Resumo: O presente artigo estabelece ponderações sobre a contagem recíproca do tempo de contribuição, também conhecida como averbação do tempo de serviço e a compensação financeira entre os regimes de previdência. Para tanto, levamos a efeito neste trabalho, estudos acerca da Previdência Social e do Sistema Previdenciário Brasileiro e seus Regimes Previdenciários e também sobre a contagem recíproca do tempo de contribuição, a compensação financeira entre os regimes de previdência e a averbação de tempo de serviço para fins de contagem recíproca.
Palavras-chave: Contagem Recíproca – Compensação – Averbação – Contribuição.
INTRODUÇÃO
Em seu artigo 201, § 9º, a Constituição Federal estabelece que: “Para efeito de aposentadoria, é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural e urbana, hipótese em que os diversos regimes de previdência social se compensarão financeiramente, segundo critérios estabelecidos em lei”.
No mesmo sentido e complementando o mandamento constitucional, o artigo 94 da Lei 8.213/91, determina que:
“Art. 94. Para efeito dos benefícios previstos no Regime Geral de Previdência Social ou no serviço público é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na atividade privada, rural e urbana, e do tempo de contribuição ou de serviço na administração pública, hipótese em que os diferentes sistemas de previdência social se compensarão financeiramente. (Redação dada pela Lei nº 9.711, de 20.11.98)
§ 1o A compensação financeira será feita ao sistema a que o interessado estiver vinculado ao requerer o benefício pelos demais sistemas, em relação aos respectivos tempos de contribuição ou de serviço, conforme dispuser o Regulamento”. (Renumerado pela Lei Complementar nº 123, de 2006).
Este presente trabalho discorrerá a respeito do instituto da contagem recíproca do tempo de contribuição, delineando o seu conceito, bem como analisando legislação e doutrina relevantes sobre o tema.
DA AVERBAÇÃO DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO
A averbação de tempo de contribuição cumprido em um regime de previdência social para efeito de aposentadoria em outro regime é o reconhecimento e assentamento desse tempo em documento hábil da Administração Pública, visando o seu cômputo para efeito de aposentadoria, na forma da contagem recíproca, assegurada pelo § 9º do art. 201 da Constituição Federal.
A expressão “tempo de contribuição” utilizada também abrange as hipóteses de contagem de “tempo de serviço” expressão empregada até a edição da Emenda Constitucional nº 20/1998. A respeito, cita- se o art. 4º dessa Emenda:
“Art. 4º Observado o disposto no art. 40, § 10, da Constituição Federal, o tempo de serviço considerado pela legislação vigente para efeito de aposentadoria, cumprido até que a lei discipline a matéria, será contado como tempo de contribuição”.
Os critérios para a efetivação da compensação financeira a que se refere o § 9º do art. 201 da Constituição foram estabelecidos na Lei nº 9.796, de 5 de maio de 1999, regulamentada pelo Decreto nº 3.112, de 6 de julho de 1999.
No art. 10 desse Decreto, estão relacionados os dados e documentos atinentes aos benefícios concedidos pelos RPPS, com cômputo de tempo de contribuição ao RGPS, que deverão ser apresentados para fins do recebimento da compensação. Entre os documentos necessários para que cada benefício possa ser habilitado, consta a Certidão de Tempo de Contribuição – CTC, fornecida pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS e utilizada, no RPPS, para cômputo do tempo prestado ao RGPS pelo atual servidor.
A CTC é o documento hábil para viabilizar a contagem recíproca de tempo de contribuição, cabendo ao regime de origem fornecê-la por solicitação do segurado, cujo recibo em uma das vias implica sua concordância quanto ao tempo certificado. A instrução do procedimento de averbação compete ao regime previdenciário de atual vinculação do segurado. Portanto, em regra, a averbação de tempo é uma operação voluntária e de iniciativa do interessado.
Todavia, o § 2º do art. 10 do Decreto nº 3.112/1999 regula uma hipótese de exceção em relação à apresentação de CTC, ao prever que, no caso de tempo de contribuição prestado pelo servidor público ao próprio ente instituidor quando vinculado ao Regime Geral de Previdência Social, será exigida certidão específica emitida pelo ente instituidor, passível de verificação pelo INSS.
A certidão específica prevista nesse dispositivo não é um requisito para concessão do benefício e não se equipara à CTC, mas a substitui para o requerimento da compensação financeira. Em razão dos fins a que se destina, sua emissão é posterior à concessão e dela depende, visto que, somente depois de concedido o benefício, poderá ser requerida a compensação.
A substituição da CTC por certidão específica emitida pelo RPPS instituidor do benefício, no caso de tempo de contribuição prestado pelo servidor público ao próprio ente instituidor quando vinculado ao RGPS, configura uma delegação de competência da União aos entes da Federação para realizar o reconhecimento e o cômputo do tempo de contribuição ao RGPS, para efeito de contagem recíproca.
A medida representou solução à necessidade operacional observada especialmente na instituição de Regime Jurídico Único – RJU pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, em obediência ao que prescreve a redação original do caput do art. 39 da Constituição Federal de 1988, cuja eficácia foi restabelecida no julgamento da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.135/DF4.
O cumprimento da determinação Constitucional de adoção do regime único em milhares de entes federativos que admitiam servidores por regimes jurídicos diferenciados, definidos em estatutos próprios ou pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, tornou impossível ao INSS, que sucedeu o INPS na função de certificar o tempo de contribuição ao RGPS (antiga Previdência Social Urbana), atender aos pedidos de emissão de CTC, de cada ex-segurado desse Regime, para averbação no RPPS ao qual passaram a ser vinculados.
A dificuldade se manifestou porque a mudança do regime da CLT para o estatutário, com a consequente transformação dos empregos públicos em cargos efetivos, aliada à criação de RPPS para os ocupantes desses cargos, ocorreu a um só tempo, por meio de lei, para todos os servidores celetistas em atividade na maioria dos entes federativos, a exemplo do disposto no art. 243 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, aplicável aos servidores federais, que representou paradigma para a elaboração dos estatutos dos demais entes.
Para atender à grande demanda de certificação do tempo pelos ex-empregados públicos, foi disciplinada a denominada averbação automática do tempo prestado por servidor à Administração de qualquer ente da Federação, com vínculo ao RGPS, por ocasião da mudança de regime previdenciário para o RPPS. A esse respeito, confira-se o art. 441 da Instrução Normativa INSS/PRES nº 77, de 21 de janeiro de 20157:
“Art. 441. Será permitida a emissão de CTC, pelo INSS, para os períodos em que os servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios estiveram vinculados ao RGPS, somente se, por ocasião de transformação para RPPS, esse tempo não tiver sido averbado automaticamente pelo respectivo órgão.” (grifamos)
Embora em quantidade menos representativa, a averbação automática continua a ocorrer, visto ainda se observar a transformação de regime celetista para o estatutário em muitos Municípios, bem como a criação de RPPS. A decisão cautelar proferida pelo Supremo Tribunal Federal – STF, em 02/08/2007, na ADIN no 2.135, que suspendeu a eficácia do caput do art. 39 da Constituição Federal, na redação dada pela Emenda Constitucional no 19/1998, pode ter justificado um aumento dessas ocorrências. É que, em razão dessa decisão, voltou a viger a redação original do caput do art. 39 que determina a adoção de RJU em cada ente federativo. Muito embora a decisão do STF tenha efeitos ex nunc, com a manutenção, até o julgamento definitivo da ação, da validade dos atos anteriormente praticados com base em legislações editadas durante a vigência do dispositivo suspenso, o entendimento nela expresso tem motivado a unificação dos regimes em diversos Municípios.
A edição da Lei no 6.439/1977, alterou a estrutura da previdência social com a instituição do Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social – SINPAS. A concessão e manutenção dos benefícios previdenciários ficaram a cargo do Instituto Nacional de Previdência Social – INPS, que passou a acumular a execução dos programas de previdência social urbana, rural e dos servidores do Estado. Posteriormente, o Decreto n° 99.350/1990, criou o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, mediante a fusão do Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social – IAPAS com o INPS.
Cabe ressalvar que a averbação automática, para fins previdenciários, do tempo de contribuição de seus ex-empregados, somente é cabível quando configurado também o afastamento do vínculo desses segurados ao RGPS. Para isso, não basta que o ente simplesmente institua RJU estatutário, sendo necessária também a criação de RPPS, por meio da garantia, expressa em lei, da concessão dos benefícios de aposentadoria e pensão por morte pelo próprio ente.
Em que pese o disposto no art. 40 da Constituição, que assegura regime de previdência próprio, com regras específicas para concessão dos benefícios de aposentadoria e pensão por morte aos servidores titulares de cargo efetivo, muitos dos Municípios que adotaram o regime estatutário não instituíram, concomitantemente, o RPPS. Destarte, por previsão legal expressa que remetia o vínculo ao RGPS, ou por omissão legal quanto à garantia de concessão dos benefícios previdenciários, os servidores desses entes, embora titulares de cargos efetivos, continuaram vinculados ao RGPS, não cabendo falar em contagem recíproca de tempo de contribuição ou averbação de tempo para fins previdenciários.
Ocorre que muitos desses entes instituíram o RPPS em ocasião posterior à adoção do regime estatutário e, a partir da instituição, também puderam realizar a averbação automática do tempo em que o atual segurado de seu RPPS esteve vinculado ao RGPS, como empregado público e também como estatutário.
É preciso registrar que, apesar da dispensa de emissão de CTC para os casos em que a averbação automática é admitida, a situação configura-se como contagem recíproca para os fins a que se destina, porque o RGPS é considerado regime de origem em relação ao tempo de contribuição do servidor público a ele vinculado, antes da mudança de regime previdenciário para Regime Próprio, e este último terá o direito de receber compensação previdenciária, enquanto regime instituidor.
Até aqui, tratou-se da averbação como um meio de assegurar a contagem recíproca na concessão de benefício previdenciário, o qual depende, em regra, de solicitação do próprio servidor, porém, excepcionalmente, decorrerá de procedimento de ofício do ente federativo empregador, por delegação de atribuição originária do INSS, nos casos em que o tempo de contribuição a ser averbado tiver sido prestado ao próprio ente instituidor, quando o servidor estava vinculado ao RGPS, desde que não tenha havido interrupção do vínculo jurídico com a Administração. Ocorre que a contagem de tempo do atual servidor estatutário (antes empregado público) possui também propósitos funcionais. É que, em regra, os estatutos preveem que o tempo de serviço público prestado ao mesmo ente, antes da conversão para estatutário, será contado para todos os efeitos.
Essa previsão que, no âmbito da União, consta do art. 100 da Lei nº 8.112/19909, gerou, como consequência, o cômputo do tempo de emprego público cumprido antes da transformação para todos os efeitos estatutários, com a concessão de vantagens funcionais que dependem dessa contagem. São exemplos, entre outros, os adicionais atrelados à contagem de tempo de serviço público, como os denominados anuênios, quinquênios e sexta parte; as licenças-prêmio; e as progressões funcionais. A respeito, há decisão proferida pelo STF no RE 209.899, onde restou garantida a contagem do tempo de empregado público na União para fins do anuênio.
Outro exemplo a ser citado como proveito advindo da contagem de tempo total de contribuição pelo servidor é a concessão do abono de permanência, instituído pela Emenda nº 41, de 31 de dezembro de 2013, aos servidores que cumprirem os requisitos para aposentadoria, entre os quais o tempo de contribuição, e permaneceram em atividade. Antes, a Emenda Constitucional nº 20/1998 previa isenção de contribuição previdenciária aos servidores que tivessem completado as exigências para aposentadoria integral e que optassem por permanecer em atividade, e teria sido possível cumprir os requisitos desse benefício, para fazer jus ao proveito financeiro da isenção, utilizando-se de tempo de emprego público averbado.
Diante do exposto, é fácil constatar que, em razão das vantagens decorrentes da averbação do tempo anterior de emprego, ou mesmo de cargo público, com vínculo previdenciário ao RGPS, o atual servidor estatutário que não providenciou a certificação do tempo diretamente no INSS, presumidamente anuiu com a averbação automática promovida pelo ente federativo, considerando que obteve ganhos funcionais decorrentes dessa contagem. Ou seja, a averbação do tempo de emprego público no cargo dele decorrente é de grande interesse para o servidor também na atividade em razão dos efeitos de cunho funcional.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A contagem recíproca de tempo é direito constitucional garantido aos segurados dos diversos regimes de previdência social.
Quanto ao tempo com vínculo ao RGPS, a averbação pode ocorrer com ou sem a emissão de CTC, não podendo haver consequências distintas nas duas hipóteses.
A averbação automática do tempo prestado pelo servidor ao próprio ente, com vínculo ao RGPS, também corresponde à contagem recíproca, caso em que há a dispensa de CTC e a exigência de certidão específica para fins de compensação financeira, a ser emitida pelo RPPS como regime instituidor.
Os argumentos nesse sentido fundam-se tanto no direito administrativo, em razão dos direitos e vantagens já auferidos no regime estatutário com o tempo anteriormente averbado, como no direito previdenciário, considerando a necessidade de manutenção do equilíbrio financeiro e atuarial dos sistemas previdenciários.
Informações Sobre o Autor
Zilda Maria Nobre Cavalcante
Bacharel em Direito pela Universidade Paulista UNIP