Resumo: O presente trabalho tem por finalidade aprofundar a análise sobre a natureza jurídica dos Conselhos de Fiscalização Profissional, que, segundo o entendimento do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 1717, são autarquias federais. Em razão da sua caracterização como pessoas jurídicas de direito público, quando efetuam o registro de determinado profissional, fiscalização de pessoas físicas e/ou jurídicas, disciplinam condutas profissionais, na verdade, realizam concurso público, fazem aquisições mediante licitação, estão praticando atos administrativos, sujeitos aos princípios da Administração Pública, especialmente ao princípio da legalidade. O controle da legalidade desses atos deverá ser feito pelos procuradores dos Conselhos, que na qualidade de integrantes da advocacia pública, deverão ser contratados mediante concurso público e estão cobertos com o manto das prerrogativas da advocacia, especialmente daquelas inerentes à advocacia pública.
Palavras-chaves: Conselhos de Fiscalização. Autarquia. Fazenda Pública. Procuradores. Advocacia Pública
Sumário: 1. Introdução. 2. A advocacia pública. 2.1 – A Advocacia Pública como função essencial à justiça. 2.2 – A Atuação da Advocacia Pública como órgão de controle interno da legalidade. 2.3 – Das Prerrogativas da Advocacia Pública. 3. A advocacia pública nos conselhos de fiscalização.3.1 – Conselhos de Fiscalização e a sua natureza autárquica. 3.2 – A obrigatoriedade da contratação de advogados públicos mediante concurso público pelos Conselhos de Fiscalização. 3.3 – Prerrogativas processuais dos Advogados/Procuradores dos Conselhos de Fiscalização. 3.4 – Do reconhecimento pela OAB/Federal de que os Advogados/Procuradores dos Conselhos de Fiscalização são advogados públicos. 3.5 – Do reconhecimento pelo Ministério Público Federal de que os advogados/procuradores dos Conselhos de Fiscalização são integrantes da advocacia pública. 4. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
A prova do dinamismo do Direito Administrativo é a natureza jurídica dos Conselhos de Fiscalização, que durante décadas se amoldou até o seu atual enquadramento como autarquias federais.
Os Conselhos de Fiscalização, na verdade, sempre foram considerados autarquias federais corporativas, com elementos estruturantes e de atuação que os diferenciavam das demais autarquias. O art. 58 da Lei Federal 9.649/98 tentou dar roupagem de personalidade jurídica de direito privado aos Conselhos, o que foi rechaçado pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento da ADI 1717.
Em razão dessa mutação, muitos questionamentos foram feitos sobre o regime de compras, contratação pessoal, submissão ao controle externo das suas contas etc., que ao longo dos anos foram esclarecidos pela jurisprudência dos Tribunais Superiores.
Não restam dúvidas que os Conselhos de Fiscalização são autarquias federais com regime de direito público, responsáveis pela normatização e fiscalização das respectivas profissões, titulares da capacidade tributária ativa na arrecadação e administração das receitas públicas advindas da arrecadação das suas anuidades (contribuições de interesse da categoria profissional (art. 149, CF), sujeitos aos preceitos constitucionais do Direito Administrativo, especialmente ao art. 37 da Constituição Federal, especialmente em relação à obrigatoriedade da realização de concurso público para a contratação dos seus empregados (inciso II), assim como as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações (inciso XXI), sujeitando-se, ainda, ao controle externo exercido pelo Congresso Nacional com o auxílio do Tribunal de Contas.
Em razão da consolidação da natureza jurídica de Direito Público dos Conselhos de Fiscalização, verificou-se a indispensabilidade do fortalecimento do controle interno da legalidade dos atos administrativos praticados no âmbito dessas autarquias federais, especialmente com o reconhecimento dos advogados/procuradores, efetivos e de carreira, como membros da Advocacia Pública e o fortalecimento da independência funcional da sua atuação.
No presente artigo serão apresentadas algumas considerações gerais da Advocacia Pública como função essencial à justiça e a caracterização dos advogados/procuradores dos Conselhos como advogados públicos em razão da constante atuação como órgãos consultivos e de representação judicial e a indispensabilidade da extensão das garantias e prerrogativas da Advocacia Pública para o regular e imparcial exercício das suas atividades profissionais.
2. A ADVOCACIA PÚBLICA
2.1 – A Advocacia Pública como função essencial à justiça
No Direito pós-moderno a atuação estatal está sempre balizada pelo princípio da juridicidade, que vai além do princípio da legalidade. Enquanto este se limita a submissão do Estado à lei no sentido estrito, aquele aponta para a observância da licitude, moralmente conotada, com a finalidade de proteção das liberdades e dos direitos dos indivíduos, valendo-se da ordenação das atividades juridicamente relevantes do Estado.[1]
A efetividade do exercício da jurisdição, que corresponde à atuação concreta do direito objetivo, depende da atuação de outras funções, bem como a estas se destinam inúmeros serviços, atividades e inúmeras tarefas institucionais. Essas funções foram incorporadas a órgãos, desvinculados aos outros poderes e se distinguem pela essencialidade à justa prestação jurisdicional, pois possuem estreita relação com esta, ganhando status constitucional independente em capítulo próprio destinado a disciplinar a atuação harmônica desses órgãos essenciais atividade da jurisdição estatal.[2]
As funções essenciais à justiça são instrumentos para a estabilidade da democracia, na medida em que se tornaram instrumentos políticos do constitucionalismo contemporâneo, com o objetivo de assegurar o Estado democrático de direito e a construir o Estado de justiça, fortalecendo a ética na política e na administração.[3]
O Capítulo IV do Título IV da Constituição Federal de 1988 prevê como funções essenciais à Justiça o Ministério Público, a Advocacia (Pública e Privada) e a Defensoria Pública, sem qualquer relação com os três poderes tradicionais, enfatizando que não há relação de hierarquia eles, e que os primeiros são funções independentes.
Embora relevantíssimas as atividades desenvolvidas pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública, limitaremos a análise do presente estudo à advocacia, especialmente à Advocacia Pública.
