Resumo: O presente estudo busca, de maneira analítica, discutir a constitucionalidade e a legalidade da Instrução Normativa INSS nº 88/17 que altera significativamente a sistemática do pagamento de revisões administrativas de benefícios previdenciários quando há apresentação de provas novas no pedido, prevendo que somente serão pagos os valores a partir da data do pedido de revisão, o que pode gerar diferenças de até 10 anos de valores atrasados a receber, utilizando-se o prazo decadencial do artigo 103 da Lei nº 8.213/91, sem levar em consideração a tese da nulidade primária que não é objeto deste artigo.[1]
Palavras-chaves: Revisões administrativas previdenciárias. IN INSS nº 88/17. Enunciado nº 5 CRPS.
Abstract: The present study seeks, in an analytical way, to discuss the constitutionality and legality of INSS Normative Instruction nº 88/17 that significantly changes the system of payment of administrative reviews of social security benefits when there is new evidence in the application, predicting that they will only be paid the amounts from the date of the request for review, which may generate differences of up to 10 years of late amounts receivable, using the decadential term of article 103 of Law nº 8213/91, without taking into account the nullity thesis that is not the subject of this article.
Keywords: Social security administrative reviews. IN INSS nº 88/17. Rule nº 5 CRPS.
Sumário: Introdução. 1. Do preâmbulo da IN nº 88/17. 2. Da Inconstitucionalidade da IN nº 88/17. 3. Da Ilegalidade e das Irregularidades da IN nº 88/17. 4. Da interpretação do caput, do artigo 546, da IN nº 77/15, com redação incluída pela IN nº 88/17. 5. Do confronto da IN nº 88/17 frente ao enunciado nº 5 do CRPS e a outros artigos da IN nº 77/15. Conclusão.
Introdução
A Instrução Normativa INSS/PRES nº 88, publicada no Diário Oficial da União em 13/06/2017, alterou quatro artigos relacionados a revisão administrativa de benefícios da Instrução Normativa INSS/PRES nº 77, de 21/01/2015, que é considerada a Bíblia do servidor do INSS.
As alterações trouxeram profundas mudanças na forma de pagamento de atrasados provenientes de revisões administrativas, porquanto com a inclusão do inciso II, do artigo 564, da IN nº 77/15, o INSS, quando houver a apresentação de novos elementos, pretende pagar os valores apurados nas revisões administrativas somente a partir da Data do Pedido da Revisão – DPR.
No entanto, a autarquia se esquece que em várias situações é ela que deixa de pedir todos os documentos necessários para a concessão do melhor benefício a que o segurado faz jus e na IN nº 88/17 não faz nenhuma ressalva quanto a isso.
Fica evidente que a IN nº 88/17 é mais uma norma que visa retirar direitos dos segurados, reduzir a dignidade da pessoa humana e provocar retrocesso social, na mesma linha da Proposta de Emenda Constitucional que tramita na Câmara dos Deputados sob o nº 287/16 e que visa reformar o sistema previdenciário pátrio e das Medidas Provisórias nº 739/16 e nº 767/17, ambas de constitucionalidade questionável, principalmente em decorrência da inexistência de urgência.
1. Do preâmbulo da IN nº 88/17
O principal dispositivo a ser atacado na Instrução Normativa INSS/PRES nº 88, publicada no Diário Oficial da União em 13/06/17, é o que dá nova redação ao artigo 564, caput e inciso II, da Instrução Normativa INSS/PRES nº 77, publicada no Diário Oficial da União em 22/01/15:
“Art. 564. Os valores apurados em decorrência da revisão iniciada pelo INSS serão calculados: (…)
II – para revisão com apresentação de novos elementos, a partir da Data do Pedido da Revisão – DPR.”
No entanto, as irregularidades na IN nº 88/17 já começam no preâmbulo da norma.
