Uma breve discussão acerca do condicionamento da manutenção da concessão da aposentadoria especial ao não retorno ao exercício de atividades laborais sujeitas a agentes nocivos

Resumo: O condicionamento da manutenção da concessão da aposentadoria especial ao não retorno ao exercício de atividades laborais sujeitas a agentes nocivos tem sido tema de discussão na doutrina e na jurisprudência com atual reconhecimento da repercussão geral da matéria pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O presente estudo tem como objetivo discorrer sobre esses entendimentos, em especial em relação à colisão entre os direitos à saúde e ao livre exercício de profissão, trazendo uma análise prévia ao julgamento iminente do STF. Inicialmente, discorre-se sobre os direitos à saúde e ao trabalho. Em seguida, estuda-se o benefício previdenciário da aposentadoria especial. Finaliza-se com análise, doutrinária e jurisprudencial, do condicionamento da manutenção do benefício ora estudado ao não retorno ao exercício de atividade especial. Em relação ao procedimento metodológico, adota-se, quanto ao tipo, o estudo descritivo-analítico, desenvolvido através da pesquisa bibliográfica, e quanto à abordagem dos resultados, a metodologia pura e qualitativa. Conclui-se que a disposição do § 8º, do art. 57, da Lei 8.213/91 não parece subsistir à análise de sua constitucionalidade e de sua razoabilidade.[1]

Palavras-Chave: Aposentadoria especial. Afastamento do trabalho. Inconstitucionalidade.

Abstract: The conditioning of the maintenance of the special retirement granting to not returning to the exercise of the labor activities under exposure to harmful agents has been theme of doctrine and jurisprudence discussion with recognition of general repercussion by Federal Supreme Court (STF). The present study aims to discuss these understandings, especially in relation to the collision between the rights to health and the free prefession exercise, bringing a prior analysis to the imminent judgment of the STF. Initially, the rights to health and work are discussed. Next, the special retirement pension benefit is studied. It finishes with doctrinal and jurisprudential analysis of the conditioning of the maintenance of the studied benefit to not returning to the exercise of special activities. Regarding the methodological method, the descriptive-analytical study, developed through bibliographical research, and a result-oriented approach, is adopted as a pure and qualitative methodology. It is concluded that provision of § 8, art. 57, of Law 8.213 / 91 does not seem to subsist in the analysis of its constitutionality and its reasonableness.

Key-words: Special retirement. Absence form work. Inconstitutionality.

Simário: Introdução. 1. Os direitos sociais à saúde e ao trabalho. 1.1. O trabalho e a dignidade da pessoa humana. 1.2. A exposição a agentes nocivos no ambiente de trabalho. 1.3. Mecanismos de compensação do trabalhador sob condições adversas. 2. O benefício previdenciário da aposentadoria especial. 2.1. Natureza jurídica e valor do benefício. 2.2. Requisitos. 2.3. Evolução histórica. 2.4. Formas de cessação do benefício. 3. O beneficiário da aposentadoria especial e a continuação ou o retorno à atividade sob exposição a agentes nocivos. 3.1. Do Momento do desligamento da atividade especial. 3.2. Da defesa da obrigatoriedade do afastastamento do beneficiário da aposentadoria especial da atividade considerada especial. 3.3. Da declaração de inconstitucionalidade do art. 67 8 da lei 8213 pelo TRF da 4 região e do reconhecimento da repercussão geral da matéria pelo STF. Considerações finais. Referências

INTRODUÇÃO

Sabe-se que para se atender à Constituição Federal em um Estado Democrático de Direito, é preciso que os direitos fundamentais – individuais e sociais – se harmonizem com a sociedade, exigindo-se para isso mais que uma simples atividade legiferante, estendendo-se a um papel relevante do juiz em dirimir as dúvidas e os conflitos, visto que sempre haverá lacunas na lei. Para tanto, torna-se indispensável a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, ainda que não expressos no texto constitucional, mas com ele compatíveis, a fim de se acharem os meios adequados, necessários e proporcionais para o alcance de um determinado fim.

Logo no Preâmbulo da atual Carta Magna e no seu artigo 6º, caput, estão previstos os direitos sociais, que por sua vez estão interligados de alguma forma, em especial os direitos à saúde, ao trabalho e à previdência social. Ora, é preciso ter saúde para trabalhar e é preciso trabalhar para se ter saúde. Porém, às vezes, o trabalho afeta ou ameaça a saúde, ou a falta de saúde impede ou dificulta o trabalho, constituindo-se, esses casos, situações excepcionais, inclusive, amparadas por benefícios previdenciários, sendo um deles a aposentadoria especial.

Tal benefício é considerado uma espécie do gênero da aposentadoria por tempo de contribuição ou, ainda, uma aposentadoria diferenciada. Tal benefício é devido a segurados que laboraram sob exposição a agentes nocivos físicos, químicos ou biológicos, por um período de 15, 20 ou 25 anos, exigindo-se uma carência de 180 contribuições para sua concessão, e sendo a renda mensal inicial, 100% do salário de benefício. Trata-se de benefício de caráter protetivo e preventivo, sendo o trabalho sob condições especiais comprovado de acordo com as regras previdenciárias vigentes à época do efetivo exercício.

Urge ressaltar que os beneficiários da aposentadoria especial são todos os segurados do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), que preencham os requisitos legais, conforme a Lei 8.213/91, não obstante a restrição trazida pelo Decreto 3.048/99, em seu artigo 64, que considera como beneficiários, apenas o empregado, o avulso e o cooperado, não contemplando o contribuinte individual não cooperado. Afinal, o referido Regulamento da Previdência não tem o condão de restringir direitos previstos em lei. Essa tem sido a posição da doutrina e da jurisprudência, tendo a Súmula 62 do Conselho Federal de Justiça (CFJ) reforçado o direito à aposentadoria especial do autônomo.

O benefício da aposentadoria especial também é devido ao servidor público, federal, estadual ou municipal, por força do artigo 40 da Constituição Federal, porém, mediante lei complementar, ainda não editada. Frente à inércia do legislador e diante de princípios como a dignidade da pessoa humana e a isonomia, constantes demandas judiciais foram propostas por servidores em busca do benefício em comento, de forma individual ou através de entidades de classe, através de Mandado de Injunção. Por fim, o STF editou a Súmula Vinculante nº 33 que determina a aplicação das regras do RGPS sobre aposentadoria especial até edição de lei complementar específica.

Diferentemente da aposentadoria por invalidez, na aposentadoria especial o beneficiário não se encontra inválido, porém, a Lei 8.213/91, no § 8º (anteriormente § 6º) do artigo 57, determina que seja aplicada a mesma disposição sobre cancelamento automático do benefício pelo retorno voluntário à atividade, no caso da aposentadoria especial, ao trabalho sob condições especiais, ou seja, sob exposição a agente nocivo.

Ocorre que tal disposição legal tem sido alvo de muita discussão, inclusive quanto à sua constitucionalidade, por diversos motivos, como por exemplo, o fato de que não estando inválido, o segurado aposentado do RGPS teria o direito de continuar trabalhando, sendo sua formação e sua experiência voltadas para o exercício penoso, insalubre ou perigoso, o qual exercia antes da aposentação, portanto, sendo esta a sua oportunidade de ingresso ou continuidade no mercado de trabalho. Já quanto ao servidor público, amparado pelo RPPS, subsiste-lhe a possibilidade constitucional de acúmulo de até dois cargos públicos, direito que seria prejudicado pela determinação do cancelamento supracitado.

Logo, o tema estudado envolve situação em que lei vigente (Lei 8.213, art. 57, § 8º) dispõe sobre restrição polêmica, pois se por um lado tal determinação visa à proteção e à prevenção da saúde do segurado alvo do dispositivo, constituindo-se em um privilégio do mesmo, por outro, a lei parece considerá-lo semelhante ao inválido, impondo-lhe restrição contrária à autonomia da vontade e ao livre exercício de profissão. É notório, pois, o clamor, no momento atual da evolução histórica da Previdência Social, por um aprofundamento do estudo desse tema e pela busca de possíveis soluções com base na ponderação de princípios.

Cabe, então, apreciar, se tal proibição atende ao Estado Democrático de Direito, onde há autonomia da vontade, liberdade do exercício profissional e dignidade da pessoa humana. Afinal, o segurado que se submeteu aos agentes nocivos tem direito à aposentadoria especial, mesmo não estando doente ou incapacitado e, normalmente, exerceu uma profissão que lhe exigiu qualificação técnica para exercê-la, de forma que o exercício da mesma lhe traga reconhecimento e satisfação.

Objetiva-se, portanto, discorrer sobre o tema à luz da doutrina e da jurisprudência, analisando a constitucionalidade e a razoabilidade do § 8º do artigo 57 da Lei 8.213/91, averiguando se há razoabilidade na aplicação de dispositivo referente à aposentadoria por invalidez, previsto no artigo 146 da Lei 8.213/91, à aposentadoria especial, como quer o § 8º do artigo 57 da mesma lei e, por fim, analisando a constitucionalidade ou não do § 8º do artigo 57 do referido diploma legal.

A relevância do presente estudo, portanto, consiste em fazer uma análise doutrinária e jurisprudencial acerca da previsão do cancelamento da aposentadoria especial pelo retorno ao trabalho sob agentes nocivos, visto que o tema tem sido recorrente nos pleitos judiciais, com diferentes decisões e tem dividido opiniões dos doutrinadores, culminando, inclusive, com a presente configuração da repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal.

1 OS DIREITOS SOCIAIS À SAÚDE E AO TRABALHO

A Constituição Federal de 1988, alçada ao título de Constituição Cidadã, apresenta um Preâmbulo, que se não vinculante, dá o horizonte sob o qual deve se entender e interpretar todo o texto constitucional, ou seja, fornece os preconceitos e prejuízos (no sentido original dessas palavras, e não, no sentido pejorativo posteriormente lhes atribuído) para uma compreensão de todo o texto, o que se encaixa no conceito da pré-compreensão de Gadamer, defensor de uma hermenêutica existencial ou filosófica. (MAGALHÃES FILHO, 2004, p.103).

Tal preâmbulo menciona a instituição de “um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais…”. No artigo 6º, a Constituição lista dentre os direitos sociais, a saúde e o trabalho: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

1.1 O trabalho e a dignidade da pessoa humana

A premissa de que “o trabalho dignifica o homem” vai de encontro à popular brincadeira de que se mataria quem inventou o trabalho. Na Bíblia Sagrada, o trabalho com o suor do rosto se deu como punição pelo pecado, de acordo com o capítulo 3, versículo 15 do livro de Gênesis (Gn 3.15), entretanto, já existia trabalho antes disso: Deus havia criado o mundo e descansado no sétimo dia e já havia entregue o Jardim do Éden a Adão para que este o cultivasse, conforme o mesmo livro de Gênesis (Gn 2.15). Em regra, não há quem queira estar desempregado, sem ser útil à sociedade com o fruto do seu labor ou sem ter uma ocupação que gere um descanso merecido, apesar dos “ossos do ofício” (“suor do rosto”).

O trabalho é, pois, direito assegurado constitucionalmente e regulamentado por outras normas. Como direito social, também é direito fundamental, e os direitos fundamentais no Estado Democrático de Direito foram constitucionalmente normatizados, tendo um status de interesse público fundamental (MAGALHÃES FILHO, 2004, p.106).

O artigo 1º da Constituição Federal de 1988 estabelece como fundamentos do Estado Democrático de Direito a soberania, a dignidade da pessoa humana, a cidadania e a livre iniciativa.

A dignidade da pessoa humana no ambiente laboral conduz à uma ideia de trabalho digno, livre de condições adversas, práticas discriminatórias ou fatores prejudiciais à saúde física. Tanto que as enfermidades não desobrigam mais o cumprimento de obrigações, como ocorria quando as relações trabalhistas eram regidas pelo Código Civil, sendo, por exemplo, a hanseníase e a tuberculose, causas dissolutivas ou suspensivas do contrato de locação de serviço há pouco tempo atrás. Sob a égide do Direito do Trabalho, a regra é a garantia do emprego e do salário mesmo sem a efetiva prestação de serviços (salário previdenciário) (COUTINHO, 2003, p.80).