Com a superação do absolutismo e a consagração da impessoalidade do interesse público, a Advocacia Pública (que até a promulgação da Constituição Federal de 1988 também era exercida pelo Ministério Público) ganha relevância, uma vez que a atuação estatal se desenvolve dentro de um cenário jurídico. Na medida em que se ampliam as atividades estatais, mais a Advocacia Pública se torna um elemento essencial ao funcionamento do Estado Democrático de Direito.[4]
A Constituição Federal dispensou tratamento específico à Advocacia Pública, tratando de não incluí-la na estrutura do Poder Executivo, apontando que se trata de instituição autônoma, com claro objetivo de melhor aparelhar a tutela do interesse público.
Cabe à Advocacia Pública a tutela judicial do interesse público naquilo que diz respeito aos interesses do Estado. Por isso, a Advocacia Pública deverá se pautar na tutela dos interesses do Estado, direcionando a sua atuação na Advocacia do Estado, aconselhando o gestor público e patrocinando judicialmente as demandas do Estado, sem que os interesses particulares interfiram na sua atuação.
A Advocacia Pública se distingue da advocacia comum especialmente em razão do interesse patrocinado. O Advogado Público irá sempre tutelar o interesse público de maneira que o objetivo final da sua atuação nunca será o seu interesse privado, ou do administrador, mas sim o interesse público, abstrato da coletividade, valendo-se da Constituição Federal e leis vigentes.[5]
A inserção da Advocacia Pública dentro da estrutura de qualquer um dos poderes constituídos seria imprópria, pois impactaria na retirada da autonomia dos membros da carreira que estariam subordinados ao poder no qual fossem incluídos, comprometendo a sua atuação na censura de atos ilegais e/ou que desatendam ao interesse público.
Os interesses pessoais e privados dos gestores públicos deverão ser rechaçados pelos advogados públicos que deverão ter como norte os interesses e objetivos do ente político representado que, por sua vez, deverão ser alinhados com os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, elencados no art. 3º da Constituição Federal, bem como com os princípios constitucionais administrativos.
2.2 – A Atuação da Advocacia Pública como órgão de controle interno da legalidade
No Estado Democrático estabeleceu-se um interessante mecanismo de controle conhecido como sistema de freios e contrapesos (Checks and Balances), segundo o qual o controle da atuação estatal seria feito pelos próprios poderes constituídos, segundo regras estabelecidas na Constituição.[6]
A complexidade da vida econômica, política e administrativa do Estado, além da necessidade da ampliação da atuação estatal decorrente das políticas sociais assumidas pela Constituição, o sistema clássico de controle da atuação se mostrou insuficiente, evidenciando a necessidade do aperfeiçoamento desse mecanismo de controle, que o correu com a instalação de importantes instituições, como os Tribunais de Contas, o Ministério Público, os sistemas de controle interno e a Advocacia Pública.[7]
O caput do art. 37 da Constituição Federal consagrou como princípio elementar da Administração Pública a legalidade, indicando expressamente que a sua atuação para alcançar o bem comum na satisfação dos interesses públicos emanados da sociedade será limitada pela lei, volumosa e muitas vezes de complexa interpretação, cabendo a Advocacia Pública proceder a sua análise e interpretação, direcionando o gestor público para a melhor decisão, nos limites da lei.
O controle da legalidade pela Advocacia Pública fica mais evidente na atuação preventiva, ou seja, nas atividades de consultoria e de assessoramento jurídico, oportunidades nas quais os atos administrativos a serem praticados pela Administração Pública são analisados sob o prisma da Constituição e legislação, sendo então emitidos pareceres, favoráveis ou desfavoráveis, acerca da pretensão da implementação desses atos.
O controle de juridicidade dos atos da Administração Pública aplicável em inúmeras hipóteses, nas quais a prática do ato administrativo depende da prévia manifestação do órgão jurídico, de onde a autoridade extrairá os fundamentos para a sua implementação.
Como exemplo, merecem destaque as atuações na assessoria jurídica prestada pelos advogados públicos nas licitações e no controle administrativo da legalidade na inscrição de débitos em dívida ativa.
Em relação ao procedimento de licitação, o art. 38 da Lei Federal nº 8.666/93 expressamente determina a prévia análise e aprovação da assessoria jurídica da Administração (composta por advogados públicos concursados, nos termos do art. 132 e 133 da Constituição Federal):
“Art. 38. O procedimento da licitação será iniciado com a abertura de processo administrativo, devidamente autuado, protocolado e numerado, contendo a autorização respectiva, a indicação sucinta de seu objeto e do recurso próprio para a despesa, e ao qual serão juntados oportunamente: […]
VI – pareceres técnicos ou jurídicos emitidos sobre a licitação, dispensa ou inexigibilidade; […]
Parágrafo único. As minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustes devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da Administração”. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)
O citado dispositivo exige que a análise jurídica das minutas de ditais, contratos, acordos, convênios e demais contratações pela Administração Pública, consista em etapa obrigatória do procedimento licitatório. A análise jurídica, além de obrigatória é vinculante, uma vez que a lei determina que as minutas dever ser analisadas e aprovadas juridicamente, lembrando que o titular da análise do mérito da contratação é o Administrador Público.[8]
Em relação ao procedimento de inscrição dos débitos em dívida ativa, o procurador exerce o controle interno da legalidade, verificando se todos os requisitos necessários para a regular inscrição de crédito tributário estão presentes, rechaçando também a inscrição de créditos prescritos.
A finalidade da atuação dos advogados públicos não está apenas limitada à defesa dos interesses públicos fazendário da pessoa jurídica representada, pois deverá perseguir o interesse público primário consistente na defesa da juridicidade integral da ação administrativa, especialmente à luz dos art. 37, caput, e 70 caput, da Constituição Federal. Além do controle da legalidade, a Advocacia Pública passa a fazer o controle dos excessos e da discricionariedade do administrador público, com a análise da licitude do ato (controle da moralidade do ato administrativo), demonstrando que a sua atuação não se limita a mera subsunção da lei ao caso analisado.[9] Cabe ressaltar, ainda, a sua destacada atuação na implementação de políticas públicas, de tal forma que estas sejam instituídas de acordo com a ordem jurídica e o interesse público.
2.3 – Das Prerrogativas da Advocacia Pública
Para o satisfatório exercício de controle interno de juridicidade da função administrativa é indispensável a previsão de garantia aos advogados públicos incumbidos de tão nobre missão, que inevitavelmente irão contrariar inúmeros interesses, de governantes e até mesmo de setores econômicos.
