta carga tributária brasileira não afugentou os capitais, ao contrário do que se dizia, sob a alegação de que os capitais não têm pátria. Nesse sentido, assevera Rangel (1988 apud Mota 2010):
“Ao contrário do que dizem os liberais “tupiniquins”, a tributação do capital ou patrimônio não ocasiona, apenas por si, a fuga de capitais nacionais, pois os capitalistas fundam suas decisões em investimento de rentabilidade líquida de suas aplicações e na estabilidade das regras do jogo apresentadas.”
Para Machado (1988 apud Mota 2010) o IGF dever ter como objetivo precípuo tributar aqueles contribuintes que, não obstante sejam demasiadamente ricos, não pagam imposto de renda compatível com tal condição. Ademais, para o referido autor, o tributo é o preço que se paga ao Estado para manutenção da ordem jurídica que lhes garante, inclusive, o direito à propriedade.
O IGF teria, nas palavras de Khair (2009), o condão de, ao invés de afugentar, atrair mais o capital ao permitir a desoneração do fluxo econômico, gerando maior consumo, produção e lucros. Para Sousa (2008), a instituição deste imposto não pode estar limitada somente à questão de redistribuição de renda, in verbis:
“Deve tornar o nosso sistema tributário mais justa, de forma que os pobres paguem menos impostos (sobre o consumo), os ricos paguem mais impostos sobre a renda e, por que não, sobre a acumulação de fortuna como imposto complementar voltado para fins de apoio ao combate às desigualdades sociais.”
Vê-se, portanto, que análise acerca do IGF traz consigo variadas questões econômico-financeiras. A possível instituição deste imposto no Brasil deve levar em conta não só as experiências internacionais, mas também as características histórico-econômicas da sociedade brasileira.
3.1 A prática internacional acerca da instituição do IGF
Segundo Carvalho Filho (2011), todos os países da Europa Ocidental adotam ou já adotaram alguma forma de imposto sobre grandes quantidades de patrimônio (Wealth Tax), salvo a Bélgica, Portugal e Reino Unido. Na Ásia, o Japão, por pouco tempo, adotou este imposto. A Índia já em 1950 o adotou e há relatos de experiências no Paquistão e Indonésia. Por fim, na América Latina, o imposto está plenamente instituído na Colômbia, Argentina e Uruguai e, segundo o autor, há vultuoso crescimento de arrecadação nestes últimos.
Ristea e Trandafir (2010 apud Carvalho Filho, 2011) elencaram as três principais razões que levaram alguns países europeus eliminarem o imposto a datar de 1990, quais sejam: transferência de capitais para países com carga tributária menor ou paraísos fiscais, alto custo administrativo do imposto e, por fim, o imposto altera a destinação dos recursos quando aplicado sobre o patrimônio de pessoas jurídicas.
No entanto, Carvalho Filho (2011) ressalta que o IGF pode ser efetivo no caso do Brasil, haja vista a nossa grande desigualdade social, o volume de sua economia, a efetividade operacional facilitada pela tecnologia atual e, por fim, a baixa incidência de tributos em heranças e propriedades do país.
Devido à grande quantidade de países que adotaram o IGF (ou outra forma de tributação sobre grandes patrimônios assemelhada), o presente estudo se aterá, principalmente, aos desdobramentos da instituição do IGF em alguns Estados, quais sejam, Argentina, França, Uruguai e Suécia.
3.1.1 Argentina
Segundo Carvalho Filho (2011) a Argentina, desde de 1973, instituiu um tributo denominado Imposto sobre Bens Pessoais, o qual possui competência do governo central. À vista do tempo em que o imposto está em vigor, houve diversas modificações estruturais ao longo do tempo, entre as quais cabe citar a modificação da base de cálculo sobre riqueza líquida (1973 a 1989) para, a partir de 1991, riqueza bruta, com incidência de alíquotas progressivas.
Segundo dados colhidos por Carvalho Filho (2011), a arrecadação deste tributo tem aumentado exponencialmente, uma vez que em 1996 era de 1 (um) trilhão de pesos e, em 2010, passou a ser de 5 (cinco) trilhões. Ademais, consoante o autor, em que pese as crises econômicas que, sucessivamente, assolam o país, desde o ano de 2003 o recolhimento do tributo tem crescido consideravelmente […] “a uma taxa média real de 12,2% ao ano e o indicador da arrecadação do imposto sobre as receitas totais estabilizou-se entre 1,1% e 1,5% a partir de 2004” […].
No que se refere à proporção arrecadatória do Imposto sobre Bens Pessoais sobre as receitas tributárias, Carvalho Filho (2011) lembra que este tributo em 2003 representou 3,1% de seu valor total, mas que, a partir de 2004, a sua participação manteve-se estável em 2%.