Como se sabe, além da não discriminação dos enfermos, hoje incluindo também o alcóolatra (antes demitido por justa causa), a dignidade do trabalhador engloba múltiplos fatores como combate às práticas de assédio sexual ou moral no ambiente laboral, viabilização de condições ergonômicas de trabalho e de proteção da saúde do trabalhador, sendo esta última por eliminação ou redução do risco (através de equipamentos de proteção individual – EPI).

Por fim, conforme bem pontuou IBRAHIM (2015, p.635):

Em verdade, é certo que a evolução constante da sociedade, embora traga diversas vantagens, produz, igualmente, muitos malefícios, inclusive para a saúde do trabalhador. Daí não ser absurdo defender a inclusão de novos agentes nocivos, não necessariamente de ordem física, química e biológica, mas mesmo de ordem psicológica, agente típico das sociedades pós-modernas. Pessoalmente, acredito que ideal ainda é a busca de condições mais salubres de trabalho, mesmo frente a novos agentes nocivos, em conformidade com o princípio da dignidade da pessoa humana.

1.2 A exposição a agentes nocivos no ambiente de trabalho

Os agentes nocivos, de acordo com o INSS se classificam em: físicos, como o calor, as pressões anormais, as radiações ionizantes; químicos, que podem ser absorvidos pela via respiratória ou outras vias e se manifestam por poeiras, gases, vapores etc e biológicos, os microrganismos (IBRAHIM, 2015, p.628). Entretanto, esses agentes nocivos compõem listas exemplificativas, de acordo com a Súmula 198 do extinto TRF e com a jurisprudência dominante, estando inseridos em quatro anexos de quatro decretos principais: Decreto 53.831/64, Decreto 83.080/79, Decreto 2.172/97 e Decreto 3.048/99 (LADENTHIN, 2014).

Dessa forma, pode-se dizer que os agentes nocivos ensejadores da aposentadoria especial são definidos pelo Poder Executivo e podem ser classificados em qualitativos, quando sua nocividade é presumida, independente de mensuração, e quantitativos, quando tal nocividade é considerada pela ultrapassagem dos limites de tolerância ou doses (LEITÃO; MEIRINHO, 2015, p.410).

Ressalte-se, ainda, que até o advento da Lei nº 9.032/95, o enquadramento se dava pela categoria profissional ou pelo agente nocivo, Após essa lei, apenas pelo agente nocivo (LEITÃO; MEIRINHO, 2015, p.410), necessitando-se, então, a comprovação da exposição ao mesmo através do PPP (perfil profissiográfico previdenciário), o qual substituiu os demais formulários usados anteriormente – SB-40, DISES BE 5.235, DSS 8.030 E DIRBEN 8.030 (IBRAHIM, 2015, p.629), conforme constam na jurisprudência abaixo:

“PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. CONVERSÃO DE TEMPO ESPECIAL EM TEMPO COMUM. DECRETOS Nº 53.831/64 E 83.080/79. ATIVIDADES ENQUADRADAS COMO ESPECIAL. CONVERSÃO DO TEMPO ESPECIAL EM COMUM RECONHECIDA. TEMPO TOTAL SUFICIENTE PARA APOSENTADORIA INTEGRAL. REMESSA NECESSÁRIA DESPROVIDA.1. Deve ser observado o enquadramento do trabalho suportado pela parte autora como atividade exercida em condições especiais, de acordo com as regras previdenciárias vigentes à época do efetivo exercício da atividade.2. Até a edição da Lei nº 9.032/95, a comprovação do tempo de serviço prestado em atividade especial, poderia se dar de duas maneiras: a) pelo mero enquadramento em categoria profissional elencada como perigosa, insalubre ou penosa em rol expedido pelo Poder Executivo (Decretos 53.831/64 e 83.080/79); ou b) através da comprovação de efetiva exposição a agentes nocivos constantes do rol dos aludidos decretos, mediante quaisquer meios de prova.3.Para o período entre a publicação da Lei 9.032/95 (29/04/1995) e a expedição do Decreto 2.172/97 (05/03/1997), há necessidade de que a atividade tenha sido exercida com efetiva exposição a agentes nocivos, sendo a comprovação feita por meio dos formulários SB-40, DISES-BE 5235, DSS-8030 e DIRBEN 8030. Posteriormente ao Decreto 2.172/97, faz-se mister a apresentação de Laudo Técnico. 4. Comprovada pelo Autor a exposição ao agente nocivo sílica, de forma habitual e permanente pelo formulário apresentado DSS-8030, além de outros agentes nocivos, verificando-se o enquadramento da atividade nos Decretos nº 53.831/64 e 2.172/97.(…) (TRF -2ª R.-1ª T.– REO 0000101-39.2012.4.02.5104 RJ 2012.51.04.000101-5, Relator: Paulo Espírito Santo, Data de julgamento: 18/09/2014, 1ª Turma Especializada, Data de publicação: 03/10/2014).”

Exemplificando os agentes nocivos físicos, têm-se os ruídos acima de 85 decibéis, as vibrações, o calor e as radiações ionizantes. Os agentes químicos apresentam-se como rol exaustivo segundo o Decreto, porém existem inúmeros outros previstos na NR 15. Já os agentes biológicos estão relacionados a atividades determinadas pelo Decreto, restando tal rol em desconformidade com a NR 15. Observa-se que, ao longo do tempo, agentes foram retirados ou incluídos nas listas, mas ainda é possível pleitear a aposentadoria especial com base na exposição a agentes nocivos não arrolados, devido ao caráter exemplificativo dessas listas, e com base nas normas regulamentadoras da legislação trabalhista – NR, nas Normas de Higiene Ocupacional – NHO, bem como na Súmula nº 198 do extinto TRF (LADENTHIN, 2014, p.42) : “Atendidos os demais requisitos, é devida aposentadoria especial se perícia judicial constata que a atividade exercida pelo segurado é perigosa, insalubre ou penosa, mesmo não inscrita em Regulamento.”

1.3 Mecanismos de compensação do trabalhador sob condições adversas

Frente à realidade de que nem sempre se alcança a preservação da saúde no trabalho, apesar das garantias constitucionais do art. 6º da Constituição Federal, torna-se indispensável a busca por compensações, embora isto acabe por colocar a saúde em segundo plano (LADENTHIN, 2014, p.20).  

Nesse sentido, a NR 06 determina o uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI) pelos trabalhadores, cujo fornecimento deve ser gratuito pelos empregadores, cabendo também a estes a implementação do PPRA (Programa de Prevenção de Riscos Ambientais).

Outra medida, esta constitucional (Art. 7º, XXIII), são os adicionais de insalubridade, periculosidade ou penosidade ao trabalhador que exerça, respectivamente, atividade insalubre – prejudicial à saúde, segundo a NR 15 e a Portaria do Ministério do Trabalho nº 3.214/78, perigosa – com iminência de risco, ou penosa – trabalho árduo.

Por fim, após essas medidas afetas ao Direito do Trabalho, tem-se a instituição da aposentadoria especial, como uma forma de compensação previdenciária ao trabalhador que labora sob condições adversas, o qual pode se aposentar com redução do tempo normalmente exigido (LADENTHIN, 2014, p.20).

Segundo Ibrahim (2015, p.625), o referido benefício previdenciário é um dos mais complexos, sofrendo constantes alterações na legislação, algumas, inclusive, derrubadas pelo Judiciário. Ribeiro (2014, p.32) alerta ainda para a necessidade de  capacitação e valorização do servidor do INSS, a fim de que este possa realizar sua função de forma eficiente, evitando as atuais numerosas negativas de concessão de benefícios que, por sua vez, tem abarrotado o Judiciário com demandas previdenciárias.

Interessante fazer uma relação entre essa medida compensatória previdenciária com aquelas trabalhistas supracitadas. Por exemplo, ao se conceder a aposentadoria especial ao trabalhador que a ela faz jus, o empregador não se exonera da responsabilidade por desatendimento às regras de higiene e saúde no trabalho, dentre elas o fornecimento gratuito de EPI (IBRAHIM, 2015, p.625).

Concernente a um paralelo entre o direito aos adicionais já mencionados e direito à aposentadoria especial, frise-se que de acordo com o entendimento estatal, somente as condições insalubres poderiam ensejar a concessão daquela aposentadoria. Assim, a periculosidade e a penosidade só seriam consideradas especiais quando estivessem contempladas no rol do enquadramento por atividade, o qual vigorou até 1995 (IBRAHIM, 2015, p.634,635).

Entretanto, há fundamentos constitucionais, legais, jurisprudenciais e doutrinários para se pleitear a aposentadoria especial do trabalhador submetido à determinada condição perigosa ou penosa (LADENTHIN, 2014, p.76). Segundo Ibrahim (2015, p.635), a consideração da atividade perigosa no conceito de aposentadoria especial encontra-se indiretamente prevista no reconhecimento do risco de contaminação inerente aos agentes biológicos.

2 O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DA APOSENTADORIA ESPECIAL

O benefício previdenciário objeto do presente estudo tem sua existência amparada em uma ressalva constitucional à vedação da adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do RGPS, conforme disposto no art. 201, § 1º da CF/88:

“É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar.”

Dessa forma, o tratamento diferenciado do trabalhador que labora sob condições especiais não ofende o princípio constitucional da isonomia, enquanto atende a critério razoável e tutela o bem jurídico da saúde em sentido amplo, justificando a aposentadoria em menor tempo (LEITÃO; MEIRINHO, 2015, p. 405).

2.1 Natureza jurídica e valor do benefício

A natureza jurídica da aposentadoria especial é controversa. Alguns a consideram espécie do gênero aposentadoria por tempo de contribuição, sendo qualificada pela nocividade da atividade especial (sob agentes nocivos), outros defendem que o referido benefício se trata de uma aposentadoria por invalidez antecipada, já que a aposentação se dá antes da incapacidade (IBRAHIM, 2015, p. 626).

Entretanto, a aposentadoria especial se diferencia da aposentadoria por tempo de contribuição em vários pontos: os critérios diferentes de tempo de trabalho exigidos (número de anos, diferença ou não entre os sexos masculino e feminino), os sujeitos envolvidos, a aplicação ou não do fator previdenciário, além de serem benefícios alocados em seções diferentes do texto constitucional (LADENTHIN, 2014, p.24).

De igual modo, a aposentadoria especial guarda diferenças daquela por invalidez: na aposentadoria especial não há invalidez e o segurado poderá laborar em outra atividade que não seja especial, o que aponta para um caráter preventivo da especial, em contraste com o caráter reparador da aposentadoria por invalidez (LADENTHIN, 2014, p.26).

Finalmente, Ladenthin (2014, p. 26) e Ibrahim (2015, p. 626) defendem que a aposentadoria especial é um benefício autônomo, uma nova espécie de aposentadoria, com suas próprias características, sendo o valor do benefício equivalente a 100% do salário de benefício, sem incidência do fator previdenciário e respeitando-se os limites mínimo e máximo constantes no art. 33 da Lei 8213/91.

2.2 Requisitos

Os requisitos legais estão dispostos na Lei 8.213/91, art. 57, caput: “A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei.” (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)

Após a promulgação da Lei 8213/91, a regra para as aposentadorias do RGPS é a carência de 180 contribuições mensais. Para quem já estava no sistema previdenciário quando do advento da referida lei, a carência é determinada por regra de transição, conforme art. 142 (LEITÃO; MEIRINHO, 2015, p. 408).

Apesar da legislação de regência não fazer restrições quanto aos tipos de segurados do RGPS, o Decreto 3.048/99, em seu art. 64, dispõe que a aposentadoria especial é devida somente ao segurado empregado, trabalhador avulso e contribuinte individual filiado a cooperativa de trabalho ou de produção. Tal limitação se baseou em uma correspondência direta entre financiamento e proteção, tendo em vista que esse benefício é custeado por contribuição específica, prevista no art. 57, § 6º, da Lei 8213/91 e no art. 1º, §§ 1º e 2º da Lei 10.666/2003.

Tal restrição, entretanto, foi combatida pela TNU sob o argumento de que atos administrativos não podem estabelecer restrições não previstas em Lei. (Pedido n. 200970520004390, DOU 9-3-2012), o deu origem à Súmula 62 da TNU: “o segurado contribuinte individual pode obter reconhecimento da atividade especial para fins previdenciários, desde que consiga comprovar exposição a agentes nocivos à saúde ou à integridade física” (LEITÃO; MEIRINHO, 2015, p.407).

Quanto ao requisito referente à atividade especial, urge ressaltar que as atividades devem ser qualificadas ou não como especiais de acordo com a legislação vigente à época em que foram exercidas, por força do princípio tempus regit actum. Até o advento da Lei 9.032/95, as atividades especiais listadas como tal gozavam de presunção absoluta de exposição a agentes nocivos. Posteriormente à edição desse diploma legal, tal exposição passou a exigir comprovação (AgRg no REsp 877.972/SP), sendo a relação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física definida pelo Poder Executivo, conforme art. 58 da Lei 8.213/91 (LEITÃO; MEIRINHO, 2015, p.410).

A mencionada comprovação foi feita de diferentes modos, através de documentos e formulários, sendo o PPP, Perfil Profissiográfico Previdenciário, o meio atual aceito pelo INSS.

Ainda quanto a esse último requisito, a Lei 8.213/91 e o Decreto 3.048/99 dispõem que o trabalho sob exposição de agentes nocivos deve ser permanente, não ocasional e não intermitente. Tais adjetivos se resumiram em apenas um: “permanente”, e tal permanência não significaria exposição ao agente nocivo durante toda a jornada de trabalho, mas ao fato de que o trabalhador estaria obrigatoriamente exposto a ele por força do seu trabalho. Tal conceito ficou mais claro com o Decreto 4.882/03 (LADENTHIN, 2014, p. 102).

2.3 Evolução histórica

Como se sabe a idade não é requisito para a concessão do benefício previdenciário da aposentadoria especial, porém, nem sempre foi assim.

Na instituição desse benefício, pela Lei 3.807/60 (LOPS), houve a exigência adicional de limite mínimo de idade de cinquenta anos, sendo tal requisito suprimido desde o advento da Lei 5.440/68, a qual também ampliou demais as possibilidades de concessão do benefício, sendo necessária a moralização do mesmo, o que se deu com a Lei 9.032/95, que adotou critérios mais técnicos para concessão dessa aposentadoria (IBRAHIM, 2015, p. 626). Frise-se, ainda, que o status constitucional do benefício se deu com a Carta Magna de 1988.

Ao longo do tempo, o benefício da aposentadoria especial sofreu mudanças na legislação e nos decretos com relação aos requisitos para sua concessão, os meios de comprovação da atividade especial aceitos pelo INSS e o enquadramento dos agentes considerados nocivos. Como exemplos deste último, podem-se citar as modificações no nível do ruído a ser considerado especial e a aceitação da presunção de nocividade de agentes cancerígenos.

Sabe-se que, nos dias atuais, a concessão do benefício pelo INSS (via administrativa) depende, desde o advento da Lei 9.032/95, de comprovação de exercício de atividade especial, sendo possível, entretanto, o enquadramento por categoria profissional até 28.04.1995, data da publicação daquela lei (LADENTHIN; MASOTTI, 2014, p.37).

Os agentes considerados nocivos pelo INSS precisam constar nas listas dos decretos em vigor para fins de concessão da aposentadoria especial.  Todavia, tais listas têm sido consideradas exemplificativas pela jurisprudência, de tal forma que, havendo uma exposição a agente nocivo, não definido nos decretos como tal, torna-se possível comprovar a existência desse agente, e pleitear o benefício judicialmente com êxito (LADENTHIN, 2014, p.154).

Assim, tenta-se dar tratamento isonômico a trabalhadores sujeitos à nocividade, seja por agentes das listas dos decretos, seja por agente constante de NR (Norma Regulamentadora) ou ainda por agente ergonômico ou psicológico. Sobre este último, Brait (2015, p.91) conclui: (…) “haja vista o decreto afrontar o princípio da isonomia, visto que faz diferenças entre obreiros que muitas vezes estão em situações parecidas, ou até mesmo têm sua saúde prejudicada, seu físico e/ou seu psicológico abalado, vindo a não ser amparado como deveria, porque o INSS se pauta por este anexo (que somente contém atividades insalubres), deixando a grande maioria dos trabalhadores/segurados desamparados. Algo inexplicável – visto se tratar de um órgão do governo que está responsável pela ‘Seguridade Social’, ou seja, pela proteção à saúde do trabalhador.”

2.4 Formas de cessação do benefício

 A cessação do benefício se dá de dois modos: pelo óbito do titular, podendo ser instituída pensão por morte para os dependentes do segurado, e pela continuação ou retorno ao exercício de atividade especial, ou seja, sujeita à exposição dos agentes nocivos.          

Cabem algumas considerações quanto à segunda hipótese mencionada. Em primeiro lugar, ela ocorre devido à disposição do art. 57, § 8º da Lei 8.213/91 que determina seja aplicado o previsto no art. 46 para aposentadoria por invalidez ao beneficiário da aposentadoria especial que exerça atividade especial, não havendo qualquer restrição, entretanto, para o trabalho especial daquele que converteu tempo especial em comum para concessão, e em gozo, de aposentadoria por tempo de contribuição ou para beneficiário da aposentadoria especial que exerça atividade não especial (LEITÃO; MEIRINHO, 2015, p.423).

Em segundo lugar, Ibrahim (2015, p.634) lembra que o segurado pode se manter na atividade especial enquanto não obtém a concessão do benefício da aposentadoria especial, sem prejuízo da percepção dos valores devidos de acordo com as regras legais, devendo, então, afastar-se da atividade sob exposição de agentes nocivos, conforme Parecer nº 25/2010/PFE-INSS/CGMBEN).

Em terceiro lugar, Ladenthin (2014, p.25) ainda chama a atenção para o termo “cancelamento” usado na carta de concessão do benefício pelo INSS, visto que um benefício concedido regularmente não poderia ser cancelado, mas, sim, suspenso, caso o segurado continuasse na mesma atividade; bem como para a discussão sobre a inconstitucionalidade do art. 57, § 8º da Lei 8.213/91. Esse cenário, por sua vez, dá início ao próximo capítulo.

3 O BENEFICIÁRIO DA APOSENTADORIA ESPECIAL E A CONTINUAÇÃO OU O RETORNO À ATIVIDADE SOB EXPOSIÇÃO A AGENTES NOCIVOS

Como já foi dito, a aposentadoria especial vem sofrendo alterações ao longo do tempo, de forma que há, atualmente, controvérsia acerca da obrigatoriedade de desligamento da atividade sob exposição dos agentes nocivos ensejadores da concessão do benefício, sob pena de cancelamento ou suspensão do mesmo. Tal discussão chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), sendo configurada a repercussão geral do tema (minhas palavras). Cabe, pois, a análise de algumas considerações sobre a matéria.

3.1 Do momento do desligamento da atividade especial

Na vigência do Decreto 89.312/84 (arts. 35, § 1º e 32, § 1º, I), era necessária a comprovação do desligamento prévio do emprego do segurado empregado para a concessão da aposentadoria especial na via administrativa, sendo tal disposição considerada correta pela jurisprudência (RIBEIRO, 2014, p. 567).

Posteriormente, conforme Ribeiro (2014, p. 568), a Medida Provisória 729/1998 convertida na Lei 9.732/98, alterou a Lei 8.213/91 (art. 57,§ 8º), determinando que se aplique o art. 46, referente ao cancelamento automático da aposentadoria por invalidez, ao beneficiário de aposentadoria especial que persista em laborar sob os agentes nocivos ensejadores da concessão de aposentadoria especial, os quais são determinados pelo Poder Executivo.

Assim, a concessão da aposentadoria por invalidez, onde há incapacidade total e definitiva, impede o segurado de laborar, sob pena do cancelamento automático do benefício. Já na aposentadoria especial, esse cancelamento só seria aplicável em caso de continuação do exercício em atividade especial, sendo permitido o trabalho comum, não se exigindo desligamento prévio do emprego, como na vigência da CLPS/84.

Mais tarde, tal disposição sobre o não desligamento prévio foi também explicitado administrativamente, confirmando que o segurado pode se manter na atividade especial enquanto não obtém a concessão do benefício da aposentadoria especial, sem prejuízo da percepção dos valores devidos de acordo com as regras legais, devendo, então, afastar-se da atividade sob exposição de agentes nocivos, conforme Parecer nº 25/2010/PFE-INSS/CGMBEN (IBRAHIM, 2015, p. 634).

Estendendo ainda esse raciocínio sobre a não necessidade de desligamento prévio, Ribeiro (2014, p. 568) tem como oportuna questão a ser consolidada na jurisprudência sobre a possibilidade do segurado permanecer em sua atividade na hipótese de antecipação de tutela que lhe concede o benefício em tela, o que se justificaria pelo caráter provisório da tutela antecipada.

Quanto ao cancelamento automático, previsto no art. 57, § 8º da lei 8.213/91 (por força da Lei 9.732/98), o INSS optou por notificação prévia do segurado, conforme Decreto 8.123/2013 que alterou o Decreto 3.048/99 no que se refere à aposentadoria especial, como bem destaca Ribeiro, 2014, p. 568. Segue a redação do Art. 69, § único do Decreto 3.048 :

“O segurado que retornar ao exercício de atividade ou operação que sujeite aos riscos e agentes nocivos constantes do anexo IV, ou nele permanecer, na mesma ou em outra empresa, qualquer que seja a forma de prestação do serviço ou categoria de segurado, será imediatamente notificado da cessação do pagamento de sua aposentadoria especial, no prazo de sessenta dias contado da data da emissão da notificação, salvo comprovação, nesse prazo, de que o exercício dessa atividade ou operação foi encerrado.”

Em resumo, atualmente, para concessão do benefício da aposentadoria especial na via administrativa, não se exige mais o desligamento prévio do segurado de sua atividade e, uma vez concedido o benefício e frente à continuação do exercício de labor especial, o cancelamento previsto na lei não se dará automaticamente, pois o INSS optou por notificar o beneficiário previamente, dando-lhe o prazo de sessenta dias para se deligar do trabalho e comprovar tal afastamento junto ao INSS.

3.2 Da defesa da obrigatoriedade do afastamento do beneficiário da aposentadoria especial da atividade considerada especial

O INSS entende por tal obrigatoriedade devido a vários fatores, inclusive alegados em sede de Recurso Extraordinário: sustenta a constitucionalidade do § 8º do art. 57 da Lei 8.213/91, pois a regra em questão não viola o princípio da liberdade de ofício ou profissão e, sim, corrige a desigualdade que a inexistência do dispositivo ocasionaria; aduz que a adequação técnica, conferida pela concessão do benefício, em caráter substitutivo da renda obtida por labor com presunção de perda progressiva de capacidade, perderia o sentido, transformando-se em privilégio descabido frente aos outros trabalhadores em atividades comuns, já que o beneficiário, aposentado mais cedo, não teria que fazer a opção entre a percepção da aposentadoria especial e a continuidade da atividade sob agentes nocivos; ressalta o objetivo e a razoabilidade desse benefício para a preservação da saúde do trabalhador; ainda alega que o não afastamento causaria prejuízos à Previdência Social, fragilizando o sistema de seguridade pública (RE 788092 RG/SC)

Corroborando com o entendimento do INSS, a Procuradoria Geral da República (PGR) salienta em seu parecer, nos autos do Recurso Extraordinário mencionado, o direito à saúde, constante no art. 6º da Constituição Federal de 1988, em especial à saúde do trabalhador (art. 7º, XXII, da Carta Magna), que revela a preocupação do constituinte em proteger o trabalhador.