A denominação advogado público, assim como o exercício das atribuições a ele inerentes, é exclusiva dos membros efetivos de carreira, ou seja, daqueles que foram admitidos mediante prévia aprovação em concurso público de provas e títulos (arts. 37, II, 131, § 2º, e 133, da CF).[10] Não pertencem a Advocacia Pública os ocupantes de cargos comissionados, demissíveis ad nutum, pois a sua nomeação e dispensa estão vinculadas exclusivamente à vontade do Chefe do Executivo, o que comprometeria a sua atuação.
A ordem jurídica garante à Advocacia Pública e aos seus membros prerrogativas indispensáveis para o efetivo controle da legalidade dos atos administrativos.
Todas as garantias necessárias para a atuação dos advogados públicos orbitam na autonomia institucional e autonomia (ou independência) funcional
A autonomia institucional deve ir além do senso comum representado na ideia de que algo ou alguém é autônomo quando possui poder de criar normas para si mesmo independentemente de regulação exterior[11]
A análise da autonomia deverá ser feita à luz do Direito Administrativo, de tal maneira que no âmbito da Administração Pública significa dizer que determinada entidade autônoma goza de autonomia em relação ao seu respectivo ente federativo.
A autonomia, segundo apresentado por Carlos Marden Cabral Coutinho, ganha relevância, especialmente em relação à autonomia técnica e autonomia financeira/orçamentária.[12]
Uma entidade da Administração Pública possui autonomia técnica quando as suas decisões devem ser tomadas levando-se em conta o caráter técnico que envolve o exercício de suas funções, de tal forma que mesmo nenhum dos três poderes poderá se imiscuir nessa autonomia. A autonomia técnica traduz o nível de especialidade científica do ente da Administração Pública, de sorte que suas decisões não se sujeitam às circunstâncias políticas e/ou econômicas.[13]
Caberia a Advocacia Pública a autonomia financeira e orçamentária, no sentido de que caberia a ela a elaboração do seu próprio orçamento, com direito de gerir os seus próprios. A autonomia financeira e orçamentária reconhece que somente o próprio ente público é capaz de identificar o orçamento necessário para o efetivo desempenho das suas tarefas, bem como a melhor forma de gerir as suas despesas com o atendimento do interesse público. A autonomia financeira e orçamentária é requisito essencial para garantir que nenhum dos três poderes constituídos venha influenciar na atividade da Advocacia Pública.[14]
Em relação à independência funcional, deve ser compreendida como a prerrogativa que assegura aos advogados públicos o exercício da função pública de assessoramento e representação dos entes públicos independentemente de subordinação hierárquica, seja dos outros poderes, seja dos próprios chefes ou órgãos colegiados que compõem a estrutura orgânica da Advocacia Pública.[15] O princípio da independência funcional tem o seu fundamento constitucional no art. 133 da Constituição Federal, no qual está consagrado que o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei, que também se estende aos advogados públicos, aos quais são estendidas às prerrogativas dos advogados privados, segundo disposição expressa do § 1º, do art. 3º, do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei Federal nº 8.906/94), e art. 8º do Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB.[16]
A importância da autonomia funcional da Advocacia Pública foi muito bem contextualizada por Dalmo de Abreu Dallari:
“[…] o Procurador Público é quem torna certo que o Poder Público não é imune ao Direito. Compete-lhe defender os interesses sociais, particularizados numa entidade pública, sem excessos ou transigências, sempre segundo o Direito. Conscientes de que o poder político e a atividade administrativa são expressões da disciplina jurídica das atividades de direção
e administração da Sociedade, o Procura dor, orientando ou promovendo a defesa de interesses, jamais deverá omitir o fundamento jurídico de seu desempenho. E sua consciência jurídica não lhe há de permitir que, pela
vontade de agradar ou pelo temor de desagradar, invoque o Direito segundo critérios de conveniência, para acobertar ações ou omissões injustas”.[17]
Há um movimento que a cada dia ganha mais força, denominado “Movimento Advocacia Pública”[18] que patrocina o Projeto de Emenda Constitucional nº 82/2007 (apensada ao substitutivo PEC 82-A/2007), conhecida como a “PEC da Probidade”, que altera e acrescenta dispositivos constitucionais para a consolidação da autonomia funcional e independência institucional às Advocacias Públicas. Já houve parecer favorável em todas as comissões e aguarda a inclusão da pauta do plenário da Câmara dos Deputados para a sua votação[19].
Além da autonomia funcional e independência institucional, são asseguradas outras prerrogativas de índole processual à Advocacia Pública como garantia do efetivo exercício da função por seus titulares, expressamente disciplinadas na legislação de processo, especialmente no Código de Processo Civil, que no Título VI, do Livro III, da sua Parte Geral, (arts. 182 a 184) disciplinou a atuação processual dos advogados públicos.
O Código de Processo Civil de 1973, aprovado antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, não disciplinou de forma adequada a atuação processual da Advocacia Pública, por isso, a disciplina específica no novo Código de Processo Civil de reforçou a institucionalização da representação judicial da Fazenda Pública.
O art. 183 do CPC estabeleceu que a União, os Estados, os Municípios, o Distrito Federal e as suas respectivas autarquias e fundações públicas, gozarão de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais, cuja contagem terá início com a intimação pessoal feita na pessoa dos advogados públicos. Dessa forma, esse importante dispositivo trouxe como prerrogativas à Advocacia Pública o prazo em dobro para as manifestações processuais e a necessidade da intimação pessoal dos atos processuais, indispensáveis em razão da morosidade do trâmite dos processos internos para acesso às informações, prejudicado em razão da burocracia e acesso a diversos níveis hierárquicos na estrutura interna para obtenção de informações sobre os fatos, elementos e dados das causas.[20]
O novo Código de Processo Civil, em total sintonia com o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos advogados do Brasil (Lei Federal nº 8.906/94)[21], também reconheceu a titularidade dos honorários sucumbenciais aos advogados públicos, segundo regra expressa do § 19, do art. 85.
Em razão do disposto no art. 4º da Lei nº 9.527/97, houve uma discussão herculana sobre a autorização legal para a percepção dos honorários sucumbenciais pelos advogados públicos, em razão da sua incompatibilidade com o art. 23 da Lei Federal nº 8.906/94,[22] sobre a qual foi colocada uma pá de cal com a disposição do § 19, do art. 85, do CPC.
Os honorários sucumbenciais não são receitas públicas, devendo ser entendidos como valores pagos pela parte vencida, portanto, não são de titularidade da Administração Pública, mas sim dos advogados públicos que atuaram na demanda, segundo interpretação do caput do art. 85, §§ 14 e 19, do CPC:
“Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor. […]
§ 14. Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial. […]
§ 19. Os advogados públicos perceberão honorários de sucumbência, nos termos da lei.”
O Código de Processo Civil deve ser euforicamente aplaudido, pois tratou de alinhar o disposto no seu art. 85, § 19, com o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, rechaçando o polêmico art. 4º da Lei Federal nº 9.527/97.
3. A ADVOCACIA PÚBLICA NOS CONSELHOS DE FISCALIZAÇÃO
3.1 – Conselhos de Fiscalização e a sua natureza autárquica
A Administração Pública poderá exercer as funções estatais diretamente pelos seus órgãos, como por exemplo, Ministérios, Secretarias, Departamentos etc.(Administração Pública Direta) ou por entidades instituídas por lei com finalidades específicas, delegatárias da competência estatal.(Administração Pública Indireta)[23]
Quando as funções estatais são exercidas pela Administração Pública Indireta, via de regra, são transferidas a uma autarquia, que são entidades criadas por lei, com personalidade jurídica pública, dotadas com capacidade de autoadministração, com especialização dos fins ou atividades, sujeitas o controle ou tutela.[24]
O art. 5º, I, do Decreto-Lei 200/67, positivou a possibilidade de delegação de atividades estatais às autarquias federais, que segundo o mesmo dispositivo podem ser entendidas como serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada.
Em relação à fiscalização de atividades profissionais, segundo dispõe o inciso XXIV do art. 21 da Constituição Federal, compete à União organizar, manter e executar a inspeção do trabalho.
Hodiernamente a organização e fiscalização do trabalho são realizadas pelo Ministério do Trabalho (órgão da Administração Direta da União), porém, algumas profissões, em razão da essencialidade e da necessidade pública do seu bom desempenho, bem como risco à saúde, a União optou pela delegação da fiscalização dessas atividades a autarquias corporativas[25], dirigidas por representantes dos profissionais, cuja missão é, no exercício do poder de polícia, normatizar e fiscalizar o exercício da profissão, assegurando que essas profissões cumpram com a sua função social e contribuam para o alcance do bem estar social.
Com isso, estabeleceu-se que os Conselhos de Fiscalização são autarquias federais com atribuições, definidas em lei, para a fiscalização e controle do regular e ético exercício das respectivas profissões, garantindo à sociedade que o oferecimento dessas profissões não atentem contra o interesse social.
Ocorre, porém, que a Lei Federal nº 9.649/98[26], que dispõe sobre a organização da Presidência da República e seus Ministérios, em seu art. 58, quis inovar em relação às autarquias corporativas dispondo que:
“Art. 58. Os serviços de fiscalização de profissões regulamentadas serão exercidos em caráter privado, por delegação do poder público, mediante autorização legislativa.
§ 1o A organização, a estrutura e o funcionamento dos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas serão disciplinados mediante decisão do plenário do conselho federal da respectiva profissão, garantindo-se que na composição deste estejam representados todos seus conselhos regionais.
§ 2o Os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas, dotados de personalidade jurídica de direito privado, não manterão com os órgãos da Administração Pública qualquer vínculo funcional ou hierárquico.
§ 3o Os empregados dos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas são regidos pela legislação trabalhista, sendo vedada qualquer forma de transposição, transferência ou deslocamento para o quadro da Administração Pública direta ou indireta.
§ 4o Os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas são autorizados a fixar, cobrar e executar as contribuições anuais devidas por pessoas físicas e jurídicas, bem como preços de serviços e multas, que constituirão receitas próprias, considerando-se título executivo extrajudicial a certidão relativa aos créditos decorrentes.
§ 5o O controle das atividades financeiras e administrativas dos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas será realizado pelos seus órgãos internos, devendo os conselhos regionais prestar contas, anualmente, ao conselho federal da respectiva profissão, e estes aos conselhos regionais.
§ 6o Os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas, por constituírem serviço público, gozam de imunidade tributária total em relação aos seus bens, rendas e serviços.
§ 7o Os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas promoverão, até 30 de junho de 1998, a adaptação de seus estatutos e regimentos ao estabelecido neste artigo.
§ 8o Compete à Justiça Federal a apreciação das controvérsias que envolvam os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas, quando no exercício dos serviços a eles delegados, conforme disposto no caput.
§ 9o O disposto neste artigo não se aplica à entidade de que trata a Lei no 8.906, de 4 de julho de 1994.”
O citado art. 58 pretendeu inovar o mundo jurídico com a caracterização dos Conselhos de Fiscalização como autarquias com regime jurídico de “direito privado”, mesmo exercendo atividades estritamente estatais, especialmente o poder de polícia em relação às respectivas profissões. Pretendeu, ainda, excluir do Tribunal de Contas da União o controle externo de suas contas, desconsiderando o disposto nos arts. 71 e 73 da Constituição Federal, além de outras disposições que tentaram “privatizar” os Conselhos de Fiscalização.