3.1.2 França
Consoante Mota (2010), em 1981 a França instituiu o chamado Impôt sur les Grandes Fortunes com sua exigibilidade para o exercício fiscal subsequente. Inicialmente o imposto incidia sobre o patrimônio de pessoas físicas e jurídicas, mas após certo tempo apenas as pessoas físicas deveriam pagá-lo. Ademais, em 1986, após a eleição de um Parlamento conservador, o imposto foi abolido.
Em 1988, após a eleição de um governo de inspiração socialista, foi instituído o Impôt Solidarité sur la Fortune (ISF), tributo com as mesmas feições do Impôt sur les Grandes Fortunes. Consoante Carvalho Filho (2011), o ISF concede isenção tributária a alguns instrumentos de trabalho, artigos de coleções e móveis, direitos autorais e artísticos e ativos de relevância ecológica, histórica e artística.
Carvalho Filho (2011) ensina que o ISF possui ao todo seis alíquotas progressivas variáveis entre 0,55% a 1,8% incidentes sobre patrimônio líquido excedente a 800 (oitocentos) mil euros. Ademais, o governo promoveu um abrandamento fiscal ao vedar que a soma do valor pago pelo contribuinte no ISF somado ao imposto de renda exceda 50% (cinquenta por cento) da renda bruta. Outro incentivo importante é a redução de 30% (trinta por cento) na avaliação do imóvel residencial do contribuinte e as propriedades excedentes, se alugadas, possuem de 20 a 40 por cento de desconto.
Por fim, Carvalho Filho (2011) assevera que, no período de 1992 a 2010, houve um aumento no número de contribuintes (168 mil para 562 mil famílias) e dos valores arrecadados (aproximadamente 1 bilhão de euros para 4,5 bilhões de euros, respectivamente) do ISF.
3.1.2 Uruguai
Nas palavras de Carvalho Filho (2011), desde 1989 o Uruguai possui o tributo denominado de Impuesto al Patrimônio, o qual incide sobre a riqueza líquida de pessoas físicas e jurídicas. Consoante dados do referido autor, o imposto incide sobre o patrimônio líquido avaliado acima de 2,21 milhões de pesos uruguaios e possui alíquotas progressivas para contribuinte residentes (variáveis entre 0,7% a 2,0%) e alíquota unificada de 1,5% para contribuintes não-residentes.
Ainda segundo Carvalho Filho (2011), as aplicações financeiras são protegidas pelo anonimato e, nesses casos, há incidência de alíquota de 3,5% sendo o valor recolhido obrigatoriamente pelas instituições financeiras, as quais sofrem incidência de uma alíquota de 2,8% em seu patrimônio. São dedutíveis do impostos as doações feitas às universidades (50% deduzido no valor arrecadado no imposto de renda e 50% no valor das residências). Ademais, há disposto na legislação uruguaia a total extinção do imposto em 2015.
No que tange aos dados apresentado por Carvalho Filho (2011), vê-se que o imposto representa cerca de 4,1% a 6,5% dos valores recolhidos a título de receita pelo governo uruguaio entre os anos de 1996 e 2010. Nesse período, o Estado do Uruguai o crescimento da arrecadação passou de 3,7 bilhões a 9 bilhões de pesos uruguaios. Ressalta-se que, neste lapso temporal, o valor arrecadado entre pessoas físicas caiu praticamente pela metade.
3.1.3 Suécia
Segundo os estudos de Carvalho Filho (2011), a Suécia, notadamente um país com tradição em tributar a propriedade, aboliu o Wealth Tax em 2007. À época da exação deste tributo, sobre o qual incidia uma alíquota única de 1,5%, o governo contava com 284 mil contribuintes que possuíssem patrimônio superior a 1,5 milhão de coroas suecas. Ademais, ressalta o autor que a alíquota única de 1,5 % foi adotada após uma reforma tributária promovida por um Parlamento com tendências de direita
Em análise sobre a história da concentração de renda sueca, Jesper e Daniel (2007 apud Carvalho Filho 2011) perceberam que o Wealth Tax sueco teve participação num processo de desconcentração de renda e diminuição da desigualdade social iniciado ainda no século XX.
Conclusão
Percebe-se, portanto, que a incidência de tributos sobre a acumulação de riqueza é uma prática comum em todo mundo. Nota-se, ademais, que os Estados mais eficientes na arrecadação de impostos sobre grandes riquezas são aqueles que adequaram o modelo do Wealth Tax à sua realidade. Por sua vez, essa forma de exação tributária sobre o patrimônio, quando bem usada, pode ser útil à tarefa de redução das desigualdades sociais, bem como concentração de riquezas.
Informações Sobre o Autor
Matheus Martins Souto
Advogado, graduado em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros – MG e pós-graduado em Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes