A prática do insider trading sob a perspectiva da criminologia crítica

Resumo: O presente estudo trata dos famosos crimes de colarinho branco, com foco nos crimes financeiros cometidos dentro do mercado mobiliário, especialmente na prática de insider trading. O objetivo é apresentar estes delitos sob a perspectiva da teoria da criminologia crítica, mostrando um panorama histórico de como eles são aceitos pela sociedade até os dias atuais. Esta pesquisa procura explorar a realidade brasileira para interpretar determinados comportamentos sociais e compreender porque tais crimes, com potencial tão lesivo – vez que afetam a sociedade como um todo, diminuindo a confiança dos investidores, do público em geral e a integridade do mercado de capitais – são menos perseguidos pela justiça, fazendo uma análise geral dos casos em que pessoas de elevado status social cometeram crimes e não foram punidas de forma efetiva, enfatizando, que, embora haja previsão de punição adequada a essas práticas, a impunidade ainda é marcante neste campo criminal.*

Palavras-chave: Crimes de colarinho branco. Insider trading. Criminologia crítica. Impunidade.

Abstract: The present study deals with the famous white-collar crimes, focusing on financial crimes committed within the real estate, especially in the practice of insider trading. The purpose is to present these crimes from the perspective of critical criminology theory, showing a historical overview of how they are accepted by society to the present day. This research seeks to explore the Brazilian reality to interpret certain social behaviors and to understand why such crimes, with so damaging potential – as they affect society as a whole, diminishing the confidence of investors, the general public and the integrity of the real estate – are less persecuted by justice, making a general analysis of cases in which people of high social status committed crimes and were not punished effectively, emphasizing that, although there is adequate punishment for such practices, impunity is still marked in this field criminal.

Keywords: White-collar crimes. Insider trading. Criminology Critical. Impunity.

Sumário: 1. Introdução. 2. Insider trading. 3. Prejuízos causados pelo insider trading. 4. punição ao insider trading no Brasil. 5. Conclusão. Referências.

1.Introdução

Em 1939, o sociólogo estadunidense, Edwin Sutherland, pertencente à chamada Escola de Chicago, que deu origem à primeira teoria sociológica do delito, cunhou o termo White Collar Crime, ou crime do colarinho branco, definindo-o como um crime cometido por uma pessoa de respeitabilidade e elevado status social no exercício da sua profissão.

Os crimes financeiros são uma subespécie do chamado crime de colarinho branco. Segundo Poggio e Fabretti (2016), a ideia de que a sociedade sempre foi intrinsecamente criminosa veio a reforçar-se com a teoria do White Collar Crime, elaborada por Edwin Sutherland, a qual invalidou a tradicional visão de que o crime seria exclusivo das classes sociais mais baixas, e, tornou evidente que o progresso da criminologia exigiria a ampliação do número das variáveis relacionadas com a verificação das causas do delito.

Segundo Sutherland (2015), o crime era aprendido como todo e qualquer comportamento social, através da associação diferencial, isto é, pessoas das classes altas – white collars – associavam-se com outras  de sua classe e aprendiam com elas condutas criminais típicas destas camadas sociais, como fraude tributária, sonegação de impostos, falsificação de balanços etc.

O criminólogo Alessandro Baratta (2002) destaca, em seu  artigo sobre a criminalidade de colarinho branco, que Sutherland mostrou, com apoio de dados extraídos das estatísticas de vários órgãos americanos competentes, quão impressionante eram as infrações a normas gerais realizadas neste setor por pessoas colocadas em posição de prestígio social. A pesquisa feita por Sutherland, trazida em seu livro lançado em 1949, congregava dados recolhidos durante 17 anos sobre as práticas criminosas realizadas pelas 70 maiores empresas dos Estados Unidos, concluindo rigorosamente que todas só haviam chegado a esse nível de poder econômico pela prática reiterada de crimes, e mostrando que estas grandes empresas reproduziam o discurso em defesa da livre concorrência e da livre iniciativa, enquanto suas práticas rotineiras visavam justamente o contrário. São descritos, no livro do Baratta, inúmeros crimes nesse sentido, confirmando o fato de que o mercado oculta em si uma ética não declarada e não tende naturalmente a uma autorregulação.

Ainda segundo este prestigiado criminólogo contemporâneo, as proporções da criminalidade de colarinho branco provavelmente aumentaram desde que Sutherland escreveu seu artigo. Elas correspondem a um fenômeno criminoso característico não só dos Estados Unidos da América, mas de todas as sociedades de capitalismo avançado. Ele destaca que a criminalidade de colarinho branco, mesmo sendo abstratamente prevista pela lei penal, é, de fato, pouco perseguida.

Conforme Sutherland (2015), a regulação diferenciada da lei, tal como ocorre com as normas direcionadas às grandes empresas, pode ser explicada por três fatores: a sociedade respeita o status de homem de negócios; acredita que estas pessoas bem-sucedidas não tendem a se relacionar com crimes, estando, portanto, longe de punições; e, por fim, porque há pouca comoção expressiva, como repulsa pública contra estes crimes de colarinho branco.

Os métodos usados na concretização de qualquer lei são uma adaptação às características dos prováveis violadores da norma, conforme a avaliação dos agentes dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. A avaliação sobre os empresários, que são os prováveis violadores das leis em questão, inclui uma combinação de medo e admiração. Aqueles que são responsáveis pelo sistema de justiça criminal têm medo de enfrentá-los, e terem como consequência, uma redução da arrecadação de dinheiro para futuras campanhas eleitorais. A homogeneidade cultural dos legisladores, juízes e agentes do Executivo tem enorme relevância, uma vez que deixam, muitas vezes, passar despercebido violações a normas deste tipo por respeitarem e admirarem os homens de negócios, não os concebendo como criminosos.

Sutherland (2015) concluiu que os empresários costumam sentir e expressar desprezo pela lei, pelo governo e por seus funcionários, consideram como bisbilhoteiros o aparato governamental, os políticos, os burocratas e as pessoas autorizadas a investigar práticas comerciais. Portanto, crimes de colarinho branco não são apenas deliberados, mas, também, organizados.

2. Insider trading

De acordo com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) (2016), no mercado de capitais brasileiro, a regra é que todas as informações relevantes relativas ao emissor devem ser disponibilizadas a todo o público ao mesmo tempo, devendo serem verdadeiras e claras. As companhias devem divulgar tais informações seguindo os procedimentos determinados pela Instrução CVM 358/02.

O uso indevido de informação privilegiada para obtenção de vantagens nas negociações de valores mobiliários é chamado de insider trading, prática conhecida entre os investidores, a qual está ligada a duas proibições: realizar negociações de posse de informação material que não é pública e revelar essa informação a terceiros.

Tais informações normalmente são obtidas em decorrência da ligação direta entre um agente de mercado e as decisões estratégicas das corporações. São executivos que vendem/compram ações dias antes do anúncio de uma operação relevante, consultores externos que possuem acesso às informações privilegiadas, contatos de relacionamento pessoal dos empresários etc.

Trata-se de tática detectável por aqueles que acompanham a oscilação da Bolsa de Valores, basta identificar movimentação estranha de ações em dias que antecederam alguma notícia relacionada à empresa.

Sutherland (2015) mostrou que a prática do crime é bastante antiga no cenário empresarial. No início do século XX, Havenmeyer, presidente da American Sugar Refining Company, relatou ter comprado grandes quantidades de açúcar em sua conta pessoal, pouco antes da promulgação da lei tarifária sobre a qual ele vinha trabalhando. Ele guardou o açúcar até que o preço subisse e, em seguida, vendeu para a própria empresa com um lucro considerável. Muitos incidentes semelhantes foram relatados na indústria do aço na virada do século XIX para o XX (anos 1900).

De acordo com Rebouças (2017), a questão da punição ao insider (investidor) e suas consequências maléficas na bolsa de valores foi colocada na ordem do dia, depois que uma matéria de capa da “Revista Exame” apontou que a prática de insider trading é moeda corrente no mercado brasileiro e supera em número e grau o que se observa em outros mercados.

Segundo essa reportagem (Bronzatto, 2017), o número de problemas detectados é significativo. Somente em 2013, o sistema detectou 91.000 indícios de irregularidades na bolsa. Praticamente a cada minuto de pregão algo suspeito acontece, indicando que a prática do insider trading é mais comum do que se imagina.

A revista destaca que, de acordo com um levantamento, no Brasil, os indícios de insider estão por todos os lados. Em 14 das 31 aquisições realizadas por empresas abertas brasileiras em 2013, as ações de pelo menos uma das companhias envolvidas foram negociadas de forma atípica antes de a operação se tornar pública. Pesquisa semelhante da Escola de Negócios Insper concluiu que há indícios de que 33% das fusões e aquisições envolvendo companhias abertas de janeiro de 2003 a março de 2007 tenham vazado para o mercado.

Segundo estudo de Martins, Paulo e Albuquerque (2013), que tinha o objetivo de investigar a possibilidade de negociação com informação privilegiada no mercado acionário da BM&FBOVESPA, foram analisadas 198 ações durante o ano de 2011, e constatado que há 22,9% de probabilidade de terem ocorrido negociações com informação privilegiada. Tais dados indicam, portanto, que o uso indevido de informações privilegiadas é algo comum no mercado financeiro brasileiro e que, apesar de configurar crime financeiro, cujo bem jurídico tutelado é a confiança imperativa no mercado de valores mobiliários, tipificado no artigo 27-D da Lei de n° 6.385/76, tem-se observado que a impunidade reina em relação à referida prática.

3. Prejuízos causados pelo insider trading

Segundo Sutherland (2015), crimes de colarinho branco violam a confiança fazendo com que diminua a moralidade social e produza desorganização em larga escala. Crimes comuns, por outro lado, produzem pouco efeito nas instituições e organizações sociais.

Segundo a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) (2017), o uso indevido de informações privilegiadas afeta a confiança dos investidores, do público em geral e a integridade do mercado de capitais. Rebouças (2017) destaca uma enquete feita pela Associação dos Investidores no Mercado de Capitais (AMEC), que perguntou a investidores estrangeiros qual era a maior fraqueza da governança corporativa no mercado brasileiro, o resultado foi sugestivo: 25% dos entrevistados responderam que era o insider trading. Segundo Mauro Cunha, presidente da AMEC, a percepção é de que essa prática constitui um problema presente, mas que nunca foi de fato alçado ao status de prioridade devido a vários fatores, como a dificuldade de identificação do problema, o sentimento de que não há nada que um participante isoladamente possa fazer, e, ainda, certo formalismo na tradição jurídica. “Nossa lei é altamente restritiva sobre quem pode de fato ser preso por insider trading”, diz ele.

No mesmo sentido, a reportagem da revista EXAME (Bronzatto, 2017) traz a opinião de Eugene Fama, economista da Universidade de Chicago e um dos ganhadores do Prêmio Nobel de 2013, de que esse tipo de prática gera uma série de desequilíbrios no mercado, pois o preço de uma ação é formado pelas informações que o mercado tem a respeito de uma empresa, seu setor, seu país e sobre o que acontece no mundo, sendo fundamental para o funcionamento do mercado mobiliário que as empresas deem informações relevantes a todos os investidores simultaneamente.

A falta de transparência no mercado, bem como a hipótese de que a bolsa trabalha com insiders, afastam tanto o investimento externo quanto o interno, isso porque empresas e investidores ficam com receio de aplicar seu dinheiro em um mercado viesado. 

O trabalho de Martins, Paulo e Albuquerque (2013) identificou que, no Brasil, um aumento de 10,0% na probabilidade de negociação com informação privilegiada leva a um aumento de 8,0% no custo de capital próprio.

     Na literatura, é pacifico que a existência de insider trading eleva o custo de capital próprio das empresas. Nesse sentido, Bhattacharya e Daouk (2002) concluíram que o custo de capital próprio em um país não é alterado pela existência de leis que punem esse tipo de crime, porém, o custo decai significativamente após a primeira condenação.

Desta forma, com a existência desse tipo de crime e por muitas pessoas deixarem de investir dinheiro no mercado mobiliário, as empresas precisam pagar uma taxa de retorno mais elevada para atrair investidores, o que faz com que menos dinheiro seja investido na economia.

4. Punição ao insider trading no Brasil

O insider trading, uso de informações privilegiadas para obtenção de vantagem indevida, constitui crime financeiro disciplinado pela Lei nº 6.385/1976 em seu artigo 27:

Art. 27-D. Utilizar informação relevante ainda não divulgada ao mercado, de que tenha conhecimento e da qual deva manter sigilo, capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiro, com valores mobiliários: (Artigo incluído pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001)

Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime. (Incluído pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001)

Baratta (2002), ao discutir sobre o crime de colarinho branco, afirma que esse tipo de delito é menos perseguido pela justiça, pois envolve fatores que são de natureza social, como o prestígio dos autores das infrações, o escasso efeito estigmatizante das sanções aplicadas, a ausência de um estereótipo que oriente as agências oficiais na perseguição das infrações, como existe, ao contrário, para as infrações típicas dos estratos mais desfavorecidos – ou são de natureza jurídico-formal, como a competência de comissões especiais, ao lado da competência de órgãos ordinários para certas formas de infrações e em certas sociedades – ou, ainda, de natureza econômica, como a possibilidade de recorrer a advogados de renomado prestígio, ou de exercer pressões sobre os denunciantes.

O procurador da República, Deltan Martinazzo Dallagnol (2015), coordenador da Operação Lava Jato em Curitiba, ao falar sobre as dez medidas propostas pelo Ministério Público Federal de combate à corrupção, afirmou que não adianta existir uma punição adequada se a impunidade persistir, pois existe uma relação muito estreita entre corrupção e impunidade. Ele destacou que a literatura de corrupção [1]diz que a pessoa que pratica corrupção, por ser um crime racional, faz uma análise de custo e benefício, ponderando, nos custos, o tamanho e a probabilidade de existir a efetiva punição.

De acordo com o estudo da FGV feito por Prado, Rachman e Vilela (2016), que propôs uma análise crítica e construtiva do tema da utilização de informações privilegiadas para obter ganho ou evitar prejuízo em detrimento daqueles investidores que não dispunham da mesma informação no momento da aquisição, o Brasil foi um dos pioneiros no combate à referida prática, tendo em vista que sua vedação foi prevista em texto legal elaborado na década de 1970. Até então, apenas Estados Unidos, França e Singapura tinham aderido à vedação do insider trading. No que tange ao enforcement, ou seja, à efetiva aplicação da legislação, em 1977, o Brasil iniciou a apuração de casos de obtenção de informações privilegiadas em seu mercado de ações

Ainda nesta década, deu-se origem à CVM, autarquia ligada ao Ministério da Fazenda, que tinha como função fiscalizar as informações que circulavam no mercado, as pessoas que negociavam e os valores envolvidos.

Contudo, o primeiro caso expressivo a resultar em condenação severa, com pena de reclusão, ocorreu muito mais tarde, quando um dos executivos da Sadia fora denunciado pelo Ministério Público, sob acusação de obter informações indevidas acerca da Oferta Pública de Aquisição (OPA) da Sadia pelo controle acionário da concorrente Perdigão, em 2006. O acusado foi condenado, apenas em 2016, a 2 anos, 6 meses e 10 dias de reclusão, além de pagamento de multa de R$ 349,7 mil (Revista Consultor Jurídico, 2017).

Segundo apuração que Bronzatto (2017) realizou com banqueiros, advogados, professores, analistas e gestores de fundos, a dificuldade do Brasil em efetivamente punir tais práticas reside na falta de estrutura da CVM para investigação de ilícitos. O referido órgão encontra-se sobrecarregado e não possui suporte financeiro e tecnológico para desenvolver seu trabalho de forma eficaz. Vários foram os casos ignorados pela instituição, pela simples impossibilidade de analisá-los, levando a uma já conhecida impunidade para a prática em questão.

Conforme Rebouças (2017), a CVM tem tentado avançar, mas para isso enfrenta diversos obstáculos. A implementação do sistema “SIA-Eagle”, que monitora transações anormais no mercado, por exemplo, foi atrasado em vários meses por conta de contingenciamento de verbas – em clara afronta à autonomia financeira e orçamentária da CVM (Lei 6.385/76, Artigo 5º). Chama a atenção, ainda, a tentativa de suavização da tipificação e redução de punições dos crimes financeiros, presentes no projeto de reforma do Código Penal.

Bronzatto (2017) mostra que, entre os diversos casos de indícios de insider trading no Brasil, podemos destacar, como exemplo, o caso da JBS, em que dois pregões antes do anúncio da compra da Seara, o volume de negociação das ações foi 82% acima da média. Outro indício pode ser encontrado no caso da rede de farmácias Brasil Pharma, em que suas ações caíram 7% um dia antes de a empresa publicar seus resultados do quarto trimestre de 2013. É possível citar ainda a fusão da rede de supermercados Pão de Açúcar com a varejista Casas Bahia, em que, um dia antes do anúncio da operação, as ações da Globex, dona da rede de eletrodomésticos Ponto Frio, do Pão de Açúcar, subiram 35%.

Também é destacada por Bronzatto (2017) uma pesquisa da Universidade de Brasília, a qual aponta que as descobertas de poços da Petrobras são outra fonte de insider. De acordo com o estudo, há indícios de que 30% das descobertas anunciadas de 2001 a 2008 vazaram antes para o mercado. Nesses casos, as ações da estatal tiveram alta igual ou superior a 2% dez dias antes de a empresa divulgar os novos poços.

Atualmente, o mercado está acompanhando de perto o caso de Eike Batista. O empresário, que já foi uma das pessoas mais ricas do mundo, foi condenado, em junho de 2017, a pagar multa de 21 milhões de reais por uso de informação privilegiada com ações da OSX, empresa do setor naval de seu antigo império EBX. Entre maio e junho de 2013, Eike vendeu ações de sua empresa pouco antes de a empresa anunciar que boa parte de seus campos era economicamente inviável. Em setembro de 2013, voltou a vendê-las pouco antes de ele próprio divulgar que não tinha recursos suficientes para capitalizar a companhia, um compromisso assumido em outubro do ano anterior.

Para a CVM, Eike lucrou pelo menos 124 milhões de reais com a operação. Ainda em abril de 2013, o empresário vendeu ações da OSX quatro dias antes de o conselho de administração aprovar uma mudança no plano de negócios, que incluía uma série de cortes de funcionários e encerramento de projetos. A decisão só foi comunicada ao mercado em maio, quando os papéis da empresa caíram 27%. O resultado desse processo certamente servirá como base para futuras investigações e parâmetro jurisprudencial para os órgãos atuarem na prevenção e punição a esse tipo de crime.

Ainda de acordo com Bronzatto (2017), o curioso é que as leis que punem o crime de insider trading são duras no Brasil. No limite, o condenado pode passar cinco anos preso, porém, na prática, isso nunca aconteceu. Em 2013, a CVM concluiu dez casos envolvendo uso de informação privilegiada, desses, sete terminaram em acordo, um em absolvição e apenas dois em condenação. Um dos condenados foi Rafael Palladino, ex-presidente do banco Pan, vendido ao banco BTG Pactual em 2011, prestes a quebrar. Ele foi obrigado a pagar multa de R$877.000,00 por ter vendido ações da instituição antes de divulgar ao mercado que tomaria um empréstimo com o Fundo Garantidor de Créditos, em 2010.

Também segundo a reportagem da revista EXAME (Bronzatto, 2017), atualmente, segundo os executivos do mercado ouvidos pela revista, o crime compensa. Mesmo quem é pego em flagrante se safa com um acordo e, pelas regras do acordo, não se declara a culpa ou a inocência do réu.

Esse tipo de punição branda é justamente uma das fontes de maior crítica. Conforme Rebouças (2017), a atuação da CVM na punição de insider trading tem sido questionada devido à prerrogativa do órgão regulador de celebrar termos de compromisso. O instrumento suspende o processo administrativo da CVM, mas não impede de processo criminal. Pelo termo de compromisso, a CVM e o indiciado assinam um acordo que gera obrigações de pagamento de valores e até de deixar de atuar no mercado por um determinado período. Sua utilização tem sido criticada por evitar que o indiciado seja investigado e que oculte uma possível prática de insider trading.

De acordo com o estudo da FGV (PRADO; RACHMAN; VILELA, 2016), as multas representam mais de dois terços do to­tal das punições aplicadas e seus valores giraram em trono duas a três vezes o valor do ganho obtido. No período pesquisado, do universo de 38 punidos pela CVM, 31 foram multados. O maior valor foi de quase R$ 22 milhões pagos pelo Credit Suisse que foi indiciado num processo de uma operação de R$ 7,5 milhões. Também no período, foram aplicadas cinco advertências, a maioria sobre os indiciados provenientes do mer­cado e duas inabilitações pelo período de cinco anos a dois administradores.

Ainda sobre a impunidade, Rebouças (2017) cita Richard Blanchet, coordenador da Comissão Jurídica do IBGC, segundo ele, não dá para dizer com certeza que a prática de insider trading é crime sem castigo no Brasil. “A conscientização sobre o insider é maior do que no passado e a estrutura para combater esse crime também”, acrescenta. Porém, apesar de existir uma tendência de aumentar a identificação e a punição da prática de insider e um esforço cada vez maior do órgão regulador (a CVM) em puni-la, o número de investigações e de penalizações através de multas e outros processos administrativos ainda é muito baixo em relação ao tamanho do mercado.

5. Conclusão

Em suma, a Criminologia Crítica comprovou que o sistema penal é seletivo e desigual, havendo uma relação entre os estudos de Sutherland e as principais bases criminólogas, visto que ambos ressaltam o fato de que os detentores de poder cometem crimes sem serem punidos.

 Uma possível solução para a situação atual é a mudança de pensamento da sociedade como um todo que, como foi dito, muitas vezes, não enxerga de forma estigmatizada os delitos cometidos por pessoas de elevado status social. Ademais, deve haver também uma retificação do modo de abordagem pelas emissoras midiáticas sobre quem prática tal crime e as consequências dele.

Tanto no Brasil, quanto no mundo, o crime de colarinho branco sempre sofreu pouca censura pela sociedade, o que facilitou, e facilita até hoje, a impunidade desses criminosos, principalmente nos crimes financeiros contra o mercado mobiliário. Infelizmente, o uso indevido de informações privilegiadas por investidores, constituindo insider trading, é algo extremamente recorrente no Brasil e, apesar de haver previsão de uma punição considerada severa, são poucos os casos efetivamente punidos na prática. Enquanto a maioria passa despercebida, aqueles que são denunciados resultam em acordo ou, em último caso, em pagamento de multas. 

Ocorre que, apesar de detectável, tal prática não é penalizada como deveria por conta da sobrecarga da CVM, que não dá conta de identificar e denunciar a maior parte das irregularidades existentes; e, ainda, da falta de recursos financeiros e tecnológicos para que a instituição possa exercer seu trabalho de forma efetiva. Nesse sentido, é possível que o sistema “SIA-Eagle” venha a auxiliar na identificação dos casos de insider trading, melhorando esse cenário de impunidade.

Por ora, o que se observa é que a existência de insiders no mercado brasileiro afasta investimentos tanto internos quanto externos, aumentando o custo de capital próprio das empresas e, consequentemente, diminuindo o importe destinado a própria economia. Tal situação é péssima para o atual cenário da economia brasileira, fator que só reforça ainda mais a necessidade de coibição das referidas práticas.

 

Referências
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e a crítica do direito penal: Introdução à sociologia do direito penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002.
BHATTACHARYA, Utpal; DAOUK, Hazem. The World Price of Insider Trading. The Journal Of Finance, [s.l.], v. 62, n. 1, p.91-108, fev. 2002.
BRONZATTO, Thiago. Crime na bolsa. Disponível em: <http://exame.abril.com.br/revista-exame/crime-na-bolsa/>. Acesso em: 3 maio 2017.
CVM. CVM lança campanha sobre insider trading. Disponível em: <http://www.cvm.gov.br/noticias/arquivos/2016/20160601-2.html>. Acesso em: 03/05/2017.
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DALLAGNOL, Deltan. Corrupção mata mais que um homicídio, diz o procurador Dallagnol. [6 de junho, 2015]. Época ideias. Entrevista concedida a Flavia Tavares. Disponível em: <http://epoca.globo.com/ideias/noticia/2015/08/corrupcao-mata-mais-que-um-homicidio-diz-o-procurador-dallagnol.html> Acesso em: 26 de março de 2017
MARTINS, Orleans Silva; PAULO, Edilson; ALBUQUERQUE, Pedro Henrique Melo. NEGOCIAÇÃO COM INFORMAÇÃO PRIVILEGIADA E RETORNO DAS AÇÕES NA BM&FBOVESPA;. Revista de Administração de Empresas | Fgv-eaesp, [s.l.], v. 53, n. 4, p.350-362, ago. 2013.
POGGIO, Gianpaolo; FABRETTI, Humberto. Introdução ao Direito Penal: Criminologia, principios e cidadania. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2016.
PRADO, Viviane Muller; RACHMAN, Nora; VILELA, Renato. INSIDER TRADING: NORMAS, INSTITUIÇÕES E MECANISMOS DE COMBATE NO BRASIL. São Paulo: Fgv – Direito, 2016.
REBOUÇAS, Lucia. INSIDER TRADING CRIME SEM CASTIGO? Disponível em: <http://www.revistari.com.br/187/883>. Acesso em: 3 maio 2017.
REVISTA CONSULTOR JURÍDICO, Ex-diretor da Sadia é o primeiro condenado no Brasil por insider trading. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2016-fev-22/stj-profere-primeira-condenacao-insider-trading-brasil>. Acesso em: 3 maio 2017.
SUTHERLAND, Edwin H.. Crime de colarinho branco. Rio de Janeiro: Revan, 2015.
 
Nota
* Artigo orientado pela Profa. Bruna Soares Angotti, Informações sobre a orientadora: doutoranda e mestre em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo especialista em Criminologia pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais professora de metodologia da pesquisa jurídica e de antropologia jurídica na graduação em direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie.
[1] Por exemplo, Susan-Rose Ackerman, Robert Klitgaard, Peter Graeff, dentre outros.


Informações Sobre os Autores

Vivian Rosa Mazza

Acadêmica de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie

Fabio Lunardi Tieppo

Acadêmico de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie


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