O dispositivo foi impugnado na ADI 1717-DF, na qual ficou definitivamente reconhecido que os Conselhos de Fiscalização são autarquias federais com regime jurídico de direito público, titulares do exercício de poder de polícia – fiscalização das respectivas profissões – (indelegável às entidades de direito privado), cujas contas estão sujeitas à fiscalização do Tribunal de Contas da União, fulminando do ordenamento jurídico o caput do art. 58 da Lei Federal nº 9.649/98 e os seus respectivos parágrafos, com exceção ao art. 3º, que trata do regime de contratação dos servidores dos Conselhos de Fiscalização, que perdeu objeto em razão da Emenda Constitucional nº 19/98, que havia acabado com o regime jurídico único de contratação na Administração Pública:
“DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 58 E SEUS PARÁGRAFOS DA LEI FEDERAL Nº 9.649, DE 27.05.1998, QUE TRATAM DOS SERVIÇOS DE FISCALIZAÇÃO DE PROFISSÕES REGULAMENTADAS. 1. Estando prejudicada a Ação, quanto ao § 3º do art. 58 da Lei nº 9.649, de 27.05.1998, como já decidiu o Plenário, quando apreciou o pedido de medida cautelar, a Ação Direta é julgada procedente, quanto ao mais, declarando-se a inconstitucionalidade do "caput" e dos § 1º, 2º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º do mesmo art. 58. 2. Isso porque a interpretação conjugada dos artigos 5°, XIII, 22, XVI, 21, XXIV, 70, parágrafo único, 149 e 175 da Constituição Federal, leva à conclusão, no sentido da indelegabilidade, a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de punir, no que concerne ao exercício de atividades profissionais regulamentadas, como ocorre com os dispositivos impugnados. 3. Decisão unânime.” (ADI 1717, Relator(a): Min. SYDNEY SANCHES, Tribunal Pleno, julgado em 07/11/2002, DJ 28-03-2003 PP-00061 EMENT VOL-02104-01 PP-00149) [27]
Na ADI 1717 destacou-se, também, que é indelegável a capacidade tributária de arrecadação e administração das anuidades pagas pelas pessoas físicas e jurídicas registradas nos Conselhos de Fiscalização (art. 7º, caput, Código Tributário Nacional), uma vez que as mesmas possuem natureza tributária de contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas, previstas no art. 149, da Constituição Federal.
Com a procedência da ADI 1717 e o reconhecimento expresso de que os Conselhos de fiscalização são autarquias federais, apenas restou vigorando o § 3º do art. 58 da Lei nº 9.649/98, que estabelece que a contratação dos servidores públicos dos Conselhos será disciplinado pela Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT, em razão da publicação da EC 19, de 4 de junho de 1998, que alterou o caput do art. 39 da Constituição Federal, possibilitando a Administração Pública admitir seus servidores tanto pelo regime jurídico único, disciplinado pela Lei Federal nº 8.112/90, quanto pela CLT, na qualidade de empregados públicos.
Ocorre, porém, que a alteração do caput do art. 39 da Constituição Federal, introduzida pela EC 19/98, foi afastada pela medida cautelar concedida no âmbito da ADI 2135 em 02 de agosto de 2007, dando novamente vigência a antiga disposição do art. 39, no sentido de que as relações jurídicas entre a Administração Pública, e as suas respectivas autarquias e fundações públicas, com os seus servidores públicos deverão ser regidas por um único regime jurídico[28]. No âmbito da Administração Pública Federal a Lei Federal nº 8.112/90 disciplina o regime jurídico dos seus servidores públicos civis e todas as contratações deveriam obedecer às normas contidas nessa lei.[29]
Atualmente, dentre outras afirmativas, não restam dúvidas de que os Conselhos de Fiscalização:
“a) são autarquias federais, com regime de direito público, delegatários do poder de polícia de disciplina, normatização e fiscalização das respectivas profissões;
b) são delegatários da capacidade tributária concernente a arrecadação e administração das receitas públicas advindas da arrecadação das anuidades pagas pelas pessoas físicas e jurídicas neles registradas, reconhecendo-se, assim, que as suas receitas e patrimônios são públicos;
c) sujeitam-se aos princípios constitucionais relacionados à Administração Pública, especialmente aqueles contidos no caput do art. 37 da CF (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência);
d) devem contratar os seus servidores quando aprovados previamente em concurso público, segundo disposição contida no art. 37, II, da Constituição Federal;
e) estão sujeitos ao controle externo do Tribunal de Contas da União;[30]
f) devem promover as suas contratações com prévia realização de licitação para as contratações (art. 37, XXI – Lei Federal nº 8.666/93 e demais legislação sobre o tema);
g) estão sujeitos às disposições constitucionais e legais relacionadas aplicáveis à Administração Pública, na qualidade de entidades enquadradas no conceito de “Fazenda Pública”;
h) são detentores de todas as prerrogativas próprias da Fazenda Pública, tais como imunidade tributária, privilégios processuais, inscrição dos seus créditos (ex: anuidades vencidas, multas etc.) na dívida ativa com a cobrança dos mesmos pelo procedimento da execução fiscal, pagamento das suas dívidas judiciais mediante o procedimento de RPV ou precatórios;”[31]
O Supremo Tribunal Federal no julgamento do mérito da ADI 1717 consolidou o entendimento de que os Conselhos de Fiscalização Profissional são autarquias federais com regime jurídico de direito publico, rechaçando a natureza jurídica de direito privada, pretendida no art. 58 da Lei 9.649/98, e ratificando o disposto nas leis instituidoras de muitos Conselhos de Fiscalização acerca da natureza autárquica dessas entidades.[32]
Em relação a esse ponto, cabe apontar que a Ordem dos Advogados do Brasil, por conta das suas atividades finalísticas e importante papel no crescimento e fortalecimento do regime democrático brasileiro, segundo entendimento consolidado do Supremo Tribunal Federal, não se enquadra no conceito de autarquia federal, sendo afetado de natureza jurídica sui generis em relação aos Conselhos de Fiscalização.[33]
3.2 – A obrigatoriedade da contratação de advogados públicos mediante concurso público pelos Conselhos de Fiscalização
As atividades de assessoramento, representação judicial e consultoria jurídica no âmbito das autarquias (dentre as quais se incluem os Conselhos de Fiscalização) devem ser feitas exclusivamente por membros efetivos de carreira. Como já sedimentado no Supremo Tribunal Federal, os procuradores autárquicos são considerados advogados públicos, por isso mesmo, deverão ser contratados mediante concurso público, sendo responsáveis pelas atividades jurídicas e judiciais no âmbito do ente público.[34]
Em relação aos Conselhos de Fiscalização, a contratação dos seus servidores deve ser precedida de concurso público, sujeitando-se, portanto, ao art. 37, II, da CF, cuja obrigatoriedade foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal:
“1) MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. ATO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. CONSELHO DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL. NATUREZA JURÍDICA. AUTARQUIA FEDERAL. ENTIDADES CRIADAS POR LEI. FISCALIZAÇÃO DE EXERCÍCIO PROFISSIONAL. ATIVIDADE TIPICAMENTE PÚBLICA. DEVER DE PRESTAR CONTAS. 2) EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO. ART. 37, II, DA CRFB. 3) DECADÊNCIA. INOCORRÊNCIA. DECISÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO PROFERIDA MESES DEPOIS DA REALIZAÇÃO DA SELEÇÃO SIMPLIFICADA PELO IMPETRANTE. 4) SEGURANÇA DENEGADA. 5) EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PREJUDICADOS. 1. As autarquias, forma sob a qual atuam os conselhos de fiscalização profissional, que são criados por lei e possuem personalidade jurídica de direito público, exercendo uma atividade tipicamente pública, qual seja, a fiscalização do exercício profissional, é de rigor a obrigatoriedade da aplicação a eles da regra prevista no artigo 37, II, da CF/1988, quando da contratação de servidores. Precedentes (RE 539.224, Rel. Min. Luiz Fux, DJe18/6/2012). 2. In casu, o Acórdão nº 2.690/2009 do TCU determinou ao Conselho Federal de Medicina Veterinária que: “9.4.1. não admita pessoal sem a realização de prévio concurso público, ante o disposto no art. 37, inciso II, da Constituição Federal, e adote as medidas necessárias, no prazo de sessenta dias, a contar da ciência deste Acórdão, para a rescisão dos contratos ilegalmente firmados a partir de 18/5/2001;” 3. Segurança denegada”. (MS 28469, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 09/06/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-151 DIVULG 31-07-2015 PUBLIC 03-08-2015)
“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO ADMINISTRATIVO. CONSELHO DE FISCALIZAÇÃO. EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO PARA A CONTRATAÇÃO DE SERVIDORES. PRECEDENTES. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal se orienta no sentido de que os “conselhos de fiscalização profissional, posto autarquias criadas por lei e ostentando personalidade jurídica de direito público, exercendo atividade tipicamente pública, qual seja, a fiscalização do exercício profissional, submetem-se às regras encartadas no artigo 37, inciso II, da CF/88, quando da contratação de servidores” (RE 539.224, Rel. Min. Luiz Fux). Esta Corte, ao declarar a constitucionalidade do art. 79, caput e § 1º, da Lei nº 8.906/1994, ressaltou que a inaplicabilidade da regra constitucional do concurso público se restringe à Ordem dos Advogados do Brasil, não devendo o entendimento ser estendido aos demais órgãos ou conselhos de fiscalização profissional” (ADI 3.026, Rel. Min. Eros Grau). Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 539220 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 09/09/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-186 DIVULG 24-09-2014 PUBLIC 25-09-2014)
“Mandado de segurança. Acórdãos do Tribunal de Contas da União. Conselho de fiscalização profissional. Concurso público. Observância do art. 37, II, da constituição federal. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal confere natureza autárquica aos conselhos de fiscalização profissional, fazendo sobre eles incidir a exigência do concurso público para a contratação de seus servidores. Precedente: RE 539.224, Rel. Min. Luiz Fux. 2. No caso, o processo de seleção realizado pelo impetrante atendeu aos requisitos do inciso II do art. 37 da Constituição Federal. Processo de seleção cujo edital foi amplamente divulgado, contendo critérios objetivos para definir os candidatos aprovados e suas respectivas classificações. 3. Mandado de segurança concedido”. (MS 26424, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 19/02/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-054 DIVULG 20-03-2013 PUBLIC 21-03-2013)
O Tribunal de Contas da União também consolidou o entendimento sobre a obrigatoriedade do concurso público para a contratação dos empregados dos Conselhos de Fiscalização.[35]
Especificamente em relação a contratação de advogados ou procuradores pelos Conselhos Profissionais, o Tribunal de Contas da União há muito tempo já assentou que as atividades de assessoria e consultoria jurídica, assim como a representação judicial, dessas autarquias deverá ser promovida por membros de carreira, admitidos por concurso público, vedando-se, assim, a nomeação de cargos comissionados ou a terceirização das atividades fins do Conselho.[36]
“ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão Plenária ante as razões expostas pelo Relator, em:
9.1. conhecer da presente Representação, uma vez que atende aos requisitos de admissibilidade estabelecidos no art. 113, § 1º, da Lei n. 8.666/1993, c/c o art. 237, inciso VII, do Regimento Interno/TCU, para, no mérito, considerá-la parcialmente procedente; […]
9.5.1. exclua a possibilidade de contratação de advogado-sênior, com dez ou mais anos de experiência profissional, com disponibilidade de comparecimento a todas Sessões Plenárias do CRA/RJ e, eventualmente, à sede do Conselho para prestar consultoria jurídica diretamente ao Plenário e à Diretoria Executiva, uma vez que tal atividade deve ser exercida por advogado pertencente ao seu próprio quadro; […]
A assessoria jurídica, mesmo que não constitua função precípua do Conselho Regional de Administração, como alegado pelo recorrente, é atividade essencial ao regular desenvolvimento das funções institucionais do Conselho, motivo porque a escolha de profissional devidamente habilitado por meio de concurso público seria a opção mais natural e que melhor se coadunaria com as disposições legais e jurisprudenciais atinentes.
