A concepção da verdade probatória no direito processual penal e o princípio da verdade real

Resumo: Este trabalho visa o estudo da prova no Processo Penal Brasileiro, a sua concepção através de várias correntes e a sua valoração com base no princípio da verdade real em paralelo com a verdade formal. Através deste trabalho, veremos, ainda, que não existem no processo verdades absolutas, mas que esta é oriunda de um exame probatório, em que se busca uma verdade possível de ser concretizada e que esta deve ser a mais justa possível. A pesquisa foi realizada pelo método teórico-documental em busca de conclusões doutrinárias e interpretativas, no qual foram analisados os diversos conceitos de prova no direito material e processual, a valoração e os meios de valoração de prova, o conceito de verdade propriamente dito e o seu conceito no direito material e no direito processual, além do princípio da verdade real. Por fim, chega-se a conclusão que a prova é uma necessidade e a afirmação de que ela é relativa não pode ser encarada como uma justificativa para que a verdade não seja a meta do julgador.

Palavras-chave: Prova. Valoração. Verdade. Princípio da Verdade Real.  

Abstract: This work aims to study the Brazilian Penal Process, its conception through various streams and their valuation on the basis of the real truth principle in parallel with the formal truth. Through this work, we shall see, also, that there are no absolutes truths in the process, but this is coming from a probationary examination, which seeks a possible truth to be achieved and that this should be as fair as possible. The research was conducted by theoretical-documentary method in search of doctrinal and interpretive conclusions, in which the various concepts of evidence in law and procedure were analyzed, the valuation and the means of evaluation of the evidence, the concept of truth itself and its concept in material law and procedural law, beyond the principle of the real truth. Finally, one comes to the conclusion that the evidence is a necessity and the claim that it is relative can not be seen as a justification for the truth not being the goal of the judge.

Keywords: Evidence. Valuation. Truth. Principle of Real Truth

Sumário: 1. Introdução – 2. Conceito de prova. 3. Sistema de valoração da prova; 3.1 Considerações iniciais; 3.2 Elementos de valoração probatória; 3.3 Meios de valoração probatória; 3.3.1 Sistema da íntima convicção; 3.3.2 Sistema da prova legal; 3.3.3 Sistema do livre convencimento 4. Verdade; 4.1 Considerações iniciais sobre a verdade no Processo Penal; 4.2 Conceito de verdade; A verdade formal e a verdade real 5.  O Princípio da Verade Real 6. Considerações Finais 7. Referências.

1. INTRODUÇÃO

O tema do nosso trabalho diz respeito à concepção de verdade probatória no Direito Processual Penal Brasileiro e sua conclusão usando como base o princípio processual da verdade real.

A origem da problemática surge com a discussão sobre os limites ao princípio da verdade real, os diferentes conceitos de verdades e o papel do magistrado nisso tudo. Com isso, chega-se a seguinte indagação: até onde pode o juiz ir atrás da verdade sem perder a sua imparcialidade? Com base nesta pergunta desenvolveremos o presente artigo.

Para isso, desenvolvemos nosso trabalho em quadro subtítulos, além desta introdução, conclusão e referências. Por meio de uma pesquisa teórico-documental em que se analisou a doutrina em busca de soluções interpretativas.

2. Conceito de prova

De acordo com Capez (2010), o tema referente à prova é o mais importante de toda ciência processual criminal, visto que este constitui os olhos do processo, o alicerce no qual se ergue toda a dinâmica processual. Então, é de fundamental importância a exposição do que vem a significar o termo prova.

A origem da palavra prova, segundo Nucci (2008), vem do latim probatio, que significa: verificação, ensaio, inspeção, exame, argumento, razão, aprovação ou confirmação, além de ser a derivação do verbo probare, que denota: ensaiar, verificar, examinar, reconhecer por experiência, estar satisfeito com alguma coisa, persuadir alguém.

Nessa perspectiva, Rangel (2005, p. 413), define prova como o “[…] meio instrumental de que se valem os sujeitos processuais de comprovar os fatos da causa, ou seja, os fatos pelas partes como fundamento do exercício dos direitos de ação e defesa”.

Já, para Manzini (1996, v. 3, p. 197)[1], prova é a “atividade processual imediatamente dirigida, segundo o critério da verdade real acerca da imputação ou de outra afirmação ou negação que interesse a uma providência do juiz”.

Pode-se, também, destacar o conceito de Marques (1997, v. 2, p. 253), que dispõe que prova é “[…] o elemento instrumental para que as partes influam na convicção do juiz e o meio de que este se serve para averiguar sobre os fatos em que as partes fundamentam suas alegações”.

Capez (2010), ainda, ressalta que prova é o conjunto de atos praticados pelas partes[2], pelo juiz[3] e por terceiros[4] destinado a levar o magistrado à convicção acerca da existência de um fato, da falsidade ou da verdade de uma afirmação.

Diante do exposto, o termo prova, na terminologia processual penal, possui vários sentidos. Pode indicar, de forma ampla, o conjunto de atividades realizadas pelo juiz e pelas partes na reconstrução dos fatos que constituem o suporte das pretensões deduzidas e a própria decisão; pode aludir aos instrumentos pelos quais as informações sobre os fatos são introduzidas no processo, ou seja, os meios de prova; e pode ser o resultado de todas essas atividades.

3. Sistema de avaliação da prova

3.1 Considerações iniciais

Mendroni (2010), numa interessante análise sobre estudo da valoração probatória no Processo Penal, comenta que as coisas e os atos não possuem valor em si mesmo, mas a eles lhes são atribuídos valores.

Na esfera jurídica e, mais especificamente, na esfera penal, diferentemente do que ocorre na maioria das atividades humanas[5], a questão é mais delicada. Isso porque as pessoas são processadas, o que em si já há uma natural estigmatização, e podem ser condenadas e passarem anos na cadeia, em decorrência de um valor que o Estado (representado pelo juiz) concedeu por uma falta social[6]

Nesse sentido, o autor comenta que o Direito Penal tentou se racionalizar, por exemplo: para o crime “A” a pena “B”. No entanto, tal pensamento não é possível, visto que não há uma escala geométrica de valores, pois cada ato humano é único e não se repete. Além dos valores não serem algo estático, uma vez que, um simples fato pode desencadear uma mudança gigantesca ou ela pode vir numa lenta evolução. Todavia, o que ocasiona semelhanças em determinados casos é o sistema de valoração adotado (MENDRONI, 2010).

Dessa forma, Mendroni (2010) alega que é útil uma tentativa de se objetivar o problema e, para escapar de armadilhas filosóficas profundas, divide a valoração em três aspectos indissociáveis: o subjetivo (quem valora), o objetivo (o que é valorado) e o método de valoração (como se valora).

3.2. Elementos da valoração probatória

O aspecto subjetivo é a conduta humana que é individual, ou seja, cada pessoa vê o mundo de uma maneira própria, conforme sua vivência (MENDRONI, 2010).

O aspecto diferenciador deste elemento é a escolha daquelas pessoas que terão papeis de destaques na sociedade. E, no caso do Processo Penal, é aquele que irá imputar a pena, logo o magistrado.

Para Mendroni (2010), apesar do prestígio de tal indivíduo, da instituição que este representa ou da sua capacidade intelectual, este poderá ter uma conduta inquisitória e regressiva se utilizar, apenas, sua moral para fundamentar seu julgamento. Por isso, para Nucci (2008), é relevante o magistrado ficar adstrito às provas obtidas no processo.

No que toca ao aspecto objetivo, este está atrelado à socialização do problema, o que no Processo Penal é caracterizado pela legalidade estrita, em virtude de que só há crime o que está tipificado em lei[7]. Logo, para Mendroni (2010), é dever do ordenamento jurídico elencar a conduta a ser valorada.

O terceiro aspecto são os meios de valoração ou, para Nucci (2011), o sistema de avaliação da prova, que será estudado no tópico a seguir por ser considerado por Mendroni (2010) uma técnica jurídica.

Entretanto, é importante frisar que fato e valor não são elementos separáveis. Não se fala em um fato sem que na linguagem já se tenha um valor inserido e não se pode expressar um valor sem imaginá-lo concretizado em um ou vários fatos.

3.3  Meios de valoração das provas

Tourinho Filho (2010a) explica que os meios de valoração de provas passaram através da história por diferentes transformações, amoldando-se às convicções, à conveniência, aos costumes e ao regime político de cada povo. Os mais conhecidos, segundo Nucci (2011) são: o da íntima convicção, o das provas legais e o do livre convencimento. 

3.3.1 Sistema da íntima convicção    

Tourinho Filho (2010a) ensina que a origem deste sistema veio com os ordálios, sendo o juiz, “a grosso modo”, fiscal do resultado deles. Eram denominados Juízos de Deus, visto que, em tese, a divindade intervinha nos seus julgamentos revelando se aquela pessoa era inocente ou não. Tal sistema foi abolido, em 1215, durante o Concílio de Latrão, sob o papado de Inocêncio III, que concedeu ao Juiz ampla liberdade quanto à indagação da verdade.

Nucci (2011) afirma que este sistema é o mais flexível, concentrando-se na força da avaliação do juiz, o que permite a sua livre valoração, sem necessidade de motivação. O magistrado pode, inclusive, deixar de decidir se não for formada a sua convicção, além de poder formar seu convencimento extra autos ou, até mesmo, de forma contrária às provas constantes no processo (GOMES 2002)[8].

Tal sistema vigora em nosso ordenamento jurídico através do julgamento pelo Tribunal do Júri[9], pois, os jurados decidem sigilosamente de acordo com sua convicção, sem fundamentar seu voto (TOURINHO FILHO, 2010a). Logo, eles podem votar nas provas realizadas nos autos, com um julgamento já pré-formado.

3.3.2 Sistema da prova legal

Este é o sistema em que a prova possui um valor definido por regras preestabelecidas em lei, de modo que o juiz não possa julgar de forma diversa, nem dar uma maior ou menor graduação volativa. Para Nucci (2011), é o sistema mais limitado dos três.

Mendroni (2010) faz crítica a tal sistema ao dizer que ele não permite que cada prova seja analisada conforme sua peculiaridade. Por isso, para o mesmo, este sistema foi extinto e conclui:

“[…] pela impossibilidade de “catalogar” valores, preestabelecendo a eficácia de cada prova a partir de uma definição, entendendo-se que a tarefa deveria ser deixada ao julgador, de forma a permitir a análise probatória a partir das conclusões emanadas das percepções humanas” (MENDRONI, 2010, p. 17, grifo do autor).

Apesar disso, Nucci (2011) alerta que ainda há resquícios deste sistema em nosso ordenamento jurídico, por exemplo: quando a lei exige determinada prova, como o caso do artigo 158 do Código de Processo Penal[10], em que é obrigatório o exame de corpo de delito nas infrações que deixam vestígios.        

3.3.3 Sistema do livre convencimento

Esse sistema é também chamado de convencimento racional, livre convencimento motivado, apreciação fundamentada ou prova fundamentada.

É, para Nucci (2011), uma mescla dos dois sistemas anteriores, visto que se configura na permissão dada ao juiz de decidir de acordo com o seu livre convencimento, devendo, no entanto, cuidar de fundamentá-lo nos autos, buscando persuadir as partes e a comunidade em abstrato, além de está adstrito às provas do processo.

Nesse contexto, Tourinho Filho (2010a) ressalta que com a adoção de tal sistema não há o perigo de cair no despotismo judicial, que o sistema da íntima convicção enseja, e nem limitar os movimentos do juiz ao investigar à verdade, como acontece no sistema das provas legais. Além de ser possível todo tipo (meio) de provas, desde que, limitados aos contidos no processo e às provas admitidas pelo direito.

É o sistema que possui fundamento constitucional[11] e o adotado majoritariamente pelo Processo Penal brasileiro[12].

4. Verdade

4.1 Considerações iniciais sobre a verdade no processo penal

Com base nos conceitos acima expostos, depreende-se que, dependendo do autor seguido, a prova no Processo Penal visa tanto achar a verdade, quanto convencer o juiz dela.

No entanto, o que se busca no processo não é uma verdade absoluta, porque esta não existe, mas uma verdade relativa. Pois, o que é verdade para uns, pode ser falso para outros (NUCCI, 2008). Nessa direção é bastante pertinente à citação abaixo:

“Um dedicado amigo da verdade reconhece que a certeza, que necessariamente o contenta, não escapa ao vício da imperfeição humana; que é sempre lícito supor o contrário daquilo que consideramos verdadeiro. Enfim, a facunda imaginação do céptico, atirando-se ao possível, encontrará sempre cem razões de dúvida. Com efeito, em todos os casos se pode imaginar uma combinação extraordinária de circunstâncias, capazes de destruir a certeza adquirida. Porém, a despeito dessa possível combinação, não ficará o espírito menos satisfeito, quando motivos suficientes sustentarem a certeza, quando todas as hipóteses razoáveis tiverem sido figuradas e rejeitadas após maduro exame […]. Exigir mais seria querer o impossível; porque em todos os fatos que dependem do domínio da verdade histórica jamais se deixa atingir a verdade absoluta. Se a legislação recusasse sistematicamente admitir a certeza todas as vezes que uma hipótese contrária pudesse ser imaginada, se veriam impunes os maiores criminosos, e, por conseguinte, a anarquia (seria) fatalmente introduzida na sociedade”. (MITTERNAIER 1848 apud SILVA, C. 2010, p. 5, grifo nosso)[13].

Logo, o juiz julgará conforme uma certeza, derivada de uma verdade que nunca é absoluta, mas resultante de um rigoroso exame probatório. Portanto, a meta da parte é convencer o magistrado de que sua noção de verdade é a correta, de que, no plano real, ocorreu exatamente como está descrito na sua petição (NUCCI, 2008).   Contudo, vê-se a seguir, que o papel do juiz no processo penal é tudo menos inerte.

4.2 Conceito de verdade

Como já foi frisado neste trabalho, não existe uma verdade absoluta. Porém, Soares F. (2011) afirma que os conceitos de verdade e de realidade, no plano jurídico, são próximos. Desta forma, é relevante entender o que vem a ser verdade.

Para a elaboração de tal conceito, Chauí (1995) divide o termo verdade em três concepções teóricas:

A concepção grega: a verdade vem do termo aletheia, que significa não oculto, não escondido, não dissimulado e que expressa a “manifestação daquilo que é ou existe tal como é […]; o evidente ou plenamente visível para a razão” (CHAUÍ, 1995, p. 92). Assim, a verdade está nas próprias coisas;

b) A concepção latina: a verdade é derivada do termo veritas, que se refere à precisão, ao rigor e à exatidão de um relato, em que se diz com detalhes, pormenores e fidelidade o que aconteceu. Desta forma, a verdade não está, apenas, nas coisas, mas na forma como as dizemos. Então, “a verdade depende, de um lado, da veracidade, da memória e da acuidade mental de quem fala e, de outro, de que o enunciado corresponda aos fatos acontecidos (como acontece com a aletheia)” (CHAUÍ, 1995, p. 93, grifo do autor). Logo, o que é falso ou verdadeiro não são as coisas ou os fatos, mas os relatos sobre eles;

c) A concepção hebraica: a verdade vem do termo emunah, que significa confiança. Nesse contexto, são as pessoas e Deus quem são verdadeiros. Isso porque é Deus ou os amigos verdadeiros que cumprem o que falam e são fieis à palavra. Assim, a verdade se relaciona com a presença, com a espera daquilo que foi prometido ou pactuado, ou seja, é a crença fundada na esperança e na confiança.

Em síntese, Chauí (1995) afirma que a nossa concepção de verdade é o resumo destas três fontes, ou seja, são as coisas presentes (aletheia); os fatos passados (veritas) e as coisas futuras (emunah), além de se referir à própria realidade (aletheia), à linguagem (veritas) e à confiança- esperança (emunah), objetivando uma visão intelectual da essência de um ser, para haver uma liberdade das opiniões estabelecidas e das ilusões dos nossos órgãos e sentidos.

Com base nesse contexto, Soares F. (2011) argumenta que a prova é uma necessidade e a afirmação de que ela é relativa não pode ser encarada como uma justificativa para que a verdade não seja a meta do julgador.

4.3 A verdade formal e a verdade real

Costuma-se dividir a verdade em duas: a verdade formal e a verdade real. A primeira vem como o princípio informador do Processo Civil, enquanto a segunda é considerada o norte inarredável do Processo Penal (ARAÚJO, 2009).

A verdade formal, segundo Nucci (2008), é aquela que emerge do processo, na qual o juiz não é obrigado, ele mesmo, a buscar a verdade, contentando-se com uma verdade aparente, visto que o direito material versa sobre direitos disponíveis.

 Além disso, as partes podem transacionar, transigir, submeter à vontade da parte adversa, o que, para Tourinho Filho (2010a), pode tornar impossível a restauração real dos fatos. O que não impede, para o autor, que o juiz a procure.

No Direito Processual Penal ocorre diferente, já que os direitos são indisponíveis. O juiz não deve se satisfazer com a verdade formal (aquela que surge do alegado pelas partes), mas tem o dever de investigar a verdade real, ou seja, de procurar saber como os fatos se passaram na realidade, quem realmente praticou a infração e em que condições esta se perpetuou, para que se concretize a justiça (TOURINHO FILHO, 2010b).

Tal assertiva também é seguida por Nucci (2008) ao comentar que a verdade real tem o intuito de transformar o juiz em um sujeito participativo, fazendo com que o mesmo tenha um sentimento de busca, pois está em jogo de um lado os direitos fundamentais da pessoa humana e do outro a segurança da sociedade[14].

Apesar dessa distinção entre verdade formal e real, esta vem sendo bastante criticada. Bardaró (2003), por exemplo, comenta que essa termologia é errônea, pois a verdade seria única, não comportando adjetivações. Dessa forma, a verdade que importa para o processo é aquela oriunda dos autos, chamada por Soares F. (2011) de verdade judiciária e por Tourinho Filho (2010a) de verdade processual.

Ao explicar tal verdade, Avolio (1995) argumenta que esta é decorrente de um procedimento em que há contraditório, critérios de admissibilidade e exclusão de prova. Não tendo que se falar em uma possível confrontação de verdades, visto que há apenas uma.

Para tanto, Soares F. (2011) elenca mais um motivo para dizer que tal distinção é inócua, haja vista que no Processo Civil também há salvaguarda de direitos e garantias fundamentais do ser humano, assim como no Processo Penal[15]. Além disso, do Processo Civil também cuida de outros interesses indisponíveis: como o Estado, o consumidor e o meio ambiente (AVOLIO, 1995).

5. O princípio da verdade real

O princípio da verdade real, também chamado por Avolio (1995) de verdade material, é definido por Nucci (2010, p. 105) como aquele em que o “magistrado deve buscar provas, tanto quanto as partes, não se contentando com o que lhe é apresentado simplesmente”, sendo uma consequência da verdade real explicada no tópico acima.

Tucii (1978 apud NUCCI, 2010), ao falar sobre o tema, diz que tal princípio surge do próprio poder instrutório do magistrado, sendo imprescindível a sua convicção, como, também, do seu poder acautelatório, para garantir o desfecho do processo criminal.

O Código de Processo Penal, ao longo de seu texto, assim como algumas leis extravagantes, trazem diversos dispositivos que demonstram a sua posição em face deste princípio. Pereira (2009, p. 3) destaca alguns artigos, como:

“Art. 156.  A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.

Art. 209.  O juiz, quando julgar necessário, poderá ouvir outras testemunhas, além das indicadas pelas partes.  § 1º Se ao juiz parecer conveniente, serão ouvidas as pessoas a que as testemunhas se referirem.

E, finalmente, para não cansar o leitor, vale lembrar também o art. 3º da Lei de Interceptação Telefônica (Lei nº 9.296/96) que estabelece:

Art. 3° A interceptação das comunicações telefônicas poderá ser determinada pelo juiz, de ofício ou a requerimento: I – da autoridade policial, na investigação criminal;

II – do representante do Ministério Público, na investigação criminal e na instrução processual penal.”  

Porém, apesar da expressa disposição legal e da preferência jurisprudencial neste sentido[16], Pereira (2009) afirma que este princípio pode acarretar numa quebra da imparcialidade do julgador.

Assim, para o autor, no momento em que o magistrado determina uma prova, ainda que desconhecendo o resultado final, este sai da posição de espectador e inclina-se, inevitavelmente, em direção à defesa ou à acusação. O que faria com que houvesse um rompimento da garantia de imparcialidade.

No entanto, o resultado final albergado no Processo Penal não é uma verdade absoluta, mas uma verdade possível de ser concretizada. Assim, o magistrado é um partícipe, em conjunto com as partes, para chegar à solução mais real e, consequentemente, mais justa. Pois, como bem salienta Tourinho Filho (2010a), a função punitiva do Estado deve ser dirigida, unicamente, àquele que realmente tenha cometido uma infração e este princípio é um dos mecanismos para tal garantia.        

Além disso, um julgador que tem opiniões e conceitos formados sem preocupação com os fatos alegados pelas partes ou não se vinculando, exclusivamente, às provas produzidas, é um juiz parcial e não aquele que, tentando trazer justiça a sua sentença, auxilia na produção probatória (NUCCI, 2008).

Desta forma, Cappelletti (1972 apud SOARES, C., 2007) adverte que um ordenamento jurídico moderno não pode pretender que o ofício do judiciário seja imparcial no sentido de ser desinteressado, pois desvirtuaria uma técnica na qual o magistrado exercita o seu poder, a sua própria função jurisdicional, concebida como fundamental função do Estado.

Imparcial o juiz deve ser com relação à ação, ao direito e ao ato (demanda, exceção) de realizá-lo, mas não referente ao processo e, muito menos, com o respeito à justiça da decisão[17].

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A principal polêmica em torno do tema verdade, no Processo Penal, é saber se é possível à aplicação do princípio da verdade real na prova penal ou se está seria uma grande falácia doutrinária.

Como já foi frisado neste trabalho, não existe uma verdade absoluta, mas uma verdade resultante de um rigoroso exame probatório. Portanto, a meta do processo é convencer o magistrado de que no plano real ocorreu exatamente como está descrito no processo. 

O princípio norteador de todo o Processo Penal é o da verdade real. É claro que este não deve ser apreciado de maneira absoluta, mas sempre deve ser levado em consideração para se descartar uma mentira formal. Isso quer dizer que é possível, através da interpretação, com a utilização do princípio da verdade real, o questionamento e valoração de uma prova para chegar sempre a uma verdade mais real possível, desde que, dentro dos ideais constitucionais.

O juiz, dentro do Processo Penal, graças, ainda, ao já referido princípio da verdade real, não possui uma postura inerte, sendo um partícipe, junto com as partes, na busca da verdade mais possível de ser alcançada, quando valora uma prova. Isso não torna o juiz imparcial, sendo mais um instrumento para trazer justiça à decisão.

 

Referências
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AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas: interceptações telefônicas e gravações clandestinas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.
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CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 5. ed. São Paulo: Ática, 1995.
GOMES, Magno Federici. Provas ilícitas no processo penal. 2002. Disponível em: <http://www.rkladvocacia.com/arquivos/artigos/art_srt_arquivo20100411224820.pdf>. Acesso em: 01 set. 2016.
MANZINE, Vicenzo. Tratato de derecho procesal penal. Trad. Santiago Sentís Melendo e Mariano Ayerra Rendín. Buenos Aires: El foro, 1996. v. 3.
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MENDRONI, Marcelo Batlouni. Provas no processo penal: estudo sobre a valoração das provas penais.  São Paulo: Atlas, 2010.
NUCCI, Guilherme de Souza. Provas no processo penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
______. Manual de processo penal e execução penal. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
______. Código de processo penal comentado. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
PEREIRA, Márcio Ferreira Rodrigues. Verdade autoritária no processo penal brasileiro: às voltas com o “princípio” da verdade “real”. Juspodivm. com.br. Disponível em <http://www.juspodivm.com.br/i/a/Artigo_verdade_real_podivm.pdf>. Acesso em: 01 mai. 2017.
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______. Processo penal. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2010b.
                        
 
Notas
[1]  Que foi o principal relator do Código Processual Italiano, de 1930, que tanto influenciou nosso atual Código de Processo Penal.

[2]  Artigo 165, I, do Código de Processo Penal.

[3]  Artigo. 156, II, do Código de Processo Penal.

[4]  Por exemplo: o perito.

[5]  Como, por exemplo, a opção de um sapato ou a escolha das próximas férias.

[6]  O interessante é que dizer que uma condenação penal tem mais importância que a escolha de umas férias ou de um sapato já reflete uma valoração anteriormente feita.

[7]  O que para Capez (2010) inadmite uma interpretação analógica dos tipos penais.

[8]  Gomes (2002) salienta que a falta de necessidade de fundamentação acabou por criar um despotismo judicial, o que fez com que o ordenamento jurídico criasse barreiras contra tal, como: a apelação, que permite o reexame da decisão, às restrições à atividade probatória, etc.

[9]  Artigo 422 e seguintes do Código de Processo Penal.

[10] Artigo 158 do Código de Processo Penal: “Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado” (BRASIL, CPP, 1941).

[11] Artigo 93, IX da Constituição da República: “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação” (BRASIL, CF, 1988).

[12] Como nota-se da leitura do artigo 155 do Código de Processo Penal: “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil” (BRASIL, CPP, 1941)

[13] Tal entendimento é de supra importância, visto que a busca de uma verdade absoluta levou vários ordenamentos a situações perigosas. Um exemplo disso é a URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), onde o processo penal foi utilizado como uma forma de repressão política stalinista (AVOLIO, 1995).

[14] Apesar da predominância do Processo Penal ser a verdade real, existem exceções a esta regra como: as hipóteses de transação da Lei nº 9.099/95, a impossibilidade de revisão pro societate e as várias restrições imposta a prova, como o artigo 155, parágrafo único e os artigos 206 e 207 do Código de Processo Penal. (TOURINHO, 2010a, p. 58).

[15] Uma prova é o estudo da instituição do Ministério Público, que foi preocupação do legislador constituinte e posto à categoria de instituição permanente e essencial a função jurisdicional na defesa de interesses sociais (SILVA, B., 2011).

[16] Como abstrai-se, conforme Pereira M, do STJ HC 64657/PR julgado em 20/11/2007 e STJ HC 77228/RS julgado em 13/11/2007.

[17] É importante ressaltar que esta tal busca probatória só é possível em fase judicial, visto que durante o inquérito policial, por ser um procedimento administrativo e inquisitivo, essa conduta não é possível.


Informações Sobre o Autor

Cynthia Karla Araujo do Nascimento

Advogada Bacharel em Direito pela UNICAP Pós-graduada em Direito Público pela Universidade Maurício de Nassau


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