Explica a PGR em seu parecer, que a civilização atual acaba por não permitir uma proteção ideal desse sujeito, existindo, por exemplo, o trabalho extraordinário, noturno, perigoso, insalubre ou penoso, todavia, o constituinte previu adicionais para tais excepcionalidades. Então, da mesma forma que a lei limita as horas extras, a lei também pode dispor sobre critérios diferenciados para a aposentadoria especial, como dispõe o texto constitucional, sendo a restrição à continuidade da atividade especial um meio de proteger a saúde do trabalhador.

Ressalta ainda que o rol de direitos constitucionais do trabalhador não é taxativo, pois a Constituição Federal prevê “outros que visem à melhoria de sua condição social”.

Por fim, a PGR defende que a discutida medida põe em rota de colisão os direitos constitucionais da liberdade de profissão e da saúde, devendo ser analisados à luz do princípio da proporcionalidade, concluindo que a medida atende aos desdobramentos desse princípio, quais sejam: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito (Manifestação no RE 788.092/SC  – PARECER Nº 18382/2015 – ASJCIV/SAJ/PGR).

Ainda em conformidade com o entendimento esposado até então, Ladenthin (2014, p. 308) assevera:

“É louvável a preocupação do INSS que entende pelo não retorno do segurado ao trabalho nocivo, pois, como estamos falando de direito à saúde, a continuidade no ambiente prejudicial não é um problema exclusivo do trabalhador e sim de toda a sociedade. Custará mais caro para a saúde pública cuidar desses trabalhadores, que inexoravelmente ficarão com a saúde comprometida. É claro que precisarão dos recursos do Estado para tratamento”.

3.3 Da declaração de inconstitucionalidade do art. 67, § 8º da lei 8213 pelo TRF da 4ª região e do reconhecimento da repercussão geral da matéria pelo STF

Em ação previdenciária movida por segurado em face do INSS, o juízo de 1ª instância deu provimento parcial aos pedidos autorais. Irresignado, o INSS recorreu ao TRF e a 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região negou provimento à remessa oficial e à apelação da referida autarquia federal, inclusive, mencionando a declaração de inconstitucionalidade, por aquela Corte, do art. 57, § 8º da Lei 9.213/91, o que ensejou a oposição de embargos de declaração pelo INSS, recurso esse também desprovido. Por fim, essa autarquia interpôs Recurso Extraordinário, no qual não houve contrarrazões, tendo sido aceitos amici curiae e tendo os autos sido enviados para parecer da PGR, que entendeu pela constitucionalidade do art. 57, § 8º da Lei 8.213/91.

Então, o Ministro Relator Dias Tóffoli se pronunciou pela configuração da repercussão geral da matéria, visto que a questão extrapola os interesses subjetivos das partes e o seu julgamento poderá solucionar inúmeros outros conflitos (Repercussão Geral no Recurso Extraordinário 788.092 Santa Catarina).

A referida declaração de inconstitucionalidade do § 8º do art. 57 da Lei 8213/91 deu-se na Arguição de Inconstitucionalidade 5001401-77.2012.404.0000/TRF, com acórdão datado de 24.05.2012 e processo já transitado em julgado. A 5ª Turma do TRF da 4ª Região assim entendeu, por maioria:

 

“PREVIDENCIÁRIO. CONSTITUCIONAL. ARGUIÇÃO DE INCONSTUCIONALIDADE. § 8º DO ARTIGO 57 DA LEI Nº 8.213/91. APOSENTADORIA ESPECIAL. VEDAÇÃO DE PERCEPÇÃO POR TRABALHADOR QUE CONTINUA NA ATIVA, DESEMPENHANDO ATIVIDADE EM CONDIÇÕES ESPECIAIS. 1. Comprovado o exercício de atividade especial por mais de 25 anos, o segurado faz jus à concessão da aposentadoria especial, nos termos do artigo 57 e § 1º da Lei 8.213, de 24-07-1991, observado, ainda, o disposto no art. 18, I, ‘d’ c/c 29, II, da LB, a contar da data do requerimento administrativo. 2. O § 8º do artigo 57 da Lei nº 8.213/91 veda a percepção de aposentadoria especial por parte do trabalhador que continuar exercendo atividade especial. 3. A restrição à continuidade do desempenho da atividade por parte do trabalhador que obtém aposentadoria especial cerceia, sem que haja autorização constitucional para tanto (pois a constituição somente permite restrição relacionada à qualificação profissional), o desempenho de atividade profissional, e veda o acesso à previdência social ao segurado que implementou os requisitos estabelecidos na legislação de regência.4. A regra em questão não possui caráter protetivo, pois não veda o trabalho especial, ou mesmo sua continuidade, impedindo apenas o pagamento da aposentadoria. Nada obsta que o segurado permaneça trabalhando em atividades que impliquem exposição a agentes nocivos sem requerer aposentadoria especial; ou que aguarde para se aposentar por tempo de contribuição, a fim de poder cumular o benefício com a remuneração da atividade, caso mantenha o vínculo; como nada impede que se aposentando sem a consideração do tempo especial, peça, quando do afastamento definitivo do trabalho, a conversão da aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial. A regra, portanto, não tem por escopo a proteção do trabalhador, ostentando mero caráter fiscal e cerceando de forma indevida o desempenho de atividade profissional. 5. A interpretação conforme a constituição não tem cabimento quando conduz a entendimento que contrarie sentido expresso da lei. 6. Reconhecimento da inconstitucionalidade do § 8º do artigo 57 da Lei nº 8.213/91.”