O TCU tem entendimento pacífico acerca da necessidade de realização de concurso público pelos conselhos profissionais para preenchimento de seus cargos funcionais, dada a natureza autárquica dessas entidades. Ademais, por meio do acórdão 628/2003 – Plenário, já registrou que o marco inicial dessa obrigatoriedade é a data de 18/05/2001, dia de publicação da decisão do Supremo Tribunal Federal – STF no MS 21.797-9, que tratou dessa questão.”[37]
Como consequência lógica da contratação mediante concurso público, a dispensa dos empregados dos Conselhos de Fiscalização também deverá ser precedida de processo administrativo para apuração de justa causa ou falta grave, em razão da aplicação do art. 41 da Constituição Federal, conforme entendimento consolidado no Supremo Tribunal Federal:
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DEFICIÊNCIA NA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INOCORRÊNCIA. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM AS DIRETRIZES FIXADAS NO JULGAMENTO DO AI 791.292-QO-RG, (REL. MIN. GILMAR MENDES, TEMA 339). CONSELHOS DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL. SERVIDORES. REGIME JURÍDICO. ESTABILIDADE. APLICABILIDADE DO ARTIGO 41 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DO ARTIGO 19 DO ADCT. DISPENSA IMOTIVADA. ILEGITIMIDADE. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. INDEFERIDO O PEDIDO DE APLICAÇÃO DE MULTA”. (RE 777207 AgR, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 23/02/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-044 DIVULG 08-03-2016 PUBLIC 09-03-2016)
“Agravo regimental no recurso extraordinário. Conselhos de fiscalização profissional. Natureza de autarquia reconhecida por esta Suprema Corte. Precedentes. 1. O servidor de órgão de fiscalização profissional, cuja natureza jurídica é inegavelmente de autarquia federal, não pode ser demitido sem a prévia instauração de processo administrativo. 2. Inaplicabilidade, no caso, da Súmula Vinculante nº 10 desta Corte, porque não se declarou inconstitucionalidade de lei, tampouco se afastou sua incidência. 3. Agravo regimental não provido.” (RE 563820 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 10/04/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-091 DIVULG 09-05-2012 PUBLIC 10-05-2012)[38]
O Tribunal Superior do Trabalho, em todas as suas Turmas e na SDI, alinhou o seu entendimento de acordo com os precedentes do Supremo Tribunal Federal:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO ADMISSIBILIDADE. CONSELHO PROFISSIONAL. NATUREZA JURÍDICA. DECISÕES REITERADAS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. DIREITO À ESTABILIDADE PREVISTA NOS ARTIGOS 41 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E 19 DO ADCT. DISPENSA. NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO. INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO. 1. Impõe-se o provimento do Agravo de Instrumento ante a ocorrência de violação do artigo 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, como mero corolário da determinação e dos fundamentos expendidos pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal nos autos do Processo n.º AgR-RE-838.648-DF, que, negando provimento ao Agravo Regimental interposto pelo Conselho Regional de Contabilidade do Distrito Federal, manteve a decisão monocrática por meio da qual, reconhecendo-se o direito dos servidores não concursados à estabilidade prevista nos artigos 41 da Constituição da República e 19 do ADCT, foi determinada a remessa dos autos à Primeira Turma do TST para prosseguir no julgamento do Recurso de Revista. 2. Agravo de Instrumento provido para determinar o processamento do Recurso de Revista. RECURSO DE REVISTA CONSELHO PROFISSIONAL. NATUREZA JURÍDICA. DECISÕES REITERADAS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. SERVIDORES NÃO CONCURSADOS. DIREITO À ESTABILIDADE PREVISTA NOS ARTIGOS 41 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E 19 DO ADCT. DISPENSA. NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO. INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO. 1. No presente caso, manifestou-se o Supremo Tribunal Federal, quando do exame do Recurso Extraordinário n.º RE-838.648-DF, mediante decisão monocrática da lavra do Exmo. Ministro Dias Toffoli, no sentido de que os conselhos de fiscalização de profissões revestem-se da natureza jurídica de autarquias federais, sendo patente o reconhecimento do direito dos servidores não concursados à estabilidade prevista nos artigos 41 da Constituição da República e 19 do ADCT. 2. Resulta afastado, daí, o fundamento de que se valera esta Primeira Turma para negar provimento ao Agravo de Instrumento interposto pelo reclamante, no sentido de que os empregados dos conselhos profissionais não têm direito à estabilidade assegurada nos artigos 41 da Constituição da República e 19 do ADCT. 3. Nesse contexto, resulta configurada a afronta ao artigo 19 do ADCT, considerando tratar-se de fato incontroverso que o reclamante ingressou, sem concurso público, nos quadros do Conselho Regional de Contabilidade do Distrito Federal em 20/7/1978, sendo demitido sem justo motivo em 28/6/2010. 4. Recurso de Revista conhecido e provido”. (RR – 1470-22.2011.5.10.0020 , Relator Desembargador Convocado: Marcelo Lamego Pertence, Data de Julgamento: 18/05/2016, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 20/05/2016)
“RECURSO DE REVISTA. EMPREGADO PÚBLICO. ESTABILIDADE. ART. 41 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CONSELHO DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL. NATUREZA JURÍDICA. AUTARQUIA 1. A declaração, mediante decisão proferida em recurso extraordinário nos presentes autos, de que o Reclamado, conselho de fiscalização profissional, tem natureza autárquica, sem distinção jurídica em relação às demais autarquias, atrai a incidência do entendimento da Súmula nº 390, I, do Tribunal Superior do Trabalho. 2. Recurso de revista do Reclamante de que se conhece e a que se dá provimento.” (RR – 375-16.2010.5.03.0107 , Relator Ministro: João Oreste Dalazen, Data de Julgamento: 30/03/2016, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 08/04/2016)[39]
Embora exerçam empregos públicos, na medida em que são contratados sob o regime da CLT (pelo menos até o julgamento da ADC 16, ADPF 367 e ADI 5367), os advogados/procuradores dos Conselhos de Fiscalização devem ser contratados mediante concurso público e são detentores da estabilidade prevista no art. 41 da Constituição Federal, requisitos indispensáveis para o exercício de suas atividades profissionais com autonomia institucional e autonomia funcional.
3.3 – Prerrogativas processuais dos Advogados/Procuradores dos Conselhos de Fiscalização
Os Conselhos de Fiscalização possuem todas as prerrogativas próprias da Fazenda Pública, como, imunidade tributária, capacidade processual ativa para propor ação civil pública, execução dos seus créditos pela via inscrição em dívida ativa e promoção da execução fiscal, identificação dos seus veículos como oficiais, utilização do domínio dos seus sites na extensão “.GOV” etc.
Em razão disso, os advogados/procuradores dos Conselhos de Fiscalização possuem todas as prerrogativas processuais próprias de advogados públicos, especialmente aquelas previstas nos arts. 182 a 184 do CPC:
“a) Competência privativa para a defesa e promoção dos interesses públicos da autarquia, por meio de representação judicial, em todos os âmbitos federativos (art. 182, CPC);
b) prazo em dobro para as manifestações processuais, com início à partir da intimação pessoal do advogado/procurador do Conselho (art. 183, CPC);[40]
c) intimação pessoal por carga, remessa ou meio eletrônico (§ 1º, art. 183, CPC);
d) percepção de honorários advocatícios sucumbenciais (§ 19, art. 85, CPC); etc.”