A Resolução INSS/PRES nº 70, publicada no Diário Oficial da União em 07/10/09, que dispõe sobre a elaboração, a redação e a alteração dos atos administrativos no âmbito do INSS prevê que:
"Art. 3º Os atos previstos nesta Resolução serão estruturados em três partes básicas, quando cabível:
I – parte preliminar, compreendendo a epígrafe, a ementa, o preâmbulo, o enunciado do objeto e a indicação do âmbito de aplicação das determinações;(…)
Art. 5º No preâmbulo do ato deverão ser indicados, após a designação da autoridade, os dispositivos legais que dão suporte à sua edição".
A Lei Complementar nº 95/98, que dispõe sobre as regras de elaboração, redação e alteração de leis e atos de regulamentação expedidos por órgãos do Poder Executivo, traz em seus artigos 3º, caput combinado com o inciso I, e 6º textos normativos similares ao supracitado.
A IN nº 88/17 traz em seu preâmbulo as seguintes normas como fundamentação legal para a edição da IN:
a, Lei nº 8.213/91, porém nessa norma o artigo 103, com redação trazida pela Lei nº 10.839/04, aduz que “é de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício…”, o artigo. 103-A, com redação trazida pela Lei nº 10.839/04, exara que “o direito da Previdência Social de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os seus beneficiários decai em dez anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé”, e o parágrafo 5º, do artigo 41-A, com redação trazida pela Lei nº 11.665/08, expressa que “o primeiro pagamento do benefício será efetuado até quarenta e cinco dias após a data da apresentação, pelo segurado, da documentação necessária a sua concessão”.
Os artigos 103 e 103-A não fazem nenhuma alusão ao previsto no inciso II, combinado com o caput, do artigo 564, da IN nº 77/15, com redação trazida pela IN 88/17, que aduz que “os valores apurados em decorrência da revisão iniciada pelo INSS serão calculados para revisão com apresentação de novos elementos, a partir da Data do Pedido da Revisão – DPR”.
O parágrafo 5º, do artigo 41-A, da Lei 8.213/91 trata especificamente de concessão de benefícios, não tratando de revisão, bem como não exara sobre o dever que a Administração Pública possui de conceder o melhor benefício que o segurado faz jus, conforme o Enunciado nº 5 do CRPS que será tratado em um capítulo isolado mais a frente, mas que se aplica principalmente nos casos em que o segurado apresentou a documentação que demonstrava que ele deveria apresentar mais elementos de provas para a concessão de um melhor benefício, porém o INSS deixou de emitir carta de exigência solicitando essa documentação, não podendo agora se beneficiar de sua própria torpeza.
Em toda a Lei nº 8.213/91 inexiste um dispositivo que ampare o pagamento de valores decorrentes de revisão com a apresentação de novos elementos somente a partir da Data do Pedido de Revisão.
b, Lei nº 10.406/02 (Código Civil), todavia Alexandre Mazza, em estudos sobre a taxinomia do Direito, explica a importância da natureza jurídica de um instituto de direito e exara que todo ramo do Direito faz parte de uma categoria maior, podendo ser um ramo do Direito Público ou do Direito Privado.
Maurício Godinho Delgado considera essas classificações importantes, porquanto “é indubitável a validade da referida tipologia, que tem ainda expressivo interesse prático para se compreender a essência e posicionamento comparativo dos diversos ramos jurídicos”.
Alexandre Mazza defende que “os ramos do Direito Público estudam a disciplina normativa do Estado” e que os ramos do Direito Privado são “voltados à compreensão do regramento jurídico dos particulares”, classificando o Direito Civil como ramo do Direito Privado e o Direito Administrativo como ramo do Direito Público, todavia o doutrinador não faz menção ao Direito Previdenciário que, evidentemente, pertence ao Direito Público.
O autor destaca que a evolução temporal provocou a subdivisão de um único ramo jurídico que originou novas ramificações e, em consequência, foram surgindo novas disciplinas, todavia que o “ramo-mãe” deve permanecer como “referência externa para a solução de questões que não possam ser resolvidas pela técnica própria do ramo especializado” e a “integração é o processo técnico jurídico utilizado para preencher lacunas em determinado ramo”, sendo o direito comum “a fonte à qual se deve recorrer para suprir lacunas em ramo especializado”, todavia “se um ramo é de Direito Público, não se faz sentido às normas análogas presentes no Direito Civil”.