Dessa forma, o TRF da 4ª Região desconstitui a tese de que o afastamento do trabalho especial teria caráter protetivo, pois se assim o fosse, o segurado não poderia optar por não se aposentar e continuar laborando na sua profissão. Assim, a regra teria caráter meramente fiscal e cercearia o direito constitucional do livre exercício de profissão.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De todo o exposto, extrai-se, em apertada síntese, a necessidade de ponderação entre o direito à saúde e o direito ao livre exercício da profissão e, caso prevaleça o segundo direito mencionado, a análise de um prejuízo social em detrimento de um privilégio individual.

Instigante o tema, de interesse social, de repercussão geral e de importância na elucidação do mesmo para a economia processual. No aguardo do julgamento do STF, na iminência de se contemplar o entendimento da Suprema Corte, expõe-se a conclusão do presente estudo, citando-se primeiramente Ávila (2005, p.131):

“O postulado da razoabilidade aplica-se, primeiro, como diretriz que exige a relação das normas gerais com as individualidades do caso concreto, quer mostrando sob qual perspectiva a norma deve ser aplicada, quer indicando em quais hipóteses o caso individual, em virtude de suas especificidades, deixa de se enquadrar na norma geral.”

Observa-se que o trabalho especial, além de sua nocividade, exibe também uma qualificação do trabalhador, não sendo, normalmente, exercido por qualquer um. Nesse sentido, ao se capacitar para aquela profissão e ao desenvolvê-la por muitos anos, o empregado ou profissional liberal que a exerce adquire um certo status social, sendo reconhecida a importância de seu trabalho, a relevância  de sua carreira para a sociedade.

Some-se a isso, o fato de que o referido trabalhador, segurado da Previdência Social, não precisa estar incapacitado para seu labor à época em que faz jus à aposentadoria especial. Esta lhe é devida pelo ônus que suportou ao abraçar uma profissão que, embora lhe trazendo riscos pessoais, era necessária ao desenvolvimento de toda a sociedade.

Frise-se que a Constituição Federal de 1988 dispõe sobre o direito fundamental à saúde, mas não obriga o indivíduo a se submeter a tratamento médico, farmacológico ou cirúrgico. Além disso, a saúde envolve vários aspectos do ser humano, não somente o físico, mas o mental e o psicológico, e até o espiritual, segundo alguns estudiosos.

Logo, o reconhecimento e a compensação do trabalho sob agente nocivo do segurado, através da concessão de aposentadoria especial, não deveriam se associar ao peso de uma punição caso ele continue a exercer sua profissão. Seria como obrigar o indivíduo a se submeter a um tratamento médico, no caso, uma ordem de afastamento compulsório do trabalho, desconsiderando os efeitos colaterais dessa medida sobre sua saúde geral e sua dignidade.

Ressalte-se a importância do trabalho, do emprego, da carreira, da profissão para o indivíduo. O labor sob agente nocivo exercido por profissional qualificado lhe traz, apesar dos riscos, satisfação pessoal de estar contribuindo para o desenvolvimento econômico e o reconhecimento social, este, inclusive, através de uma aposentadoria especial. O bônus deste benefício não deve subtrair-lhe o direito de continuar exercendo o trabalho que tão bem sabe realizar, cujo exercício é reconhecido pela sociedade e por seus pares, e cuja remuneração lhe é mais favorável do que o exercício de labor comum. Do contrário, a aposentadoria especial não seria um privilégio, mas um ônus a mais a ser suportado por esse trabalhador.

Por fim, revela-se descabido o argumento de que a continuidade do trabalho por beneficiário da aposentadoria especial gere prejuízo à Previdência Social, pois ao continuar laborando, esse aposentado permanece contribuindo para o RGPS, inclusive pelo princípio da solidariedade.

Conclui-se que parece muito acertada a declaração de inconstitucionalidade do § 8º, do art. 57, da Lei 8.213/91 pela 5ª Turma do TRF – 4ª Região, bem como não se justifica a disposição do referido parágrafo à luz do princípio da razoabilidade.

 

Referências
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BRASIL. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 jul. 1991. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8213cons.htm. Acesso em 24 de dezembro de 2015.
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BRASIL. Tribunal Regional Federal – 2ª Região. Arguição de Inconstitucionalidade nº 5001401-77.2012.404.0000/TRF, Relator: Desembargador. Federal Ricardo Teixeira Do Valle Pereira, 5ª Turma, Julgamento: 24.05.2012, Disponível em:  <https://previdenciarista.com/decisoes-previdenciarias/trf4-previdenciario-atividade-especial-dentista-concessao-de-aposentadoria-especial-data-de-inicio-exercicio-de-atividade-especial-posterior-a-implantacao-da-aposentadoria-especial-possibilidad/> Acesso em: 27 de março de 2016.
BRASIL. Tribunal Regional Federal – 2ª Região. Remessa ex officio nº 0000101-39.2012.4.02.5104 RJ 201251040001015 Relator: Desembargador Federal Paulo Espírito Santo, Primeira Turma Especializada, Julgamento: 18/09/2014, Diário Eletrônico da Justiça Federal da 2ª Região, Rio de Janeiro, RJ, Publicação: 03/10/2014, Disponível em: <http://portal.trf2.jus.br/portal/consulta/resconsproc.asp>. Acesso em: 22 de dezembro de 2015.
COUTINHO, Maria Luiza Pinheiro. Discriminação na Relação de Trabalho – Uma afronta ao princípio da igualdade. Rio de Janeiro: AIDE Editora, 2003.
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RIBEIRO, Maria Helena Carreira Alvim. Aposentadoria Especial. 7. ed. Curitiba: Juruá, 2014.
 
Notas
[1] Trabalho orientado pelo Profa. Viviane Masotti – Advogada. Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Doutoranda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professora da Rede de Ensino LFG.   


Informações Sobre o Autor

Geisa Maria Magalhães Barbosa

Advogada. Conciliadora da Justiça Federal do Ceará. Especialista em Direito Previdenciário pela Rede LFG/Universidade Anhanguera-Uniderp. Pós-graduanda em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Rede LFG/Universidade Anhanguera-Uniderp. Graduada e pós-graduada em Odontologia pela Universidade Federal do Ceará UFC


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