Todas as garantias e prerrogativas dos advogados públicos das esferas federais, estaduais e municipais também são extensíveis aos advogados/procuradores dos Conselhos de Fiscalização Profissional, sob pena de sérios e irreversíveis prejuízos à representação processual dessas autarquias.
3.4 – Do reconhecimento pela OAB/Federal de que os Advogados/Procuradores dos Conselhos de Fiscalização são advogados públicos.
Recentemente, em 14 de fevereiro de 2016, em razão das reiteradas violações às prerrogativas dos advogados/procuradores dos Conselhos de Fiscalização, assim como a atuação da Associação Nacional dos Advogados e Procuradores das Ordens e Conselhos de Fiscalização, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia firmaram compromisso pelo cumprimento das prerrogativas da advocacia[41]
Um dos fundamentos determinantes para a celebração do termo de compromisso está apontado consagrado no “CONSIDERANDO a natureza de Autarquia federal do CONFEA, bem como na existência de quadro de advogados públicos que fazem jus a honorários advocatícios sucumbenciais”.
No documento, restou consolidado que os membros da Procuradoria do Sistema CONFEA/CREAs terão direito aos honorários advocatícios sucumbenciais, como consignado no § 19 do art. 85 do CPC.
Houve, também o reconhecimento de que os advogados públicos que atuam na Procuradoria do Sistema CONFEA/CREAs estão excluídos do controle de ponto e registro de frequência, como consignado na Súmula 9 do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (Comissão da Advocacia Pública, no sentido de que o controle de ponto é incompatível com as atividades do advogado público, cuja atividade intelectual exige flexibilidade de horário).
Trata-se, na verdade, de importante precedente para o reconhecimento definitivo de que os advogados/procuradores efetivos de carreira, concursados, são membros da advocacia pública, que no dia-a-dia, no desempenho de suas funções, atuam em expedientes próprios da Advocacia Estatal, como pareceres em licitações, processos administrativos, processos administrativos disciplinares, controle da dívida ativa, e outros expedientes relacionados ao controle interno da legalidade e interesse público.
3.5 – Do reconhecimento pelo Ministério Público Federal de que os advogados/procuradores dos Conselhos de Fiscalização são integrantes da advocacia pública.
O Ministério Público Federal de São Paulo em diversas oportunidades reconheceu que os advogados/procuradores dos Conselhos de Fiscalização, em razão da natureza das suas atividades, são integrantes da Advocacia Pública.
Segundo notícia de 27/09/2013, no site do Ministério Público Federal de São Paulo, foi feita recomendação ao Conselho Regional de Biomedicina da 1ª Região/SP para a contratação de advogados por concurso público, consignando que:
“A atividade de advocacia pública de uma autarquia é uma atividade permanente, indispensável para o regular funcionamento do conselho, e a decisão do CRBM-1 está em desacordo com diversas normas da Lei nº 9.784/1999, que regula o processo administrativo da Administração Pública Federal, que é aplicável aos Conselhos Regionais de Fiscalização Profissional, dada a sua natureza jurídica de autarquia federal”
Em outra oportunidade, nos autos do Procedimento Preparatório nº 1.34.001.00544/2016-63, na Recomendação MPF nº 68/2016, ficou consolidado que:
“CONSIDERANDO que a atividade de advocacia pública, inerente à representação judicial e extrajudicial de Autarquia é inequivocamente uma atividade permanente, indispensável para o regular funcionamento do Conselho de fiscalização profissional;”
O reconhecimento da natureza de autarquia federal dos Conselhos de Fiscalização, bem como da importância da atuação dos advogados/procuradores dos Conselhos de Fiscalização como Advogados Públicos já está consolidada no âmbito da jurisprudência dos Tribunais Superiores, do Tribunal de Contas, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e do Ministério Público Federal.
4. CONCLUSÃO
O Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento de que os Conselhos de Fiscalização são autarquias federais, com regime de direito público, delegatários do poder de polícia de disciplina, normatização e fiscalização das respectivas profissões, bem como da capacidade tributária na arrecadação e gestão das receitas públicas oriundas das anuidades.
Como decorrência lógica do seu regime jurídico de autarquia federal, sujeitam-se aos princípios constitucionais relacionados à Administração Pública, especialmente aqueles contidos no caput do art. 37 da CF, bem como devem contratar os seus servidores quando aprovados previamente em concurso público, segundo disposição contida no art. 37, II, da Constituição Federal. Suas contratações, como regra, devem ser precedidas do competente processo licitatório, sujeitando-se, ainda ao controle externo do Tribunal de Contas da União.
Com isso, os advogados/procuradores que atuam nos Conselhos de Fiscalização devem ser contratados mediante concurso público e as suas atividades são tipicamente de advocacia pública, na medida em que são responsáveis pela representação judicial e extrajudicial dos Conselhos.
Para o regular desempenho das suas atividades na qualidade de advogados públicos, a eles devem ser estendidas todas as prerrogativas e garantias próprias e indispensáveis da Advocacia Pública, especialmente a independência funcional, para que o interesse público da entidade autárquica não seja comprometido em razão de ingerência dos eventuais maus gestores dos Conselhos de Fiscalização.
(ADI 2135 MC, Relator(a): Min. NÉRI DA SILVEIRA, Relator(a) p/ Acórdão: Min. ELLEN GRACIE (ART.38,IV,b, do RISTF), Tribunal Pleno, julgado em 02/08/2007, DJe-041 DIVULG 06-03-2008 PUBLIC 07-03-2008 EMENT VOL-02310-01 PP-00081 RTJ VOL-00204-03 PP-01029)
Informações Sobre o Autor
Jonatas Francisco Chaves
Procurador do Conselho Regional de Educação Física da 4ª Região – CREF4/SP. Presidente da Associação Nacional dos Advogados e Procuradores das Ordens e dos Conselhos de Fiscalização – ANAPROCONF. Especialista em Direito Público e Direito Constitucional. Especialista em Direito Constitucional pela Universidade de Salamanca. Mestre em Direitos Fundamentais pelo Centro Universitário FIEO – UNIFIEO. Professor Titular de Direito Tributário e Direito Financeiro do Centro Universitário FIEO – UNIFIEO. Professor convidado de Direito Tributário nos cursos de especialização na Faculdade SENAC/SP