Com fundamento no exposto, as regras do Código Civil não podem ser aplicadas no Direito Previdenciário, salvo nas hipóteses em que o legislador expressamente previu isso, como, por exemplo, nos artigos 103, parágrafo único, 110 e 112 da Lei 8.213/91.
c, Lei nº 10.666/03, mas essa norma trata de revisão somente no artigo 11, caput e parágrafos, abordando a revisão de ofício pela autarquia previdenciária nos casos de concessão irregular, não contendo nada sobre revisão a pedido do segurado ou beneficiário, bem ainda acerca da hipótese de pagamento de valores decorrentes de revisão com a apresentação de novos elementos apenas a partir da Data do Pedido de Revisão.
d, Lei nº 10.839/04, todavia essa norma trouxe a redação atual para os artigos 103 e 103-A da Lei nº 8.213/91, que, como já foi demonstrado não item a deste capítulo, não traz a hipóteses contida no artigo 564, caput e inciso II, da IN nº 77/15, com redação trazida pela IN nº 88/17.
e, Lei nº 13.146/15, porém essa lei institui o Estatuto da Pessoa com Deficiência e não traz nenhum dispositivo sobre revisões administrativas de benefícios previdenciários.
f, Decreto nº 20.910/32, mas a norma não possui nenhum dispositivo que trate da apresentação de provas novas em processo administrativo ou revisão administrativa, assim como dos efeitos financeiros dessa apresentação.
g, Parecer CGCOB/DIGEVAT nº 003/10, porém esse documento aborda a decadência e a prescrição de créditos não tributários das autarquias e fundações públicas federais, tratando quase que exclusivamente de créditos que a Fazenda Pública possui direito a receber, trazendo somente nos itens 84 e 85 alguma informação útil aos procedimentos de revisão administrativa previdenciária, mas, como se pode observar a seguir, que é contrária ao contido no artigo 564, caput e inciso II, da IN nº 77/15, com redação elaborada pela IN nº 88/17, pois aduz que se deve aplicar o artigo 69 da Lei nº 9.784/99 para as situações de recursos e revisões administrativas, sendo que essa lei não possui nenhum dispositivo prevendo que o pagamento de valores decorrentes de revisão com a apresentação de novos elementos se dará apenas a partir da Data do Pedido de Revisão:
“84. Acontece que, por absoluta falta de regramento legal, o acertamento administrativo do valor de alguns créditos deve obedecer às regras da Lei nº 9.784/99, como aliás, prevê o seu artigo 69, nos seguintes termos:
Art. 69. Os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta Lei.
85. Desta forma, como não há regra específica sobre a formação administrativa do título executivo não tributário, quando for o caso, os temas relacionados aos (1) direitos dos administrados; (2) início do processo; (3) competência; (4) forma, tempo e lugar dos atos do processo; (5) comunicação dos atos; (6) instrução; (7) dever de decidir; (8) motivação; (9) extinção do processo; (10) recursos e revisão administrativa e (11) prazos, observarão os preceitos da Lei nº 9.784/99”.
Como é possível observar pelos motivos elencados neste capítulo, inexiste uma norma, entre as elencadas no preâmbulo da IN nº 88/17, que permita o pagamento de valores decorrentes de revisão de processo administrativo previdenciário com a apresentação de novos documentos apenas a partir da Data do Pedido de Revisão.
2. Da inconstitucionalidade da IN nº 88/17
O artigo 87, parágrafo único e inciso II, da Constituição Federal prevê que:
“Art. 87. Parágrafo único. Compete ao Ministro de Estado, além de outras atribuições estabelecidas nesta Constituição e na lei:
I – exercer a orientação, coordenação e supervisão dos órgãos e entidades da administração federal na área de sua competência e referendar os atos e decretos assinados pelo Presidente da República;
II – expedir instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos;”
O dispositivo constitucional exara que compete ao Ministro de Estado expedir instruções e regulamentos, sendo que a IN nº 88/17 se enquadra claramente nessas categorias, todavia é norma emitida pelo Presidente do INSS.
Como foi demonstrado no capítulo anterior, nenhuma das normas elencadas na fundamentação legal do preâmbulo da IN possui a previsão que o pagamento de valores decorrentes de revisão de processo administrativo previdenciário com a apresentação de novos documentos aconteça apenas a partir da Data do Pedido de Revisão, sendo claramente uma norma inconstitucional.
No inciso I, do parágrafo único, do dispositivo constitucional supracitado consta que cabe ao Ministro de Estado “exercer a orientação, coordenação e supervisão dos órgãos e entidades da administração federal na área de sua competência”, sendo que os atos dos agentes públicos devem ser pautados pelo princípio da legalidade, disposto no caput do artigo 37 da CF.
O INSS é uma autarquia federal especializada nas questões previdenciárias e, com efeito, descentraliza serviços que caberiam à União, porém, segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, o “controle administrativo ou tutela é indispensável para assegurar que a autarquia não se desvie de seus fins institucionais”.
Desse modo, frente a flagrante inconstitucionalidade da IN nº 88/17, cabe ao Ministro de Estado exercer sua supervisão ministerial e não permitir a aplicação da instrução.
O controle da constitucionalidade é muito importante e Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino demonstraram as ideias de Ferdinand Lassale que analisou a constituição sob uma visão sociológica, já que esse defende que convivem em um país, ao mesmo tempo, duas Constituições, sendo uma real, “que corresponde à soma dos fatores reais de poder que regem esse país”, e outra escrita que é chamada por ele de “folha de papel”. A folha de papel só é válida se guarda correspondência com os fatores reais de poder, pois, caso contrário, havendo conflito entre essas “Constituições”, a folha de papel será derrotada.
Lassale exemplifica a teoria exarando que se alguém plantar uma macieira e colar um papel nela dizendo que ela é uma figueira, esse papel não a transformará em figueira e, mesmo que ele convença todos a dizerem que é uma figueira, os frutos produzidos serão maças e não figos.
Com efeito, cabe coibir qualquer inconstitucionalidade para que todo o sistema jurídico não seja afetado.
3. Da ilegalidade e das irregularidades da IN nº 88/17
O primeiro capítulo deste artigo demonstra inúmeras ilegalidades existentes no preâmbulo da IN nº 88/17, porém ainda há mais.
A Lei Complementar nº 95/98 dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração de normas e que, com fulcro no artigo 1º, parágrafo único, também se aplica aos atos de regulamentação do Poder Executivo, traz no bojo do artigo 8º que “a vigência da lei será indicada de forma expressa e de modo a contemplar prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula entra em vigor na data de sua publicação para as leis de pequena repercussão”.
Corroborando o contido na lei complementar supracitada, a Resolução INSS/PRES nº 70, publicada no Diário Oficial da União em 07/10/09, aduz no artigo 7º que “a vigência do ato será indicada de forma expressa e de modo a contemplar prazo razoável para que dele se tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula entra em vigor na data de sua publicação”.
A nova redação do caput e do inciso II, do artigo 564, da IN nº 77/15, com a redação incluída pela IN nº 88/17 que prevê que o pagamento de valores decorrentes de revisão de processo administrativo previdenciário com a apresentação de novos documentos se dará apenas a partir da Data do Pedido de Revisão não é norma de pequena repercussão, pois altera toda a sistemática do reconhecimento de direitos de quem pleiteia a revisão administrativa de direitos previdenciários.
Um segurado ou beneficiário que protocolou uma revisão administrativa na autarquia previdenciária com a apresentação de novos documentos na véspera do exaurimento do prazo decadencial, contido no artigo 103 da Lei nº 8.213/91, e na véspera da publicação da IN 88/17, tendo sua revisão processada no mesmo dia, recebeu os últimos 10 anos dos valores gerados relativos às diferenças não pagas.
No entanto, um segurado que protocolou uma revisão idêntica e nas mesmas condições propostas anteriormente, porém já sob vigência da IN nº 88/17, receberá as diferenças somente a partir do protocolo.
De maneira bem simples e sem levar em consideração as correções devidas e os tetos máximos de cada ano, suponhamos que um segurado recebesse R$ 2.031,31, mas que após a apresentação de documentos para o reconhecimento de período laborado sob condições especiais passasse a ter direito ao teto máximo previdenciário que, nos termos da Portaria MF nº 8/17, é de R$ 5.531,31.
Esse segurado no primeiro exemplo (antes da vigência da IN nº 88/17) receberia R$ 455.000,00 em atrasados da diferença gerada nos últimos 10 anos, incluindo os décimos terceiros salários, porém no segundo exemplo o segurado não receberia nada.
Tanto o Código Civil como o Código de Processo de Civil trouxeram o início da vigência um ano após a publicação, todavia o artigo 4º da IN nº 88/17 exara que “esta IN entra em vigor na data de sua publicação, devendo ser aplicada a todos os processos pendentes de análise e decisão”.
Além da ilegalidade latente, podemos citar também a falta de razoabilidade da norma.
Ademais, a Resolução nº 70/09 exara no bojo do artigo 13, caput e inciso I que:
“Art. 13. As propostas para elaboração de atos normativos e constitutivos, de competência do Presidente do INSS, serão encaminhadas, inclusive por meio eletrônico, à Coordenação de Normas, Acordos e Convênios – CNAC, vinculada à Presidência do INSS, mediante processo devidamente instruído, devendo ser acompanhadas da minuta do ato proposto e da Nota Informativa, a qual deverá: (Nova redação dada pela Resolução INSS/PRES nº 384/2014)
I – justificar e fundamentar a edição do ato normativo, de forma a possibilitar a sua utilização como defesa prévia em eventual defesa judicial;”
Em leitura da norma em tela, é possível perceber que existe uma Nota Informativa analisada por um órgão técnico do INSS que visa ser usada como defesa prévia em eventual defesa judicial, porém não se tem a publicação desse documento, o que está em desacordo com os princípios da publicidade e da motivação, mas principalmente com os princípios da ampla defesa, do contraditório, da boa-fé processual e da paridade de armas.
Reforçando os argumentos anteriormente expostos, a Lei nº 9.784/99 prevê no inciso V, do parágrafo único, do artigo 2º que:
“Art. 2º, Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de: (…)
V – divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas na Constituição”.
4. Da interpretação do caput, do artigo 546, da IN nº 77/15, com redação incluída pela IN nº 88/17
A redação do caput, do artigo 546, da IN nº 77/15, com a redação alterada pela IN nº 88/17, prevê que “os valores apurados em decorrência da revisão iniciada pelo INSS serão calculados”.
O dispositivo supracitado usa a expressão “revisão iniciada pelo INSS” que pode passar despercebida, mas que remete a uma série de interpretações que serão explicadas a seguir através de técnicas de hermenêutica jurídica.
Maria Helena Diniz exara que uma das técnicas de interpretação das normas é a gramatical e que nessa as bases são as regras linguísticas na qual “examina o aplicador cada termo do texto normativo, isolada ou sistematicamente, atendendo à pontuação, colocação dos vocábulos, origem etimológica etc”, bem como que “as palavras podem ter uma significação comum e uma técnica, caso em que se deve dar preferência ao significado técnico”.
Utilizando o significado comum, é possível encontrar entre as definições da palavra iniciar que constam no Dicionário Aurélio que é “dar princípio a; começar”.
Pelo texto normativo, tal definição só se aplica às revisões iniciadas pelo INSS, ou seja, as que ele dá início, as que ele começa e não as iniciadas no INSS que são protocoladas pelos segurados e beneficiários.
Pelo significado técnico, também é possível afirmar que o autor da norma se referia às revisões de ofício iniciadas pelo INSS, isto é, no exercício do poder/dever de autotutela que consta, exemplificativamente, nas seguintes normas e enunciados:
“Súmula nº 346 do STF: A administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos.”
“Súmula nº 473 do STF: A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.”
“Lei nº 9.784/99 – Art. 5º O processo administrativo pode iniciar-se de ofício ou a pedido de interessado.
Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.
Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.
§ 2º Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.
Art. 63, § 2º O não conhecimento do recurso não impede a Administração de rever de ofício o ato ilegal, desde que não ocorrida preclusão administrativa”.
Outra técnica de interpretação existente é a sistemática e Maria Helena Diniz aduz que “é a que considera o sistema em que se insere a norma, relacionando-a com outras concernentes ao mesmo objeto, pois por uma norma pode-se desvendar o sentido de outra”.
O que foi feito neste artigo até o momento foi justamente relacionar a IN nº 88/17 com outras normas, principalmente as elencadas da fundamentação legal do preâmbulo da instrução, e pelo que se percebe ela não possui base normativa para alterar a forma de pagamento de valores revisionais devidos em decorrência da apresentação de documentos novos.
Há outras técnicas interpretativas existentes, como a lógica, a histórica e a sociológica ou teleológica, mas que não têm aplicabilidade na IN nº 88/17, pois essa norma é claramente inconstitucional e ilegal, como já afirmado e demonstrado anteriormente, e mesmo se tudo isso for desconsiderado, o caput do novo artigo 564, da IN nº 77/15 se aplica somente às revisões em que a Administração promove de ofício.
5. Do confronto da IN nº 88/17 frente ao enunciado nº 5 do CRPS e a outros artigos da IN nº 77/15
Desconsiderando todos os fundamentos expostos nos capítulos anteriores, ainda sim a norma encontra graves problemas na aplicação prática.
Há um brocardo jurídico de que ninguém pode se beneficiar de sua própria torpeza.
No entanto, os profissionais que atuam com no dia a dia com processos administrativos previdenciários e possuem um conhecimento no mínimo mediano de Direito Administrativo, Hermenêutica Jurídica e Nulidades Processuais visualizam uma quantidade enorme de nulidades, algumas sanáveis e outras impossíveis de convalidação.
É comum observar as seguintes situações:
a, marcações de vínculos como laborados sob condições especiais no Cadastro Nacional de Informações Social – CNIS – nos quais o INSS deixa de emitir carta de exigência ao segurado para que apresente os documentos comprobatórios para o cômputo do período especial ou a conversão de tempo especial em comum;
b, inscrição no CNIS como contribuinte individual empresário ou autônomo ou ainda cópia no processo administrativo de carteira de inscrição do Número de Identificação do Trabalhador – NIT – sem que o INSS solicite ao segurado a apresentação dos carnês de recolhimento, recibos emitidos contemporaneamente, contrato social ou qualquer outro documento que possibilite a inclusão do período laborado, bem como, conforme o caso, oriente o segurado a indenizar esse período, pois era contribuinte obrigatório na época;
c, a existência de vínculos extemporâneos no CNIS sem que o INSS solicite a apresentação da Carteira de Trabalho ou ainda outros documentos comprobatórios, como, por exemplo, ficha de registro e declaração da empresa, documento que comprova rescisão e retirada do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS;
d, períodos recolhidos a menor no cadastro do contribuinte individual sem que o INSS emita carta de exigência para que o segurado complemente a remuneração para o devido cômputo.
e, a inexistência de remuneração em alguns períodos de vínculo de emprego em que o sistema o alimenta automaticamente com o valor do salário-mínimo da época, sem que o segurado receba carta de exigência para que traga os holerites ou contracheques para a correção dos valores.
Essas hipóteses são somente alguns exemplos comuns no dia a dia previdenciário, mas em todas essas situações uma coisa é evidente, o INSS é que causou o prejuízo e deixou de conceder o melhor benefício ao segurado.
O INSS sempre tem o dever de conceder o melhor benefício e isso consta inclusive em enunciado do Conselho de Recursos do Seguro Social – CRSS:
“Enunciado 5/CRPS – Seguridade social. CRPS. Benefício previdenciário. Concessão do melhor que o segurado faz jus. Orientação do servidor. Necessidade. Dec. 611/1992, art. 1º
A Previdência Social deve conceder o melhor benefício a que o segurado fizer jus, cabendo ao servidor orientá-lo nesse sentido.”
Esse dever de conceder o melhor benefício também consta dentro da IN nº 77/15, dentro do inciso VI do artigo 659 e do artigo 687:
“Art. 659. Nos processos administrativos previdenciários serão observados, entre outros, os seguintes preceitos: (…)
VI – condução do processo administrativo com a finalidade de resguardar os direitos subjetivos dos segurados, dependentes e demais interessados da Previdência Social, esclarecendo-se os requisitos necessários ao benefício ou serviço mais vantajoso;(…)
Art. 687. O INSS deve conceder o melhor benefício a que o segurado fizer jus, cabendo ao servidor orientar nesse sentido”.
Na hipótese do INSS não ter orientado o segurado a obter o melhor benefício a que fazia jus ou que dentro do processo havia elementos que comprovavam que a Administração Pública sabia que o segurado poderia trazer outros elementos de prova para um melhor benefício e deixou de emitir carta de exigência, cabe afastar o disposto no artigo 564, caput e inciso II, da IN nº 77 com redação da IN nº 88/17, pois a prova nova na revisão está sendo apresentada por culpa da própria autarquia previdenciária, cabendo assim aplicar o Enunciado nº 5 do antigo CRPS, assim como o inciso VI do artigo 659 e do artigo 687 da IN nº 77/15.
Conclusão
Por todo o exposto, conclui-se que o contido no artigo 564, caput e inciso II, da IN 77/15, com redação trazida pela IN nº 88/17, é inconstitucional, pois extrapola as competências do Presidente do INSS, já que através de uma mera instrução normativa não poderia inovar, mas somente regular e que cabe o Ministro de Estado realizar a tutela ou supervisão ministerial, não permitindo que a norma continue a ser aplicada.
Do mesmo, nenhuma das normas apontadas como fundamentação legal no preâmbulo da IN nº 88/17 possui dispositivo normativo que autorize o pagamento de valores gerados em revisão pela apresentação de provas novas somente após a data do pedido de revisão, bem como a mudança não é de pequena repercussão e não poderia entrar em vigor na data da publicação, porquanto, se levarmos em consideração os efeitos meramente econômicos, essa ilegalidade gera, em alguns casos, prejuízos próximos a meio milhão de reais a alguns segurados.
Se desconsiderarmos o disposto nos parágrafos anteriores, ainda sim o caput do artigo 564 só se aplicaria às revisões inciadas pelo INSS de ofício, já que o próprio texto diz isso, assim como se a Administração Pública deixou de orientar o segurado ou beneficiário a obter o melhor benefício, não pode agora na revisão punir o interessado pela apresentação de provas novas que já poderiam ser apresentadas anteriormente, mas que o segurado não as apresentou por culpa da autarquia previdenciária.
Nota
Informações Sobre os Autores
Marcos Vichiesi
professor especialista em Direito Processual Civil pela PUC-SP especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Faculdade de Direito Damásio; Membro Consultor da Comissão de Direito Previdenciário da OAB/SP Coordenador da Comissão do Jovem Advogado da OAB Santo Amaro-SP
Carlos Alberto Vieira de Gouveia
Carlos Alberto Vieira de Gouveia é Mestre em Ciências Ambientais e Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais; Vice-Presidente para a área Previdenciária da Comissão Direitos e Prerrogativas e Presidente da Comissão de Direito Previdenciário ambas da OAB-SP Coordenador do curso de pós-graduação em Direito Previdenciário da Faculdade Legale